Capítulo 33
-Mamãe!- Grita a criança de cabelos negros cortados em tijelinha para a mulher que também possuía cabelos escuros. Seus olhos redondos como azeitonas vidrados em mim- Tem uma menina perdida aqui!
Assim que seu dedo pequeno e gordinho aponta em minha direção, desapareço escada a cima. A última coisa que eu precisava era de um menininho estragando meus planos. Eu não queria ter que voltar para casa e para Marcelo.
Também não queria deixar mamãe sozinha com ele. Tenho medo de que suas mãos quentes deixem marcas em sua pele e que a deixe triste. Eu não suportaria ver mamãe chorando novamente.
Rastejo pelo corredor bem iluminado da forma mais natural e madura possível. Não queria que um adulto me parasse achando que estou perdida ou me levasse até a recepção para que convoquem meus pais.
Acontece que é impossível não parecer perdida em um lugar totalmente novo. Por mais que meu pai seja dono desse lugar desde sempre, nunca pude ficar brincando pelos corredores ou andando de elevador. Mamãe sempre me encontrava e me arrastava para fora silenciosamente, como se fossemos intrusas.
Subo para o próximo andar. Espio o corredor e está vazio. Esse andar parece como todos os outros. Carpete bege, quadros com flores amarelas, vasos de plantas enfeitando as laterais e portas e mais portas. Tudo igual.
Subo para o próximo andar.
Para o próximo.
E o próximo.
Tudo igual. Nenhuma diferença. Nenhum sinal de papai.
Resolvo procurar no último antes de ir embora. Ele parece como o andar de baixo. Arrasto-me pelo carpete até chegar à ponta do corredor, então volto pelo lado oposto, sem esperanças.
Enquanto arrasto meus pés no chão, passo por uma porta em que uma voz grave escapava pela fresta. Aproximo o ouvido da madeira para ouvir a conversa. A voz parece se propagar em cada canto da parede até chegar ao meu ouvido de uma forma familiar.
Papai.
Talvez aqui seja o escritório dele. Me curvo mais sobre a porta para que o ruído da voz se torne palavras. No meio de suas frases, uma voz feminina surge. Ela é pomposa como um ronronado de gato. Ela diz algo estranho para meu pai. Algo que não deveria ser dito para um homem que é casado.
Testo a maçaneta da porta. Ela estava destrancada, então se abre facilmente revelando uma brecha do interior. Espero ver um escritório, com uma mesa no centro e certificados pendurados na parede, mas encontro um quarto de hotel comum.
Havia roupas sujas espalhadas pelo chão, as cortinas estavam fechadas e a televisão estava ligada em um volume baixo. Na parede, uma mulher de cabelos loiros e pele branca como a neve se espreguiçava. Ela usava um vestido longo e escuro com as alças caídas como se alguém tivesse tentado retirá-lo em algum momento.
Papai se encontrava empurrando-a contra a parede. Uma de suas mãos estava apoiada na parede ao lado da cabeleira loira da jovem enquanto a outra acariciava um ponto perto dos lábios. A sua gravata estava frouxa no pescoço e o blazer jogado em cima da cama. O perfume deles se misturava e chegava até mim causando cambalhotas em meu estômago.
-Papai?
Minha voz se perde no meio daquele quarto. Talvez ela tenha se assustado e se escondido embaixo das roupas para que não pudesse ser ouvida. Mas papai se vira para mim. Não só ele como a mulher de belos cabelos loiros. Eu não deveria achá-la bonita, até porque ela que estava destruindo a minha família.
-Jessie?- Sussurra enquanto se afasta da moça.
-Quem é ela Júlio?- Pergunta cruzando os braços na frente do corpo. Agora consigo ver que seus olhos são tão verdes quanto uvas maduras. Eles parecem furar cada parte do meu corpo.
- Jessie, por que está chorando?
Levo a mão até o rosto. Não havia percebido que tinha começado a chorar. Era um choro silencioso misturado com uma respiração falhada. O ar parecia não chegar aos meus pulmões.
Papai se aproxima ainda mais tapando a visão que eu tinha da moça de olhos verdes e se abaixa em minha frente. O perfume dele me envolve como um cobertor. Mas pensando bem, o cheiro era doce demais para ser masculino.
Ele estava com o cheiro dela.
-Aconteceu alguma coisa, Jessie?
Seus dedos envolvem meu pulso, mas me solto antes que seu toque fique firme. Pela sua calma ele deve achar que não estendo o que estava acontecendo entre eles antes da minha chegada. Mas eu entendia e sentia a dor da traição martelando no meu peito.
Saio correndo pelo corredor em direção ao elevador antes que ele faça mais perguntas. Ouço seus gritos e passos atrás de mim. Consigo imaginar sua amante nos observando da porta como se tudo aquilo fosse patético.
Meus dedos trêmulos apertam o botão do térreo diversas vezes na esperança de que fosse mais rápido, mas ele não parece ter pressa. Para minha sorte, papai não era jovem como eu, então corria de forma lenta. Quando me alcança, as portas estão fechando e minha visão ficando cada vez mais embaçada pelas lágrimas.
*
-Andou chorando pequena Jessie?- Aquela voz. Aquela voz eu reconheceria em qualquer lugar do mundo. Ela me perseguia até em lugares que não deveria alcançar.
-Onde está minha mãe?- Pergunto sem levantar a cabeça. Não queria olhar para seu rosto cheio de pelos. Não queria olhar para aqueles olhos que pareciam saber de tudo. Não queria olhar para a cor deles que pareciam sugar vidas.
-Ela me pediu para ir até o mercado enquanto você estava fora- Fala, mas havia uma pitada de um sentimento diferente em sua voz. Nervosismo? Satisfação? Era difícil dizer.
-Mentira! Onde ela está?- Bato o pé no chão forte o suficiente para fazer a estrutura da casa balançar. Arisco olhar para seu rosto, mas a repulsa aumenta dentro de mim ao encontrar sua expressão pacífica e o corpo largado no sofá.
-Você sempre foi uma criança teimosa, não é pequena Jessie?- O sofá range quando ele ajeita o corpo de forma que se incline para frente- Sua mamãe achou que estava na casa de Luke e me pediu carona até o mercado já que estou de folga. Mas como ela é uma pessoa muito boa e preocupada, me pediu para voltar e lhe fazer companhia quando voltasse da casa de Luke. Disse que voltaria a pé.
-Você está mentindo!- Grito tão alto que deve ter feito o prédio balançar. As lágrimas escorriam violentamente pelas minhas bochechas deixando tudo embaçado. Pelo menos, assim eu não conseguia ver a expressão de Marcelo.
-Ou será que é você que está mentindo? Você não parece ter vindo da casa de Luke.
-Você é um mentiroso! O que fez com minha mãe?- Grito ainda mais alto na esperança de fazer os ossos do meu tio rachar. Dessa vez, uma mão agarra meu ombro fortemente.
-O que está acontecendo aqui Jessie?- A voz pesada do meu pai preenche o ambiente.
-Ele mente papai! Ele mente!
Desabo nos braços do meu pai sem forças. O ódio havia sido transformado em dor. Ele diz alguma coisa para mim, mas não entendo nenhuma palavra. O ar parecia não ser o suficiente e minha visão ficava turva diversas vezes. Doía para respirar, para me mexer e para viver.
No meio do mar de sentimentos, eu só desejava uma coisa: minha mãe.
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