11. Mergulho - Emily
Alice e Drigo desistiram de me atormentar sobre Giovanni, até por que nem nos encontrávamos mais no Jardim, o que era uma pena, e agora estavam envolvidos com a nova paixão repentina que Alice alimentava por um colega de Gustavo que havíamos conhecido numa festa da faculdade. Ela estava esperançosa que as férias de verão impulsionassem seu romance, pois descobrira que o menino veraneava na mesma praia que ela e Rodrigo.
No último dia de aula, despedi-me de meus queridos colegas com a certeza de que os próximos semestres seriam igualmente interessantes. Combinamos de nos encontrarmos para curtir um dia quente na praia.
No ônibus de volta para casa, Gustavo tirou um papel muito colorido da mochila e jogou-o para mim.
— Olha o que achei no mural de eventos. Você vai adorar!
Olhei o papel e li as informações de um curso de mergulho de dois dias na praia, considerada a mais bonita e interessante do estado vizinho. O curso tinha uma parcela de custeio da faculdade e não sairia muito caro. Vibrei ao ler o folheto e decidi que me matricularia pela internet assim que colocasse os pés em casa.
— Eu sabia que iria gostar.
Gustavo me olhava com um largo sorriso de contentamento. Dei-lhe um longo abraço de agradecimento, afinal fazia alguns anos que desejava aprender a mergulhar. No ano anterior, Ricardo prometera que iríamos fazê-lo, depois de tudo que se sucedeu, entretanto, mergulhar parecia algo sem sentido.
Não! Não pense nisso agora... Sacudi a cabeça como se buscasse espantar os pensamentos melancólicos e me foquei na novidade. Finalmente iria mergulhar!
— Vai ser ótimo passarmos esse tempo juntos! — exclamei ao abraçá-lo. E já imaginando as belezas que compartilharíamos.
— Não posso ir contigo. — seus olhos continham lamentação, e os meus surpresa.
— Como assim? Você sempre quis mergulhar também.
— Eu gostaria, mas estarei visitando meus avôs nestes dias. E não quero me estressar com meu pai ao cancelar a reunião de família. — ele me olhou com sinceridade. — Mas quero que você vá e se divirta. Podemos ir junto ao próximo.
— Vou esperar pelo próximo, não tem por que ir sozinha. — confirmei firme.
— Não é justo que perca essa oportunidade, só por que eu não posso ir. — Gustavo sorriu ao pegar um dos cachos de meu cabelo. — Quero que vá e se divirta.
— Mas seria tão melhor se fossemos juntos.
— Iremos ao próximo. — ele me encarou com seriedade. — prometa que vai, vou me sentir melhor ao saber que está fazendo algo interessante.
— Tudo bem, Gus. — confirmei sem muita certeza, ele sorriu contente.
Talvez ele tivesse razão, eu não podia esperar o resto da vida por ele. Nesse semestre o maior aprendizado era justamente o quanto nós poderíamos agir de modo independente e mesmo assim nos mantermos tão amigos como antes. Sorri decidida a aproveitar esse tal curso de mergulho ao máximo.
****
Mal consegui controlar minha excitação ao entrar no ônibus que me levaria ao início da aventura do curso de mergulho.
Ainda não acreditava que havia aceitado vir sozinha, sem Gustavo, Alice ou Rodrigo. Até tentei convencê-los, contudo era o primeiro final de semana das nossas férias de verão e todos já tinham suas viagens para outros lugares marcados.
Eu não lembrava a última vez em que passei um final de semana sem a companhia de Gustavo ou de Ricardo. A sensação de estar sem eles era estranha, e ao mesmo tempo desafiadora. Algo havia acontecido dentro de mim, ao decorrer desse semestre, que me fizera ser menos dependente de meus antigos amigos. Isso me assustava um pouco, e também me entusiasmava.
Sentei-me ao fundo do ônibus e dormi no início da viagem, só acordando quando quase chegávamos. Da janela do ônibus já conseguia observar o mar com suas longas ondas brancas e a fina areia ser levemente carregada pela brisa. Seguimos por trás das dunas, numa estrada coberta pela areia e chegamos de fronte a nossa pousada.
Enquanto carregava a mala, aproveitei para analisar os detalhes do lugar. Era simples num estilo rústico e muito aconchegante. Os quartos ficavam ao longo do comprido corredor e na entrada havia uma ampla varanda com um enorme sofá coberto por almofadas. Os quartos eram pequenos, cada um com quatro camas de solteiro. Fiquei no quarto com três meninas desconhecias. Larguei a mala sobre minha cama e apressei-me em vestir um biquíni e uma saia curta para rapidamente me locomover até a praia.
Muitos alunos já estavam na beira do mar, alguns na areia e outros aproveitavam as águas salgadas. As aulas de mergulho seriam iniciadas mais tarde, em uma lagoa próxima à praia, só amanhã iríamos para o oceano.
Sentei-me na areia para apreciar a imensidão azul e saborear os raios de sol que tocavam minha pele, protegida pelo bloqueador solar, pois minha pele ficava vermelha e não bronzeada como das outras pessoas. O cheiro agradável da areia tocada pelo sol acariciou meu olfato. Fechei os olhos e inundei-me com a ótima sensação de estar na praia novamente.
