Edmund agora tinha absoluta certeza de sua teoria. Os crimes de Sutton haviam sido perdoados e ele fora libertado da prisão para realizar o plano; afinal, precisavam de um profissional que não os mataria acidentalmente de verdade. Após o ataque, o sniper, então, tivera ajuda para escapar do país, como haviam concordado previamente.

A colaboração de Sutton na investigação da corrupção nada fora além de uma história inventada para acobertá-los, o que promoveu a popularidade deles entre as pessoas comuns. O objetivo principal do esquema era, desde o começo, dividir a oposição e aumentar seus poderes a partir de uma guerra ao medo que eles mesmos criaram.

Ed não podia mais suportar não fazer nada.

Jane havia enchido a mente dele com a ideia de fazer a diferença de verdade, pois não sabia que os dois interpretavam essa frase de maneira bem diferente.

Ed tentou não quebrar sua promessa e por isso não mencionou nem Jane nem Jude para Lord Hartford, mas mencionou o caso.

E se arrependeu imediatamente.

A resposta de John foi rápida e seca, pois ele considerou um imenso desrespeito ter seu aluno sugerindo-lhe como fazer seu próprio trabalho e Ed considerou um imenso desrespeito ter sua opinião tão duramente dispensada.

Ele conseguiu não perder a paciência e focar na lição, mas quanto mais o dia do julgamento se aproximava, mais difícil era segurar seus ímpetos.

Às vésperas da grande audiência, distribuindo panfletos nas ruas, ele finalmente explodiria.

Naquele dia, Harvey e ele precisaram insistir na presença de Jane porque necessitavam de toda a ajuda possível e ela reclamava que Jude era mais útil no processo de escrita do que Jane era falando com estranhos nas ruas.

Eleanor, cansada de ouvir os protestos da amiga, sugeriu que as duas tomassem um pouco de ar fresco antes de voltar à tarefa e foi nesse momento que Ed notou, de longe, Lord Hartford numa discussão fervorosa com Thomas Harvey.

– Tu és o culpado de tudo que aconteceu – disse John tentando ao máximo controlar seu tom. – Eu deveria saber que não eras confiável desde o momento em que o conheci! Foste muito educado quando querias que eu desse minha permissão, mas agora te atreves a distribuir... Isto!

Lord Hartford rasgou um dos panfletos que ajuntara do paralelepípedo.

O sr. Harvey ajeitou os óculos e cruzou os braços em silêncio.

– És um homem sem caráter, Harvey! Tu me enganaste, desrespeitaste à minha família, agiste pelas minhas costas e encorajaste toda esta baboseira sem sentido de Jude Hartford! – continuou. – Lady Jane é uma jovem impressionável e tu tiraste vantagem disso!

Tom franziu a testa.

– Já leste pelo menos um de seus artigos?! Seus livros, talvez?! – ele deu um passo à frente. – Eu entendo que penses que não tenho caráter, mas, honestamente, pensas que ela é tão ingênua? Peço que não dês a mim o crédito pela indisciplina dela, ela é esperta o suficiente para fazer o oposto do que dizes sem minha ajuda.

John ergueu as sobrancelhas imediatamente.

– Oh, então achas que conheces minha filha melhor do que eu? – seu tom elevou-se no final. – E pior: achas que não sei criar minha própria filha?!

– Parem com isso!

Nenhum dos dois sequer virou o rosto para ver quem havia feito o pedido.

Henry Bentley, que se aproximara com um olhar preocupado, ficou entre ambos, pôs a mão sobre o ombro de John e pediu que ele tivesse calma.

– E tu, sr. Bentley! – John afastou a mão dele e apontou-lhe o indicador. – Primeiro ofereces tua casa àquelas garotas logo depois delas desrespeitarem a mim e à mãe, então, decides apoiar a loucura de Lady Jane convidando-a para falar em público como algum rapaz rebelde das classes baixas! Consideras isto um ato de amizade?

O sr. Bentley umedeceu os lábios e respirou profundamente.

– Eu sou teu amigo, Lord Hartford – o sr. Bentley garantiu em sua voz aveludada. – Tu me mostraste bondade diversas vezes e eu sou muito grato por tê-lo em minha vida, mas as pequenas ladies também são queridas amigas e eu jamais as deixaria nas ruas sabendo que há espaço debaixo de meu teto. Eu gostaria que fizesses o mesmo se fosse minha filha naquela situação. Quanto ao convite à Lady Jane... Peço perdão. Nunca foi minha intenção passar por cima de tuas decisões, mas aquela moça é incrivelmente inteligente. Seu único desejo é ser ouvida e eu, que dei esta oportunidade para tantos através dos anos, arrependo-me de não ter percebido isso antes.

