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Capítulo 14

-É você mesma Jessie?- Pergunta Beth se levantando da cadeira boquiaberta. Diferente dos outros dias, hoje ela está usando o cabelo loiro preso atrás da cabeça em um rabo. Seus olhos azuis estão concentrados em mim e o queixo parece prestes a despencar.

-Eu quis dar uma mudada no visual- Passos os dedos pelos meus cabelos curtos como os de Luke e tingidos de rosa. Ainda não me acostumei com a sensação dos fios curtos passando pelos dedos. - Curtiu?

-Você está diferente, mas está linda. O rosa ressalta o azul dos seus olhos.

-Obrigada- Respondo junto com um sorriso gentil e as bochechas coradas.

Para todos que me perguntaram essa tarde sobre a mudança no visual, respondi que estava cansada do meu cabelo antigo ou que sempre quis experimentar uma cor diferente quando criança e era hora de realizar esse pequeno sonho.

Mas a verdade por trás da mudança é minha mãe, Jamile. Aquela mulher de olhos azuis como os oceanos e cabelos marrons como chocolate ao leite. A mulher que esteve ao meu lado o tempo inteiro e que tentou me proteger do mal, mas infelizmente o mal acabou levando-a para longe. Para um lugar que não posso alcançar. A cor do meu cabelo me fazia lembrar as tardes em que comíamos pitaya juntas. Era meu momento favorito do dia quando criança e o que vai ficar guardado para sempre no meu coração.

-Jessie eu preciso de você- Luke se aproxima com a cara enfiada em uma prancheta, os cabelos loiros refletindo os raios de sol que entravam pela janela. Ao olhar para mim, sua expressão é tomada pelo mesmo sentimento que Beth teve minutos atrás- O que aconteceu com você?

-Resolvi mudar- Digo exibindo um sorriso torto. Aquilo estava começando a ficar desconfortável. Eu tinha mudado tanto assim?

-Combinou com você. Ressalta a cor dos seus olhos.

-Ei! Eu acabei de dizer isso!- Fala Beth, se inclinando na cadeira para olhar para Luke.

-Como eu estava dizendo, eu preciso de você- Luke bate morde a ponta da caneta azul e volta a rabiscar algo na prancheta- Preciso que faça uma entrega.

-O que?- Pergunto sem saber se ouvi certo- Meu papel não é esse. Onde está Thomas? Ele é responsável por fazer entregas.

-Thomas acabou torcendo o pé e vai precisar que você cuide das entregas até encontrarmos outra pessoa- Luke enfia a prancheta embaixo do braço e me encara- Sabe dirigir?

-É claro que sei.

-Então está resolvido- Ele se vira e vai em direção aos fundos- Você não vem?

Troco olhares rápidos com Beth e dou de ombros. Pelo menos não vou precisar passar a tarde dentro desse lugar, não é mesmo?

Sigo Luke até os fundos do estacionamento do mercado, onde uma Kombi branca está estacionada e ao lado de pilhas de caixas plásticas recheadas de produtos.

-Aqui- Ele empurra a prancheta contra meu peito e pega uma das caixas para leva-la até a Kombi- Você só precisa colocar essas caixas dentro da Kombosa e entregar nos endereços que estão na prancheta.

-Que porra é Kombosa?

Luke apoia o quadril no veículo e cruza as pernas dando batinhas na lataria branca.

-É o apelido da Kombi- Diz exibindo um sorriso- Agora prometa que vai tomar cuidado porque isso aqui é o xodó do Thomas.

-Eu prometo. Tenho certeza que se eu arranhar a tinta seu pai vai me colocar para correr- Largo a prancheta sobre o banco e começo a carregar as caixas para dentro do veículo. Para minha surpresa, elas são bem mais pesadas do que parecem.

-Ele te adora demais para colocar você na rua- Luke se desencosta e começa a andar de volta para dentro- A chave está na ignição. Boa sorte Kombosa.

Até que não é tão difícil encontrar os endereços. A maioria das ruas era conhecida e as casas tinham números grandes o suficiente para encontra-las facilmente. Aparentemente todas as compras foram feitas por senhores e senhoras de idade que ficavam encantados ao ver uma pessoa tão jovem trabalhando e me chamavam para tomar um café. Confesso que fiquei tentada a aceitar, mas tinha trabalho a fazer.

Agora dirijo até o último endereço enquanto o céu escurece em tons de laranja. Estaciono em frente a uma pequena casa cor de pêssego e telhado desbotado pela chuva. Bato palmas e espero alguma senhora mancar até o portão, mas sou surpreendida ao ver uma garota jovem.

-Boa tarde!- Cumprimenta abrindo o portão e vindo até a porta aberta da Kombi- Essas são minhas compras?

-Isso mesmo. Estou surpresa que você não seja uma velhinha que pede para entregar compras em sua casa.

A garota sorri e coloca uma mecha de cabelo ondulado escuro atrás da orelha. Seus dentes brancos combinam perfeitamente com seus olhos castanhos e lábios carnudos. Por ser alta e ter as veias desenhadas fortemente nas mãos, passa imagem intimidadora, mas seu sorriso simpático e as bochechas coradas dizem ao contrário.

-Acho perda de tempo ir ao supermercado, então no intervalo do trabalho peço pelo telefone e mando entregar em um horário que eu esteja em casa- Conta ela tirando a franja da frente dos olhos e expondo um piercing na sobrancelha.

-É uma boa ideia. Você usa a cabeça- Trago a caixa com seus produtos para perto e preparo para carregar a caixa para o local desejado. Agradeço por ter apenas uma caixa, pois meus músculos já estão doloridos- Poucos fazem isso.

-Não, não precisa! – Ela se dirige até a caixa e começa a pegar as sacolinhas e as enroscar no braço- Você já deve estar cansada e não é muita coisa. Dou conta de levar sozinha.

-Tem certeza? Posso ajudar.

-Tenho sim. Vou aproveitar que ainda não sou uma velhinha e posso carregar minhas compras- Diz ela provocando sorrisos em nós duas.

A garota vai até em direção à casa banhada pelo fim de tarde e antes de fechar o portão se vira para mim.

-O pagamento está certo?- Pergunta com uma ruga surgindo entre suas sobrancelhas. Sinto-me tentada a pedir para que não faça isso, pois pode marcar a bela pele de seu rosto.

-Está sim. Não se preocupe- Respondo fechando a porta pesada da Kombi.

Ela dá mais alguns passos para dentro da casa e quando estou prestes a entrar no veiculo, a garota se vira novamente.

-A propósito, eu gostei do seu cabelo.

-Obrigada- Agradeço e sinto minhas bochechas queimarem. É diferente quando se recebe elogios de pessoas desconhecidas. Ainda mais se foram bonitas como ela.

Observo a garota de dentro da Kombi até que desapareça pela porta de madeira do que parece ser a sala para ter certeza que não voltará para dizer algo.

Ela não volta.

Relaxo no banco e respiro fundo o cheiro de gasolina que passeia pelo ar da cabine. Até que fazer entregas não é tão ruim e desastroso como havia imaginado. Será que Thomas trocaria de lugar comigo?

-Fizemos um bom trabalho hoje Kombosa.

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