Capítulo 10
– Adivinha! – falou Peter.
Edmund, tranquilamente sentado na grama, desviou os olhos do livro e franziu o cenho para observar o amigo bloqueando a luz do sol.
– Finalmente tomaste coragem e pediste a srta. Bentley em casamento!
Peter bufou.
– Para de me pressionar, sabes que quero ter certeza de seus sentimentos antes de pedir...
– Ainda?! O que mais ela pode fazer? Escrever "Eu amo Peter Langley" na testa?
Peter revirou os olhos.
– Chega, não?
– Diz logo o que é tão importante a ponto de interromper minha leitura.
Peter observou-o pôr o livro de lado e então falou:
– Já leste os jornais hoje?
Edmund respondeu que não e Peter começou a ler o jornal que levara consigo:
– Jude Hartford, o autor que, ultimamente, desrespeitou todos os valores morais possíveis e a própria instituição sagrada da família, – ele parou para revirar os olhos novamente –, está escondendo muito mais que sua falta de decoro e de consideração para com os bons costumes. Ele é, na verdade, ela.
"Há alguns meses atrás, a moça em questão entrevistou um grupo de mulheres e algumas delas confirmaram sua identidade. Jude Hartford é Lady Jane Hartford, filha do conhecido juiz Lord John Hartford, e os escândalos não param por aí, pois a família Hartford não tem sangue nobre e muito menos vergonha..."
– Espera! – Edmund interrompeu. – Disseste Jane Hartford?
Peter bateu na cabeça dele com o jornal, mas ele nem piscou.
– Lady Jane Hartford, tenha um pouco de respeito, rapaz!
Edmund, atrasado, finalmente reclamou do "tapa" na cabeça, mas rapidamente foi envolvido por sua mente de novo e encarou a grama, pensativo.
– Ela não se apresentou como Lady quando nos conhecemos, então pensei que fosse simplesmente senhorita Hartford...
Peter piscou lentamente com lábios semiabertos.
– Estás me dizendo que conheceste a genial Lady Jane Hartford e eu não?
Ed, ainda um tanto desatento, respondeu que sim.
– Isso é tão injusto! – gritou Peter dramaticamente caindo na grama e fingindo um ataque cardíaco, mas Edmund não deu-lhe muita atenção, pois estivera distraído demais desde que ouvira o nome da moça. Ele não podia evitar a vaga lembrança de uma jovem de cabelos escuros, baixinha e insolente desapontada com ele em um jardim escuro alguns anos antes.
Aquele diálogo entre os dois no jardim mais tarde se tornaria uma das razões pelas quais ele decidiria estudar direito.
– Jane Hartford... – ele murmurou para si mesmo, sorrindo ao pensar no quão corajosa e inspiradora aquela garota havia se tornado. Ele fora seu fã antes mesmo de saber que era ela.
Embora a revelação da identidade de Jane fosse empolgante para os dois amigos, ela não foi tão bem recebida na casa dos Hartford.
Jane nem havia saído do quarto ainda quando ouviu o pai gritar no andar de baixo, cedo de manhã.
Quando finalmente alcançou o fim das escadas, ela viu a mãe de braços cruzados. Ela não aparentava estar zangada, mas estava definitivamente preocupada. Jane temeu que algo houvesse acontecido com o pai, mas ela logo pôde vê-lo de pé atrás da mãe com olhos vermelhos arregalados e veias pulsando em sua testa.
– Como te atreves a nos desrespeitar desta maneira? – ele grunhiu e Jane permaneceu paralisada.
– John... – suplicou Lady Hartford.
– O que estavas pensando?! – ele gritou. – Eu sabia que deixá-la trabalhar era um péssima ideia, mas isto... Eu nunca poderia ter imaginado!
Jane, ainda assustada demais para se mover, escaneou o aposento, procurando por uma pista e, como se lesse sua mente, ele pegou um jornal em cima da mesa do café e sacudiu-o na direção dela.
– Tens ideia do quão vergonhoso isto é? – perguntou.
– Papai, eu...
– Cala a boca, Jane! – ele berrou. – Não disseste nada quando o mencionei então não te atrevas a dizer algo agora!
Ela se encolheu.
A única razão pela qual ela não contara nada a ele fora porque pensara que ele não aprovaria e ficaria tão desapontado quanto estava agora. Nunca fora sua intenção perturbá-lo daquele jeito, especialmente porque ela sempre valorizara a confiança que ele tinha nela.
– O mundo inteiro está rindo desta família por tua causa! De mim, de tua mãe, de teu irmão... Porque não pensaste em ninguém além de ti mesma!
Ela franziu o cenho para o comentário.
