Capítulo VIII
As anotações do nerd de Direito foram extremamente úteis na resolução das questões. Sempre odiei atividades extras mas, nas atuais circunstâncias, recusar deixou de ser uma opção. Como sempre, escolhi o meu quarto para estudar já que a biblioteca era um péssimo lugar, afinal algum garoto iria encher o meu saco.
Infelizmente, era difícil manter os pensamentos na matéria ao lembrar dos boatos que se espalharam rápido. Eu nunca quis atrapalhar a confissão de Lina mas Trevor tinha pouca confiança em si mesmo, por isso pediu a minha ajuda para demonstrar melhor seus sentimentos.
Irônico, não é? Todos pedem ajuda sentimental logo para mim, a única pessoa que não compreende o amor.
Perdida em pensamentos, não ouço a porta se fechar atrás de mim e dou um pulo surpresa ao sentir uma mão tocar meu ombro.
— Calma, sou eu. — anuncia Ari preocupada. — O que houve? Você faltou à aula.
— Desculpa, eu só não estou nos meus melhores dias.
— Algo aconteceu? — ela questiona sentando-se ao meu lado na cama. — É por causa dos boatos?
— Sim, sinto que estão julgando demais a situação.
— Não os culpe, as pessoas julgam todos os dias de forma precipitada. — Ari dizia apoiando a mão sobre a minha e sorrindo gentilmente. — O importante é que você sabe de toda a verdade.
— Eles também estão falando que tenho interesse no Alan.
— Quem é Alan?
Franzo o cenho confusa. Será que Ariana estuda no mesmo lugar que eu?
— Alan Reed, jogador do time de futebol americano.
— Perdão, sou desligada para essas coisas.
— Percebe-se.
— De qualquer forma, ficar trancada aqui não resolverá os seus problemas e fugir nunca foi uma opção para ti. Você é forte, Ash.
— Obrigada. — agradeço sorrindo com ternura. — Viu o Matt?
— Não mas acho melhor evitá-lo.
— Por que?
— Esses boatos devem tê-lo deixado de mau humor.
(...)
Durante meia hora estive procurando por Nicholas, já que precisávamos avançar em nosso acordo. Mas não o encontro em sua sala e o Clark tratou de me expulsar antes de fazer qualquer pergunta para algum dos alunos. Então, só havia um lugar onde o quatro olhos poderia estar: a biblioteca. Por isso, apresso os meus passos apesar do sapato alto atrapalhar consideravelmente a locomoção.
Como o esperado, Nicholas estava lendo algum livro de capa dura. Seus olhos avelãs concentrados na página enquanto umedecia os lábios. Diante de tal cena, decido ficar parada apenas o admirando com um leve sorriso. Nem parece a pessoa que dançou no sofá do Trevor. Será que essa é a vida que o Nicholas deseja para si? Viver controlado pela vontade dos pais?
— Olá.
O nerd quase derruba o livro surpreso e acho fofo sua reação, segurando uma risada para não fazer nenhum barulho.
— O... Olá. — ele responde nervoso, ajeitando os óculos com a ponta do dedo.
— Precisam-...
— Precisamos conversar, Ashley.
O seu tom de voz sério deixa-me estática por longos segundos, até que aceno positivamente a cabeça e tento sentar ao seu lado mas Nicholas estica a palma da mão como um sinal para não me aproximar.
— O que houve?
— Lembra das condições do nosso acordo?
— Lembro, não podemos ser vistos juntos e... — paro de falar quando a "ficha cai", por isso dou alguns passos para trás. — Desculpa, eu...
— Eu fiquei sabendo o que houve entre você e o Trevor. — ele diz deixando-me surpresa. — O Matt não era o suficiente para você?
— Não é isso, é que eu...
— Você não sente vergonha de si mesma, Ashley? Você disse que devo aproveitar melhor minha vida universitária mas o que você faz não é aproveitar, e sim desperdiçar. Por mais que eu admire o nosso acordo, não posso permitir que a minha imagem seja manchada.
— O que...
— Talvez a gente não devesse continuar com isso.
Dito isso, Nicholas fecha o livro de forma brusca e passa por mim sem, ao menos, olhar em meus olhos. Por outro lado, permaneço paralisada olhando o horizonte, sentindo uma tremenda dor no peito.
Pensei que ele não me julgaria como os demais, mas estava errada.
A vontade de chorar era imensa mas isso nunca fez o meu tipo. Eu sempre aguentei firme mesmo quando assistia meu pai espancar a minha mãe quando chegava bêbado em casa. Lembro-me dos dedos calejados dela segurarem gentilmente meu rosto, sorrindo mesmo com o olho roxo e dizendo: "Mulheres fortes não choram, elas erguem a cabeça e enfrentam o problema". Então, ergo a cabeça e saio imediatamente dessa caverna de nerds que cheira à livro velho.
