Você Vai Ficar Bem
A sala que haviam reservado para Delphine conduzir o experimento excedia todas suas expectativas. Para começar, estava certa de que dividiria o consultório com outros médicos no contraturno, e depois das consultas, imaginou que faria suas análises no laboratório compartilhado da universidade. Feliz foi seu engano.
O espaço que recebeu era mais que um simples consultório. Além da sala confortável e espaçosa, contanto com três poltronas leito que a permitiriam atender mais de um paciente ao mesmo tempo, também contava um banheiro privativo e um pequeno laboratório como dependência. É claro, eventualmente precisaria realizar procedimentos mais complexos que exigiriam que ela voltasse para faculdade, mas no geral aquele lugar iria poupar muito de ser tempo.
Assim que a pacienteque estava atendendo se levantasse e saísse pela porta, Delphine poderia dar seu dia de trabalho por encerrado. Quase uma semana havia se passado desde que sinal verde do Dyad e mesmo assim ainda não tinha conseguido terminar de recolher todas as assinaturas.
– Diga-me, Veera – ela falou prosseguindo com as perguntas para a mulher que estava sentada à sua frente. – Além do seu antigo tratamento, você faz uso contínuo de algum outro medicamento?
– Sim – respondeu a moça com forte sotaque finlandês. – Aripiprazol e Risperidona, para ajudar com os sintomas do Asperger.
Ela pareceu se encolher na cadeira quando respondeu e Delphine aproveitou o pretexto de anotar o nome dos remédios para conferir novamente a ficha dela. Como havia pensado, não havia nada sobre autismo nos arquivos de Veera Suominen. Ao que tudo indicava, o Dyad estava interessado apenas no câncer de pulmão que a jovem havia desenvolvido.
– Eu vou precisar parar de tomá-los? – perguntou Veera voltando a fisgar a atenção de Delphine.
– Não, isso não será necessário – respondeu ela com um sorriso simpático no rosto. – Esse tipo de pergunta só faz parte do protocolo porque alguns remédios podem interagir com o tratamento e prejudicar na sua eficácia, mas não é o caso aqui, então você não precisa suspendê-los.
Delphine não tardou em retirar e descartar as luvas de látex quando Veera saiu do consultório encostando a porta atrás de si. A loira ajeitou a amostra de sangue recém tirado e a seringa usada dentro da bandeja para então se recolher no laboratório. Em uma outra ocasião ela teria se sentado em uma das banquetas e começado a adiantar seu trabalho do dia seguinte, mas naquele momento tudo o que fez foi rotular a amostra e levá-la para refrigeração.
Nos últimos dias, a ansiedade de receber uma resposta do Dyad sobre o caso de Cosima foi o que imperou, porém a essa altura não pode evitar que esse sentimento se transmutasse em desânimo e decepção. Ela não queria perder completamente a esperança, mas no fundo não conseguia mais acreditar que Cosima ainda pudesse ser incluída no estudo. Tendo por base a eficiência e rapidez da empresa em fazer com que ela assinasse o contrato e depois em selecionar os pacientes, na cabeça da francesa aquela demora só podia significar uma coisa.
Delphine estava especialmente angustiada naquele dia, pois depois de Cosima passar pelo oncologista mais cedo naquela semana, o próximo passo seria receber sua primeira dose de quimioterapia na manhã seguinte. Na visão dela, o principal diferencial da morena era nunca ter recebido nenhum tipo de fármaco oncológico, o que faria dela o indivíduo ideal para participar dos testes, uma vez que seus dados poderiam ser analisados com interferências mínimas. Se não recebesse a aceitação até o começo daquela noite, as chances de isso acontecer depois se tornariam muito menores.
Eu aceitei participar dessa pesquisa por ela e no final não vai servir de nada...