Por meses, pensar neles fora a única coisa que ela fizera; sobre o quão preocupada estava por Georgie; sobre quão devastado seu pai ficaria se soubesse sobre Jude, sobre quantos insultos sua mãe teria de ouvir por não criá-la bem o suficiente... Ela colocara uma pressão enorme sobre si mesma ao invés de aproveitar que estava fazendo o que amava e ela não aceitaria ser acusada de egoísmo. Tanta pressão começava a explodir em seu peito agora.
– Sequer leste os artigos, meu pai? – ela perguntou em tom firme. – Porque tudo que eu disse neles foi o quão importante é que olhemos para aqueles que estão abaixo de nós, aqueles que não têm o luxo de serem protegidos por tua tão amada lei; lei esta que só funciona para os homens poderosos que o senhor abominava, mas não o suficiente para não se tornar um deles! Tu te tornaste tão obcecado em seguir regras que as pessoas já não importam mais. Mesmo agora, tua única preocupação é o que os outros irão pensar de nós.
John bufou alto, tomado pela raiva.
– O que está acontecendo? – disse Georgie descendo as escadas.
– Ah, ótimo! – ele gritou novamente.
– John, tenha paciência! – pediu a esposa mais alto desta vez.
– Meus parabéns, Georgiana! – ele disse para a irmã mais velha. – Foste arrastada para o circo de tua irmã também. Estás famosa!
Ge olhou para Jane.
Os braços da mais nova estavam cruzados e ela encarava o pai com lágrimas nos olhos, mas as lágrimas não a faziam parecer triste, apenas completamente indignada.
– Eu não sabia que tu e o sr. Dawson estavam vivendo em pecado, – ele continuou –, agora a cidade toda sabe! Não é maravilhoso?
Ge piscou repetidamente.
– Vivendo em pecado?! – ela pronunciou devagar e ele apenas continuou bufando, enquanto Jane ria sombriamente.
– Não conheces tuas filhas mesmo, não é? – perguntou Jane. – É a única explicação plausível para que faças uma acusação tão absurda!
– De fato, não as conheço.
Ge desceu os degraus que faltavam, ficando de pé ao lado de Jane.
– Por que acreditar em tua própria filha, – Ge perguntou –, que sempre mostrou-te grande respeito, se podes acreditar em rumores, certo? Tal julgamento de meu caráter teria ferido-me profundamente no passado, mas eu aprendi a não condicionar minha felicidade nas opiniões que outros têm de mim, então meu único receio é que meu pai preferiria que eu vivesse melancólica com Lockhart do que em alegria com outro homem. Eu pensei que tu me amavas mais do que isso.
John arquejou. Ele estava bastante exaltado, mas acusá-lo de não amá-la o suficiente era demais para ele.
– Estão realmente tentando convencer a mim de que eu sou o errado dessa história? – ele disse, erguendo as sobrancelhas. – Eu te acolhi, – ele apontou para Ge –, de braços abertos quando tu desististe de teu próprio marido e eu te deixei, – ele apontou para Jane –, fazer tudo que tu querias fazer. A única coisa que pedi das duas foi que não levassem esta família à desgraça.
Jane, que estivera calada fitando o pai, ergueu o queixo e caminhou pelo aposento, passando pela mãe e ficando de frente para John, dizendo em tom baixo e tenaz:
– Eu não tenho prazer algum em ser uma desgraça para esta família, para ti; mas sou. Sou a desgraça desta família apenas porque sou quem sou e isto é algo pelo qual não posso e nem quero me desculpar.
As palavras dela machucaram-no o suficiente para que ele não respondesse nada, mas sua expressão não demonstrou isso, então eles apenas ficaram encarando um ao outro por alguns segundos.
Ela sempre fizera tudo exatamente do jeito que achava que o agradaria, sempre tentara se esconder atrás de uma espécie de personagem que inventara; mas como um jovem rapaz lhe dissera uma vez, no jardim do sr. Bentley, seria somente cortando os laços que ela se tornaria essencialmente livre.
– Vem comigo, Georgiana – Jane disse calmamente à irmã. – Sairemos desta casa agora mesmo.
Lady Hartford arregalou os olhos.
– O quê? John, fala alguma coisa!
Ele apenas sentou de volta à mesa, olhando duas garotas apressadas caminharem até a porta da frente.
– Eu duvido que tenham algum lugar para ir. Além disso, quem sou eu para impedi-las? Só fazem o que querem mesmo...
Ela saiu eufórica, mas voltou assim que ouviu o marido gritar dizendo-lhe que não as seguisse. A expressão dela era tão fria como a de Jane alguns segundos antes.
– Tu podes tratar aquelas meninas como quiser, senhor, não posso impedi-lo, mas jamais poderás ditar o modo como eu trato minhas próprias filhas!
Dito isso, ela correu atrás de Jane e Georgie, embora soubesse em seu coração que elas não concordariam em voltar tão cedo.
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