Os Astros Sabem o Que Dizem
– Cosima, você já está saindo? – Felix perguntou colocando a cabeça para dentro do quarto.
– Não, estou esperando a Delphine vir me buscar – ela disse terminando de preparar a bolsa com alguns itens básicos para as 12hrs que iria passar internada. – Pode falar.
Então o rapaz que parecia bastante ansioso acabou de entrar no quarto e parou ao lado dela.
– A GeneConections acabou de me ligar.
– Wow, sério? – Ela parou o que estava fazendo e se volto para ele. – Eles encontraram alguém?
– Eu tenho uma irmã! – o rapaz falou empolgado, embora tenha parado e sutilmente virado os olhos para cima quando se deu conta do que havia dito. – Quer dizer, eu tenho outra irmã.
Cosima sorriu o ouvir aquilo e se adiantou para abraçar o amigo.
É parabéns que a gente diz em situações assim?
– Eu estou muito feliz por você, Fee.
– Obrigado!
– Mas me diz... Quando vocês vão se conhecer?
– Semana que vem – ele respondeu. – A empresa presta auxílio para esse tipo de primeiro encontro e o nosso vai ser em Nova Iorque. Ela é americana, só não me disseram de qual estado.
– Nossa, foi rápido né?
– Sim, pelo que eles me contaram, ela já estava inscrita no programa antes de eu me cadastrar.
– Então será que ela já sabia alguma coisa a seu respeito?
– Não faço ideia. Só vou descobrir quando a gente conversar.
Dito isso, eles foram interrompidos pelo celular de Cosima vibrando em cima da cama.
– É a Delphine – ela informou olhando para a tela. – Ela já está me esperando lá embaixo.
– Ela vai ficar com você?
– Só até a hora do almoço – a morena disse pegando a bolsa de cima da cama. – Depois ela vai trabalhar e minha mãe vem pra ficar no lugar dela.
– Tudo bem – Felix disse em um tim apreensivo. – Te vejo de noite?
– Não sei, talvez eu vá direto pra casa da Del.
– Ok – o rapaz disse acompanhando-a até a saída. – Eu sei que você já está bem assistida, mas se precisar de alguma coisa pode me chamar; não importa a hora.
– Pode deixar.
– Boa sorte. – Ele a abraçou brevemente. – Vai dar tudo certo.
– Obrigada.
No curto trajeto até o hospital, Cosima foi aos poucos sentindo sua confiança se esvair. A cada metro que percorriam ela sentia a tensão crescendo mais e mais. Não que isso tivesse algum fundamento lógico, o processo de dessensibilização havia sido bem sucedido e ela deveria estar contente de finalmente poder começar o tratamento.
Logo depois de entrarem no prédio, a morena foi conduzida até o quarto onde passaria o dia todo recebendo a medicação. Tratava-se de um aposento altamente equipado, e portanto, bastante intimidador. Ela foi orientada a vestir a roupa do hospital e teve eletrodos presos por todo seu peito para fazer o monitoramento de sua atividade cardíaca.
Quando a enfermeira entrou no recinto trazendo consigo uma bandeja contendo os medicamentos, Delphine reparou em como o corpo de Cosima ficando um pouco mais rígido. Apesar disso, encontrar um acesso venoso foi mais fácil do que era de costume. Mesmo assim a loira decidiu interromper o procedimento antes que a moça pudesse injetar qualquer coisa na veia da morena.
– Com licença, Olivia – Delphine disse lendo o nome no crachá da enfermeira. – Você pode nos dar um minuto à sós, por favor?
A moça anuiu com a cabeça e se retirou do quarto. Com isso a francesa se aproximou mais de Cosima e se sentou ao lado dela na cama.
– O quê foi Cosima? – ela questionou. – Não está se sentindo bem?
– Não, eu estou bem, não é isso. É só que... – A morena soltou um riso nervoso. – Eu acho que só tô com um pouco de medo.
– Você não vai ter reação dessa vez, eu garanto – Delphine disse pegando a mão dela. – Além disso, eu vou estar aqui com você.
– Ok.
– Tem certeza de que está tudo bem?
– Sim.
– Então eu posso chamar a enfermeira de volta?
– Pode.
