Capítulo 2 - Piorou
Ick passou tanto tempo se despedindo do meu filho que achei que ele tinha esquecido de mim. Assim que deixou o Ícaro de no colo de minha mãe, virou-se para mim e sorriu. Um sorriso típico de Ick:
— Você está se saindo uma ótima mãe, sabia?
— Isso só aconteceu porque você abriu mão de viajar o mundo com uma namorada japonesa milionária — respondi. — A propósito, eu já disse que isso foi uma escolha bem idiota?
Nós rimos.
— Valeu a pena.
O abracei e o apertei como se quisesse coloca-lo dentro do meu peito através da minha pele para guardar no meu coração e não deixar que nenhum mal aconteça a uma pessoa tão boa assim. O mundo não o merece.
— Volte logo — falei com o rosto enterrado em seu ombro.
— Eu volto — ele respondeu. — Se precisar de qualquer coisa é só me ligar
— Eu te amo — falei.
— Eu também te amo.
E assim ele partiu.
No outro dia...
Ícaro já estava de banho tomado quando senti o cheiro de queimado subindo pelas escadas. Perder comida para as chamas é algo que acontece nesta casa com uma frequência maior do que gostaria de admitir.
Corri com o bebê nos braços para a cozinha e encontrei uma panela no fogo soltando fumaça como uma locomotiva antigo.
Fiquei indecisa: deveria entrar na cozinha para desligar o fogão ou a fumaça poderia fazer mal ao Ícaro? Resolvi procurar a minha mãe e dei de cara com a bunda dela, na sala.
Sim, a bunda dela.
Ela usava uma calça legging e estava se alongando numa posição reveladora em frente a televisão que exibia um programa matinal de Ioga.
— Mãe, poderia virar o seu rosto para o meu lado, por gentileza?
— Jéssica, acordou tarde hoje — ela disse, distraída.
— Eu dormi tarde. Tem comida queimando no fogão!
— Meu Deus, os legumes! — Gritou exageradamente. — O que você está fazendo? Vai lá apagar o fogo!
— Eu não posso, o Ícaro pode passar mal com a fumaça.
— Ai meu Deus, a criança não é de vidro, sabia? — Resmungou enquanto pegava o Ícaro dos meus braços — Pronto, agora vai lá!
Fui até a cozinha e apaguei o fogo. Abri a panela e vi legumes que poderiam muito bem se passar por carvões.
— Completamente destruídos — gritei em direção a sala, para que ela pudesse me ouvir. — Mãe, você precisa prestar mais atenção na hora de cozinhar! Onde está a Madalena?
Madalena era o nome da mulher que trabalhava na nossa casa. Ela
era a única de nós que efetivamente sabia fazer coisas como cozinhar e lavar o banheiro.
— Pois é, minha querida, eu preciso conversar com você sobre isso. — minha mãe respondeu da sala. — Vem cá, sente-se comigo.
Fui até a sala e notei que ela parecia apreensiva, não só por não saber como segurar o Ícaro no colo (algo que nunca aprendeu), mas por algo a mais.
— Aconteceu algo grave? — Perguntei preocupada sentando no nosso (ridicularmente grande) sofá.
— Ai, minha querida — ela colocou sua mão sobre a minha, parecia prestes a anunciar a própria morte. — Eu acho que não tem maneira fácil de dizer isso, então serei direta.
— Então, fala.
— Estamos ficando sem dinheiro.
Definitivamente, essa não é uma notícia feliz. Mas o pesar com que palavras foram ditas, como se fosse a maior tragédia do século, me deixou mais confusa do que triste.
— Como assim, sem dinheiro? — olhei em volta, encontrei as mesmas escadas, a mesma Smart TV, os mesmos vasos de cerâmica. Não parecia uma casa de alguém sem dinheiro. — O meu pai não é, tipo, o dono da cidade?
— Sim, ele é. Mas ele e nós somos coisas diferentes agora. Você sabe... Com o divórcio eu tive direito a uma parte do patrimônio dele e agora a fonte está secando. E não adianta pedir mais dinheiro, pois ele não quer nem olhar para a nossa cara depois de tudo o que aconteceu.
— Você teve direito a cinquenta por cento de tudo que era nosso! — Exclamei. — Como isso está acabando tão rápido?
