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Capítulo 1: Sem informações da página nos resultados da pesquisa

Há momentos da vida de uma mulher em que somos postas de frente com adversidades cruéis e a verdade é que começam logo cedo: por exemplo, quando aos onze anos achei que tinha um cancro de mama porque senti "qualquer coisa" no peito. Depois de semanas de incerteza e angustia, cujo pico de paranoia se refletiu numa contagem cuidadosa da perda de cabelos por dia, lá ganhei coragem para enfrentar aquele diagnóstico e contar à minha família a triste partida que o destino me tinha pregado: ia morrer.

Claro que não morri, estava só a crescer-me o peito, a questão é que foi cruel ter andado semanas a achar que ia morrer. Mas o pior veio depois, quando percebi que só o lado esquerdo do meu peito é que se tinha decidido emancipar. Fiquei um ano a encher o lado direito do soutien com papel higiénico, porque não cabe na cabeça de ninguém andar por aí como uma mono-mama quando se está no sexto ano. Era pedir para ser abatida e ainda era demasiado insegura e dependente dos meus pares para viver à sombra de mim própria.

E verdade seja dita isso foi só o começo. A seguir ao diagnóstico de morte precoce por desenvolvimento de seio esquerdo seguiu-se uma festa de aniversário de uma amiga, onde estavam dois rapazes giros sobre os quais não me conseguia decidir (não importava, eles já tinham decidido e não era eu). Enquanto trepava por umas escadas de um beliche, a aproveitar os últimos laivos da infância, senti uma facada na barriga, e não, ninguém me tentou matar, isto se excluirmos o meu próprio útero. Fui posta fora da festa com um saquinho de lembranças (o último de sempre) e um penso higiénico (o primeiro de sempre), do género toma um docinho e bem-vinda ao maravilhoso mundo da TPM.

E até aí eram só mudanças físicas, esperadas claro está, até porque não queria ser a última a ter peito ou período, mas também não queria que olhassem para mim como se fosse outra pessoa, por isso passava os dias a demonstrar que, ei! Tenho peito, mas ainda consigo saltar! Tenho o período, mas ainda consigo fazer a espargata! Olhem para mim, sou a mesma pessoa! Mas a verdade é que as mudanças no corpo da mulher servem só para a distrair, porque estava tão concentrada em manter-me igual que não vi o comboio das hormonas a aproximar-se e a colher-me.

Fui levada. Apanhada. Não bastava achar que estava destinada a viver um romance nerd/badboy com rapazes estúpidos da escola (mas com um ótimo cabelo) tive de dar um passo em frente no quesito ilusão: ficar obcecada por rapazes famosos, giros, sem borbulhas e com mais quatro anos do que eu, o que aos treze anos faz TO-DA a diferença!

Foi tudo tão injusto! Na altura eu já tinha uma mama maior que a outra, dores menstruais que apelidava carinhosamente de mons-truais, e usava aparelho (outro momento muito cruel da minha existência), do que eu precisava mesmo para ficar completamente disfuncional aos olhos de toda a gente era desenvolver uma relação parassocial com uma banda cujo nome traduzido seria algo como "Uma Direção" ou como os rapazes da minha turma lhes chamavam "Uma Ereção".

Mas não se enganem, houve um momento de lucidez, de que algo dentro de mim se tinha partido quando alguém embalou a minha consciência infantil para um corpo adolescente, e por isso mantive-me quieta e calada até poder apurar se era a única a sofrer daquele mal.

Foi mais ou menos por essa altura que a internet chegou a casa dos meus pais (felizmente dois anos depois da febre do Justin Bieber) e sabem o é que me relevou uma investigação apurada sobre a minha mais nova obsessão? Eu e mais duas mil raparigas numa página de fãs do Facebook estávamos absolutamente contaminadas por uma epidemia de bandeiras da Union Jack e certas de que seriamos capazes de fazer um daqueles rapazes apaixonar-se por nós (individualmente, não em grupo, isso seria demais).