Pick it up, pick it all up/ Pegue, pegue tudo
And start again / E comece de novo
You've got a second chance / Você tem uma segunda chance
You could go home / Você pode ir para casa
Escape it all / Escapar de tudo isso
It's just irrelevant / É irrelevante
It's just medicine / É só remédio
Olivia voltou para o quarto e primeiramente aplicou o antialérgico. Mas esse não era como aqueles comprimidos que Cosima já estava tão acostumada a tomar quando tinha suas crises de rinite. Mais tarde, a melhor forma que ela encontraria para descrever o estado em que se encontrava, é que tinha ficado literalmente drogada. Sua língua seu enrolava com as palavras e o mundo parecia estar acontecendo em câmera lenta.
You could still be / Você ainda pode ser
What you want to / O que você quer ser
What you said you were / O que você me disse que era
When I met you / Quando eu te conheci
You've got a warm heart / Você tem um bom coração
You've got a beautiful brain / Você tem um cérebro lindo
But it's disintegrating / Mas está se desintegrando
From all the medicine / Por causa de todo esse remédio
O quimioterápico veio depois, deixando-a ainda mais zonza e letárgica.
– Cosima, olhe pra isso – Delphine disse apontando para o líquido que pingava vagarosamente na cânula que direcionava a medicação para a veia dela. – Cada gota dessa... Cada gota é uma fração da sua cura. É o que vai te fazer ficar boa de novo. Está me ouvindo?
Com as pálpebras pesadas, Cosima olhou para a loira e acenou debilmente com a cabeça.
You could still be / Você ainda pode ser
What you want to / O que você quer ser
What you said you were / O que você me disse que era
When I met you / Quando eu te conheci
When you met me / Quando você me conheceu
When I met you / Quando eu te conheci
Embora ela preferisse não ter que deixar Cosima, no fundo Delphine sabia que agora não tinha mais nada que ela pudesse fazer para ajudá-la. As primeiras horas de internação foram suficientes para mostrar que o corpo da morena era bastante sensível a medicação e a única coisa que restava a ela fazer, seria enfrentar os efeitos colaterais inevitáveis.
Tendo em mente que a Sally estava com ela, Delphine procurou focar em seu trabalho assim que passou ela porta do consultório e vestiu seu jaleco branco. No começo da tarde ela devia se dedicar as atividades de laboratório para só depois começar a receber suas primeiras pacientes.
Na teoria, aquele era um dos dias da semana mais tranquilos, não apenas porque era quando ela tinha a agenda menos lotada, mas também porque era quando ela atendia as duas meninas. Ainda que o câncer infantil fosse um dos cenários mais tristes e cruéis que ela conseguia imaginar, ter crianças por perto era uma coisa que sempre ajudava a aliviar a tenção e na hora da despedida, Delphine sempre acabava se sentindo um pouco mais contente do que estava antes delas terem chegado.
A surpresa veio quando ela saiu no corredor para chamar Aisha e encontrou apenas Charlotte e sua mãe esperando pelo atendimento. Se lembrando do que a ausência de sua outra paciente – Mirian Johnson – havia significado algumas semanas antes, Delphine não pode deixar de se sentir apreensiva. Charlotte também parecia estar chateada com a ausência da colega.
– Hey, por que você está com essa carinha? – Delphine inqueriu quando ficaram a sós dentro da sala. – Voltou a sentir dor?
– Não – a menina falou balançando a cabeça.
– Então o que houve?
– É que ontem foi o meu aniversário.
– Verdade? Meus parabéns! – Delphine disse ajudando-a a se ajeitar na poltrona de atendimento. – Mas você não deveria estar feliz por isso?
– Devia, mas eu estou triste porque eu chamei a Aisha pra ir na minha festa e ela me prometeu que ia, mas não foi – Charlotte contou, cabisbaixa, encarando suas próprias mãos. – Aí eu pensei que ia ver ela hoje e ela não veio de novo. Eu acho que ela não quer mais ser minha amiga.
Ouvir isso fez os pelos do braço de Delphine se eriçarem.
Por favor... Permita que eu esteja errada...
– Não, querida. Tenho certeza de que ela gosta muito de ser sua amiga – a loira garantiu se abaixando para ficar mais próxima da altura dela. – Talvez... ela só tenha se sentido um pouco indisposta e precisou ficar em casa descansando.
– Você acha?
– Uhum – Delphine falou tentando sorrir de forma confiante. – Agora o que me diz? Posso ir buscar o seu remédio?