Sem muito mais o que pudesse fazer, a francesa tirou o jaleco, apagou as luzes do laboratório e voltou para a sala. Reuniu seus pertences e deixou a bolsa em cima da mesa para fazer a última coisa que restava. Encarou o protetor de tela brilhando na tela do computador e se sentou na confortável cadeira para desligá-lo. O cursor do mouse chegou a repousar sobre o botão de desligar, mas Delphine não conseguia efetuar o clique.
Não custa nada dar uma última olhada, ela pensou mudando de ideia e abrindo uma aba do navegador.
Acessou a página do e-mail, digitou novamente seu usuário e senha de acesso para no instante seguinte estar mais uma vez fitando sua caixa de entrada. Tudo parecia quase inalterado desde a última vez que ela o havia checado, quase todas mensagens respondidas ou visualizadas, apenas quatro eram novas. Dentre os e-mails que esperavam para serem lidos, foi um que lhe chamou mais a atenção. Seu assunto, "Paciente 324b21", não elucidava muita coisa; seria quase impossível ligar a pessoa ao código de identificação sem conferir a lista de pacientes. No entanto, seus olhos reluziram tão logo ela começou a ler as palavras que vinham no corpo do texto.
"Prezada Dra. Cormier,
Atendendo à sua solicitação, foi liberada pelo nosso conselho de pesquisa, a entrada da paciente Cosima Niehaus – diagnosticada com Carcinoma Epitelial Seroso de ovário após uma ooforectomia unilateral – no estudo para o desenvolvimento do tratamento imunoterápico para o câncer. Os testes, as assinaturas da paciente e de seu médico deveram ser recolhidos o quanto antes e encaminhados para o nosso comitê.
Para fins de pesquisa, a partir de agora, a Srta. Niehaus deve ser tratada e referida formalmente apenas como paciente 324b21.
Segue em anexo o termo de compromisso.
Atenciosamente,
Simon Frontenac,
Gerente Geral do Departamento de Pesquisas do Instituto Dyad"
Se lembrando que ainda estava dentro do hospital, Delphine precisou se esforçar para conter o grito de alegria que ameaçou se formar em sua garganta. Tentando agir da forma profissional que lhe competia, ela se recompôs e deu o comando para que o arquivo PDF anexado ao e-mail fosse impresso.
Naquele momento, a impressora parecia nunca ter sido tão lenta. Enquanto a francesa esperava os papéis ficarem prontos, pensou em ligar para Cosima e contar as boas novas. Então seus olhos voltaram a se fixar na tela do computador e reler as palavras nela contidas.
"As assinaturas devem ser recolhidas o quanto antes"
Eu não poderia concordar mais com isso, Sr. Frontenac.
Delphine conferiu o relógio, percebendo que se fosse rápida o suficiente, talvez ainda conseguisse cumprir a parte mais complicada daquela tarefa ainda naquele fim de tarde.
A loira conseguiu chegar na recepção pouco antes do final do expediente do Dr. Ethan Duncan. A secretária havia lhe dito que poderia tentar conversar com o médico quando ele estivesse indo embora, coisa que deveria acontecer a qualquer instante, pois faziam alguns minutos desde que seu último paciente havia saído, então ela se acomodou em uma das cadeiras de frente ao consultório dele.
Tão logo o senhor de cabelos grisalhos e óculos de armação grossa despontou na porta, Delphine se adiantou para impedir que ele se ganhasse vantagem a sua frente.
– Com licença, Dr. Duncan – ela disse estendendo a mão para ele. – Como vai?
– Vou muito bem, obrigado. – Ethan pareceu um pouco confuso com a abordagem imprevista, mas não deixou de lhe retribuir o aperto de mão.
– Não sei se o senhor se lembra de mim – Delphine prosseguiu. – Meu nome é Delphine Cormier, eu estive no seu consultório acompanhando Cosima Niehaus na sexta-feira passada.
– Ah, sim. A jovem com câncer de ovário – disse ele parecendo ter ficado um pouco mais à vontade. – Como ela tem passado?
