⚔️ Capítulo 01: Histórias na fogueira
A noite limpa e áspera dentro das muralhas era aconchegante. Protetora, eu diria. Eustáquio vivia em uma boa casa próxima ao sul da grande construção. Muitas pessoas chegaram para visitá-lo naquele dia. Era o 40° ano desde que o infeliz incidente tirou a vida de Davos Fester e tornou Eustáquio em uma lenda para muitos. O sobrevivente, eles diziam. Diversas crianças, mulheres, homens e idosos o consideravam um ícone local. Reuniam-se a cada ano para ouvir relatos e histórias sobre seus trabalhos fora das muralhas - ainda que alguns deles soassem repetitivos. Muitos antigos amigos também se faziam presentes.
Quando a fogueira acesa na parte de trás de seu quintal acima de um gramado de baixo corte se abrilhantou, de quinze a vinte pessoas já sentavam-se ao entorno da mesma. Celebravam o companheiro com muita grandeza e sorrisos. Comentários e agitações tomavam conta e contraditoriamente a isto, diziam as más línguas que o Rei Emil Nordfeldt e seus asseclas o detestavam. Um grande contador de mentiras e espalhador do medo, contavam aos montes.
O velho Eustáquio não gozava de muitos bens, mas tinha uma boa condição e a quantia recebida pela sua aposentadoria era satisfatória. Ele inclusive apreciava o fato de sua casa ser escanteada do grande centro. Peculiar, era uma atração para quem acreditava em seus contos. Todos os companheiros seguiam cegamente suas histórias aventurescas para lá das muralhas. Isso era o suficiente para que ele fosse detentor de boa fama, mas isso lhe acarretava em alguns desafetos.
Aos sessenta e cinco anos, não pode-se dizer que não era um homem calejado pela vida. Experiente, mas ainda bem conservado fisicamente, é verdade - o que pese o ralo cabelo e as marcas sofridas por batalhas e intempéries da vida. Mas o que mais chamava a atenção, era sem dúvida alguma a marca negra em seu pulso direito. Semelhante a uma queimadura terrível que tomou alguns centímetros da região. Isso, logicamente, atraia todos os olhares e o povo sempre pedia para que ele puxasse a manga de suas vestes para poderem observá-la. Em segundo lugar, sua espada sempre recebia outras perspectivas - principalmente dos mais jovens. A ponta, manchada pela cor violeta tão escura que facilmente seria confundida com o preto. Nunca se esqueceu de quando a enfincou no inimigo desconhecido.
A boa farra em volto as brasas da fogueira aqueceram aquele pedaço de noite. Não incomodavam os moradores próximos - ao menos não prestavam reclamações abertamente. Nem mesmo as cantorias cómicas e palavreado de baixo calão por parte de alguns homens de muitíssima pouca classe e bons modos. O vinho branco era servido com muito bom gosto e ninguém escondia o dançar de lábios contentes por estarem ali. Uma relação amigável e saudável. As pessoas de fato admiravam o velho Eustáquio e seus causos eram quase como histórias para as crianças dormirem. Não detinha nenhum amigo inerente ou íntimo, somente seus três filhos, embora só tenha contato com os dois mais novos.
— E então, quando o maldito Orc saltou pelas minhas costas, virei-me no tempo limite! – disse com ênfase. — Desviei para a esquerda e lhe cravei uma faca no centro de sua barriga grotesca! Minha última faca, acreditam? – sorriu enquanto entornava a bebida para dentro de seu organismo. — Ele gritou em dor e caiu como uma batata ao chão! – sua animosidade contagiava a todos e as crianças pediam sempre mais.
Sorriam aos ventos os menores. Seus olhos quase saltavam para fora. Estes não se divertiam com o vinho, mas se embebedavam de diversão graças a Eustáquio. Todos em unissono, incluso até seus pais, pediam mais e o ex-patrulheiro sempre lhes entregava. Haja vista que não lhe faltavam boas histórias. Tardava o que fosse, os relatos pitorescos nunca acabavam. Encheram a barriga com tortilhas, garça assada e muitas outras iguarias servidas pelo simpático dono da casa.
A troça só foi interrompida quando um danado de cabelos louros se ousou a tocar no pulso direito do homem, o fazendo revidar com tamanha grosseria.
— Não toque nisso! – cortou-o em um tom nada festivo. — Não chegue perto, garoto! – logo, percebeu o mau-estar que havia causado. As pessoas olharam-lhe com muito receio, e necessitou acalmar seus próprios ânimos após envergonhar-se. — Caso queira ver, eu lhe mostro, pequeno. Venha mais perto, chegue. Aprochegue com seus olhos, mas tenha cuidado, oras!
Era uma marca assustadora. Como sombras de velas que oscilam em um subsolo abandonado. Tomava cerca de quinze ou vinte centímetros e era totalmente enegrecida como a noite. Chegava a dar a volta em seu pulso. Um aspecto muitíssimo fedo, mas que todos queriam vê-la.
O céu, então, tomou-se por nuvens e um vento gélido se apresentou em minutos. Estava muito tarde, mas nada que afetasse a plateia, que permaneceu sentada devorando besteiras nada saudáveis sem parar e admirando mais relatos curiosos, como na vez em que Eustáquio salvou o gato de um morador de cair de uma grande árvore. Aliás, todos presentes na celebração eram civis comuns. Ninguém, absolutamente ninguém pertecia a alta classe, exército ou eram membros ativos da cúpula real do Rei. No máximo, encontrava-se armeiros, como eram o caso de Balin, um adorável homem que aparentava ter dois pescoços devido ao seu peso, ou Darren, este bem magro e de olhos castanhos. As mulheres, por sua vez, eram todas donas de casa. As crianças, ora, se me permitem dizer, sonhavam em fazer parte da Guarda Real, o mais alto grau de soldados do Rei.
As muitas e boas horas de entretenimento havia chegado ao seu fim. Os honrosos visitantes fizeram uma humilde fila para cumprimentar e agradecer ao anfitrião, que esbanjava carisma. Não só pela história e diversão, mas também pelo bom recebimento. Com farta bebida e comida de bom grado.
(Imagem meramente ilustrativa / Google)
Um a um foram se retirando e ao meio do caminho, toparam com um homem que fazia o caminho inverso, entrando na casa de Eustáquio. Sua aparência cansada não causava antipatia, muito pelo contrário, era um bom sujeito e tinha um sorriso gostoso no rosto. Disse oi para os que saiam. Vestia uma jaqueta de couro acima de uma calça de cor escura. Seu cabelo ondulado pouco chegava ao ombro e sua barba estava por fazer. Entrou sutilmente pelo portão de madeira e sorriu para o velho, que estava na varanda, de bruço e assistindo ao povo que se retirava de sua morada.
— Uma boa noite para ti, pai. – introduziu. — Tenho a leve impressão que a baderna foi ainda maior que a do ano passado.
— O que quer que eu faça, Fred? Eu entrego o que o povo quer!
— Vejo que se saiu melhor do que da última vez. – respondeu ao rir. — Não ficou bêbado e ninguém teve de levá-lo até seus aposentos.
Ao entrar, retirou sua grossa roupa e se encostou em seu pai com muito apreço pelo mesmo.
— Ora, eu sei me controlar. – revidou com muita certeza. — Não levou a espada hoje?
— Hoje não. Fiquei com a ronda pelo lado leste e por lá as coisas andam muito na linha. – explicou. Cerrou o cenho em seguida. — E Dário, está dormindo? Por que não participou?
— Como dormindo, se não está em casa? – Eustáquio virou-se para o filho com dúvidas no rosto velho. — Vou sair para procurá-lo, que tal?
— Tranquilize-se, pai. Já não tens mais idade para sair a rua caçando Dário. – acalmou o patriarca, ainda que ambos observassem o portão como se o outro fosse apontar logo. — Ele deve ter se atrasado ou parou para jogar conversa fora com alguém. Quem sabe não achou uma mocinha?
Durou quase uma hora até que a estrutura da entrada rangeu novamente. Pela porta principal, o pai esticou sua cabeça para fora.
— Por onde andou!? – bradou em reclamação. — Entre já, garoto!
Dário era seis anos mais jovem que Frederick. O garoto vestia uma longa manta escura junto a botas e calças negras de couro. Seu cabelo estava ensebado e por alguns centímetros tocavam seu ombro. Fios negros como seus olhos. A pele macia e pouco castigada pela vida entregava sua jovialidade.
— Sem repreensões! – respondeu ao que seu lábio se contorceu num sorriso gentil. — Nada de errado eu estava a fazer. – ao entrar, sacou sua espada que estava acoplada as costas e a jogou em um banco feito de troncos. — Liderman não pôde ficar até tarde na Muralha, então fiz o seu horário.
Os cargos na Guarnição da Muralha eram sem dúvidas os piores a ser feito, e Eustáquio bem sabia disso, já que passou por bons anos realizando aquela tarefa. Por isso decidiu não apurrinhar o filho caçula, que subiu as escadas mansamente até o andar de cima. Um banho seria de muita utilidade àquela altura do campeonato.
— Amanhã terei o tempo livre. Bem que podíamos caçar. – soou a voz de Fred em seguida. Olhava da cozinha enquanto ajeitava talheres em seu prato. Sabe-se lá o que estava a arrumar.
— Faz muito tempo desde a última vez. De fato, pode ser que seja uma boa ideia. – respondeu o pai, jogado a sala enquanto lia um livro gastado e com páginas enormes e amareladas. O fechou assim que houve aproximação.
— Do que se trata?
— Nada que faça valer a sua atenção, meu filho. – respondeu sem pestanejar. — Apenas um livro de histórias muitíssimos antigas ao qual gosto muito de ler antes de ir para cama. – o bocejo em seguida alimentou sua inverdade, e Eustáquio prendeu o objeto sob o braço e rumou para seu quarto, que ficava ao fundo do primeiro andar. — Tenha uma boa noite, querido. Diga o mesmo caso veja Dário.
O mais novo só foi visto nas horas seguintes quando desceu para pegar sua espada que havia esquecido.
— Marque em sua agenda. Amanhã saíremos com o papai para caçar. – contou ao passar a espada ao irmão. — Vem conosco, não vem?
— Cobrindo Liderman hoje, certamente terei um tempo livre para gastar.
Antes que retornasse a seus aposentos, foi interrompido pelo mais velho.
— Dário. – interpelou. O olhou friamente. — Viu Tibério em algum dia da semana?
— O que acha? – seu olhar pairou como uma tempestade e deu as costas para retomar a escadaria. — Deve estar muito ocupado papagaiando a realeza.
Oi, eu sou o Rogi! Se chegou aqui, agradeço com muito prazer! Deixe seu voto e comente o que achou! Toda e qualquer opinião é de grande valia. Tenha uma boa semana!
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