Capítulo 25
-Está muito apertado?
-Assim está bom.
Ela dá um laço na atadura na lateral da minha perna, prendendo-a firmemente. Logo depois de entrarmos no lago a postura de Leah foi voltando lentamente e com a mesma rapidez que me jogou dentro do lago, ela me arrastou para fora. Seu braço logo tomou o lugar de sempre ao redor da minha cintura e me conduziu até o carro enquanto carregava suas botas com a outra.
A tensão do rosto de Leah ao ver o curativo encharcado não saia da minha cabeça. O toque de suas mãos suaves limpando e envolvendo a ferida com atadura limpa e seca também não saia da minha memória.
-Pronto. Agora meu nome não vai mais estar entalhado na sua lápide- Diz se levantando e retirando minha perna do seu colo gentilmente.
-Uma pena.
Leah joga os cabelos para trás dos ombros e se apoia no carro olhando para o lago reluzente do outro lado da rua, aquele que estávamos dentro minutos atrás. Os patos de longas penas brancas e amarronzadas haviam voltado a nadar tranquilamente pela superfície.
-E agora?- Pergunto me sentando na beira do banco do motorista e inclinando o corpo para frente- Vai me levar para casa?
A garota, sem descruzar os braços, se vira para mim e semicerra os olhos por conta dos raios de sol, que penetram entre as folhas das árvores.
-Ainda não Jessie Brodie- Ela umedece os lábios com a língua como se desfrutasse do meu nome e volta o corpo em minha direção, apoiando o ombro no carro- Quero te mostrar uma coisa.
-O que exatamente?
-Se eu disser vai perder a graça.
*
-Tem certeza de que não está me levando para o meio do mato para me matar ou me entregar para um matador de aluguel?- Pergunto enquanto Leah percorre a via de mão dupla a toda velocidade. As árvores passavam rapidamente por nós e o farol alto dos outros carros que vinham da direção oposta me cegava- Porque se você estiver cansada de mim não é necessário envolver assassinato. É só me deixar na porta de casa que prometo esquecer seu endereço e nunca mais te incomodar.
-Eu não queria fazer isso, mas vou ter que te mandar calar a boca- Diz Leah sem tirar os olhos da estrada a sua frente e segurando o volante firmemente. Os últimos raios de sol do dia refletiam em seus anéis e no seu relógio de prata- Fico surpresa que não conheça essa parte da cidade. Já era para você ter adivinhado para onde estamos indo.
-Digamos que eu não saio muito de casa- Conto desviando o olhar para a paisagem borrada do lado de fora- Vou do meu apartamento para o trabalho e do trabalho para o meu apartamento. Sabe como tem sido divertido trabalhar no lugar de Thomas? Todo dia reparo em algo diferente na cidade que deve ter mudado a mais de dez anos e que só percebi agora.
-Isso é realmente triste- Os ombros de Leah murcham como se de repente o cansaço tivesse tomado seu corpo, mas seus olhos continuam firmes a frente- Isso é por causa do... Marcelo?
O nome dele provoca uma onda de arrepio no meu corpo. Falei dele durante semanas para Leah, mas continuo sentindo o temor percorrer minhas veias e envolver meu coração. A essa altura eu já deveria ter me acostumado.
-Sim- Respondo hesitante- Eu não tenho saído desde... Sempre. Não com ele solto por ai.
-Assim que tudo estiver pronto eu irei encontra-lo- Sua mão pousa na minha coxa de uma maneira confortável e seu polegar acaricia o local. Mesmo estando coberta pelo tecido sinto sua mão quente transferir faíscas para minha pele- Eu prometo.
O escuro dos seus olhos encontra o oceano dos meus. Seu polegar ainda traçava círculos na minha coxa e seus dedos pareciam cada vez mais quentes. Mas esse quente não era um que deixava marcas inesquecíveis na minha pele, era um que aquecia meu coração e me fazia querer mais. O restante do sol de fim de tarde deixava sua pele brilhante e algo dentro de mim implora por sentir a pele do seu rosto sob meus dedos.
De repente uma buzina nos faz estremecer de susto. Leah havia se distraído na conversa e acabou reduzindo a velocidade de uma forma que o carro de trás quase atingiu a nossa traseira.
-Não deve demorar muito para que a gente chegue- Diz quebrando o silêncio do nosso susto. Agora suas duas mãos estavam pousadas no volante enquanto minha coxa esfriava sem ela para aquecer- Pode descansar enquanto isso.
*
A noite estava mais acinzentada do que o normal quando abro os olhos. Uma neblina repentina surgiu e cobria a estrada e a mata a nossa volta ocultando o verde das árvores. O cheiro de orvalho invadia o carro pela janela aberta do lado do motorista e o vento balançava o cabelo de Leah. As mechas se agitavam tão furiosamente que parecia uma nuvem preta.
Abaixo o olhar para o velocímetro. Os números estavam borrados pelo tempo que estive dormindo, mas consigo reparar que aumentavam a cada segundo. Leah não parecia reparar que estávamos indo rápido demais. Ela continuava com o olhar focado na estrada e não parecia ter reparado no meu despertar.
-Leah?- Chamo, mas ela continua parada olhando para o nada a nossa frente- Estamos indo rápido demais.
Nada.
Inclino-me para frente para olhar seu rosto. Seus lábios estavam pálidos e os olhos nebulosos. Era como se tivesse uma nevoa bloqueando seus sentimentos e sua visão. Toco seu braço levemente para que não se assuste, mas retiro rapidamente. Seu braço estava frio como cristais em uma caverna. O que está acontecendo?
