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De volta às origens

–Não dá para aportar no trapiche do povoado. – Félix se lembrou de explicar à Juna. – Só pequenas embarcações, por causa dos bancos de areia. Temos que seguir de bote até lá– apontou para o pequeno cais, caindo aos pedaços.

–Quê? – indagou Domênico, entre nervoso e indignado. – Não tem porto?

Ele detestava se sentir vulnerável; e sair do Loba do Mar os tornava alvos fáceis.

O mar parecia muito calmo, mas as correntes marítimas poderiam jogar o navio de encontro aos paredes dos rochedos. A baía se assemelhava a um lago em meio a um anel de rochedos.

Domênico tratou de virar todo o leme para alinhar a proa do navio, antes de jogarem âncora. Gritou ordens aos marujos que estavam no convés. Afinal, o Loba ainda corria o risco de bater o casco no fundo. Tão logo verificou que a embarcação estava em segurança, Domênico mandou baixar os botes para levar a tripulação para terra firme.

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Assim que chegaram, foram recebidos por alguns pescadores do povoado, que lhe deram indicações sobre a topografia local. Juna logo percebeu que eles não tinham tavernas, ou nada parecido com o que estava habituada, no continente. Ao manifestar seu desejo de voltar ao navio, Félix sugeriu.

–Poderemos ficar no castelo da minha família – ele apontou para cima, onde o castelo dominava todo o cenário.

–Tua família é dona daquele castelo, Félix? – Juna indagou, surpresa.

–Bem, eu sou do lado pobre da família. – Félix brincou, sem jeito.

Ao ouvir seu nome, um velho desdentado se aproximou.

–Félix O'Shea? – Indagou, encarando-o com assombro.

–Eu mesmo. – Félix tentou reconhecer o homem, sem sucesso.

–Sou eu, Rory... Teu pai e eu pescávamos juntos. – Mudando a expressão de satisfação para receio, ele prosseguiu: – Tu não deves ir para o castelo. É mal assombrado.

–Ora! – Félix riu. – Há tempos que não acredito em fantasmas. Não será agora que vou começar a acreditar.

Os piratas se entreolharam, receosos. Ali, todo mundo acreditava. Eles já tinham viajado muito e visto coisas que poucos acreditariam, se ouvissem falar. Mas, como Félix era novato, acharam por bem deixá-lo descobrir sozinho que havia mais coisas entre o fundo do mar e a areia da praia, do que sonhava a razão dos homens.

–Não tem mesmo uma taberna por aqui...? – Insistiu Juna.

–Não, senhora. – O pobre homem respondeu. – Somos uma aldeia miserável e muito retirada do itinerário comercial.

–Eu imaginei. – Juna olhou para o céu, bem no instante que desabou uma chuva forte. A Irlanda era assim. Se de repente o sol brilhava, de repente a chuva caía...

– Bem, acho que não temos escolha – disse ela, azeda. – Ao castelo!

Eles subiram pela trilha íngreme, sob os olhares curiosos e assombrados dos moradores locais.

–Essa região parece abandonada. – Domênico comentou, baixinho.

Realmente, nada estava como Félix se lembrava. Naquela época, a aldeia era próspera; o povo, alegre.

Eles caminharam com dificuldade em meio à lama escorregadia e as pedras molhadas. A subida foi morosa e cansativa.

–Estou arrepiado! Pressinto perigo. – Domênico teimava.

–Não digas bobagens, homem! Estás arrepiado por causa dessa chuva gelada – retrucou Juna.

Ele resmungou qualquer coisa.

Félix, mais à frente do grupo, diminuiu o passo. Olhou na direção do castelo e comentou, para si mesmo:

–Não entendo... Carmin-Sur era cheio de alegria. Muitos camponeses colhiam flores todos os dias. Mas, onde estão as flores?

–Ele quer flores com essa chuva horrenda de inverno. – Gideon riu, cutucando Jayme. O outro deu uma risadinha em resposta, depois cruzou os braços arrepiados.

–Só vejo ervas daninhas por aqui – comentou Lang, o viking.

Quando alcançaram o topo do penhasco, estavam encharcados. Precisaram andar mais um pouco até chegar ao fosso. Havia uma ponte levadiça que funcionava como porta, quando içada. Era feita de madeira maciça, e teriam de tacar fogo nela, para conseguir derrubá-la. Mas não com aquela chuva, Juna concluiu, mal-humorada.

Félix tocou o sino. Como ninguém atendia, os piratas se articularam para cobrir o fosso de alguma maneira e atravessar. Logo perceberam que a madeira estava velha e apodrecida. Era óbvio que o castelo carecia de manutenção.

Cada vez mais intrigado, Félix não entendia isso, nem porque não havia guardas nas torres... Ou, ao menos, um mordomo para recebê-los.

Usando de muita criatividade, finalmente, transpuseram o fosso... A porta que já foi sólida, cedeu com o primeiro chute de Lang. Estava comida de cupins. O interior da construção se revelou ao grupo.

Lá fora, um corvo gritou, atravessando os céus.

Dentro do castelo, o imenso salão de pedra terminava numa ampla escadaria, a qual emoldurava a janela enorme, toda de vitrais, e parcialmente coberta por grossas cortinas de veludo escuro. Tudo estava repleto de pó e teias de aranha.

Do alto da escada desceu um velhinho empunhando um castiçal aceso para iluminar o seu caminho. Ao vê-lo, Félix não se conteve de alegria.

–Maxwell! Como é bom revê-lo! Onde estão todos?

O olhar do velhinho passou pelos piratas, demonstrando certo receio, até se deter nele.

–Mestre Félix? És tu, mesmo? – Ele se emocionou, depois sussurrou: – Não sei se fico feliz por vê-lo de volta a este antro. Todos os O'Shea abandonaram o castelo, exceto McFlint, marido da falecida Caitlin.

O sorriso de Félix desapareceu.

–Caitlin, morta? Não pode ser!

–Sinto muito, mestre Félix. – O velho o encarou com profundo pesar. – O patrão Malcolm é refém da esposa. Tornou-se um completo demente.

Confuso, Félix, indagou:

– Como é que é?

–A maldição abateu-se sobre Carmim-Sur! – O velho desabafou, em tom de súplica.

Do alto das escadas, veio um grito de gelar a alma. Todos se voltaram para aquela parte escura do castelo, com variadas expressões de horror.

–Madre de Dios! – Jayme beijou a pequena cruz atada ao pescoço, por uma fita preta.

–Que foi isso? – Juna indagou, alerta.

–É Caitlin... – respondeu o velho Maxwell, pesaroso. – Voltou dos mortos para realizar a sua vingança sobre o noivo assassino.

–Preciso encontrar Malcolm e esclarecer essa loucura! – Félix comentou, correndo escada acima.

–Vamos juntos! – Determinou Juna, fazendo menção de segui-lo.

–Nem pensar, Juna! – Domênico interveio, com firmeza.

Ela não deu atenção ao irmão adotivo e seguiu escada acima. O velhinho ergueu a mão, numa vã tentativa de detê-los. Os outros piratas, apavorados, não arredaram o pé de onde estavam – exceto por Lang, mais interessado em verificar a sábia engenharia que deu àquela construção tamanha solidez. Para tanto, dispôs-se a perambular pelo seu interior, analisando tudo.

Fantasmas não assustam os vikings. Eles sabem reverenciar os mortos.

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Félix e Juna invadiram os aposentos de Malcolm com as espadas em punho. Encontraram-no encolhido num canto da parede, acocorado, suando frio e tremendo. Ele falava sozinho – uma ladainha que só conseguiram entender quando se aproximaram do homem.

–Larga-me, demônio! Deixa-me partir! Deixa-me, maldita! Eu te matei!

Juna ficou atônita.

–Acho que começo a entender. O infeliz está sendo assediado por criaturas das trevas.

–Não, senhora. – Maxwell disse, da porta. – O patrão cometeu um terrível crime, e está apenas pagando pelos próprios atos. Cabe a ele se redimir e se libertar. A ninguém mais.

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