Conforme andava nos corredores, percebo alguns olhares negativos sobre mim mas continuo a sorrir como se nada tivesse acontecido. E, fingindo estar tudo bem, chego ao refeitório e sento ao lado da Ariana. Ela é a única que consegue ver através da minha máscara, por isso segura firme a minha mão e abre o seu melhor sorriso.
— Vai ficar tudo bem.
Mordo com força o lábio inferior, torcendo para que os olhos marejados não atrapalhem a maquiagem preta ao redor da pálpebra.
— Sim...
— O Matt disse algo ruim?
— Não, eu ainda não o encontrei.
— Então, quem seria capaz de desestabilizá-la desse jeito?
Seu comentário pega-me de jeito, pois não imaginei que Nicholas Carter quase me fez chorar por causa de um comentário idiota – que, teoricamente, eu já deveria estar acostumada. Apenas nego com a cabeça, roubando o pudim do seu almoço e comendo como se nada tivesse acontecido, exceto pelos protestos da minha amiga irritada por perder sua sobremesa favorita.
Eu não posso me abalar por algo bobo assim, focarei nos estudos que é melhor.
Apesar da minha determinação, foi necessário muita concentração durante as aulas. Em momentos aleatórios, as palavras de Nicholas ecoavam em minha mente e a dor no peito voltava. Para a minha sorte, a última aula era o estágio e poderia me concentrar unicamente no que eu amo: ver meus pacientes felizes.
Um garotinho balançava os pés na maca, um pouco inquieto. Por estar pálido, o médico pediu para que seja feito exames rotineiros pois suspeitava que ele estivesse anêmico. Então, eu estava encarregada de coletar o sangue. Enquanto isso, Ariana fazia algumas anotações na prancheta.
— Vai doer? — ele pergunta com a voz chorosa.
— Você nem vai sentir. — garanto sorrindo e prendendo o braço dele com um torniquete. — Confia em mim?
Vejo o pequeno garoto recuar ainda assustado, provavelmente tinha sete anos, mas sorria balançando a cabeça. Então, começo a pressionar a região em busca da veia e peço para que ele olhe para mim. Conversar com o paciente para distraí-lo é uma ótima forma de reduzir a sensação de dor, afinal tudo vem da mente.
— Como vão descobrir o que eu tenho?
— Vamos mandar a amostra de sangue para o laboratório e eles analisarão a quantidade de glóbulos vermelhos e hemoglobina.
O garotinho franze o cenho confuso e parecia mais assustado com as palavras difíceis para sua idade. Não resisto e começo a rir, usando a outra mão para fazer um leve cafuné em sua cabeça.
— Não é nada sério, sabia? Os glóbulos vermelhos são entregadores de oxigênio.
— Ah! Eles trabalham para a Amazon? — ele pergunta inocentemente.
Ariana escuta seu comentário e ri alto, abaixando a prancheta para erguer o olhar em nossa direção.
— Isso mesmo, pequeno. Eles trabalham para a Amazon.
— Uau!
— Viu só? O corpo humano é algo interessante, nada do que se ter medo. — afirmo.
Enquanto o garotinho fazia algumas perguntas para mim e para a Ari, aproveito para injetar a agulha. Sinto o seu pequeno corpo tremer um pouco mas logo estava concentrado na conversa. Nós duas ríamos muito com seus comentários ingênuos e lembro-me o porquê sinto tão bem no estágio: esqueço dos meus problemas.
Ao retirar a agulha, pressiono o algodão sobre a pele dele e peço para que faça tal movimento enquanto vou pegar um curativo.
— Como vou pagar esses funcionários da Amazon? — o garoto dizia confuso.
— Coma bem, uma alimentação balanceada irá ajudar muito. — Ariana aconselha. — Aposto que eles ficarão felizes.
— E brinque muito com seus amiguinhos. — digo colocando o curativo sobre seu braço. — Prontinho! Doeu?
— Não, moça. — ele diz sorrindo. — Obrigado!
Seus pequenos braços magros envolvem meu pescoço – já que estava quase na minha altura por causa da maca alta – puxando-me para um caloroso abraço. Sou pega de surpresa por sua atitude e ouço um "Own't" de fundo, vindo da Ariana. Então, retribuo o abraço apertando-o cuidadosamente contra o meu corpo.
— Fique bem, tá? — sussurro.
— Tá!
Eu e Ariana terminamos nossas anotações após o pequeno sair, então pego os relatórios e amostras do dia para levá-lo ao laboratório. Minha amiga insiste em me acompanhar mas prefiro que ela vá descansar, pois sei como fica exausta depois do estágio.