-Leah você está bem?- Tento novamente chamar a sua atenção, mas continuo sem sucesso. Meu coração começa a bater cada vez mais rápido dentro do peito como um tambor, ao mesmo ritmo que a velocidade do carro aumentava sem parar. De repente dois faróis altos surgem embaçando ainda mais minha visão. Preciso de alguns segundos para me recuperar e, quando volto, vejo que é um caminhão vindo em nossa direção rapidamente.
Todos os meus músculos parecem congelados e não consigo me mexer e ouvir assim como Leah. Permanecemos paradas e em silêncio aguardando a morte. Eu nunca imaginei que morreria assim, com a visão embaçada e a neblina entrando pela janela do carro enquanto corríamos em direção a um caminhão na contramão.
Tínhamos apenas mais alguns segundos antes do impacto quando Leah desperta de seu transe. Ela solta o volante e volta os olhos arregalados e nebulosos para mim. Seus lábios pálidos se entreabrem e apenas uma palavra escorrega para fora antes do impacto abafar qualquer som.
-Jess...
Sento-me assim que o ar volta aos meus pulmões e quando sinto dedos quentes ao redor do meu pulso. Meu nome ainda ecoava pelo ar diversas vezes, mas agora não havia sinal de neblina e o carro estava parado.
-A gente chegou- Diz Leah ao meu lado. Ela parecia mais saudável. Seus lábios voltaram a ser avermelhados e os olhos cheios de vida. Tudo havia voltado ao normal, menos meu coração que ainda se acalmava dentro do peito- Arrumei um lugar lá trás para a gente sentar enquanto você dormia.
Ainda sonolenta saio do carro e sigo Leah até a traseira do carro. Ela havia o estacionado perpendicularmente à estrada para que a gente possa se sentar e observar a vista.
Eu não estava esperando uma vista tão bonita quanto essa. Assim que levanto o olhar, deixo o queixo cair levemente com o espanto. A nossa frente uma paisagem urbana se estendia até a linha do horizonte e brilhava como um milhão de estrelas. Abaixo de nós os carros corriam pela pista provocando um ruído satisfatório enquanto a cidade ia dormir lentamente com o passar das horas.
Não imaginava que estávamos tão alto. Dali dava impressão que estávamos mais alto do que as os prédios que se destacavam por sua variedade de luzes amarelas e brancas vindas dos apartamentos.
Além da visão de tirar o fôlego, o tempo também estava ótimo. O dia quente havia sido substituído por uma noite de ventania. O vento bagunçava o meu cabelo enquanto agitava o de Leah furiosamente como no sonho e arrepiava nossas peles.
-Isso é... Mais do que incrível- Consigo dizer e, por sorte, as palavras chegam até Leah antes de se perderem ao vento- Eu achava que tinha tudo observando os bairros em cima do muro do mercado.
-Esse é um o meu terceiro lugar favorito - Conta Leah enfiando a mão nos bolsos da calça e fazendo um sinal para sentarmos na traseira do carro onde ela havia estendido uma coberta e posto algumas almofadas.
-E qual é o segundo?- Pergunto quando nos sentamos um ao lado da outra. O corpo de Leah roçando o meu e cessando meus arrepios causados pelo vento frio.
-As estradas.
-E o seu primeiro lugar favorito?
Seus olhos, brilhantes apesar da escuridão, se voltam para mim. Eles possuem um brilho que eu jamais vi, mas que combinam perfeitamente com seu rosto iluminado pela luz da lua. Sua pele parecia cintilar sob o luar e os cabelos pareciam ondas negras se quebrando na beira da praia.
-Por esses dias meu lugar favorito tem sido com você Jessie Brodie- As palavras escorregam de sua boca como poesia e, de repente, seus lábios parecem mais beijáveis do que nunca. Questiono-me várias vezes se ouvi a frase corretamente, pois as letras podem ter sido embaralhadas pelo vento- Isso tudo não é certo. Eu não deveria me envolver com uma a garota do caso que estou investigando. Eu não deveria me sentir atraída pelos seus olhos azuis como hortênsias. Eu não deveria sonhar em sentir os fios rosa do seu cabelo entre meus dedos. Eu não...
A minha vida toda eu senti medo de me relacionar com outra pessoa. Cresci acreditando que se nem minha família conseguia me amar, quem dirá outra pessoa. Beijei uma única vez em toda minha vida e nem sei se um simples encostar de lábios na infância pode ser considerado um beijo. Mas com certeza Leah faz como eu nunca havia feito na vida.
Eu esperava algo calmo e impulsivo como toda minha vida tem sido, mas recebo seus lábios desesperados e adocicados. É bagunçado, mas cheio de amor. Sua mão desliza pela minha nuca e me puxa contra sua boca como se esse toque não fosse o suficiente.
Nós afastamos apenas quando nossos pulmões imploram por ar. Eu estava ofegante e ela também. Seu peito nu subia e descia rapidamente e seus olhos brilhavam tão intensamente quanto antes.
-Jessie Brodie...
Pouso o indicados sobre seus lábios úmidos e aproximo o rosto do seu para sussurrar em seu ouvido. Agora seu perfume parecia queimar em minhas narinas e sinto uma estranha vontade de lamber seu pescoço, bem em cima de onde o cheiro era mais intenso.
-É apenas Jess- Sussurro e volto a olhar seus olhos profundos e desesperados. Não resisto e encaro sua boca que permanecia entreaberta me chamando para mais um beijo.
Meu coração fala mais alto essa noite. Em segundos estamos uma contra a outra novamente. Sua língua acariciando a minha língua e seu corpo esquentando o meu. A nossa frente, a cidade adormecia e mergulhava na calmaria enquanto nossos corações se agitavam como baquetas no tambor.
•·•·•·•·•·•·•·•·•·••·•·•·•·•·•·•·•·•·••·•·•·•·•·•·•·•
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro