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Nós Coseguimos


Nunca antes em sua vida Delphine havia experimentado uma dor tão forte e aguda como aquela. Caída sobre o piso frio do mercado, ela sentia o calor de seu corpo se esvair juntamente com o sangue que escorria em abundância do ferimento que havia lhe perfurado o abdômen. Sentia que estava em total controle de seus músculos e seus pensamentos começaram a se tornar mais imprecisos e confusos. Quando a loira apareceu na outra extremidade do corredor, vindo exacerbada e barulhenta em sua direção, seus olhos já estavam turvos e as imagens projetadas em seu cérebro mais e mais escurecidas a cada segundo que passava. As palavras que a mulher pronunciava exacerbada não passavam de ruídos incómodos em seus ouvidos, mas mesmo assim, quando Krystal se ajoelhou a seu lado, a francesa renuiu toda a energia que ainda a restava para puxar a mão dela até a fonte do sangramento.

– Pressiona... – ela disse em um murmúrio quase inaudível. – ... com força.

Então sem mais conseguir resistir, suas pálpebras enfim relaxaram e ela se entregou de vez à inconsciência.


*** Dias depois ***


Os últimos dias da vida de Cosima não haviam sido nada fáceis. Delphine ter saído com vida da segunda cirurgia certamente era algo pelo qual devia ser grata, porém desde que voltou do centro cirúrgico, a loira continuava internada na UTI. As duas visitas diárias de uma hora cada uma não eram nem de longe suficiente para suprir toda a saudade e necessidade que Cosima tinha da namorada, especialmente circunstâncias como aquela, sem poder ver o brilho em seu olhar e o som doce de sua voz.

Delphine já havia sido tirada do respirador mecânico e embora sua recuperação estivesse dentro do esperado, quando Cosima deixou o hospital pela última vez, a francesa ainda não tinha recobrado a consciência, provavelmente por conta da forte medicação que continuava recebendo.

Além da angústia de querer vê-la ficando boa o quanto antes, após a conversa que teve com Manon, Cosima não conseguia parar de pensar que Delphine só estava naquela situação por culpa sua. Se não tivesse enviado aquela maldita mensagem de texto a loira não teria se preocupado a ponto de embarcar na viagem que poderia facilmente ter colocado um ponto final a sua vida.

E agora, quando o momento que ela havia aguardado tão ansiosamente ao longo dos últimos meses – ou melhor dizendo, que elas haviam aguardado tanto – Cosima de certa forma se sentia traindo Delphine ao ir receber sua última dose de quimioterapia sem tê-la ao seu lado.

Sem muita vontade, estava terminando de arrumar a bolsa que levaria para o hospital, quando Felix entrou no quarto:

– Cos, você tem cinco minutos? – ele perguntou parecendo empolgado. – Queria te mostrar uma coisa...

– Tenho sim – ela respondeu ao olhar no relógio e ver que ainda estava adiantada. – O que foi?

Sem nada responder, o amigo a levou para seu próprio quarto, e uma vez lá, não foi difícil para que ela encontrasse a tal 'coisa' de ele tinha se referido.

– Eu terminei agora a pouco. – A satisfação era clara na voz de Felix. – Só toma cuidado que a tinta ainda está fresca em alguns pontos.

Apoiada no cavalete e sendo iluminada pela luz natural que entrava pela janela, estava a tela que ele havia começado a pintar alguns dias antes.

O espaço que havia sido dividido em três, retratava uma tríade de Cosimas que caminhavam em direção à borda direita do quadro. A primeira seção que havia sido pintada com uma palheta de cores terrosas, a representava de perfil, ainda com seus típicos dreads e vestindo um jaleco branco, porém o que mais chamava a atenção era o par de asas que pendiam de suas costas. Na segunda, aa cores que predominavam era o vermelho e o negro; Cosima aparecia já sem o cabelo, com a roupa se desfazendo em pedaços e as asas ruindo em cinzas. Por último e não menos importante, a última seção colorida em tons de azul a mostrava renovada; o cabelo em um corte curto com aspecto úmido, as asas abertas e recuperadas enquanto um de seus pés já se desagarrava do chão.

– E então? – o rapazperguntou, parando ao lado dela e de frente para a tela. – O que você achou?

– Caramba... – Cosima suspirou virando o rosto para olhar o amigo nos olhos. – Eu adorei!

– Sério?

– Sim. Obrigada, Fee.

– Que bom que gostou – ele disse, sorrindo orgulhoso de seu trabalho. – O corte foi uma sugestão, sabe... Acho que curto ficaria muito bom em você.

– Ok – ela riu, surpresa com a aleatoriedade do comentário dele. – Vou levar sua sugestão em consideração quando o cabelo começar a crescer.

Cos? – uma voz os interrompeu, partindo do corredor.

– Eu tô aqui mãe!

Segundos depois Sally apareceu, colocando a cabeça para dentro do quarto.

– Hey, você já está pronta? – ela perguntou.