– Argh! – a menina fez, retorcendo os músculos do rosto. – Eu odeio agulhas!
Aproveitando o horário que ficou vago, tão logo Charlotte saiu do consultório, Delphine foi direto para a frente do computador. Esperando profundamente que sua associação dos dois eventos não fosse nada mais do que uma mera coincidência, ela abriu o portal da pesquisa e buscou pelo nome de Aisha. Contudo, uma lágrima solitária escapou de seu olho quando ela não encontrou nem vestígios dos relatórios da garotinha. Só podia significar uma coisa...
Não que se importasse menos com Mirian, mas Aisha... Aisha era apenas uma criança. Lamentou pela mãe dela... A pobre mulher mal conseguia se comunicar no Canadá e agora provavelmente estaria voltando para seu país apenas com o corpo da filha. Mais uma vez Delphine se condenou por ter assinado aquele maldito contrato; ela definitivamente não sabia no que estava se metendo quando rabiscou sua rubrica naqueles papéis.
Seu estarrecimento durou alguns minutos, mas então a francesa se obrigou a voltar a pensar de forma racional. Da última vez ela havia tentando obter informações sobre o ocorrido diretamente com o Dyad e foi descaradamente censurada; seria bobagem tentar a mesma estratégia por uma segunda vez.
Foi então que forçando sua cabeça, ela pensou que talvez tivesse uma saída para situação. O horário de Gillian West já se aproximava, mas se fosse rápida, talvez ainda conseguisse dar seu primeiro passo naquilo que poderia ser chamado de seu plano para esclarecer melhor tudo o que estava acontecendo.
– Felix?
– Aí meu Deus! – o rapaz disse preocupado. – O que aconteceu com a Cosima??
– O quê? Nada, a Cosima está bem – Delphine se apressou em explicar. – Estava tudo dentro do esperado quando eu a deixei com a Sally. Eu estou te ligando por outro motivo. Felix, o Colin está no trabalho agora?
– Sim
– Você pode me passar o contato dele? O contato pessoal?
– Claro – ele disse aparentemente confuso. – Mas eu posso saber o porquê dessa urgência toda?
– Bom... eu estou tendo alguns problemas na minha pesquisa e acho que ele pode me ajudar.
– Ok, mas você lembra que ele é legista né? Trabalha no necrotério...
– Sim – ela respondeu. – É exatamente disso que eu preciso.
Quando desligou a chamada de Felix e abriu o aplicativo de mensagens, Delphine pode ver que o amigo já havia lhe enviado o número de Colin. Sem perder tempo, ela efetuou a ligação e se surpreendeu com o curto intervalo de resposta.
– Allo, Colin?
– Sim, quem está falando?
– Oi, Colin, é a Delphine.
– Ah, claro! – ele disse a reconhecendo. – Como vai, Delphine?
– Tudo bem – ela respondeu automaticamente – Você está ocupado?
– Não, o dia está bem parado hoje – ele a tranquilizou. – Pode falar.
– Parfait. – Ela parou um instante para decidir qual a melhor forma de proceder. – Colin, eu acho que você sabe que eu estou desenvolvendo uma pesquisa sobre câncer para fazer a tese do meu doutorado...
– Sim, o Felix me falou – disse o rapaz. – É uma que a Cosima participou uns meses atrás, não é?
– Exatamente. O meu ponto é que eu tenho uma paciente que tem faltado as consultas e o hospital não tem nenhuma notícia dela. Sabe como é, se tratando dessa doença eu fiquei me perguntando se talvez ela não tenha passado pelo seu setor...
– Qual é o nome da paciente?
– Mirian Johnson.
– Um minuto, vou checar para você.
Então a voz do rapaz momentaneamente deu lugar para o som das teclas do teclado sendo pressionadas.
– Delphine, ainda está ai?
– Sim.
– Não encontrei nada no nome de Mirian Johnson – Colin informou. – Eu diria sinto muito, mas nesse caso acho que é uma notícia boa pra você.
– Claro – Delphine disse não ficando lá muito surpresa ao ouvir aquilo. – Você pode conferir mais um nome, por favor? Aisha Yasin?
– Yasin? – ele repetiu. – É uma garotinha afegã de uns seis-sete anos?
Com isso as suspeitas de Delphine se concretizaram.
