Capítulo 16 - Um pedaço de pizza gigante
Eu esperei que Ícaro fosse estranhar o carro, o movimento, o homem estranho conversando comigo, mas nunca o vi tão calmo.
Mesmo quando a lata de lixo enferrujada que era a Millenium Falcon fazia barulhos estranhos e balançava suspeitosamente o pequeno se importou.
Aquilo foi o suficiente para me deixar um pouco mais relaxada e curtir a companhia de Bob. Ele era divertido e contava piadas que eu nem sempre entendia, mas achava graça.
No começo, foi difícil ligar o homem atraente e confiante ao jovem tímido e desajeitado que conheci no colégio, mas depois de algumas horas, pequenos detalhes foram emergindo, trejeitos, momentos em que ele não sabia o que fazer com as mãos ou esbarrava em algum lugar. Coisas que faziam com que a sombra do Bob Esponja desse as caras.
Passamos em frente a um restaurante chique, daqueles que apresentam filas quilométricas na porta e tive certeza de que seria lá onde jantaríamos.
Ao invés disso, ele estacionou em frente à pizzaria ao lado e nos guiou para dentro. Ele carregava Ick nos braços.
Todos os funcionários da pizzaria o conhecia pelo nome e pareceram felizes com a sua presença, o que era no mínimo curioso, já que Bob estava de volta a cidade há poucos meses.
— Finalmente você trouxe uma companhia! — Exclamou o gerente do estabelecimento, um senhor gordinho e sorridente. — Já estava pensando que você era um lobo solitário!
O gerente se aproximou de braços abertos e o abraçou com força. Em seguida, me cumprimentou beijando a minha mão, como se fosse um lord do século 18, e acenou para Ícaro de longe, com medo de assustá-lo.
— O seu lugar de sempre já está te esperando — disse.
Ok, Bob tem um "lugar de sempre" na pizzaria.
Nós subimos a escadas e fomos para o terraço. Obviamente, não era um lugar frequentado pelos outros clientes. Estava vazia, exceto por uma série de caixas de papelão espalhada pelos cantos e uma mesa redonda com duas cadeiras e uma vela.
Um funcionário trouxe uma cadeira de bebê, mas eu recusei. Gostava de jantar com o Ícaro no meu colo.
— Eu gosto da vista daqui — Bob explicou. — O pessoal é meu amigo, então montam uma mesinha para mim.
— É bonita — menti. Era possível apreciar uma parte da paisagem da cidade, mas não era nada mais do que algumas casas sem-graça.
— Posso trazer o cardápio vegetariano? — O garçom perguntou assim que nos acomodamos.
— Acho que a minha acompanhante come carne — Bob disse.
— Bom, eu como. Mas acho que o cardápio vegetariano cairia bem hoje — falei baixinho. — Eu gosto.
A pizza era boa, muito boa.
Diferente das outras pizzarias da cidade, ela tinha uma massa mais grosa, mais crocante, não serviam talheres e comemos com as mãos. Mais tarde, tirei uma papinha e colher da bolsa e passei a alimentar Ícaro.
Conversamos muito, conversamos sobre tudo.
Ele contou que, junto ao seu sócio, criou um aplicativo que facilita a organização de viagens e que isso chamou a atenção de investidores que injetaram dinheiro em sua pequena startup que só cresceu desde então.
Contou que passou alguns anos no exterior, trabalhando na empresa e aprendendo com os programadores do Vale do Silício e agora estava de volta para aplicar funções estratégicas no Brasil.
— Uau! — Exclamei. — Isso é sensacional! Parabéns!
— Obrigado — ele sorriu modestamente. — Por enquanto nós ainda não damos muito lucro aos investidores, então é tudo uma aposta. — E depois mudou de assunto. — E como vai o Lucas?
— Ah, nem me fale dele! — respondi incomodada. — Nós não estamos juntos, se é o que você está pensando. Na verdade, estou mais para a sua futura assassina do que qualquer outra coisa.
— Não precisa se exaltar — ele riu. — Não está mais aqui quem falou!
— Desculpa, é que esse assunto só tem me causado dor de cabeça ultimamente — suspirei. — E você, está saindo alguém?
— Bom, o meu namoro acabou faz alguns meses.
— Ela não era legal?
Bob fez uma expressão divertida antes de perguntar:
— Você realmente não sabe quem é a minha ex? Do jeito que estavam tratando o assunto, pensei que todo mundo nessa cidade soubesse.
— Eu não sei. É alguém da escola?
— Não, eu namorei a Kate Upton.
Engasguei com o pedaço de pizza que estava mastigando, derrubei a papinha do Ícaro e quase caí da cadeira.
— O QUÊ?
— Eu sei que é esquisito...
— A SUPERMODELO KATE UPTON?
— Ela mesma...
— Você está de zoeira com a minha face!
— Se você jogar "namorado da Kate Upton" no Google, vai encontrar um monte de fotos horríveis minhas.
— Uau! Desde que engravidei eu vivi numa bolha de Galinha Pintadinha e Pepa Pig. Não acredito que deixei isso passar.