– Sim, nós já vamos – Cosima respondeu. – Mãe, vem cá ver uma coisa.

– O quê?

Ao parar entre eles de frente para tela, a mais velha despendeu algum tempo observando o quadro em silêncio.

– Wow, Felix! – ela proferiu instantes depois apoiando uma mão no ombro do rapaz. – Isso está incrível!

– Obrigado, Sally – ele disse, envolvendo as costas dela com o braço.

– Sabe, é nessas horas que eu lamento não morar em uma casa grande... – ela comentou. – Eu adoraria ter todas essas versões da minha filha penduradas na sala de estar ou no meu escritório, pra eu poder ficar olhando sempre que eu quisesse.

Cosima nem tentou esconder o revirar de olhos seguido por um sorriso com canto da boca.

– Eu fico feliz que tenha gostado, querida, mas acho que sua falta de espaço não vai ser o único impedimento pra poder ficar com esse aqui. – Felix pausou a fala enquanto trocava olhares com a amiga. – Tenho uma leve impressão de que esse quadro já tem dona, ela só não sabe disso ainda porque não teve alta do hospital. Mas se você quiser, eu posso pintar um menorzinho pra você.

Respirar foi estranho.

Abrir os olhos foi incômodo.

Engolir a saliva, dolorido.

Só não foi mais dolorido do que a pontada que sentiu em seu abdômen quando tentou se mexer na cama.

– Mon Dieu! Ma fille, je suis ici, parle-moi!! – ela ouviu a voz aflita a seu lado e notou que sua mão estava sendo firmemente amparada. – Enfermeira! Enfermeira, ela acordou!!!

A cabeça de Delphine estava dolorida e confusa. Sua boa estava seca e uma lágrima escapou de seus olhos quando ela se esforçou para falar. Tão logo a enfermeira chegou para verificar seus sinais vitais, Manon que chorava de felicidade se afastou apressada para lhe buscar um pouco d'água.

Era óbvio para Delphine que ela estava em um hospital, e a julgar pela disposição dos leitos e pela quantidade de aparelhagem médica, aquilo só podia ser uma UTI. Porém como havia parado ali era o que não tinha ideia. O que tinha lhe acontecido? Ainda estava em Montreal? O que a mãe estava fazendo com ela? As perguntas era muitas.

No entanto, antes mesmo de terminar de beber a água que Manon havia lhe trago – água essa que foi recebida por seus lábios como se fosse o próprio néctar dos deuses – as lembranças surgiram como um tsunami que invadiu sua mente. Ela pode se lembrar de estar saindo as presas do quarto de hotel e depois de embarcar no trem de volta para Toronto; se lembrou de se deitar em sua cama apenas para levantar alguns minutos mais tarde e sair de casa cheia de expectativas para rever Cosima... E também se lembrou de estar andando pelos corredores do mercado até o momento em que levou o tiro que certamente era o responsável por tê-la levado até ali.

– Delphine... – a mãe a chamou, atraindo sua atenção. – Como você está se sentindo?

Mal, ela pensou.

Contudo, falar estava sendo algo difícil e dolorido demais para que ela desperdiçasse suas palavras respondendo algo tão banal.

– Onde... cadê a Cosima?

Embora houvesse um esforço para tentar esconder, Delphine reparou na expressão da mãe ficando bastante desapontada com a pergunta dela.

– Ela tem vindo te visitar todos os dias desde que descobriu que você estava aqui – Manon respondeu. – Ela só não veio hoje agora por tinha a quimio marcada.

Aquilo não fazia muito sentido para Delphine. Ela estava com a cabeça confusa, era verdade, mas tinha certeza de que ainda faltavam alguns dias para que Cosima recebesse a última dose do tratamento.

– Há quanto tempo eu estou aqui? – ela perguntou forçando a voz.

– Hoje é o sexto dia. Você se lembra do que aconteceu?

Delphine apenas anuiu fracamente com a cabeça, surpresa por ter ficado tantos dias desacorda. Antes mesmo que Manon tivesse a chance de dizer mais alguma, uma mulher ruiva, vestida de branco e que não devia ser mais velha do que ela própria se aproximou de sua cama.

– Bom dia, Delphine – a médica disse. – Eu sou a Dra. Kepner, a responsável pelo plantão de hoje. Como você está se sentindo?

– Minha garganta dói... A barriga também... Minha cabeça está pesada...

Para alguém formado em medicina, a francesa se sentiu bem desconfortável encarnando o papel de paciente. Depois de um pequeno resumo do que ela havia passado nos últimos dias, Delphine se deu conta de que realmente tinha sido muita sorte ela ter conseguido resistir. Não conseguiu se conter e teve que fazer algumas perguntas um pouco mais técnicas, coisa que pareceu ter deixado a médica mais à vontade por saber que estava lidando com alguém que entendia do assunto.