John travou a mandíbula e simplesmente encarou o sr. Bentley em resposta, então o sr. Harvey completou:

– As palavras dela inspiram muitos, Lord, é uma pena que homens em tua posição se recusem a escutá-las. Na verdade, é uma pena que o próprio pai dela se recuse a escutá-las...

À essa altura, as veias de John estavam bastante visíveis em sua testa e sua respiração estava assustadoramente pesada.

Não fosse pelo fato de estar no meio de uma rua lotada e da mídia estar tão obcecada com ele ultimamente, ele provavelmente teria dado um soco no sr. Harvey ali mesmo e talvez no sr. Bentley se ele usasse o seu tom tranquilizador mais uma vez.

Ser um juiz de tamanho prestígio vinha com certas responsabilidades que ele nunca aprendera a suportar. Claro, era fácil para ele esconder os sentimentos e manter a compostura, apresentar-se como o homem estável que esperavam que ele fosse, mas ninguém jamais é capaz de fazer sentimentos impetuosos simplesmente desaparecerem; por isso, a constante ebulição dentro dele. Ele não conseguia mais lembrar de como era permitir a erupção.

Enquanto preparava-se para entrar na carruagem e apagar aquela vergonhosa discussão, ele ouviu uma voz familiar chamando-o e viu nos olhos de um jovem rapaz a chama da qual havia se esquecido.

– Sr. Hawkins?! – disse pondo o pé esquerdo para fora da carruagem.

– Não pude evitar ouvir, meu Lord, e não posso mais ficar quieto sobre isso.

Lord Hartford inclinou a cabeça e ergueu as sobrancelhas, interessado no tom sério e desafiador de Ed. Ele, então, saiu completamente da carruagem e preencheu os pulmões encarando Ed com uma superioridade que jamais havia mostrado-lhe antes.

– Penso que és um tolo e um hipócrita – disse Edmund com firmeza.

O silêncio pairou no ar e John permaneceu completamente imóvel.

A raiva que sentia agora não era a mesma que sentira com os ataques de Tom, era arrogante. Ele agora pensava que Edmund, alguém que ele uma vez pensara ser um aluno promissor, não era nada mais que um jovem tolo que não saberia dizer nada relevante sobre ele. Era apenas um garoto irritado que sabia muito pouco sobre a vida e nada além disso.

– Eu não entendo por que sempre evitas o assunto, nem por que estás demorando tanto para decidir... Está muito claro que Anthony Murray e os outros estão por trás de tudo e tu sabes disso – continuou Ed. – Se decidires em favor deles, estarás condenando aqueles que afirmas defender, mas o que deixa-me realmente furioso em tua conduta é que o sr. Harvey está certo. Jane é imensamente talentosa e faz exatamente o que tu deverias estar fazendo; ela fala por aqueles que não podem falar por si. Talvez devesses aprender com ela.

John encarou-o diretamente e ele sentiu um calafrio.

Ed não percebera, mas John concluíra, pela maneira como Ed havia chamado sua filha pelo primeiro nome, que os dois se conheciam havia um tempo.

John estava tão cego por tal descoberta que sequer refletiu sobre as palavras que ouvira naquele momento.

– Isso é tudo, sr. Hawkins? – indagou ele, piscando como se a discussão houvesse sido completamente tediosa.

Edmund assentiu e puxou as mangas.

John virou-se para a carruagem mais uma vez.

– Estou terrivelmente decepcionado com o senhor – ele tirou as luvas e jogou-as no assento. – Não te incomodes em aparecer em Bridgewood de novo. Já desperdiçaste muito do meu tempo.

Edmund deu um passo atrás e observou a carruagem até ela desaparecer na esquina.

Ele suspirou.

Por alguns segundos, ele se sentiu bem por tirar aquilo do peito. O ar parecia mais leve e escorregadio em seus pulmões. Seu sangue formigava em seus braços e em seus punhos fechados, determinados.

Mas, assim que virou-se para voltar, seus olhos encontraram o olhar de decepção de John novamente; desta vez nos olhos de uma Lady e um nó se formou em sua garganta.