A minha vida tornou-se uma redoma desenfreada de factos sobre a banda. Eu estudava entrevistas, via vlogs de backstage, analisava ao pormenor audições do programa de talentos onde tinham sido descobertos e posso dizer, com muito pouca-vergonha, que o meu primeiro dilema estético foi por causa de um póster. Afinal, que tipo de maluco é que se lembra de meter na mesma folha, frente e verso, duas fotos completamente diferentes do namoradinho da internet? De um lado o Harry sorria, agarrado a um urso, do outro, seguindo as indicações de algum fotógrafo manhoso, metia a mão atrás da cabeça numa tentativa de movimento natural que lhe fizesse subir a t-shirt. Eu, que não era particularmente brilhante a matemática percebi que isto se tratava de um jogo de probabilidades, e a probabilidade eu me restringir a um dos lados daquela moeda era nulo! Ia virar e desvirar aquele poster todos os dias, porque se alguma coisa se aprendeu com a Hannah Montana é que o melhor dos dois mundos é para ser vivido!

E provavelmente, até agora, estas provações podem parecer supérfluas e resumir-se a eventos biológicos normais e a uma febre fanática que, admito, era um bocadinho assustadora, mas não fosse o antibiótico de vergonha que tinha tomado dos onze anos para frente, e o facto de ter começado a aperceber-me de que havia um canto escuro na internet onde havia mais raparigas como eu, nunca tinha chegado até onde estou hoje. Nunca! Se hoje tenho vinte e seis anos e estou sentada numa sala cheia de gente a babar-se por um livro com uma semana de publicação e um selo de best-seller, foi porque segui os meus piores instintos!

É que se não tivesse sido rejeitada por todos os rapazes de quem gostei, incluindo um que era um ano mais novo do que eu, nunca me teria refugiado em romances merdosos, tudo isto enquanto metia a cabeça do Harry Styles no corpo de todos os protagonistas de que tenho memória... aliás, nunca teria acabado de ler Os Maias se não tivesse imaginado o Carlos Eduardo da Maia como uma versão galante inglesa! E nessa altura, esfomeada de romance e com tanto tempo livre percebi que podia eu mesma escrever os meus romances. Sobre quem? Isso mesmo, Harry Styles.

Durante três anos tive a experiência que muitas mulheres só têm aos trinta e dei à luz não um, mas três volumes daquilo a que os especialistas chamam "fanfics". De gosto duvidável? Claro! Cheias de erros ortográficos? Eu sou disléxica! Se muito, fui corajosa em insistir numa coisa que toda a gente me disse para não fazer: escrever. E escrevi tanto, e tanto tempo que foi como treinar para as olimpíadas e ganhar o ouro. Eu era boa. Sabia que cordelinhos puxar para deixar outras adolescentes a suspirar e era rápida a lembrar-me de inícios de história cativantes o suficiente para fazer as pessoas querer ler mais.

E sinceramente, quando um dia me sentar  à frente de um entrevistador com tendências melódramáticas e ele me perguntar o que é que dizem os meus olhos, posso encher o peito de ar e dizer, de olhos cheios de lágrimas e maquilhagem toda borrada, que quando ninguém acreditou no meu talento, eu não desisti e só por isso é que... Ó! Estão a bater palmas!

Endireito-me mais na cadeira e abandono o desvaneio. Onde é que eu ia? Ah! Adversidades cruéis... pois. Estou a viver uma neste momento, enquanto oiço Oliver, o meu agente, a falar ao microfone.

-Foi um longo caminho até chegarmos a esta sala cheia de gente que mal se aguenta a discutir um livro que eu tive o privilégio de ser o primeiro a ler e ver... digo ver porque a escrita nunca foi tão cinematográfica, não fosse esta incrível mulher, batalhadora e resiliente uma força da televisão. Por favor, uma salva de palmas para a autora que conquistou o coração dos portugueses, e de mais umas quantas nacionalidades e fazem não só de mim, como dela, muito, mas mesmo muito ricos!