— Mas ninguém da escola te contou?
— Não falo com mais ninguém da escola, perdi o contato com todo mundo.
— Bom, somos dois então.
Ainda não conseguia acreditar, Kate Upton é uma pessoa real? E o cara na minha frente beijou o seu corpo nu?
— Podemos não fazer um alvoroço com isso? — Ele pediu. — Já é difícil demais terminar um namoro com toda a imprensa no seu pescoço.
— Claro, claro. É que... nossa... eu fiquei realmente impressionada...
— Imagine eu — e então tentou mudar de assunto. — Sempre quis te perguntar isso: O nome do seu filho é por causa do Ick?
— Sim! — Respondi feliz. Lembrar do Ick sempre me alegra. — Ele me ajudou tanto quando precisei, achei que seria uma boa homenagem.
— Que legal — ele disse se servindo do que devia ser o seu décimo pedaço de pizza. — Eu gosto do Ick.
— Mesmo?
— Mesmo! Ele também me ajudou.
— Quando?
— Você sabe, eu sempre fui meio na minha no colégio. Isso começou a me incomodar, eu sentia falta daquela sensação de, sabe... quando as pessoas te aceitam? Eu sentia falta de saber que as pessoas me aceitam. No seu circulo social, para conversar, sei lá. Tentei me esforçar para isso, até passei gel no cabelo, ficou ridículo. Um dia, recebi o seu convite para a sua festa de aniversário no boliche da cidade. Eu sabia na época que basicamente TODO MUNDO recebeu o convite, mas aquilo me deixou animado mesmo assim. Eu fui convidado, sabe? Se eu fizesse parte da festa sem maiores problemas, eu teria feito parte de ALGO que aconteceu na escola com pessoas da minha idade.
— Ai meu Deus... — eu tinha palpite de onde essa história iria acabar.
— Eu fiquei muito nervoso! — Ele continuou. — Passei a tarde inteira em frente ao espelho escolhendo o que iria vestir. Até comprei uma calça jeans nova. Passei o perfume do meu pai.
Ele mordeu um pedaço enorme de pizza, engoliu e continuou:
— Quando cheguei lá, alguns rapazes mais altos que eu já começaram com as piadas. Bateram na minha bunda e tudo. Eu tentei ignorar, mas estava com medo. Era exatamente o que eu mais temia, estava sendo rejeitado naquela reunião. Como um organismo invasor. Eu não fazia parte daquilo e todo mundo deixou claro. Em algum momento, os caras ficaram tão bêbados que começaram a gritar que eu e outros esquisitões éramos preciosos demais e que precisávamos entrar no armário de troféus por causa disso. Nos pegaram à força.
— Bob... — Eu não sabia se queria ouvir a história inteira.
— A pior parte é ver as moças bonitas dando risada. Eu ainda lembro de como elas riam. Os caras nos colocaram no armário de troféus e nos trancaram lá. Tinha uma porta de vidro e todo mundo estava achando bem engraçado.
— Mas o Ick não — completei.
— Exatamente. Ele ficou possesso. Nem sei o que foi aquele negócio que ele pegou na mão e jogou na porta do armário. Quebrou o vidro em mil pedaços, ninguém acreditou que ele tinha feito aquilo.
— Eu lembro...
— Pois é. A parte legal foi no outro dia. Eu fui agradecer e perguntei o que poderia fazer para retribuir o favor. Ele só disse para eu nunca me tornar igual àquelas pessoas. Nunca me esqueci disso. Mesmo quando a vida ficou boa para mim, sempre me vigiei para nunca me tornar uma daquelas pessoas. Então acho que posso dizer que Ick deixou uma marca em mim.
Eu lembro da festa em que isso aconteceu. Eu lembro de ver o Bob preso no armário e me neguei a ajudar. Lembro de que fiquei brava com Ick por ele ter feito aquilo. Disso que estragou a minha festa. Sou uma pessoa horrível.
***
Nota do autor
Como autor, eu tenho a liberdade de misturar realidade com ficção. Por isso, me senti livre para usar a Kate Upton, uma supermodelo real, no meu livro.
Eu a escolhi não porque acho que seja a mulher mais linda do mundo (Lupita Nyong'o e Tainã são duas que combinam muito mais com a minha visão sobre beleza) e sim porque acho que tem algo de intimidante e surreal nela. Esses eram os efeitos que eu queria passar.
Já tive a oportunidade de conversar com várias modelos famosas, mas sinto que mesmo se eu visse a Kate passando na minha frente, teria impressão de que ela é de outro planeta. Talvez porque ela obedeça tão claramente todos os padrões pré-concebidos de estética da sociedade que soe como uma pessoa criada em laboratório.
Enfim, mas é importante lembrar que (ao contrário de como Jéssica pensa e espero que um dia aprenda) todos nós somos lindos a nossa forma. Somos feitos de tamanhos, pesos, cores e formas diferentes e são justamente essas diferenças que nos tornam belos. Ame o que encontrar no espelho, pois sempre encontrará você mesma. E é isso que importa.
Existe apenas um tipo de beleza: todos.
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