– Está ótima, se recuperando muito bem da cirurgia – respondeu Delphine sorrindo, ainda sem conseguir conter totalmente a felicidade que sentia devido à notícia que havia recebido a pouco. – O senhor tem um minuto? Tenho um assunto importante que gostaria de tratar com o senhor.
– Claro... – ele falou parecendo um pouco hesitante ao conferir as horas. – Venha, vamos entrar.
Uma vez dentro do consultório e devidamente acomodados ao redor da mesa, o médico prosseguiu:
– Não sabia que trabalhava no departamento oncológico do hospital, Srta. Cormier – disse ele reparando no crachá que ela trazia preso no bolso da camisa.
– Sim, é algo recente. Comecei na semana passada.
– Entendo. – Ele cruzou as mãos sobre a mesa e inclinando o corpo ligeiramente sobre ela. – Bom, qual é o assunto que a senhorita gostaria de falar comigo?
Autorizada a dizer o que queria, Delphine tentou ao máximo expressar o discurso que havia roterizado em sua mente em palavras audíveis. Imaginou que a logo depois dos primeiros argumentos receberia o "sim" ou "não" do médico e ficou surpresa de ainda estar dentro do consultório depois de 30 minutos de conversa. Ethan se mostrou muito interessado na pesquisa, talvez um interesse até maior do que a mera preocupação e cuidado com sua paciente.
– Você disse que essa é uma pesquisa gerida pela universidade, certo?
– Isso – Delphine mentiu se lembrando do termo de sigilo que vinha no contrato que ela havia assinado. – Somos eu e o meu orientador.
– E quem é ele?
– É o Dr. Alan Nealon.
A expressão de Ethan se fechou ao ouvir aquele nome e Delphine estremeceu, pensando que os dois pudessem ter algum tipo de divergência passada que acabasse por influenciar na decisão dele agora.
– Olha, Srta. Cormier, esse parece ser um projeto muito promissor e nada me leva a crer que a Srta. Niehaus não tenha uma boa indicação para ele – ele falou fazendo uma breve pausa. – No entanto, eu não me sinto confortável em incluir uma paciente como voluntária em um estudo pioneiro sem antes ter conversado com ela e explicado cuidadosamente todos os prós e contras dessa opção. O mais recomendado, como a senhorita mesmo deve saber, é que ela passe pela quimioterapia e só se arrisque em receber um tratamento experimental no caso do procedimento tradicional não surtir efeito.
– Eu entendo perfeitamente sua posição, Dr. Duncan, – Delphine pontuou – mas posso lhe garantir que a Cosi... que a Srta. Niehaus já está bastante ciente quanto a todos riscos que envolvem esses testes. Ela só não chegou a fazer esse pedido diretamente para o senhor durante a consulta porque o... Dr. Nealon ainda não tinha terminado de analisar o caso dela. Meu único objetivo vindo até aqui falar com o senhor dessa forma tão... repentina e pode-se dizer até mesmo inapropriada, é porque amanhã pela manhã está marcada a primeira sessão de quimioterapia dela, o que se tornaria um procedimento totalmente desnecessário caso o senhor viesse a dar essa permissão posteriormente.
O médico se manteve em silêncio por alguns instantes, olhando nos olhos de Delphine como se tentasse decifrá-la. A loira se sentiu desconfortável e um pouco intimidada, mas não quebrou o contato visual, focada transmitir a maior credibilidade possível.
– Tudo bem – ele disse por fim. – Onde eu devo assinar?
– Só um instante – disse Delphine pegando os papéis de dentro da pasta em suas mãos, agora sentindo um peso ser tirado de seus ombros. – É bem aqui, nessa linha. Eu agradeço imensamente pela confiança, Dr. Duncan.
Cosima estava dentro do elevador, fazendo o caminho de volta ao apartamento de Delphine trazendo consigo uma pequena bolsa com alguns de seus pertences que Felix tinha acabado de trazer para ela. Estar impedida de ir para sua própria casa por conta do obstáculo que eram as escadas, era algo que estava a irritando profundamente, e se ela não estivesse namorando médica, aquela regra com certeza já teria sido quebrada. A morena insistiu para que o amigo subisse e lhe fizesse um pouco de companhia, mas com o cair da noite ele precisava ir trabalhar, portanto sua passagem foi apenas para trazer o que ela o havia pedido.