Gargalhada geral, e tive de rir também, enquanto pensava na minha conta bancária. As palmas espalharam-se pelas paredes do velho museu onde tinham escolhido fazer a comemoração de uma semana do lançamento e ouvi os gritos de um grupo de fãs particularmente amoroso.

-Obrigada! Muito, muito obrigada.

E num mundo paralelo, quem tinha agarrado no microfone tinha sido eu. Quem se poderia deliciar com a narrativa, com os personagens e com as perguntas interessantes dos leitores, podia ser eu. Mas no mundo real as raparigas que cresceram desajeitadas, com uma mono-mama e escreveram fanfics enquanto deviam estar a juntar dinheiro para depilação a laser não tem espaço para serem interessantes. Por muito que nos digam que sim, não. A não ser que sejamos filhas de alguém importante, ou usufruamos de pretty privelage é quase impossível furar a bolha.  E eu tentei publicar os mesmos livros que acabei por escrever para a Verónica, mas a minha cara nunca ia vender, e nela... são o quadro perfeito. Por isso, é com um horror repassado que vejo, pela quarta vez nos últimos quatro anos, Verónica subir ao palco.

Com trinta e cinco anos e mais carreira no dedo do pé do que eu alguma vez vou ter no corpo todo, ela delicia-se com os flashes que a cercam. Eu, por outro lado, delicio-me com  champanhe quente.

Porque é que continuo a aceitar vir a estas festas? Parecem convites deliberados de humilhação a que sou incapaz de resistir. Eu tinha escrito o livro, mas não era nem boazona, nem rica, nem tinha um programa de televisão. Noup! Tinha recebido exatamente três mil euros pelo meu trabalho de escritora fantasma e mesmo depois de seis anos a usar aparelho ainda tinha um dente torto. A vida não é justa.

Tenho de me pisgar daqui, mas queria falar com Oliver, que atua como agente duplo, meu e da Verónica. Por outro lado gostava de evitar a situação embaraçosa das apresentações, em que ele explica à vedeta quem eu sou, pela oitava ou nona vez. Ela parece insistir em esquecer-se do meu nome e a minha cara de cada vez que lhe vendo um bestseller. Olho uma última vez para eles, a pousar para os fotógrafos e ponho o copo de champanhe quente numa mesinha, que estranhamente, desaparece de debaixo do meu toque. Quando dou por mim o copo está no chão e eu agarro-me ao casaco de alguém o que gera, inevitavelmente, o mesmo som que as minhas calças 36 fizeram quando eu já era um 38.

-Merda!

A sala fica em silêncio e um flash dispara sobre mim. Um par de mãos quente apanha-me a tempo de eu bater com o nariz no chão e sou rapidamente endireitada.

-Está bêbada?- Uma voz grave perguntou.

-Han?- Olhei em volta, ainda a tentar equilibrar-me e meio cega do flash.

-Perguntei se está com os copos!

Que pergunta ridícula! Uma pessoa já não pode ser descoordenada às seis da tarde sem estar bêbada? Olho finalmente para ele e coro perante a cara de aborrecimento dele, parece estar a fazer força, ou para não se rir, ou para me tocar. Tem exatamente a mesma cara que todos os tipos ricos que já vi e conheci e provavelmente está com algum nojo de estar a tocar numa t-shirt que custou 3,99€. Sei imediatamente que é do tipo que ainda paga para lhe engraxarem os sapatos e espera que lhe abram as portas nos hoteis.

-Claro que não estou com os copos! Foi a mesa, a mesa...

Olho em volta e reparo que a mesa é uma perfeita monstruosidade de design, segura por uma única perninha de aço. Claro que tinha caído, não era eu, era a mesa!

-Consegue equilibrar-se?

Que paternalista! Haveria de pensar que nos 26 anos que antecederam este aparato eu tinha andado por ai a apoiar-me a burgueses mal dispostos.

-O que é que lhe parece?

Os olhos dele percorrem-me o corpo, não de uma forma sexy, mas com o que me parecia alguma pena, como se eu tivesse as pernas trocadas. As pessoas, que tinham parado para olhar para a confusão que eu tinha feito, retomaram as suas conversas, mas ele continuava à espera de alguma coisa. Empertiguei o queixo para a frente, como os miúdos do meu bairro faziam antes de se peitarem e começarem a andar em volta, quase a beijarem-se antes de uma porrada épica.