– Isso mesmo.
– Sim, eu me lembro. Ela chegou aqui ontem no final da manhã.
– Você pode me dizer qual foi a causa da morte?
– Eu não sei, foi um outro médico que cuidou dela – Colin respondeu. – Mas eu olho na certidão de óbito pra você.
– Ok.
Novamente ele deixou o celular de lado, mas dessa vez o silêncio perdurou por um pouco mais de tempo.
– Que estranho...
– O que houve? – Delphine perguntou preocupada.
– Eu também não estou encontrando nenhum registro dela no sistema – ele disse. – Isso não faz sentido nenhum, eu me lembro dessa menina!
Muita coisa não tem feito sentido, Delphine pensou, mas achou melhor continuar calada.
– Quer saber? Eu acho que consigo encontrar esse registro de uma outra forma – o rapaz disse determinado. – Só que isso vai demorar mais um pouco. Posso te retornar mais tarde?
– Claro, sem problemas. Eu também preciso desligar minha paciente já deve ter chegado – disse Delphine. – Obrigada pela ajuda, Colin.
– Ok, até daqui a pouco.
E de fato, quando Delphine saiu no corredor, Gillian West já estava a sua espera. E depois dela Jânika Zingler e depois Stephane Lieyo. Colin só voltou a retornar a ligação já no final da tarde.
– Me desculpe pela demora, é que chegou um corpo assim que eu desliguei o telefone.
– Tudo bem. Mas e então? Conseguiu alguma coisa?
– Sim – ele disse. – Eu ainda não consegui entender porque ela não consta no sistema online, mas uma cópia impressa das certidões de óbito sempre fica retida nos nossos arquivos por algumas semanas, caso haja algum problema. Eu também procurei por Mirian Johnson, mas dessa não encontrei nada. Se ela passou por aqui já deve ter sido a mais tempo.
– E a menina? – Delphine disse ansiosa. – Qual a causa da morte?
– Aqui diz: "Falência múltipla dos órgãos devido a complicações causadas por um tumor de Wilms".
– Falência múltipla dos órgãos?! – ela falou espantada.
– É o que está escrito aqui – ele garantiu. – O tumor devia estar bastante avançado...
Não estava. O caso de Aisha era o que vinha chamando mais a atenção de Delphine devido a sua boa evolução. A menina havia chegado com um volume abdominal anormal devido a massa que crescia em seus rins e meses depois, o tumor só conseguia ser detectado com exames de imagem bastante precisos.
Naquele momento Delphine imaginou que a morte da criança só poderia estar relacionada com aquela história de "água mágica", da qual ela tinha lhe contado uma vez. E essa linha de raciocínio a levava diretamente ao Dyad. Se já era absurdo o suficiente eles retirarem suas pacientes do sistema a deixando completamente no escuro, o que dizer disso... Aisha e Mirian terem sido apagadas dos arquivos do necrotério só podia ser coisa deles.
Pensar nisso só tornava as coisas ainda piores. Obviamente eles tinham mais influência do que ela havia imaginado no começo. Para quem a princípio chegou a se sentir até mesmo orgulhosa em estar fazendo parte de uma pesquisa tão importante e com tantas pacientes sob sua responsabilidade, Delphine agora entendia que ela não devia passar de uma marionete de algo bem maior.
E quais eram suas opções? Ela nem ao menos tinha a opção de abandonar aquele estudo depois de ter assinado aquele contrato com cláusulas tão severas. Apesar que se assim fizesse, estaria simplesmente virando as costas para todas aquelas mulheres que de certa forma ainda estavam sobre seus cuidados e indo contra a promessa que havia feito para Cosima.
Não, Delphine não iria desistir. E dentro do que estivesse ao seu alcance iria fazer o que fosse possível para descobrir o que estava acontecendo por detrás das cortinas.
– Colin, eu não quero abusar de você, mas... – a francesa começou. – Será que se eu te passar a lista das minhas pacientes você poderia me avisar caso alguma delas chegasse aí no necrotério?
– Ok... Acho que eu posso fazer isso. – Apesar de querer ajudar, o rapaz estava de certa forma reticente. –Tem algo mais que eu devesse saber sobre isso, Delphine?
– Não, nada – ela respondeu. – Só estou tentando não ficar tão desinformada dessa forma novamente.