Ao passar pela porta do apartamento ela bufou de frustração. Depois de alguns dias, nem suas idas matutinas ao laboratório estavam sendo suficientes para compensar a solidão a que ela fora condenada; ainda mais agora, que Delphine ficava quase o dia todo no hospital. E por falar em Delphine, o atraso da loira estava começando a preocupar Cosima.
Depois de deixar a bolsa em cima da cômoda do quarto, ela pegou o celular e ligou para a namorada. A ligação chamou bem mais do que de costume, mas antes que caísse na caixa de mensagens acabou por ser atendida.
– Allo?
– Delphine, onde você está? – Cosima perguntou sem paciência para formalidades.
– Ainda estou no laboratório. Você está bem?
– Tirando o fato de que eu não aguento mais ficar aqui sozinha, sim, eu estou bem.
– Eu não vou demorar, chérie. Estava quase saindo quando você ligou – ela respondeu e Cosima foi capaz de identificar o sorriso na voz dela. – Estou levando uma surpresa pra você.
– Tá bom – ela respondeu emburrada. – Então desliga e vem logo pra casa.
Delphine riu do outro lado da linha.
– Até daqui a pouco, Cosima.
A morena desligou o telefone o deixou de lado, se deitando de costas na cama com as pernas para fora.
Não demorou nada para que se arrependesse de ter feito aquela ligação e também por ter falado com Delphine daquele jeito. Tudo o que a francesa estava fazendo por ela; toda a paciência e o cuidado que tinha para que ela se recuperasse da melhor forma possível... Não era justo que despejasse suas frustrações sobre a francesa.
Mas no fundo, por mais que tentasse não pensar naquilo, Cosima sabia qual era a verdadeira raiz de seu nervosismo. Desde o dia em que chegou da casa de Siobhan, sua expectativa de participar de um tratamento tão promissor quanto o que a namorada estava desenvolvendo com o Instituto Dyad tinha crescido muito e quase se tornado uma certeza para ela. Contudo, ao que tudo indicava, expectativas só existem para serem quebradas. Depois de tantos dias sem receber sua aprovação para começar com os testes e há poucas horas de sua primeira seção de quimioterapia, ela não estava tendo sucesso em esconder sua revolta com o universo.
Cosima rolou na cama para ficar de bruços e se apoiou nos cotovelos. Pegou entre os dedos um dos dreads que caíram de seus ombros e ficou contemplando os fios escuros de cabelo emaranhados que se juntavam para formá-lo. Foram muitos anos cultivando aquele penteado para que ficasse exatamente do jeito que ela queria e portanto, não podia deixar de nutrir certo carinho por eles. A ideia de acabar os perdendo por conta de uma maldita doença....
A morena afundou a cabeça em um travesseiro e tentou gritar para fora toda sua indignação. Era ridículo como sua vida havia sido virada de cabeça para baixo por causa daquela porcaria de tumor. Seus pensamentos vitimistas teriam ganhado força se alguns minutos mais tarde não tivessem sido interrompidos pela porta de entrada se abrindo.
– Cosima? – Delphine chamou por ela ainda da sala.
– Eu estou aqui! – ela gritou em resposta se recolocando na cama.
– Hey! – A loira sorridente exclamou ao aparecer no quarto instantes depois.
– Hey – Cosima correspondeu reparando na bolsa térmica que ela trazia pendurada no ombro. – Você trouxe trabalho para casa?
– Sim!
Sério mesmo, Delphine? Mas que...
– E essa é a sua surpresa para mim? Fazer hora extra?
– Sim! – a loira falou com o sorriso crescendo ainda mais no rosto.
Tá bom, agora eu definitivamente não tô entendendo mais nada...