– Bom, eu não vejo porque continuar mantendo você aqui por mais tempo – Dra. Kepner concluiu após um cuidadoso exame físico. – Vou pedir para te encaminharem para o quarto; seu quadro já está controlado e é melhor não correr o risco de você pegar alguma infecção pior ficando aqui.

– Obrigada, doutora – Manon falou, segurando firme a mão da filha.

Ao longo daqueles meses de tratamento, embora ainda sofresse com os fortes efeitos colaterais, o corpo de Cosima já estava suficientemente acostumado com a quimioterapia, de modo que as sessões não precisavam mais se estender por tantas horas. A bolsa com do medicamento que pingava incessantemente até sua veia estava em seu último terço, ela já sentia o mal-estar e a náusea começando a incomodar. Sally que estava sentada na cadeira a seu lado, acompanhava as gotas que escorriam com o olhar de um torcedor fanático acompanhando uma final de campeonato do seu time de coração.

Cosima estava incomodada por ter perdido o horário da visita da manhã, mas queria pelo menos ser capaz de visitar Delphine na parte da tarde. Contudo, com o revirar crescente de seu estômago, ela estava começando a achar que pela primeira vez seria obrigada a falhar um dia de visita à francesa. Ela teve seus pensamentos interrompidos que percebeu o Dr. Duncan adentrando o ambiente e se aproximar da poltrona onde ela estava aninhada.

– E então, Cosima – ele disse com um sorriso cordial e simpático no rosto. – Como se sente terminando seu tratamento?

– Enjoada, como sempre – ela brincou, se esforçando para retribuir o sorriso.

Ethan riu da resposta e se voltou para Sally.

– Como vai, Sra. Niehaus?

– Eu vou bem, doutor, obrigada por perguntar – ela falou. – E estou muito feliz também.

– É realmente um dia feliz – ele disse, novamente olhando para Cosima. – Bom, nós já conversamos sobre isso, mas acho que vale a pena relembrar; Seus últimos exames estavam ótimos e isso certamente é uma notícia muito boa, mas nós ainda não podemos atestar que você está totalmente livre do câncer.

– Sim.

– Você vai precisar repetir os exames com uma frequência grande no primeiro ano após o final do tratamento e se tudo continuar bem, esse intervalo passa a ser anual até completar o quinto ano. Só desse período que vamos poder dizer que as chances do câncer voltar são baixas o suficiente para que você possa se considerar curada.

– E cinco anos passam incrivelmente rápido – Sally falou, segurando firme a mão da filha.

– Ainda mais na nossa idade, não é mesmo Sra. Niehaus?

Os três riram do comentário dele, que depois de verificar se Cosima tinha alguma pergunta ou queixa e lhe parabenizar por ter superado essa fase tão difícil, ele se deteve um instante quando já estava prestes a passar pela porta de saída.

– Ah, eu já quase me esquecendo... – ele disse com preocupação legitima no olhar. – Cosima, eu fiquei sabendo o que aconteceu com a Dra. Cormier. Eu realmente sinto muito por isso... Como ela está?

– Ela ainda está na UTI – ela respondeu. – Depois da segunda cirurgia que ela precisou fazer no começo dessa semana está melhorando aos poucos, mas ainda não acordou...

– Bom, espero que se recupere logo. Ela é uma profissional exemplar e pelo que pude perceber também é uma ótima pessoa.

– Sim. Obrigada doutor.

– Até a próxima.

Depois do médico ir embora, Cosima voltou a tentar barganhar com seu organismo para que ele pegar leve com os efeitos colaterais, pelo dessa vez. Era por uma causa maior. Quando ouviu o celular tocando dentro da bolsa, ainda era cedo demais para que fosse Manon lhe ligando para dar notícias após o horário de visitas, por isso nem se incomodou em atender.

– Mãe, atende pra mim, por favor – ela pediu despreocupada mente, pensando que pudesse ser Felix quem estava chamando.

– Alô? – Sally atendeu. – Ah, oi Manon...

Ao ouvir aquele nome, imediatamente Cosima deixou de reparar no desconforto de seu estômago, para no lugar passar sentir o sangue gelar. Em poucos segundos seu cérebro foi capaz de preencher uma longa lista com uma série de as coisas ruins que a sogra poderia estar prestes a lhe dizer.

– Sim, está tudo bem... Claro – Sally estendeu o celular para uma Cosima que a observava com os olhos arregalados. – Ela quer falar com você.

– Manon... – ela disse rapidamente pegando o aparelho e o levando até a orelha. – ... o que aconteceu??

Bonjour ma chérie – a voz soou baixa do outro lado da linha.

Cosima paralisou, até mesmo se esqueceu de como falar por um momento.

– Del...?

Oui – Delphine respondeu um pouco rouca. – Como você está Cosima?

– Eu estou ótima – ela disse com um sorriso surgindo para se juntar aos olhos já lacrimejantes. – Como você está?

Bom... Acho que eu tive dias melhores... – a loira brincou, fazendo com que Cosima não pudesse conter uma risada.