– Sei. Bom, você precisa de mais alguma coisa?
– Não era só isso mesmo. Muito obrigada e desculpe o incómodo.
– Sem problemas.
Delphine já esperava que Cosima fosse estar abatida quando a sessão de quimio terminasse, porém não tinha previsto que a morena estivesse tal mal que fosse precisar ser levada de cadeira de rodas até o carro.
A primeira noite foi terrível. Cosima passou boa parte do tempo ajoelhada de frente para o vaso sanitário devido a sequência de enjoos irremediáveis. As ondas de calor intercaladas com suor frio e tremores também não ajudaram, sendo impossível conseguir algumas horas de sono e descanso.
Nos dois dias subsequentes, embora as náuseas tenham diminuído consideravelmente, seu apetite não voltou assim tão rápido. E juntando isso a um cansaço aterrador, Cosima não conseguia encontrar forças para sair da cama. Por conta disso, Sally e Gene decidiram adiar um pouco mais sua partida.
Só com a chegada do final de semana e quatro dias depois da primeira dose do tratamento, foi que a morena começou a dar indícios de estar começando a voltar ao normal. Ainda que estivesse com a pele em um peculiar tom amarelado e olheiras proeminentes sob os olhos, Cosima conseguir se impor e convencer os pais que eles já podiam deixa-la e voltar ao trabalho.
Na intenção de tirar Cosima um pouco de dentro daquele apartamento e colaborar para que ela conseguisse se distrair, Delphine havia combinado com Scott das duas irem para casa dele depois de se despedirem do casal Niehaus no porto da cidade. E pode-se dizer que ela foi feliz em seu objetivo.
O apartamento do rapaz não era distante, mas ficava do lado oposto do campus em relação a região delas. Delphine – que nunca o havia visitado antes – ficou impressiona com a quantidade de prateleiras lotadas de action figures que decoravam a sala de Scott.
Delphine se sentou sobre o tapete macio que cobria todo o piso enquanto Cosima se aninhou no sofá com Denise confortavelmente enrolada em seu colo. Aquela gata provavelmente era o felino mais simpático e dócil que a francesa já tinha conhecido. Então devidamente acomodados e jogando conversa fora, quando os três foram se dar conta já tinha começado a reassistir o segundo filme da franquia "Animais Fantásticos".
– Sabe, eu ainda não consegui me decidir se eu gostei desse filme ou não – Cosima comentou quando os créditos começaram a subir. – Tipo, meu lado de fã adora enquanto eu estou assistindo, mas depois que o filme acaba e eu começo a pensar...
– Eu só acho que a Rowling pesou um pouco a mão no fan servisse – Delphine acrescentou.
– Né? Tipo, que história é essa da Minerva já estar em Hogwarts nessa época?
– Na verdade, Cosima – Scott começou. – Já saíram teorias explicando que talvez aqueles cálculos que fizeram da idade é que estejam errados. Ela provavelmente é bem mais velha do que a gente estava pensando no começo.
– Pode até ser, mas e o Dumbledore? Tem algum bom motivo pra ele estar lecionando Defesa Contra as Artes das Trevas e não Transfiguração?
– Bom...
Pelo que já conhecia dos dois, Delphine sabia que aquela conversa ia render e ficava contente com isso. Pelos menos amparadas pelo mundo fictício, elas podiam se afastar um pouco da realidade que as cercava.
Enquanto o assunto se desenrolava mais e mais, a loira – que preferiu não se envolver no que prometia se tornar uma discussão bastante acalorada – se viu interessada por uma série de papéis que estavam soltos sobre a mesa de centro.
Ela estendeu o braço e pegou uma das folhas para olhar um pouco melhor. Não tinha nada ali impresso que ela conseguisse distinguir além da data do dia seguinte. Uma grande roda dividida em 12 seções era estampada no centro e trazia em seu interior símbolos que ela já havia visto antes, mas que a princípio não conseguiu associar a nada.
– Scott – Delphine disse interrompendo o diálogo dos dois. – O que são essas coisas?
– Ah, isso – ele disse mudando de foco. – São os mapas dos principais trânsitos dessa semana.
Se a francesa estava perdida antes, agora tinha ficado ainda mais. Ele citou "mapa" e "trânsito" na mesma frase, mas ela não conseguia enxergar nenhuma rua ou estrada por ali.