— Não sabia que gostava de mergulhar. — a voz familiar me fez levantar num sobressalto, tropecei nas minhas próprias pernas e quase caí.
Na minha frente estavam Pedro e Giovanni. Vestidos com bermudas e sem camisa, eles sorriam para mim. Pedro tinha o abdômen bem definido e malhado, contudo foi para Giovanni que olhei com maior interesse: seu tórax era largo e magro, desprovido de pelos e me parecia tão belo. E seus olhos expressivos, livres dos óculos, eram fascinantes. Meu coração saltava como pipoca, não sei se pelo susto ou pela sensação de reencontrar Giovanni.
Tentei cumprimentá-los e sorri amigavelmente. Tinha certeza que eu fazia cara de boba quando tentei iniciar uma conversa casual:
— Vocês também mergulham? — O que fazem aqui? Isso é destino? Uma possibilidade de conhecer Giovanni melhor? Ou castigo, pensei ao analisar o sorriso de Pedro. Era o começo das férias, nunca imaginei encontrar meus professores aqui.
— Somos os instrutores de mergulho. — Giovanni respondeu sem jeito e desviou o olhar.
— Primeira vez? — Pedro indagou com um sorriso malicioso. Acenei em positivo, ainda tentava me acostumar com a visão de ambos sem camisa. — Venha vou te mostrar o lugar. — a voz de Pedro soou irônica e o modo como ele me olhou da cabeça aos pés fez eu me sentir nua.
Não desejava permanecer na presença de Pedro. Por que ele tinha que estar ali também? Olhei para Giovanni, indecisa. Minha vontade era permanecer em sua companhia e por isso aceitei o convite. Eu sentia falta de nossos encontros no Jardim, e talvez essa fosse a oportunidade perfeita para retomarmos nossas conversas encantadoras de antes.
— Nossa! Adorei sua tatuagem de estrelas triplas na nuca. — Pedro comentou ao colocar o braço sobre meu ombro, o contato pele com pele deu-me um arrepio.
Olhei-o desconcertada, e agradeci um pouco envergonhada o elogio. Pedro engatou um monólogo sobre possíveis desenhos que ele escolheria caso fosse fazer uma tatuagem algum dia. Enquanto eu e Giovanni continuamos em silêncio ao andarmos pela praia. Como eu queria que fosse Giovanni que estivesse ali abraço a mim e não o outro.
Sentia-me sortuda por ter encontrado Giovanni nesta belíssima praia, no entanto ao mesmo tempo estava intrigada, pois ali eu poderia realmente ver como ele era fora da faculdade, em um lugar onde havia muitas garotas mais velhas e atraentes que podiam chamar sua atenção. Pedro estava bastante atento a todas que passavam e provavelmente Giovanni, apesar de discreto, também estaria.
O coordenador convocou todos para iniciarmos o curso e nos pusemos a caminhar até a lagoa. A água era de uma cor esverdeada muito límpida.
A instrutora do meu grupo era uma jovem mulher bastante agradável. Enquanto colocávamos a roupa de mergulho e ajeitávamos os respiradores, mantive um olhar discreto em Giovanni.
Assim que entrei na água esqueci-me de qualquer coisa ao meu redor, a sensação de flutuar e da água contornando o meu corpo ao mergulhar era encantadora. E não havia palavras para descrever a beleza daquele santuário com peixes coloridos e corais.
Ao finalizar o dia de mergulho, eu sentia-me fisicamente cansada, mas mentalmente revigorada. Assim, como muitos outros alunos pensei em me retirar para o quarto.
Contudo ao passar pelo enorme sofá na varanda frontal da pousada avistei Giovanni sentado. Sem pensar outra vez, joguei-me nas almofadas ao seu lado. Eu queria conversar sobre a tarde maravilhosa, e ele seria a pessoa perfeita para isso.
— Eu não podia imaginar que houvesse tanta beleza em uma lagoa. — comentei empolgada.
— Eu pensei o mesmo na primeira vez. — ele sorriu ao virar o rosto para mim.
Senti-me um pouco acanhada com nossa proximidade e virei o rosto para o mar sem saber o que dizer em seguida. O que havia de errado comigo? No jardim não existia essa tensão entre nós. Lembrei sobre o que Alice e Rodrigo disseram sobre as trocas de olhares. E me senti mais envergonhada, por que pela primeira vez eu desejei que acontecesse algo real entre nós.
— Seu namorado não quis vir mergulhar também? — Giovanni convocou minha atenção. Olhei-o de forma interrogativa.
— Namorado?
— O menino magro do curso de Veterinária que está sempre de braço dado contigo na porta da sala.
— Ele não é meu namorado! — Giovanni só podia se referir a Gustavo, muitas pessoas já haviam perguntado se éramos namorados. Sorri, então ele prestava mesmo atenção a mim. — Ele é meu melhor amigo. Nós nos conhecemos desde os meus quatro anos.
— Por isso vocês parecem tão à vontade juntos.