– Há quanto tempo você acordou?

Há alguns minutos atrás.

– Me perdoe, eu queria estar aí com você, mas...

Eu sei, eu sei. Eu também queria estar aí com você – Delphine falou sendo interrompida por uma tosse. – Você conseguiu, Cosima!

Nós conseguimos, ela corrigiu em pensamento.

Eu vou ser transferida para o quarto.

– Mas que notícia maravilhosa! Eu já estou terminando aqui, assim que sair do hospital vou direto te encontrar!

Não precisa fazer isso – Delphine pontou, ciente do estado em que ela ficava depois de todas as sessões do tratamento. – Vá para casa, descanse. Se você estiver se sentindo melhor, nós podemos nos ver amanhã...

– Eu não preciso descansar – Cosima interveio. – Não há nada que eu precise mais nesse momento do que te ver acordada com os meus próprios olhos.

E você vai, chérie, só não precisa ultrapassar seus limites.

Mas Cosima não mentiu quando disse que estava ótima. Se seu estômago continuava embrulhando, ela simplesmente não estava mais dando atenção a ele e há eras que ela não se sentia com tanta energia daquela maneira.

Cosima, eu preciso desligar – Delphine informou. – Eles estão aqui para me transferir. Nos falamos mais tarde, ok?

– Claro – ela respondeu, hesitando em ter que desligar o telefone. – Até daqui a pouco, meu amor.

Para compensar o aparente isolamento em que Delphine ficou nos dias em que passou na UTI, uma vez que foi levada para um quarto individual, pode-se dizer que não passou mais um minuto sequer sozinha. Sem mais restrições de horário, Cosima e Manon se revezavam para lhe fazer companhia ­– na prática isso significava que na maior parte do tempo as três ficavam juntas.

Embora precise continuar internada para que os médicos pudessem monitorar a atividade de seu fígado bem de perto, o quadro de Delphine estava evoluindo de forma muito positiva e as dores dela diminuíam mais e mais a cada dia que passava; Com um desconforto físico menor, se concentrar naquilo que estava acontecendo como plano de fundo em sua vida foi ficando mais fácil.

Por conta de seu estado de saúde, Manon tinha adiado indefinidamente seu retorno para França. De todas as surpresas que havia tido ao longo dos últimos meses, ter a mãe junto de si para passar os feriados de fim de ano era uma das que ela ainda não estava inteiramente certa se seria positiva ou negativa. Depois de ter deixado Manon daquele jeito em Montral, tudo o que Delphine menos esperava era acordar e ver a mãe interagindo com Cosima de forma aparentemente tão tranquila. Talvez fosse só ela tentando achar problema onde não existia, mas era difícil de acreditar que aquela mesma pessoa que havia reagido tão mal à notícia de seu relacionamento, agora já estivesse o encarando de forma assim tão pacífica.

Aproveitando que Manon havia saído para comparecer à uma reunião online com a empresa que era o motivo da vinda dela para o Canadá, Delphine acho que seria uma boa oportunidade de entrar no assunto com a namorada.

– Cosima... – a francesa começou.

– Sim? – ela disse, demorando alguns segundos para desgrudar os olhos do livro que estava lendo.

– Como você conheceu a minha mãe?

Vendo que a conversa seria importante, Cosima fechou o livro e voltou toda sua atenção para Delphine.

– O Felix ficou sabendo o que tinha te acontecido por acaso através da Krystal e depois disso a MK descobriu onde você estava internada. Quando cheguei no hospital não fazia a mínima ideia de que você já estava acompanhada; levei um susto quando estava lá, do seu lado, e a Manon simplesmente apareceu.

– Ela te ofendeu? – Delphine foi direta, embora temesse a resposta que recebeira.

– Não, de forma alguma! – Cosima se apressou em dizer. – Ela ficou um pouco reticente no começo, mas nunca disse nada que pudesse me ofender, muito pelo contrário.

– Mas também não foi simpática...

– Del, tenha paciência... É muita coisa pra ela processar, ainda mais depois de tudo o que você passou.

– É só que... – Delphine soltou se sentindo frustrada. – Seus pais me acolheram tão bem quando nós nos conhecemos... Não me importava o que a minha mãe pudesse dizer pra mim, eu só queria que você fosse tão bem tratada quanto eu fui.

– Pra você estar me falando isso imagino que vocês ainda não devem ter conversado sobre isso – Cosima disse em meio a um suspiro.

– Não.

– Bom, ela não me deu os detalhes sobre o que aconteceu entre vocês, mas me disse que está arrependida das coisas que te falou – Cosima explicou. – Delphine, você não tem que comparar os seus pais com os meus. Eles são pessoas diferentes, com histórias e vivências diferentes. Eu sempre soube que eu sou lésbica, meus pais tiveram muito tempo para se acostumar com a ideia de que eu não ia crescer e me casar com um homem. Mas você... A um ano atrás você achava que era hétero e estava noiva de um cara!