– Previsão astrológica – ele explicou depois de notar a expressão confusa dela.
– Astrologia? – Delphine disse reprimindo a vontade de rir.
– Sim – Scott afirmou. – Eu estava analisando isso antes um pouco antes de vocês chegarem. E vou te dizer... Plutão está fazendo uns aspectos bem complicados esses dias... Já estou até esperando para ver qual vai ser a tragédia da vez.
– Gatos... Astrologia... – disse Cosima. – O Scott é praticamente uma lésbica que nasceu no corpo errado.
Imediatamente o rapaz ficou com o rosto vermelho e abriu a boca para responder alguma coisa, mas aparentemente não conseguiu formular nada. Então Delphine prosseguiu.
– Você também acredita nisso? – ela perguntou se voltando para a namorada.
– Veja bem, acreditar talvez não seja bem a palavra – respondeu Cosima. – Eu não levo a sério, só me divirto vendo os mapas.
Delphine ficou boquiaberta. Era verdade que ela vivia se surpreendendo ao descobrir os interesses e habilidades da morena; mas sério que Cosima perdia tempo com pseudociências?
– Qual seu signo solar, Delphine? – perguntou Scott.
– O quê? Eu não sei o que é signo solar, o que dizem é que eu sou de Sagitário – a francesa respondeu a contragosto. – Mas isso não tem nada a ver comigo! Eu não sou festeira, irresponsável, super sociável ou qualquer outra bobagem dessas que eu supostamente deveria ser...
– Ah, mas você é do último dia de Sagitário, né... – Cosima argumentou a interrompendo. – Mais umas horinhas e já era Capricórnio. Além disso sua lua é em Escorpião e o mercúrio em Capricórnio.
– Hmm, interessante – Scott ponderou como se aquele assunto realmente tivesse alguma importância. – E seu ascendente?
– Eu não tenho a mínima ideia do que vocês dois estão falando!
– Cosima? – ele insistiu.
– Eu também não sei – ela disse espanando os pelos de Denise que haviam ficado presos em sua roupa depois que a gata desceu de seu colo. – Nunca perguntei a hora que ela nasceu porque sabia que ela ia reagir desse jeito.
– Então, Delphine... – Scott pegou o celular e abriu um aplicativo que ela nunca tinha visto antes. – Preencha isso, por favor.
A loira olhou para a tela e viu alguns campos em branco: Data, local e hora de nascimento.
– É sério isso?
– Seríssimo – disse o rapaz.
Delphine olhou para Cosima que lhe retribuiu com um olhar cheio de expectativa. Então revirando os olhos, ela se rendeu e preencheu as informações.
– Ascendente em Capricórnio! – Cosima disse conferindo no celular do amigo quando Delphine lhe devolveu o aparelho. – Eu sabia! Isso explica bastante coisa.
– Caramba! Ela tem a vênus em Câncer na casa 7! – Scott acrescentou bastante empolgado. – O que me diz, Cosima? Seu ascendente em Aquário e sua lua em Sagitário vão dar conta?
– Ah, cala essa boca...
– Câncer? – Delphine disse tendo sua atenção captada por aquela palavra.
– Sim, sua vênus é em Câncer – Scott explicou. – Isso faz com que você seja uma pessoa mais tímida do que um sagitariano típico seria. Você definitivamente é uma pessoa romântica e que gosta de nutrir e cuidar aqueles que ama. Deve ter uma relação muito boa com a sua mãe além de um talento inato pra culinária.
Grande coisa..., pensou Delphine.
Qualquer um que a conhecesse poderia saber daquilo. Cosima mesmo já devia ter comentado com ele todas aquelas coisas.
– Fora isso, é recorrente que pessoas com esse posicionamento tenham um forte desejo de construir uma família – Scott continuou. – Além de contar com um instinto materno bastante aguçado.
Ouvir aquilo – talvez, quem sabe – fosse o primeiro incentivo para que Delphine cogitasse baixar suas barreiras e ouvir o que Scott tinha a dizer. Cosima, por outro lado, repentinamente parecia já não estar mais tão interessada na tela do celular.
De qualquer forma, o assunto parou ali, tendo em vista que o telefone do rapaz começou a tocar e ele precisou atender.