-Precisa de mais alguma coisa?- Perguntei com o meu melhor tom de confiança fingida.

-Sim.- Os olhos castanhos, líquidos, eram graves e por momentos temi que em linguagem de homem o tivesse mesmo convidado para andar ao murro. Neste caso seria insensato, embora tivesse a cara de um duque, tinha a altura de uma monstruosidade de um metro e oitenta.- Sim, a verdade é que gostava mesmo muito que me largasse o casaco.

Porra. Estava a agarrá-lo! Afastei-me tanto quanto possível e voltei a tropeçar numa ponta da carpete escura que estava levantada. Quando me consegui recompor vi-o, por instantes, a olhar para cima, como que a pedir a nosso senhor que o tirasse daquela situação.

-Desculpe.

Ele não olhou para mim, em vez disso concentrou-se no rasgão que tinha na manga do casaco, cujo forro azul-bebé se fazia agora ver. Ia pedir desculpa outra vez quando ouvi o meu nome.

-Julieta!

Virei-me para ver Oliver a sorrir-me, como quem encontra finalmente o talão do Euromilhões que tinha perdido no lixo. Aqui estava um homem que adorava o meu cérebro mais do que qualquer outra coisa. Ele podia pagar-me mal, e só uma vez por ano, mas quem podia culpá-lo? A linha do couro cabelo dele parecia fugir dele na mesma velocidade que os homens fugiam de compromissos... olha, pensando nisso, talvez seja karma.

-Isto é que foi uma entrada. Queres mesmo partir tudo!

-Acho que não parti a mesa...

Virei-me para apanhar aquela coisinha de aço, mas o homem que me tinha apanhado já o tinha feito.

-Que se lixe a mesa! – Disse Oliver, no seu tom despreocupado.

-E o meu casaco.- O tipo tossiu, como que a desfarçar a boquinha.

Rangi os dentes e forcei um sorriso enquanto me virava lentamente para ele.

-Lamento muito ter-lhe rasgado o casaco, eu pago se...

Oliver cortou-me a frase com uma gargalhada histérica.

-Adoro o teu sentido de humor, é maravilhoso!

O homem pareceu ficar ligeiramente embaraçado e eu fiquei não tão ligeiramente ofendida.

-Como assim? Estou a falar a sério. Eu pago!

Oliver e um agora muito embaraçado Sr.Pomposo trocaram um olhar.

-Não vai ser necessário. Com licença. 

Fiquei a vê-lo afastar-se, todo sério e fino. Odeio pessoas assim. Andam tão apertas e cheias de sim mesmas que não lhes passava uma agulha pelo cu. 

-Aquele casaco está fora da tua liga, miúda.

Não percebi se ele estava a falar do casaco ou do homem, que a bem dizer, não devia ter mais de trinta anos. Desviei o olhar do Pomposo de casaco rasgado e olhei para o Oliver, que continuava a sorrir. Era fascinante como o sorriso dele tinha sempre a mesma medida, não mais curto, não mais largo, exatamente uns sete ou oito centímetros de boca.

-É só um casaco.- Murmurei, qual adolescente petulante.

Mas a verdade é que olhando para a sola dos sapatos do homem, comecei a recear que não fosse só um casaco e, quem sabe, tivesse sido feito na escócia, com lã de ovelhinhas virgens cujo o último sacrifício era ficarem despidas para poderem aquecer homenzinhos ricos e estúpidos em lançamentos de livros de apresentadoras de televisão.

-Não vamos falar mais disso.

Ele agarrou-me no braço e levou-me para um canto mais afastado. Parecia querer falar e agradeci por isso, porque também queria falar com ele. Parecia que ambos queriamos dizer alguma coisa, ele com a sua careca brilhante, eu com o cabelo escorrido e umas bochechas vermelhas de vergonha. Deixei que ele começasse.