Delphine não pode deixar de rir; hoje aquela ideia parecia completamente absurda na cabeça dela.

– A Manon já entendeu que a gente se ama de verdade – Cosima continuou. – Ela está lutando contra os próprios preconceitos e é isso o que importa agora. Além disso tenho certeza de que não vai ser assim pra sempre.

– É, eu sei – Delphine disse já se sentindo mais aliviada em saber que a namorada estava sendo compreensiva. – Ela só precisa de um pouco de tempo.

– Exatamente.

– E você vai ter paciência de esperar esse tempo? – a loira perguntou, mas lá no fundo já sabia a resposta.

– Não, porque eu não preciso de paciência pra isso – Cosima rebateu. – É sério Delphine, a Manon está sendo ótima do jeito dela.

Bom, pelo menos uma coisa boa depois de tudo, Delphine pensou. Era por essas e outras que ela tinha certeza de que havia escolhido a pessoa certa para estar ao seu lado.

– Mas já que a gente tá falando de coisa séria... – Cosima se ajeitou na poltrona antes de continuar. – Del, por que você decidiu voltar mais cedo de Montreal?

Aquela pergunta deixou a francesa em um impasse; conhecendo a namorada como conhecia, se fosse sincera as chances da dela se sentir culpada pelo que havia acontecido com ela eram grandes.

– Eu não tinha mais motivos pra continuar lá... – Delphine falou, evitando olhar diretamente para Cosima. – Eu já tinha contado tudo pra minha mãe e ficou bem na cara que o clima não ia estar bom no outro dia, então...

– Tem certeza que é só isso? – Cosima insistiu.

– Ah...

A loira já estava prestes a contar a segunda parte daquela verdade quando a conversa delas foi interrompida por alguém batendo na porta.

– Pode entrar – Delphine se apressou em dizer.

– Com licença, Srta. Cormier – a enfermeira que já estava acostumada a cuidar dela falou ao colocar a cabeça para dentro do quarto. – Tem alguém aqui querendo falar com você. É da polícia.

Delphine trocou olhares com Cosima, instantaneamente se sentido tensa.

– Ok – disse ela. – Pode deixar entrar.

A porta terminou de ser aberta e a enfermeira se afastou para dar espaço ao homem.

– Com licença, Srta. Cormier. Espero não estar atrapalhando.

– De forma alguma. Por favor... – Delphine falou indicando uma cadeira que anteriormente havia sido ocupada por Manon.

– Meu nome é Arthur Bell, eu sou detetive da polícia metropolitana de Toronto – ele disse tirando um distintivo de dentro do bolso. – Eu gostaria de te fazer algumas perguntas referentes ao assalto que ocorreu na madrugada de domingo, a pouco mais de uma semana atrás.

– Ok.

– Eu devo esperar lá fora? – Cosima perguntou, incerta se poderia continuar presente.

– Não, eu prefiro que você fique! – a loira interpôs.

– Tudo bem – ele disse. – Só por favor, não nos interrompa.

– Claro – Cosima respondeu.

O detetive demorou mais um instante pegando o celular e ligando o gravador para então se voltar novamente para Delphine.

– Srta. Cormier, a partir de agora nossa conversa está sendo gravada – o detetive informou. – Tudo o que disser poderá ser utilizado nas investigações acerca do assalto ao mercado Doc's, instalado na Bathurst St por volta das 4 horas do dia 13 de dezembro. Está de acordo com estes termos?

– Sim.

Embora ela fosse a vítima da história e certamente uma das maiores interessadas no sucesso daquela investigação, ser um interrogada nuca seria algo confortável e ela não pode deixar de se sentir um pouco nervosa.

– Pode me dizer o que se lembra a partir do momento em que entrou no estabelecimento?

– Sim, mas não sei se eu vou poder ser muito útil... – ela disse, tentando se sentar um pouco mais ereta na cama. – Quando eu cheguei o lugar estava praticamente vazio, só tinha uma mulher fazendo comprar, Krystal, e o dono da loja. Os minutos que seguiram não tiveram nada de especial, eu só andei pelos corredores procurando pelos itens que eu tinha ido buscar. Foi só quando eu já estava indo em direção o caixa que eu ouvi os gritos e percebi que algo estava errado.

– Você viu quando os assaltantes entraram?

– Não eu não cheguei a vê-los – Delphine explicou. – Sei que eram um homem e uma mulher por conta das vozes, mas não a vê-los de fato.

– E o que aconteceu depois?

– Bom, tudo aconteceu muito rápido... – ela continuou. – Como eles não tinham me visto eu pensei em ir me esconder nos fundos da loja, mas quando eu me virei, tinha um homem parado no final do corredor. Eu me assustei, não sabia de onde ele tinha surgido. Acho que eu derrubei o meu celular e no instante seguinte ele já estava com uma arma apontada para mim. Depois que a arma disparou, eu caí no chão. Não me lembro de muitos detalhes, mas pude ver quando ele pegou meu celular e saiu correndo.