– Alô?... Sra. Bolton?... Sim, eu estou ótimo. Como vai a senhora?... Não, eu não falei com a minha vó hoje, aconteceu alguma coisa?... Entendo... Entendo... É isso não é do feitio dela... Pode deixar, eu vou tentar falar com ela agora mesmo... Sim, eu peço para ela ligar para a senhora... Obrigado por avisar... Tchau.
Quando Scott desligou a ligação, sua empolgação de minutos antes havia dado lugar a uma expressão bastante preocupada.
– Que estranho... – ele disse franzindo o cenho.
– O que houve? – Cosima perguntou.
– A Sra. Bolton ligou pra perguntar se eu sei da minha vó... Ela disse que elas tinham se comprometido em trabalhar para um bazar beneficente essa manhã, mas que a minha vó não apareceu. Tentou ligar pra ela, mas também não conseguiu falar.
Delphine se alarmou ao ouvir aquilo. Pessoas faltando a compromissos e ficando incontactáveis era algo de que ela havia aprendido a reconhecer como mal presságio.
Terminando de falar, Scott também tentou ligar para a vó, mas por três vezes consecutivas a chamada caiu na caixa de mensagens e nada da Sra. Smith atender.
– Por que você não vai até a casa dela? – Delphine sugeriu. – Talvez ela só esteja com algum problema técnico na linha telefônica.
– É, a Delphine tem razão. Não deve ser nada demais – Cosima completou. – Eu já estou ficando cansada mesmo, você pode ir com a gente.
– Ok, boa ideia.
Quando chegaram no prédio de Delphine – que também era o da Sra. Smith – eles concordaram que Cosima devia ir direto para casa, pois apesar de estar se sentindo melhor naquele dia, ainda não estava totalmente recuperada. Enquanto isso a loira se ofereceu para acompanhar Scott, até porque ela gostava muito da avó do rapaz e já fazia tempo que elas não se viam, ainda que morarem tão próximas.
Apesar de ter uma cópia da chave da porta da frente do apartamento, Scott sempre tocava a campainha e aguardava até que a vó viesse o atender. Talvez por já estar preocupado e ansioso, a espera pareceu se arrastar mais do que de costume naquele dia, então ele decidiu entrar.
– Vó? – Scott chamou entrando na sala de estar.
Não obteve resposta.
Foi até a cozinha; nada.
Delphine não se sentiu confortável em segui-lo pelo apartamento, entrando apenas o suficiente para que conseguisse fechar a porta atrás de si. O ambiente estava silencioso; aquele tipo de silêncio estranho e opressor. Tudo estava em seu devido lugar e nada material indicava que algo de errado pudesse estar acontecendo.
Porém essa calmaria toda não durou por muito tempo.
– NÃO!!! – a voz de Scott veio despertando calafrios pelo corpo de Delphine.
Ela seguiu o som até a porta do quarto e deu de cara com uma cena desoladora.
Sra. Smith estava deitada na cama, vestido sua camisola com delicados motivos florais e os olhos fechados; tudo estaria indicando que ela dormia tranquilamente se não fosse o tom bastante escuro em que se encontrava a pele de seu rosto.
– Não vó! Vó, por favor, fala comigo! FALA COMIGO!!! – Scott gritava aos prantos chacoalhando o corpo da senhora. – Delphine... Delphine faça alguma coisa!
Então a loira se aproximou do leito da senhora e chegou até a verificar o pulso dela, mas já não havia mais nada a ser feito. A carne dela já estava completamente gelada.
– Eu sinto muito – a loira disse abraçando o rapaz.
Scott se agarrou a Delphine como um garotinho assustado e chorou sabe-se lá por quanto tempo. Quando finalmente ele conseguiu se controlar um pouco, ela o tirou de dentro do quarto e o levou para a cozinha. Enquanto ele tomava um copo d'água para tentar se acalmar um pouco mais, Delphine tomou a frente e ligou para a emergência para que viessem buscar a Sra. Smith.
Pelas conversas que ela já havia tido com a senhora, sabia que agora Scott tinha ficado sozinho. Por isso depois que os paramédicos chegaram e levaram o corpo, a francesa se ofereceu para acompanhá-lo e ajudá-lo a resolver tudo o que fosse necessário. Muito educadamente o rapaz declinou, dizendo que preferia cuidar daquilo por si mesmo.
Com isso, Delphine concluiu que a melhor coisa seria melhor voltar para sua própria casa.
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