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Capítulo 28 - Parabéns

Eu me arrumava às pressas para encontrar com Lucas que me esperava na porta de casa para passar a sua primeira tarde com o Ícaro. Estava na casa da Vanessa, conversando tranquilamente quando ele me ligou e me lembrou da sua existência.

Enquanto tentava acordar o Ick, a minha amiga me observava ainda deitada no sofá preguiçosamente. Então surgiu a pergunta:

— Jéssica, posso te fazer uma pergunta íntima?

— Sinto que vem bomba aí...

— É que eu te sinto meio tensa.

— Você não ouviu nada do que te contei? Tenho motivos de sobra para ficar tensa!

— Sim, mas... Há quanto tempo você não faz sexo?

Fui pega de surpresa. Com tanta coisa acontecendo, nunca parei sequer para pensar no assunto.

— Ah, um tempinho...

— Muito tempinho ou pouco tempinho?

— Uns dois anos.

— MINHA NOSSA SENHORA DE GUADALUPE!

É verdade. A última pessoa que me viu nua foi o Lucas, no fatídico dia em que concebemos o Ick. Depois disso, passei meses grávida e um ano e pouquinho cuidando do bebê. No total, dois anos sem contato íntimo.

— Por isso você está tão tensa! — Vanessa exclamou. — Precisa dar um jeito nisso!

— Você não entendeu. Não tenho tempo para pensar nessas coisas. Preciso arrumar a minha vida.

— É muito mais fácil arrumar a vida quando se está relaxada.

Vanessa gostava de mim, isso era claro. Mas, não importa o quanto se esforce, pertencemos a mundos diferentes agora. Ela segue como a menina privilegiada e que não entende de responsabilidades e medos, como o dia já fui. Eu, por outro lado, estou na vida real e sempre haverá essa parede invisível entre nós.

— Preciso ir.

Lucas me esperava sentado na calçada, uma posição semelhante a qual passou a noite inteira na chuva tentando chamar a minha atenção dias atrás.

— Desculpe o atraso! — Falei esbaforida. — Estava na casa de uma amiga, esqueci completamente que você viria hoje.

— Está tudo bem — ele sorriu com um semblante calmo, trazia um pequeno embrulho em uma das mãos. — Podemos entrar?

— Claro, claro.

Nunca imaginei que abriria a porta de casa para aquele sujeito, mas foi o que aconteceu. Ele sentou-se no sofá da sala e me observou acomodar Ícaro no carrinho de bebê silenciosamente, parecia nervoso.

— Eu trouxe um presente — ele disse estendendo o embrulho. — Um presente para o nosso filho!

Peguei o embrulho e abri. Era um bonequinho dos Cavaleiros do Zodíaco.

— O que acha? — Perguntou.

— O Ícaro não pode brincar com isso — respondi.

— O que? Como assim?

— Olha o tamanho dessas pecinhas. O garoto pode engolir alguma sem querer. Este brinquedo é para crianças mais velhas.

— Ah... Eu não tinha pensado nisso — Lucas pareceu sinceramente decepcionado. — Vamos guardar para quando ele tiver idade o suficiente.

— Boa ideia.

Liguei a TV e fiquei assistindo qualquer coisa enquanto Ícaro dormia no seu carrinho e Lucas permanecia inquieto ao meu lado. Ele olhava para o bebê, para mim, depois de novo para o bebê. Não disse uma única palavra por horas, mesmo parecendo que estava constantemente prestes a dizer algo:

— Ele vai dormir o dia inteiro? — Perguntou.

— Não sei — respondi ainda encarando a TV. — Nesta idade eles dormem bastante.

— Entendi... Você acha que faz mal acordá-lo?

— Nem pense nisso!

— Posso pelo menos tirar uma foto?

— Sem flash, por favor.

Ele sacou o celular e tirou fotos o suficiente para fazer um book.

Nunca assumiria isso se me perguntassem. Mas era fofo a forma como ele queria interagir com o filho, mesmo com o menino dormindo.

Seria possível que ele tivesse mudado tanto em apenas um ano?

Por volta das 18h, começou a escurecer:

— Você conhece as regras — falei. — Já deu 18h e é a sua hora de ir embora. Nos vemos na semana que vem.

Ele sorriu.

— Não foi bem como imaginei que seria esse sábado, mas é um começo.

Eu sou uma coração mole.

— Quer segurar o Ícaro no colo?

— Não vai acordá-lo?

— Não, o safado tem o sono de uma pedra.

Peguei Ick do carrinho e lentamente passei para Lucas, que o segurou como se fosse quebrar.

— Ele é tão lindo.

— Eu sei.

Refluxo é comum entre os bebês. Eles soltam um pequeno arrotinho com um líquido misturando tudo do seu estômago. É bem nojento na verdade e foi o que Ick fez na camiseta do Lucas.

— Ops! — Ele reagiu bem para quem tinha suco gástrico na roupa.

— Isso acontece às vezes — tirei o Ick dos seus braços e coloquei de volta no carrinho. — Temos que lavar rápido, antes que manche!

Corremos para o banheiro, liguei a torneira e estendi a mão:

— Passa a sua camiseta para cá.

Péssima ideia.

Lucas tirou a camiseta e precisei me controlar para não encarar o seu abdômen e nem para a sua tatuagem maori cobrindo parte do peito. Vanessa estava certa, estou tempo demais sem contato físico.

Esfregava a roupa tentando não pensar no rapaz seminu ao meu lado, saudável e atraente.

Quando me virei, ele estava perto demais de mim. Fiquei zonza.

— Os seus olhos são engraçados Jéssica — ele disse. — Parece que ficam mudando de cor. Sempre que os vejo estão diferentes.

— Depende da luz — respondi. — Toma a sua camiseta, até semana que vem.

Ele sorriu.

— Até.

Assim que tranquei a porta e me vi longe de Lucas corri de volta para o banheiro e tomei um banho gelado, respirando fundo, recobrando os pensamentos. Quase fiz uma besteira.

Ao sair do banho, encontrei uma mensagem não lida no meu celular:

Ótimo. Aparentemente só sinto vontade de pular em cima de homens com os quais não posso fazer isso sem estragar a minha vida para sempre. Parabéns, Jéssica. Você é uma maluca. 

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