– Você consegue dizer se esse era o mesmo homem que anunciou o assalto?

– Não posso ter 100% de certeza, mas acho que não. Não teria como ele ter chegado lá tão rápido.

– E você pode me descrever como ele era? – o detetive perguntou se inclinando um pouco mais para frente.

– Era alto... Estava usando um casaco, mas acho que posso afirmar que era magro – Delphine parou por um instante, forçando a memória para se lembrar de mais detalhes. – Não consegui ver o rosto; ele estava coberto pelo capuz. Pela mão que segurava a arma deu pra ver que era branco.

– Ele falou alguma coisa? Te ameaçou ou pediu alguma coisa?

– Não, ele não disse nada.

– Você disse que se assustou – Arthur prosseguiu. – Acha que pode ter feito algum movimento brusco que ele possa ter interpretado como uma tentativa sua de reagir?

– Non, eu fiquei mais paralisada do que qualquer outra coisa – Delphine respondeu. – Além disso, ele não atirou em mim por impulso; ficou mirando em mim por alguns segundos.

– Ok – o ele disse depois de uma breve pausa. – Gostaria de acrescentar mais algum detalhe que julga importante, Srta. Cormier?

– Não, isso é tudo.

– Então dou esse depoimento por encerrado.

– Mas já? – Cosima disse sem conseguir se conter.

Ignorando o comentário dela, Detetive Bell finalizou a gravação. Levou um instante a mais para desligar o celular e guardá-lo no bolso, para então se levantar e andar até a porta, não para ir embora, mas para girar a chave na fechadura trancando a porta.

– O que está acontecendo aqui?? – Cosima perguntou sobressaltada, também se colocando de pé. Naquele momento um calafrio percorreu o corpo de Delphine e ela temeu que o pior estivesse prestes a acontecer.

– Por favor, sente-se Cosima – o detetive falou tranquilamente retornando a seu lugar.

– Como você sabe meu nome?? – ela perguntou exaltada.

– Fale baixo, você não vai querer atrair curiosos – ele disse, agora lançando um olhar um pouco mais severo para ela. – Eu estou aqui a pedido de Siobhan Sadler.

– Ah, você é o amigo da S? – Cosima perguntou já abaixando suas defesas.

– Sim. E acho que é melhor que vocês desliguem seus celulares antes de a gente começar a ter essa conversa. Só por precaução.

As duas se entreolharam cheias de expectativa sobre o que estavam prestes a ouvir e fizeram o que lhes havia sido solicitado.

– Detetive Bell, você pode nos dizer à quantas andam as investigações? – Delphine indagou.

– Extraoficialmente, sim – ele disse, tomando o cuidado de manter a voz na menor intensidade possível sem que impedi-las de continuar o ouvindo. – Algumas horas após o assalto, dois suspeitos foram localizados e como o perfil deles batiam com os relatos das testemunhas puderam ficar detidos na delegacia. Até então eu não tinha sido envolvido no caso e confesso que nada tinha me chamado a atenção até descobrir que na segunda-feira pela hora do almoço eles já haviam sido liberados. Geralmente os envolvidos em crimes como esse dependem de um defensor público, o que nunca é algo rápido, e dessa vez eles não só tiveram um advogado particular, como também foi um bem caro.

– Quer dizer então que eles já estão livres? – Cosima perguntou levemente indignada.

– Sim, vão aguardar julgamento em liberdade – Arthur respondeu. – Mais tarde naquele mesmo dia, recebi uma ligação de Siobhan Sadler me deixando à par da sua situação, Delphine. Convencer meu chefe a me colocar em um caso que já estava praticamente concluído não foi das tarefas mais simples, mas uma vez dentro descobri que a história estava ainda mais estranha do que parecia. Além dos assaltantes aparentemente estarem mais interessados em dificultar a comunicação das vítimas do que de fato levar algo de valor do estabelecimento, o outro detetive que estava liderando o caso parecia estar disposto a ignorar completamente o que a Srta. Goderitch havia relatado a cerca um terceiro suposto assaltante naquela noite, quem segundo ela, havia sido o responsável pelo disparo que te atingiu.

Delphine engoliu em seco ao ouvir aquela última parte. A essa altura já estava bem certa de que aquilo tudo certamente havia sido planejado pelo Dyad.

– Os dois suspeitos negaram a existência de outra pessoa envolvida no assalto, e uma vez que as imagens das câmeras de segurança foram misteriosamente corrompidas depois de serem levadas para análise, a palavra da testemunha era tudo o que nós tínhamos. O seu depoimento vai servir para corroborar isso agora.

– Não me leve a mal, mas... – Cosima começou. – Se o depoimento da Delphine era tão importante, por que você não veio antes?