Notando a confusão da morena, Delphine caminhou até a cama, se sentou na beirada e deixou a bolsa térmica de lado sobre o colchão para então abrir sua própria bolsa pessoal. Tirou um envelope de papel pardo lá de dentro e o passou para Cosima.
– O que é isso?
– Abre – ela disse incentivando Cosima que olhou desconfiada para o envelope.
Conforme retirou os papéis e passou os olhos por seu conteúdo, o rosto da morena foi se iluminando.
– Delphine, isso é... Isso é sério?
– Oui – ela confirmou no limiar da emoção. – Só falta a sua assinatura.
Cosima engatinhou pela cama vencendo o espaço que as separava e beijou Delphine: um beijo cheio de alívio, felicidade e esperança.
– Por que você não me disse isso antes? – ela demandou quando seus lábios se afastaram. – Eu já estava à beira de um ataque de nervos aqui!
– Eu também não sabia – começou Delphine. – Estava pronta para vir para casa, quando decidi conferir meu e-mail. E lá estava, a resposta do Dyad perdida entre algumas mensagens não lidas. Como ainda não era tão tarde, achei melhor tentar falar com o seu médico hoje mesmo e acabou sendo uma oportunidade perfeita de te fazer essa surpresa.
– Então foi por isso que você se atrasou tanto...
– Uhum. Eu pensei que fosse ser uma conversa rápida, que o Dr. Duncan fosse assinar os papéis ou me mandar embora de lá sem muita demora, mas ele se interessou bastante pelo assunto e a conversa rendeu.
– Cara... Eu não mereço você – Cosima disse voltando a abraçá-la. – Me desculpa, eu não devia ter falado com você daquele jeito.
– Tudo bem. Eu sei que as coisas não tem sido nada fáceis pra você.
– Pode até ser, mas isso não justifica eu descontar em você.
– Ok, vamos parar com isso – Delphine falou findando o abraço. Se recompôs no colchão e buscou pelo contrato que havia sido abandonado em cima da cama. – Então, você vai assinar ou mudou de ideia?
– Tá brincando né?
Cosima se levantou, tirou os papéis da mão dela e foi até a escrivaninha. Tentou encontrar uma caneta em meios os livros e anotações sobre os quais tinha passado quase tarde toda estudando, e tão logo a encontrou, prontamente rabiscou sua assinatura na última página.
– Prontinho – falou se voltando para Delphine. – Agora eu sou sua para testar o que quiser em mim.
A loira sorriu mordendo o lábio inferior. Cosima se aproximou e tentou beijá-la novamente, mas então Delphine desviou, se levantando da cama e se dirigindo para o banheiro.
– Nesse caso, Srta. Niehaus, recomendo que você se acomode – falou abrindo a torneira para lavar as mãos. – Acho melhor a gente não perder mais tempo.
Cosima franziu as sobrancelhas sem saber ao certo se Delphine tinha entrado na brincadeira dela ou se estava falando de uma coisa totalmente diferente.
Retornando para o quarto, a loira voltou a se sentar na beirada da cama, mas dessa vez trouxe a bolsa térmica para perto. Quando Cosima olhou para dentro e identificou luvas cirúrgicas e outras parafernálias de procedimentos médicos, entendeu que, bom... Definitivamente Delphine não tinha cedido à sua provocação.
– Vem cá, me dá seu braço.
A morena se sentou bem em frente a Delphine que prendeu o garrote em seu braço. Não demorou nada para que a veia saltasse e o algodão com álcool passasse em sua pele provocando arrepios em seu corpo.
– Longe de mim questionar seu procedimento, mas... – Cosima disse a observando fazer a coleta de seu sangue. – Não seria melhor fazer essa amostra amanhã, quando o intervalo para a análise seria menor?