— Eu não sei! Eu não sei! — Ela quase deixou o Ícaro cair, o peguei em meus braços o mais rápido que pude. — O nosso estilo de vida é caro e eu nunca me preocupei com dinheiro ou com números!
— Não é possível. Só podem estar nos roubando...
— Que Deus te ouça e estejam, de fato, nos roubando, queridinha, pois assim pelo menos poderemos processar quem fez isso e recuperar tudo — mamãe balançou a cabeça e suspirou alto. — Enquanto isso, me vi obrigada a dispensar a Madalena. Podemos nos virar sem ela, certamente. Também acho que é hora de você arrumar um emprego.
— Claro, claro... — respondi, ainda tentando processar toda aquela informação. — Primeiro precisamos matricular Ícaro em uma boa creche. Depois nós começamos a procurar trabalho.
— Nós?
Algo no tom da pergunta dela me fez levantar as sobrancelhas.
— O que você quer dizer com isso, senhorita?
— Eu não posso trabalhar! — ela se levantou e passou a andar em círculos pela sala. — Esta cidade pequena é um inferno! Se as minhas amigas souberem que estou trabalhando, logo as fofocas começarão. As pessoas presumiriam o pior de nós. Vão nos tratar como a escória.
— Você me dá nos nervos! — Exclamei. — Eu não acredito que você está com vergonha de trabalhar!
— Não é vergonha — retrucou. — Mas, o que sei fazer? Nada! Não sei fazer absolutamente nada! Nunca trabalhei na vida! Sem experiência, o máximo que vou conseguir é um emprego como secretária ou.. ou.. caixa de supermercado! Eu não vou conseguir suportar a humilhação!
Massageei as têmporas tentando conter a minha frustração. De certa forma, minha mãe é como uma criança gigante e birrenta que nunca vai fazer algo que não quer.
— Pense pelo lado positivo — ela disse. — Pelo menos eu posso ficar em casa e cuidar do Ícaro...
O meu coração acelerou só de pensar na possibilidade,
— O que?— Apertei o meu filho contra o meu peito, quase como um ato instintivo — Não, não, não. Definitivamente, não! Você não tem responsabilidade para cuidar de uma samambaia, quanto mais de uma criança!
— Eu cuidei de você e parece que a Jéssica está inteirinha bem à minha frente, não?
— Madalena, cuidou de mim.
— Você está sendo injusta! — Mamãe retrucou com a mão espalmada no peito, emulando estar ofendida. — Não estou acreditando nesta falta de consideração!
— Ok, mãe. Peço desculpas — quando mamãe começa com um drama, a melhor solução é cortar o assunto pela raiz. — Vamos começar a procurar uma boa creche para o Ícaro hoje mesmo. Assim que isso estiver resolvido, eu procuro um emprego. Também vou aproveitar o tempo livre e conversar com o nosso contador para descobrir o que aconteceu. Com sorte, tudo não passa de um engano.
— Combinado! — ela disse, passando a mão nos cabelos platinados de loiro como costuma fazer quando está sem graça. — Outra coisa também aconteceu ontem à tarde, quando você não estava em casa.
— Pode falar. O dia não pode ficar pior do que isso.
— Lucas, o pai do Ícaro, veio te procurar.
Piorou.
***
NOTA DO AUTOR
Oi, Salizers. Tudo bom?
Estou pensando em aparecer no final dos capítulos para conversar com vocês, estou autorizado?
Improvisei um escritório na minha casa envolvendo uma tábua de passar roupa servindo como mesa, um notebook, uma cadeira e um copo de água do Star Wars (quem me segue no instagram já viu) onde passo o dia inteiro criando conteúdo para vocês. Alguns, como Jéssica, você está lendo agora, outros você só vai ler ano que vem. Mas o que importa é que estou trabalhando muito e estou feliz com isso.
O que vocês acharam do capítulo de hoje? É bom avisar que o Capítulo 1 (piloto) é mais longo que o normal, a maioria dos caps terão o tamanho deste. Em momentos importantes da história, eles serão maiores.
Eu também já comecei a criar a playlist do spotify para o livro. O link está no meu perfil. Estou misturando astros do pop que amamos (como Camila Cabello e Shaw Mendes) com músicos de antigamente que muitos aqui ainda não conhecem. Aceito sugestões.
Até a próxima!
Felipe Sali
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