– É verdade que eu poderia ter vindo um ou dois dias antes, mas a desculpa de dar mais tempo para que ela se recuperasse serviu para me fornecer um intervalo maior para conduzir a investigação longe dos olhos dos outros envolvidos no caso – Arthur explicou. – Depois que a Siobhan tudo a respeito daquilo com o que vocês estão envolvidas, ficou claro para mim que aquele assalto, se é que a gente pode continuar chamando desse jeito, não passou de um teatro para que eles conseguissem te atingir, Delphine.

Aquilo ser dito em voz alta fez com que o clima conseguisse ficar ainda mais tenso e ela tentou em vão se mexer na cama para conseguir uma posição mais confortável.

– Uma vez que não poderia contar com as imagens internas do mercado, tentei acessar algumas câmeras de segurança públicas para ver ser conseguia descobrir quem era o tal homem – Arthur prosseguiu. – A partir da câmera da que fica na esquina antes da loja, eu vi o momento em que você passou ali e poucos segundos depois um outro carro indo na mesma direção. Esse carro não apareceu na outra extremidade da rua por um bom tempo.

– Então a Delphine já estava sendo seguida? – Cosima perguntou, recebendo um aceno de cabeça como resposta.

– O veículo só foi aparecer novamente nas imagens das câmeras instaladas nos cruzamentos da rua em minutos mais tarde, em um horário que você provavelmente já havia sido atingida.

O detetive fez uma breve pausa para que elas pudessem processar um pouco tudo o que estava ouvindo, e então continuou:

– Quando percebi que você já estava sendo seguida quando chegou no mercado, solicitei as imagens das câmeras de segurança do seu prédio. Quando você chegou de taxi, a rua ainda estava aparentemente vazia, porém pouco tempo depois aquele mesmo carro estacionou em um ponto que por pouco não ficou fora do alcance do vídeo.

– Eu não entendo... – disse Delphine. – Como tinha alguém me seguindo em Toronto se eu nem sequer deveria ter saído de Montreal ainda? Minhas passagens já tinham sido compradas para o dia seguinte e eu tenho certeza que o Dyad ficou sabendo da minha viagem porque eu precisei avisar o hospital que eu estaria fora da cidade.

– Na verdade isso não é um grande problema pra alguém com acesso aos sistemas da polícia – ele explicou. – Ele deve ter recebido um alerta com todas as informações de horário e destino assim que você fez o check-in na estação de trem.

– Ele? – Cosima repetiu ansiosa. – Então você já sabe quem foi que atirou na Delphine?

– Sim – Arthur respondeu. – Detetive Martin Duko, o mesmo que está conduzindo as investigações.

– Puta merda – ela soltou.

– Chegar até ele me deu um pouco mais de trabalho e eu vou poupá-las desses detalhes – ele prosseguiu. – Eu já desconfiava do Duko a bastante tempo, mas não imaginava que ele fosse tão podre desse jeito. A Siobhan me colocou em contato com sua amiga, MK. Ela conseguiu descobrir uma conta dele em que uma grana alta é depositada todos os meses. As raízes desse dinheiro é o que vocês já conseguiram identificar como Neolution.

Por algum tempo, Delphine ficou presa ao fato de que havia sido um policial a tentar matá-la. Porém, uma vez passado o choque inicial, uma questão lhe ocorreu.

– Por ele não me matou?

– O quê? – Cosima questionou incrédula. – Delphine, ele tentou te matar! Você deu sorte ter saído dessa!

– Pode até ser, mas ele só não me matou naquela hora porque não quis – ela falou, sentindo o peso de suas próprias palavras. – Pensa Cosima: ele é policial. Tenho certeza que teria condições de acertar minha cabeça se quisesse, ou pelo menos meu peito. E mesmo se tivesse errado à alguns metros de distância, depois ele passou correndo por mim, poderia ter me executado ali mesmo.

Cosima engoliu em seco, aterrorizada pela possibilidade de que aquilo pudesse realmente ter acontecido.

– Ele não queria chamar a atenção – Arthur respondeu. – Não é tão difícil explicar alguém ficando ferido durante um assalto, mas se esse ferimento tiver cara de execução a situação muda de figura. Além disso, talvez aqueles que estão por trás disso não precisem de você realmente morta, só assustada o suficiente para desistir daquilo que estão tentando fazer.

– Não sei... – ela ponderou. – Isso ainda não explica como eles planejaram esse "assalto" sendo que não tinha como adivinhar que ia parar naquele mercado.

– Confesso que também pensei bastante sobre isso – ele assumiu. – Acredito que essa parte não foi planejada. O Duko estava te seguindo e talvez fosse improvisar algo no momento. Os dois comparsas dele estavam a postos na região esperando por instruções de como deveriam agir. Eles chegaram alguns minutos depois do Duko, ele deve ter ligado para eles já de dentro da loja avisando que o cenário era favorável.

– Faz sentindo – Cosima balbuciou. – E esse improviso todo fez com que eles acabassem deixando a história toda ainda mais suspeita, quando fugiram praticamente sem levar nada, por exemplo.

