Capítulo 31
Bip...Bip...Bip
Bip...Bip...Bip
Eu estava enlouquecendo.
Bip...Bip...Bip
Desvio o olhar do chão para Leah, que permanecia imóvel sobre a cama. Seu peito subia e descia em um ritmo tranquilo. Os primeiros raios da manhã já penetravam a cortina fina e ela ainda não tinha dado sinal de vida. Eu só tinha o aparelho de monitoramento cardíaco que apitava de segundo em segundo, mostrando que seu coração ainda batia.
Bip...Bip...Bip
Eu realmente estava enlouquecendo com isso.
Resolvo me levantar e caminhar pelo pequeno quarto. As paredes eram brancas, assim como o piso, os lençóis, as roupas e... Tudo. A única coisa que se destacava no meio da palidez daquele lugar era meu cabelo rosa. Parecia a única coisa com vida.
Me enfio atrás da cortina do quarto para olhar o mundo lá fora. Um raio de sol atinge meu olho assim que tento espiar o lado de fora. O esfrego até que esteja bom de novo.
O céu estava uma mistura de azul escuro com laranja, cores típicas do fim da madrugada. Alguns pássaros levantavam voo após uma longa noite e cantavam. Quase não havia movimento na rua, a não ser pela movimentação comum de um hospital. Mães acalmando seus filhos doentes, pais esticando as pernas e uma ambulância descarregando um paciente. Igual ontem.
A cena de Leah sendo retirada da ambulância e a correria dos médicos invadem minhas memórias. Lembro que eu chorava sem parar e não conseguia responder as perguntas dos médicos ou dos policiais. Até que uma enfermeira pediu para que me deixassem descansar e os mandou embora.
Uma batida na porta me arranca dessa onda de lembrança. A porta se abre revelando a mesma enfermeira de cabelos castanhos que passava de hora em hora para checar o estado de Leah, então concluo que tenha vindo fazer exatamente isso.
-Bom dia, Jessie- Diz com o tom de voz suave que usamos pela manhã- Tem uma pessoa esperando por você na sala de espera.
Imediatamente imagino Marcelo sentado em uma das cadeiras da sala de espera. Imagino seu corpo grande se remexendo no assento desconfortável enquanto olhava para o corpo de alguma criança, desejando-a.
-Você está se sentindo bem Srta. Jessie? Tem certeza de que não quer ser examinada?
Deve ser a décima vez que sugerem que um médico me veja. Minha garganta, de fato, doía por conta da tentativa de Marcelo de me enforcar, mas eu me recuperaria com o tempo. Eu não quero instrumentos frios tocando meu corpo e preocupações comigo enquanto Leah está desacordada.
A minha aparência também não deve estar ajudando, pois passei a noite em claro depois de um dia de trabalho. Não consegui pregar os olhos por medo de que aconteça algo enquanto estou mergulhada no sono. Devo estar com olheiras horríveis por isso.
-Estou. Quem está me esperando?- Pergunto dando passos hesitantes para fora do quarto, acompanhando a enfermeira. Estava realmente com medo de Marcelo ter descoberto minha localização novamente e estar me esperando com uma arma apontada para o centro da minha cabeça, pronto para me matar. Pelo menos, eu estaria em hospital.
-Um jovem. Ele parecia estar quase desmaiando de preocupação.
-Luke.
Ele aguardava inquieto sentado em uma das cadeiras da sala de espera. Ele roía as unhas e encarava o chão, perdido em pensamentos. Assim que ouve os nossos passos entrando no cômodo, seus olhos nebulosos encontram os meus.
-Jess- Sussurra saltando da cadeira sem tirar os olhos de mim.
-Luke.
Só percebo que corri para seus braços quando estou sendo esmagada por eles. Afundo meu rosto na curva do seu pescoço e aspiro seu cheiro familiar, bem diferente do cheiro de produto de limpeza do hospital. Ele envolve meu tronco e acaricia minha nuca. Parecíamos dois desesperados em busca de conforto.
-Jess- Ele me afasta, ainda segurando meus ombros, dando visão de seus olhos lacrimejantes- A policia veio pedir para olhar as câmeras e acabei vendo o que aconteceu com você e Leah na noite de ontem. Eu fiquei tão preocupado com você. Quem era aquele? O que queria? Leah está bem?