Ao passar pela sala dos engomadinhos de Direito, vejo a tal Elizabeth conversando animada com o Clark e cerro os dentes. Por que essa ruivinha não consegue ver o babaca diante de seus olhos? Aliás, por que ninguém naquele curso não percebe a nítida arrogância dele?
Não sei se passei tempo demais os encarando mas Elizabeth correu em minha direção, deixando o Clark-Babaca falando sozinho.
— Nicholas Carter. — ela diz.
— Hein?
— É o nome do garoto, lembra?
Ah, esqueci que fingi pedir o nome dele.
— Lembro sim. — forço um sorriso, tentando não lembrar de suas palavras frias na biblioteca.
— Você pretendem estudar juntos?
Eu poderia dar o "troco" pela forma rude ao qual fui tratada, dizendo que iríamos estudar juntinhos e isso provavelmente deixaria a ruiva desconfortável. Mas lembro do olhar e sorriso bobo daquele nerd ao vê-la e sei que me sentiria um monstro se atrapalhasse o avanço de ambos.
— Não, perdi o interesse.
Ouço o suspiro de alívio da ruiva e arqueio a sobrancelha. Será que ela gosta dele?
— Olha, ruivinha, você...
Paro de falar ao ver o Nicholas se aproximar da sala junto ao seu amigo – o tal do Alan –, os dois conversavam animados até o quatro olhos me ver. De forma instantânea, ele desvia o olhar e eu faço o mesmo. Dando leves tapinhas no ombro de Elizabeth, sigo o meu caminho para o laboratório da Yale e deixo os pombinhos baterem um papo. Essa é a chance perfeita dele investir, então não iria atrapalhar.
(...)
Após entregar as amostras no laboratório e guardar o jaleco, tudo que eu precisava era de um bom banho antes de longas horas dormindo. Essa região da Yale tornava-se pouco frequentada no atual horário, por isso andei sozinha pelos corredores. Enquanto cantarolava minha música favorita, sinto uma mão puxar a minha cintura e sou arrastada até um corredor escuro.
— Mas o que...
Suspiro aliviada ao ver que era o Matt, mas meu sorriso some ao analisar sua expressão de fúria. Logo, empurro suas mãos para longe do meu corpo e fico frente à frente com o rapaz.
— Então, está saindo com o Trevor? Tem como você ser mais vadia?
— Eu não te devo explicações, Matt. — respondo séria.
— Diz isso porque não foi zoado como eu fui pelos demais jogadores. — ele dizia jogando-me contra a parede. — Deveria ter percebido isso ao sair com uma mulher sem valor como você.
Minhas costas latejavam de dor e tudo acaba piorando quando a mão do rapaz segura firmemente meus cabelos, jogando-me mais uma vez em direção à parede. Provavelmente, ficaria um hematoma em meu braço já que foi responsável por receber o impacto. Antes mesmo de poder me recuperar, sou puxada pelos cabelos até o corredor principal e Matt lança minha cabeça em direção aos armários de ferro.
Como o horário era praticamente o toque de recolher, não havia ninguém para me ajudar. Quando meu nariz entra em contato com o armário, sinto-o doer de forma inexplicável e solto um grunhindo.
— Já chega, Matt... — murmuro virando o rosto em sua direção, cobrindo o sangramento nasal com a palma da mão. — Dá para parar de ser babaca?
— Eu? Babaca? Uma puta como você não tem o direito de julgar ninguém! — ele grita dando um soco ao meu lado.
A massa de ar do golpe faz todo o meu corpo estremecer. Se eu for acertada por um soco assim, ficarei inconsciente ou pior. Mesmo com as pernas bambas, não sou o tipo de garotinha que fica parada quando um escroto como o Matt tenta intimar; então dou um belo chute entre as pernas dele e, logo após, um soco em seu rosto.
Por mais que eu aprecie seu gemido de dor, minha mão acaba se machucando porque esse cabeça dura – literalmente – é difícil de ser derrubado. Por isso, começo a correr mas ele envolve as mãos nas mechas longas do meu cabelo solto, puxando-me até cair de costas no chão. De forma repentina, recebo um chute na barriga e encolho o corpo resmungando baixinho. Sinto tudo girar e a vontade de colocar o almoço para fora só aumenta.
— Vou te dar uma lição, assim vai aprender qual o seu lugar. — Matt vociferava preparando-se para outro chute.
Tento levantar mas, infelizmente, a dor na costela impede qualquer movimento. Não haveria ninguém para me salvar, nunca houve. Eu sempre estive sozinha, enfrentando todos os piores momentos da minha vida. E, desta vez, não seria diferente. Então, precisava encontrar forças para ficar de pé e fugir, afinal... Não há príncipes encantados para garotas como eu, certo?
— Deixe-a em paz! — uma voz masculina ecoava entre nós.