Ele sorriu educadamente e mudou de posição na cadeira. Sorri de volta e contemplei mais uma vez o mar. O nervosismo percorreu minhas veias ao não saber qual a minha real intenção com esta conversa. Queria falar de coisas pessoais com ele ou sobre a experiência do mergulho á tarde?
— Desde que conheço o Sérgio, há cinco anos quando iniciei a dar aula na Biologia, ele sempre fala sobre você. Teu tio te adora. — Giovanni tomou a dianteira ao dar o tom de nossa conversa.
— Na verdade, ele não é meu tio, não temos nenhum laço de sangue. Mas é como se fosse. — disse ao aceitar sua escolha de tópico para nossa conversa. Ele queria saber mais sobre mim e eu me senti disposta a lhe dar tais informações.
— Eu não sabia. — ele ajeitou os óculos e sorriu tímido. — Deve ser uma história interessante.
— É longa. — respondi com provocação.
— Temos bastante tempo. — ele sorriu de modo curioso.
Ele queria mesmo ouvir, eu percebia isso. Eu não costumava descrever a história de minha vida, já que os que me eram valiosos sempre fizeram parte desta. E de algum modo, contar a Giovanni soava importante. Eu queria conhecê-lo e também que ele me conhecesse, ainda não sabia exatamente o motivo. Aconcheguei-me nas almofadas e inicie o relato.
— Minha mãe morava com os pais numa cidadezinha pequena onde não existiam escolas de ensino médio, muito menos faculdades, mas ela sonhava em se formar. Meus avôs achavam isso uma grande besteira, pois para eles uma boa mulher deveria contentar-se em casar e ter filhos. Ela não deu atenção aos pais, saiu de casa para a cidade grande, em busca de emprego e de completar seus estudos.
Lembrar-me de como minha mãe reagia às dificuldades orgulhava-me. Meu avô dizia que ela possuía um espírito masculino, como se só aos homens fosse permitido seguir seus sonhos. Nas três vezes que visitei meus avôs, pude compreender por que minha mãe havia se afastado deles sem demonstrar saudades, eram completamente o oposto de tudo que ela acreditava e me ensinara.
— Não podia imaginar sua mãe de outra forma, Sérgio não teria admiração por alguém submisso aos desejos dos pais. — Giovanni pareceu divertir-se diante da história.
— Acho que é por isso que eles se entendem tão bem. — Comentei contemplativa. Giovanni incentivou com um aceno de cabeça que eu continuasse. — A mulher do Sérgio é prima de algum grau de minha avó, e acolheu minha mãe em sua casa. Ela morou lá até terminar a pós-graduação e ser selecionada para trabalhar em pesquisas de genética na Inglaterra, então eu nasci. Ficamos na Inglaterra até os meus quatro anos quando voltamos para morar em um apartamento a duas quadras de Sérgio. — tomei fôlego ao fazer o resumo de como Sérgio entrou em nossa vida.
— Uma inglesa! — ele riu descontraído, ao fazer um gesto com a mão como se eu fosse da realeza. Empurrei-o levemente no ombro, ao fingir ter ficado brava. Esse momento de descontração fez eu me sentir mais próxima a ele, como se fossemos apenas duas pessoas se conhecendo e não professor e aluna. Rimos juntos. — Mas tua mãe está no Canadá agora? Sérgio comentou comigo algo assim.
— Sim, ela mora lá há uns quatro anos. — respondi entredentes. — Como eu não quis ir junto, morei na casa de Sérgio até o ano passado, quando terminei o ensino médio e fui morar sozinha no nosso antigo apartamento.
Baixei meus olhos, ainda me doía lembrar que minha mãe estava tão longe. Receei demonstrar meu ressentimento a Giovanni. O que ele vai pensar a respeito? Que sou uma criança que não consegue viver longe da mãezinha?
Ele conteve-se em olhar-me de canto e não perguntou nada. Fiquei aliviada, pois não queria falar da partida de minha mãe e sobre os anos de brigas que se seguiram entre eu e Maria. Minha mãe sempre me criara de forma bastante independente, na qual eu ia e vinha sem grandes explicações e Maria nunca aceitou ou compreendeu isso, ficava frustrada quando eu não permanecia em casa e principalmente quando não agia como uma "donzela".
Olhei para o mar, na escuridão mal se conseguia ver a espuma branca das ondas. A maioria das pessoas já havia se retirado para seus quartos. Giovanni levantou-se, ao se espreguiçar.
— É tarde, nós nos distraímos e perdemos a hora. Melhor irmos dormir, pois amanhã teremos um longo dia. — ele sorriu encantador. — Mergulhar no oceano será uma experiência gigantesca.
Acenei pensativa ao vê-lo sair. Ainda ficaria alguns minutos sobre as almofadas, como se isso me ajudasse a compreender o que eu realmente queria em contar minha vida para ele. Aonde fora meu juízo? Eu não podia me derreter por um professor, isso não era maduro de minha parte.
Suspirei ao levantar-me. Talvez Sérgio tivesse razão, quando disse para eu ter cuidado com as confusões de meu coração.
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