Capítulo 24
A comida estava deliciosa. Fazia muito tempo que eu não almoçava em um bom restaurante com uma conversa calma e animada. Eu e Leah conversamos sobre sua vida. Ela respondeu todas as minhas perguntas e eu pude conhecer um pouquinho mais dela. Ri de seus desastres enquanto seu pé buscava minha canela para dar um bom chute e me impressionei com os pequenos detalhes de suas aventuras enquanto observava a forma que um raio de sol que entrava pela janela fazia sua pele brilhar.
Agora ela dirige calmamente em direção a uma pequena sorveteria no centro da cidade enquanto a música baixa vinda do rádio se mistura com nossa conversa. Leah havia contato no restaurante sobre uma sorveteria que tomava sorvete com seus irmãos a caminho de casa.
-A gente sempre escolhia o sabor um para o outro- Conta quando paramos em frente à velha sorveteria. A pintura azul estava desbotada e a placa em formato de sorvete apresentava algumas luzes queimadas de forma que a bola de sorvete ficava desigual.
Apesar de a fachada ser desbotada e sem vida, seu interior aparenta ser recém-pintado e o ambiente é bem iluminado com luzinhas pendendo do teto. Leah me conduz até o freezer, retirando o braço da minha cintura para explorar os sabores. Imediatamente sinto falta de seu corpo quente quando o ar frio me envolve como tentáculos.
-Por que não fazemos como vocês? Eu escolho um sabor para você e você escolhe um sabor para mim.
-Tudo bem.
Uma mulher de meia idade e cabelos crespos presos atrás da cabeça por um lenço se aproxima. Ela espera calmamente com uma casquinha na mão enquanto passeio pelos sabores sem ideia do que Leah gosta. Será que ela curte o sabor azedo do limão assim como eu ou prefere um daqueles sabores exóticos com passas?
Por fim acabo escolhendo um sabor que combina com seus olhos e com sua profissão. Imagino Leah todos os dias chegando à delegacia e enchendo uma xícara de café recém-coado para começar a manhã.
-Café?- Pergunta provando uma colherada do sabor que escolhi- Como adivinhou?
-Foram horas pensando sobre.
-Agora experimente o seu- Diz apontando para a bola de sorvete rosa com a colher- Escolher esse sabor foi uma das escolhas mais difíceis que fiz na minha vida.
Levo uma colher recheada de massa rosa até a boca. Espero sentir o sabor comum do morango se dissolver na língua, mas sou surpreendida pelo sabor doce da pitaya.
-Pitaya? Isso é sério?
-Com certeza- Ela se livra da colher e se delicia do sorvete com lambidas generosas- Me faz lembrar você.
Não consigo conter um sorriso. Leah era para ser apenas a investigadora do meu caso, mas é tão atenciosa e agora estávamos em uma sorveteria após almoçarmos juntas como velhas amigas. Eu não a considerava mais apenas uma policial atrás do meu tio. Eu a considerava uma amiga.
-Eu adorei.
Leah sorri exibindo seus dentes sujos de sorvete de café e fazendo seus olhos se curvarem de maneira genuína. Sinto o impulso de limpar o canto da sua boca ao ver a pequena mancha. Meus dedos tocam sua pele quente e imediatamente o seu sorriso se dissolve dando lugar a lábios entreabertos. Sinto seus olhos queimares meu rosto junto com o rubor que sobe pelas minhas bochechas.
-Estava sujo- Digo desviando rapidamente o olhar e voltando a comer.
Mergulhamos em um silêncio constrangedor. Me culpo várias vezes por ter sido intrometida e tocado seu rosto sem permissão. Eu nem sabia se ela queria ter a sujeira limpa e acabei limpando com o polegar. E se ela gostasse de ficar suja de sorvete? Talvez isso a lembrasse do seu passado.
-Como está sua perna?- Pergunta limpando os dedos no guardanapo. Ela não parecia estar brava por eu ter sido intrometida.
-Está bem. Não está mais doendo como antes- Respondo colocando o restante da casquinha na boca e esperando pelo motivo de estar perguntando. Talvez ela queira me levar para casa já que estou bem. Não há mais motivos para passar um tempo comigo.
-Ótimo- Ela se levanta e oferece a mão para mim pela décima vez no dia- Pois vamos alimentar patos e depois quero te mostrar uma coisa.
*
-Leah Addari!- Grito e agarro seu braço a livrando de cair no lago. Estávamos no mesmo lago em que encontramos Bea, mas dessa vez nós que alimentávamos os patos. A tarde estava tranquila. O sol brilhava lá no alto e o vento aparecia de vez em quando para secar o suor da testa.
Acabo de descobrir que Leah perde totalmente a postura de policial durona quando vê patos. Seu olhar duro e o sorriso sempre controlado dão lugar para gargalhadas descontroladas e uma bochecha extremamente corada pelo calor. Sentada ao banco jogando migalhas de bolacha na água, monitoro e flagro as diversas vezes que as botas de Leah escorregaram na terra ameaçando derruba-la. Dessa vez, levanto e manco rapidamente para segurar seu braço e evitar um desastre.
-Eu estou bem- Diz gargalhando vermelha como um tomate- Eu queria ver se o pato consegue pegar uma migalha no ar.
-Acho que você se empolgou- Respondo a arrastando alguns centímetros longe da borda e a soltando apenas quando seus pés parecem firmes no chão.
-E você não deveria estar de pé sozinha.
-Minha perna já está boa Leah. É sério.
-Acho que sim- Ela levanta as mãos e da um passo em minha direção- Para você ter me salvado.
-Preferiria cair na água?- Pergunto dando um passo manco para frente nos aproximando.
-Só se você estiver junto.
Em um momento estou na terra e no outro estou com a água batendo na altura dos joelhos e respingos na roupa enquanto Leah gargalha como uma criança. Fico boquiaberta observando ela arrancar as botas e entrar na água comigo e com os patos que nadavam desesperados para longe das únicas duas garotas piradas o suficiente para entrar naquele lago.
-Você acabou de me jogar dentro do lago?
-Acho que sim. Não se esqueça de que estou com você nessa.
Abro a boca para falar, mas parece que os músculos da minha boca estão enferrujados como uma porta.
-Você.
-Eu.
Ainda estou paralisada. Todos os meus músculos parecem ter travado e meu cérebro ainda estava processando aquela informação. A cada segundo que se passava eu ficava mais próxima da realidade.
Leah havia mesmo me jogado dentro do lago.
Ela parou para pensar no tanto de bactérias que nadavam a nossa volta? Para alguém que estava extremamente preocupada com o simples ato de tocar o chão com pé, ela parece não se importar mais. E se eu pegar uma infecção daquelas que dão calafrio no corpo todo e sai pus por todo o orifício do corpo com a água desse lago? Eu vou culpar ela pelo resto da minha vida.
-Eu... E se eu pegar uma doença desse lago verde? Aposto que as necessidades daqueles patos estão nadando ao redor da minha perna- De repente meus músculos descongelam e a primeira coisa que faço é jogar água na direção da policial.
-E devem estar na minha boca agora- Tosse e limpa a boca com as costas da mão. As pontas do seu cabelo levemente úmido roçando os ombros nus.
-Se eu pegar uma infecção vou mandar escreverem na minha lápide a causa da minha morte- Queria soar séria como ela no trabalho. Queria dar aquele revirar de olho charmoso para deixa-la com raiva, mas só consigo sorrir com a situação.
-E qual seria?
-Leah Addari.
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