Eu e Matt olhamos ao mesmo tempo em direção à silhueta alta e forte que se aproximava: Nicholas Carter. O nerd engomadinho estava sem o seu típico suéter, apenas com a camisa social branca. Enquanto aproximava-se da gente, tirava os óculos e os guardava no bolso.
Parece uma cena de filme de herói.
Seguro a risada apesar do nariz quase quebrado, junto com os hematomas no corpo e a dor agonizante na costela.
— Espera, você não é da turma de Direito? — Matt questiona confuso. — E defendendo essa vad-...
— Ela não é uma vadia. — Nicholas dizia com firmeza, deixando-me surpresa. Seus olhos avelã pairam sobre mim com imensa ternura, apesar de achar difícil ele me encarar sem seus óculos. — Ela é um mulher que merece ser respeitada como todas as outras.
Um projétil invisível atingiu em cheio meu coração. Pela primeira vez em anos, eu me senti uma pessoa delicada e frágil que precisava de proteção. O nerd engomadinho de Direito vai receber uns bons tapas meus quando sairmos dessa situação, unicamente por me deixar sem jeito. Eu já havia esquecido que podia corar assim.
— Que seja! — Matt exclama irritado. — Ou sai daqui ou vai apanhar também.
Nicholas continuou a avançar até estar entre mim e o Senhor Babaca – ou Matt Torres, como quiserem chamar –, deixando o clima cada vez mais tenso. Mesmo com a postura desajeitada, Nicholas era mais alto que o Matt e isso o intimidou um pouco. Se as coisas continuassem assim, tudo daria certo se não fosse pela boca grande dele:
— Você sabia que lesão corporal está tipificado em nosso Código Penal? — Nicholas começava a explicar. — Então, caso queira continuar, estará violando um preceito jurídico importante. Acha que sua consciência suporta tal fard-...
— Para o inferno você e seu Código!
Matt desfere um soco no Nicholas que cai no chão tonto. O babaca pensa em avançar mas ele consegue ficar de pé com dificuldade, imitando uma posição desajeitada de luta com os punhos frente ao rosto. A única reação do Matt é rir alto mas o olhar intenso do estudante de Direito o faz recuar.
— Continue me batendo. — ele diz com um sorriso confiante. — Afinal, o que alguns anos de cadeia são para você?
Pela primeira vez, vejo o Matt recuar dando alguns passos para trás até dar nos ombros.
— Vão se foder! Os dois! — ele xinga antes de seguir seu caminho, resmungando sobre ser humilhante receber uma ameaça de um nerd.
— Nós demos um jeito nele. — Nicholas comenta com um sorriso bobo, virando o rosto em minha direção.
— Nós?
— Sim, cheguei à tempo de ver seu soco. Nossa! Já pensou em fazer boxe?
Apenas rio em resposta, ainda sentada no chão sentindo todo o corpo dolorido. Ajoelhando-se em minha frente, ele tirava um pano branco do bolso e começa a limpar cuidadosamente o meu nariz. Por um momento, pensei que sentiria dor mas fui atingida pela sensação de cócegas já que seu toque era delicado, como se temesse que eu fosse quebrar à qualquer momento.
— Não é para tanto, eu aguento.
— Deixe-me cuidar de você. — ele comenta focando a sua atenção em meus olhos. — Não se preocupe, eu vou protegê-la adequadamente caso ele tente algo de novo.
Senti-me exposta com suas palavras, como se a armadura que criei envolta do meu coração fosse facilmente quebrada com essa frase. Eu nunca tive alguém para me proteger mas, pela primeira vez em minha vida, senti que podia confiar em uma pessoa para isso. Mesmo que seja somente por pena pelo o que houve na biblioteca, era impossível não me sentir emocionalmente feliz. Então, engatinho até ficar entre as pernas do Nicholas e o abraço com força.
As lágrimas rolaram por minhas bochechas levemente coradas enquanto arfava baixinho, falhando miseravelmente em esconder o choro. Por isso, afundo o rosto em sua camisa aspirando com profundidade o seu cheiro forte de perfume importado. Eu estava completamente vulnerável naquele momento e temia que Nicholas pudesse usar isso contra mim. Porém, seus braços fortes envolveram o meu corpo apertando-o com o maior cuidado possível, pois sabia que eu estava machucada.
Diante de tal cena, deixo outro soluço escapar e o aperto com mais força no abraço, respirando fundo em uma tentativa falha de conter o choro. Sua mão passa delicadamente pelas mechas do meu cabelo – totalmente diferente da brutalidade do Matt – e afastava algumas que estavam ocultando o meu rosto, colocando-as atrás da orelha.
— Tudo bem. Eu estou aqui, Ashley. — ele sussurra ternamente em meu ouvido.
Então, permito-me acreditar novamente em contos de fadas.
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