-Sabes, estou muito contente com o teu trabalho. Estás a atingir uma certa maturação enquanto escritora, deve ser do estrogénio.

-O quê?- Estava genuinamente confusa.

-Vocês, mulher, começam a perder estrogénio aos 25, não é? É fantástico, ficam mais macambuzias, começam a perceber que os homens e a sociedade são uma merda e que estão condenadas e isso dá-vos um azedume fantástico.

Ele estava a elogiar-me, chamando-me velha e azeda?

-Não sei se estou a perder estrogénio.

Subitamente lembrei-me que ao passar hidratante nessa manhã tinha sentido umas linhas ao lado dos lábios.

-Nada que um nadinha de ácido hialurónico não resolva. Eu dou-te o contacto do meu médico. É caríssimo, mas faz milagres.

Será que ele sabia o que me pagava? A única coisa cara que eu conseguia comprar era papel higiénico perfumado e mesmo assim, às vezes, custava. Entre escrever-lhe um livro para ele ganhar milhares de euros por ano, fazer três ou quatro spots de publicidade e muito trabalho criativo sem pagamento, não sobrava muito para eu andar por aí a aumentar os lábios e as bochechas.

Mas não podia pensar nisso. Tinha de me concentrar no trabalho, no sonho: eu queria escrever mais. Queria ganhar a vida com histórias.

-Estrogénio à parte, Oliver, fico mesmo feliz que gostes tanto do meu trabalho, e estava a pensar, se tiveres outras pessoas interessadas... posso escrever mais. 

O sorriso de oito centímetros passou a um sorriso de seis.

-Claro que podes, nem duvido. O problema é que a Verônica tem um tom único, percebes?

Piscou-me o olho como se eu fosse burra.

-É um tom tão único que ela não se quer arriscar a perdê-lo, ou partilhá-lo.

Estava pronta para lhe dizer que como autora era capaz de mudar o tom, de apresentar outras sinopses, de elaborar outras estratégias e narrativas, mas tudo isso caiu por terra quando uma sombra se agigantou sobre mim.

-Oliver! A deixar-me sozinha com os jornalistas? É louco!

-Verónica, querida!- Oliver levantou um braço e o cheiro a desodorizante caro e ao dinheiro que eu lhe dava a ganhar chegou-me ao nariz. Nota: não cheirava bem.

Foi em câmara lenta que me virei para ver Verónica, a mesma mulher do prime time que a minha avó tanto idolatrava. Era como se estivesse num permanente anúncio a shampos, o que até fazia sentido, já que o feed dela era todo publicidade. Não havia um post sem #pub, mais uma das formas que a vida online tinha de nos chamar de pobres, mundanos e irrelevantes.

Os olhos dela iluminaram-se na minha direção e de repente, uma sensação muito parecida a esperança, incendiou-se no meu íntimo. Afinal de contas eu não era melhor do que ninguém, eu também sucumbia a atenção de pessoas banais cujo holofote, ao contrário do meu, funcionava. Talvez pudéssemos ser amigas. Talvez ao fim de quatro anos e quatro livros que a tornaram uma das mulheres mais bonitas, inteligentes e bem-sucedidas do nosso país, ela pudesse reconhecer que...

-Aquele ali atrás é o Will?

Ela não estava a reconhecer-me. Outra vez. Nem sequer estava a olhar para mim. Oliver olhou por cima do meu ombro.

-Seria? Não sei. – Oliver olhou outra vez para mim, e quando o fez pareceu genuinamente surpreso por me ver.- Ah, já sei! Verónica, a Julieta veio ao lançamento!

Ela presenteou-me com o seu melhor sorriso.

-Isso é maravilho! É a primeira vez? Quer que assine algum livro?

Abram o alçapão, quero cair daqui direitinha para o inferno. Sempre é menos constrangedor do que isto.

-Não. Já vim quatro vezes. - Acabei por dizer meio sem jeito.

-Ah! Então é uma fã!