– Hmm, ter uma paciente cientista vai ser mais complicado do que eu imaginei – brincou a francesa terminando de fazer a coleta e colocando a etiqueta de identificação no tubo. – Mas você está certa, eu poderia mesmo fazer isso. Por outro lado, a ideia de te deixar sem tratamento por mais tempo não me agrada nem um pouco. Quero fazer o primeiro teste agora para quem sabe, daqui uns dois dias, você possa receber a primeira dose do tratamento.
Embora a voz de Delphine quase sempre funcionasse como um feitiço, prendendo a atenção de Cosima, naquela ocasião ela acabou perdendo as últimas palavras dela. Enquanto a loira ajustava alguns miligramas do líquido transparente dentro de uma seringa, a morena estava mais interessada no tubinho de sangue que fora deixado na bolsa térmica.
– 324b21 – ela refletiu lendo seu código de identificação. – Ok. Eu sou a 324b21...
Delphine colocou uma mão sobre a perna dela e a apertou de leve. Foi então que seus olhos voltaram a se encontrar.
– Me desculpe – a loira murmurou.
– Tudo bem.
Toda cobaia tem um número, pensou Cosima se lembrando dos camundongos que ela própria criava.
– Posso? – perguntou Delphine se referindo a seringa ainda em sua mão.
Cosima voltou a guardar sua amostra e se ajeitou, tentando recuperar seu otimismo.
– Claro. Vai em frente.
– Ok. Aqui vamos nós – falou a loira antes de espetar o braço dela. – É só um teste intradermal, para que a gente possa avaliar como que o seu corpo responde aos componentes da vacina.
– Sim. Bom, se meu braço cair, nós saberemos – ela riu.
– Ou se crescer algum outro membro – falou Delphine entrando na brincadeira dela.
– Isso também.
– Mas o que é mais possível de acontecer é bem mais chato que isso. Uma reação alérgica local, no máximo – disse fechando a bolsa e se livrando das luvas. – Sabe, na conversa que eu tive com o Dr. Duncan... Mostrei os resultados da fase inicial dos testes e ele gostou bastante do que viu. Concordou em adiar sua histerectomia por enquanto, na esperança de que os pólipos regridam.
– Sério?
– Sim. É claro que isso não é uma decisão definitiva e que vamos ter que acompanhar o seu quadro de perto, mas sim, se tudo der certo você vai ficar longe do centro cirúrgico por um bom tempo. – Elas voltaram a se abraçar; mais forte e por mais tempo dessa vez. – Esse é o começo da sua melhora, Cosima.
– Obrigada – disse ela com o nariz encostado no pescoço da francesa se deliciando com seu perfume. – Obrigada por tudo.
Delphine segurou o rosto dela com as mãos e deixou um beijo suave em sua boca.
– É melhor eu ir colocar isso na geladeira – ela diz se referindo a amostra de sangue.
– Hmmm – resmungou Cosima agarrando-a e impedindo que se levantasse. – Sabe o que eu mais queria agora?
– Deixa eu ver... – falou Delphine fingindo desentendimento enquanto a morena deu início a uma trilha de beijos que partiram de seu pescoço e iam em direção ao lóbulo de sua orelha. – Eskimo Pies, talvez? Acho que ainda tem alguns no freezer.
– É um bom palpite. Mas eu tinha outra coisa em mente – continuou Cosima despertando calafrios que percorriam toda a espinha da francesa. – Eu só quero fazer amor com você por, tipo, umas sete horas seguidas.
Delphine suspirou sentindo seu corpo ficando quente.
– Bom... Isso vai ter que esperar mais alguns dias. – Reunindo todo seu alto controle, ela segurou o rosto de Cosima e deixou um beijo demorado em sua bochecha. Se levantou da cama e se dirigiu para a saída do quarto, levando seus aparatos consigo. – Por hora você vai ter que se contentar só com o sorvete mesmo.
Já do lado de fora, no corredor, Delphine conseguiu ouvir Cosima caindo no colchão e resmungando frustrada. Um sorriso veio aos seus lábios, mas não foi por achar graça ou algo do tipo. Não, ela entendia o desejo da namorada – e não só entendia como também o compartilhava.
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