-Eu... Eu... –Eu queria contar a Luke tudo o que estava acontecendo, mas as palavras desapareceram, deixando apenas uma boca aberta sem emitir qualquer som. As lágrimas também escorriam pelo meu rosto, então as limpo e aponto para os assentos no corredor, longe de qualquer ouvido curioso- Podemos conversar em outro lugar?
Luke assente e me conduz até os bancos no corredor com a mão pousada em minhas costas o tempo todo. Nos acomodamos e encaramos a parede branca a nossa frente e os médicos que caminhavam de um lado para o outro. Permanecemos em silêncio por uns dez minutos até eu tomar coragem para falar.
-Era meu tio- Digo sem tirar os olhos da parede. Seria difícil demais olhar para Luke e contar a história olhando em seus olhos- Quando eu tinha sete anos, meu tio abusava de mim. Passei anos com medo de encontra-lo e com medo de contar para alguém. Quando eu me vi sozinha com Leah e a oportunidade de mudar isso, eu só mergulhei nela. Foi assim que a conheci. E ela está atrás de Marcelo há semanas, só que ele fugiu. Mas acabou me encontrando ontem e machucando Leah.
-Jess... Eu sinto muito- Luke segura minhas mãos que tremiam sobre minhas coxas- Eu nem sei o que dizer. Isso tudo é horrível. Me desculpa por não estar presente para te ajudar, mas fico feliz que Leah tem feito isso no meu lugar.
-Não é sua culpa. Eu não te contei por medo dele te machucar também- Levo os dedos até seu rosto e limpo uma lágrima que escorria livremente e acaricio o lugar- Olha o que aconteceu com Leah.
-Ela vai ficar bem. Você vai ficar bem. Nós vamos encontrar o Marcelo e fazê-lo pagar por tudo o que ele fez.
Assinto em silêncio e o deixo me puxar para mais um abraço. Descanso a cabeça em seu ombro enquanto ele apoia a dele no topo da minha cabeça e processa as informações que acabara de receber. Choramos juntos por mais uns dez minutos até a enfermeira de cabelos castanhos nos interromper.
-Leah acordou.
*
Leah olhava para a janela quando entrei no quarto. Ela estava tão imóvel que achei que tivesse dormido novamente. Mas assim que ouve meus passos, sua cabeça se vira em minha direção.
-Jessie Brodie- Meu nome ecoa baixinho pelo quarto, mas eu consigo ouvir. E ela me causa arrepios como todas às vezes. Não consigo conter um sorriso ao ouvir sua voz e um soluço me escapa junto com uma lágrima.
-Ah, Leah- Corro em sua direção e a abraço, tomando cuidado para não machuca-la. Ela tenta me abraçar mesmo estando naquela situação, conectada a aparelhos e cheia de hematomas- Finalmente você acordou.
Levo a mão até seu rosto. É doloroso olhar para ele nessa situação. Seu olho estava inchado, a bochecha possuía um hematoma e os lábios estavam secos e cortados. Mas apesar de tudo, ela sorria docemente e continuava linda.
-Desculpa por ter me atrasado- Fala Leah e imediatamente sinto vontade de manda-la calar a boca- Não queria que nada disso tivesse acontecido.
-Nem eu, mas não é sua culpa. Eu não me importo se você se atrasou ou não. - Meu polegar desliza sobre sua bochecha- Só me importo com você. E nada mais nesse mundo.
-Tudo bem- Sussurra, ainda mantendo um sorriso, mesmo que pequeno, no rosto.
-Eu senti sua falta- Digo encostando minha testa na dela e depois depositando um beijo. Estava tão aliviada por ela ter acordado que estou repetindo as mesmas coisas mil vezes.
-Eu também.
-Você estava apagada até agora- Digo sorrindo.
- Você faz falta até quando estou inconsciente.
Rio. Rio e choro ao mesmo tempo. Leah enxuga uma lágrima minha e dá batidinhas ao seu lado no colchão me convidando para deitar. Então vou contra todas as regras e me acomodo ao seu lado, sentindo seu cheiro reconfortante que me fez me apaixonar ainda mais por ela. Pela primeira vez no dia, me sinto em casa.
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