Oliver estava a ficar tenso. Isto era como a história dos duendes e do sapateiro; os duendes trabalhavam de noite e o ideal era que, de manhã, o Sapateiro achasse que tinha feito o trabalho sozinho, sem nunca nem desconfiar da existência dos duendes. O Oliver só nos meteu a falar para me poder distrair da ideia de escrever mais.

-Não, querida. A Julieta é... tu sabes.- Olhou de um lado para o outro, para ter a certeza de que ninguém o ouvia.- Ela escreve!

A Verónica levou as mãos ao coração, os olhos completamente embevecidos e já conseguia ouvir o agradecimento a escapar-lhe dos lábios...

-Eu acho isso ótimo! Ninguém merece ser analfabeto! Nem tão pálido!

Foooooodaaaaceeeeee! A minha vida não podia piorar. Simplesmente não podia! Mas não disse nada, sorri e depois fui desaparecendo para o fundo de tudo.

Aquela noite acabou como todas as outras noites em que me infiltrei num mundo onde não pertencia. Havia diretores de canais de televisão, celebridades, subcelebridades, jornalistas, atores, socialites, comediantes, advogados, médicos, responsáveis por fundações e todos muito bem pendurados e adornados nos pescoços e braços da Verónica e do Oliver.

Como sempre eu acabava inevitavelmente a beber uma bebida barata e quente a um canto escuro, enquanto observava tudo como se fosse um filme. Era constrangedor porque eu estava ali, mas ninguém me via. Eu não estava vestida de branco e preto e não tinha uma bandeja, então não estava a servir; mas talvez o faro desta gente não detetasse pessoas normais e eu não dava nem ares de pertencer, nem de intrusa.

A ser sincera, a única coisa que me fazia vir e ficar era o ego. Era ouvir todas aquelas pessoas ricas e importantes a elogiar o livro, a falar das personagens como se as conhecessem, como se fossem agora parte das suas vidas. E por isso eu ficava muito quieta, no meu canto, a alimentar-me de vaidade para, pelo menos, não voltar para casa a sentir-me uma completa idiota. Eu podia não ser afilhada de um ministro, podia não ter um emprego estável, e não ter um namorado lindo, ou namorado de todo, mas eu tinha talento e esforçava-me muito.

Dei um último gole na bebida, quando um grupo de três homens passou por mim.

-Sinceramente, o livro parece-me uma merda.

O quê?

Cuspi a bebida para o copo, completamente atónica.

-A sério?- Um homem que estava no grupo parou, também ele chocado.

-Nem sequer acabei a primeira página.

Senti-me ferver de vergonha, raiva e sobretudo de gritos com os quais gostaria de lhe pintar a cara, mas quando ele se virou e vi que era o homem do casaco que tinha rasgado, parei no meu lugar. Ele olhou para mim, alto, estoico e... bastante bonito com um cabelo ligeiramente encaracolado e tive a sensação de que ele sabia. Era ridículo, porque ele não sabia, mas parecia mesmo que me estava a humilhar, ofender e vilipendiar.

Sai sem olhar para trás, furiosa porque aquele idiota achava que eu escrevia mal, e porque não tinha conseguido nada daquela noite a não ser sentir-me um completamente falhanço a nível pessoal e profissional, porque, no final das contas, são os livros que me metem comida na mesa e eu já não tinha mais nenhum para escrever.

Enquanto avançava para a saída tive uma epifania: talvez isto seja uma doença. Talvez eu não seja um completo desastre enquanto pessoa. Talvez haja uma patologia qualquer pela qual eu posso pesquisar. Escrevo no google:

"Pessoa estúpida e empata... cura?"

O primeiro resultado é um coach motivacional com músculos gigantes nos braços e perninhas de alicate. Não, nem pensar!

Volto a tentar:

"Doença em que as pessoas não conseguem fazer nada jeito... cura?"

O primeiro resultado é uma igreja evangélica.

Não, ainda não é isto.

"Caos crónico... cura?"

Espero enquanto a página carrega... até que de repente aparece um pequeno bloco de texto que se torna, inevitavelmente, o último prego do caixão:

"Sem informações da página nos resultados da pesquisa"

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