Àquela altura a cabeça de Delphine já estava explodindo. Ela ainda não estava totalmente recuperada e toda aquela conversa a estava deixando exausta.

– As evidencias que você reuniu... – ela falou enquanto pressionava as têmporas. – Vão ser o suficiente para incriminá-lo?

– Mais do que o suficiente eu diria – Arthur falou, pela primeira vez parecendo realmente satisfeito.

– E quando vai ser isso? – Cosima perguntou.

– Tudo depende de vocês – ele respondeu. – Siobhan acha que o golpe vai ser mais efetivo se atacarmos em conjunto com todas as provas que vocês já têm reunidas. Não há dúvidas de que essa corporação é gigantesca, vai ser bom deixá-los um pouco confusos sobre qual lado devem defender primeiro.

Tudo depende de vocês...

O que Delphine mais queria era poder se ver livre daquilo o quanto antes, mas o dia em que isso aconteceria parecia nunca chegar.

Instantes depois do detetive se levantar e sair do quarto, foi a vez de Manon adentrar o ambiente trazendo no rosto um misto de curiosidade e preocupação.

– Quem era aquele homem? – ela prontamente perguntou.

– Ele é da polícia – Delphine respondeu, ainda um pouco zonza devido à grande quantidade de informações que havia sido descarregada sobre ela.

– E o que ele queria com você?

– Ele está trabalhando no caso do assalto, veio pegar meu depoimento.

Mesmo que a aquilo tudo tivesse tomado proporções que ela não havia previsto, acreditava que ainda não era o momento de deixar a mãe à par do que exatamente estava acontecendo. Temia que conspirações científicas e uma tentativa de homicídio encomendada por uma grande corporação somadas as outras novidades que recentemente já lhe haviam sido reveladas, pudessem fazer com que Manon acabasse infartando de vez.

– E como foi?

– Cansativo – Delphine respondeu com sinceridade. – Você foi rápida, pensei que fosse demorar mais...

– Sim – Manon disse mudando de foco e permitindo que um sorriso surgisse em seus lábios. – Nós acabamos de fechar o negócio!

– Vraiment?

– Oui.

– Félicitations maman!

– Meus parabéns, Manon – Cosima se juntou à loira. – Eu também fico muito contente em ouvir isso.

– Obrigada – ela disse se acomodando no lugar que a pouco havia sido desocupado por Arthur. – Ah, Cosima, eu já estava quase me esquecendo. Sua mãe me ligou agora a pouco dizendo que não está conseguindo falar com você.

– Hmm. É porque meu celular está desligado... – Cosima prontamente pegou o aparelho e começou a ligá-lo. – Ela falou se aconteceu alguma coisa?

– Non. Só pediu para que você ligasse para ela assim que possível.

Quando o telefone terminou de iniciar, ela notou que o sinal ali dentro do estava bem fraco, então pediu licença para duas e saiu do quarto em busca de um lugar mais aberto.

Alô?

– Oi mãe. A Manon acabou de me dizer que você queria falar comigo...

Oi Cosima. Sim, é isso mesmo – Sally falou com sua voz se destacando em meio a um barulho de conversa. – Eu acho melhor você voltar para casa hoje mesmo.

– Por que, o que houve? – ela perguntou começando a ficar preocupada. – Já estava combinado que seria eu a passar essa noite aqui.

Eu sei, mas tenho certeza de que a Manon vai gostar de passar um pouco mais de tempo com a Delphine – Sally disse com entusiasmo. – A irmã do Felix está aqui Cosima.

– E por que eu deveria voltar pra casa só porque a Sarah está aí?

Não a Sarah, a outra irmã dele; Adele.

Ao ouvir aquilo, Cosima cessou seus passos inquietos, parando de qualquer jeito no meio do corredor, quase fazendo com que um transeunte esbarrasse nela.

Ela chegou tem pouco mais de uma hora e veio trazendo uma maleta cheia de documentos.

Cosima nem conseguiu responder mais nada à mãe por um instante, tamanho foi seu alívio.

Já não era sem tempo!

Quando Cosima chegou em casa todos já estavam lá. Siobhan, Adele, Colin e até mesmo MK, embora ela não parecesse muito confortável. O clima era de festa, mas apesar de estar se sentindo feliz por finalmente conseguir vislumbrar o que seria o fim daquela história que se tornou tão perigosa ao longo do percurso, Cosima não conseguiria comemorar antes de realmente já ter cruzado a linha de chegada. E sobre tudo, não conseguiria aproveitar mais essa conquista sem compartilhá-la com Delphine.

Depois de desligar o telefone com a mãe e voltar para o quarto da namorada, a loira já havia se rendido à exaustão e pegado no sono, portanto Cosima não teve a oportunidade de contar as boas novas. Achou melhor não contar a Manon o real motivo de sua mudança de planos, inventando apenas uma desculpa de que Sally precisava dela em casa, coisa que a sogra aceitou sem nem mesmo questionar. No fundo não havia mentido e pensando melhor sobre isso, chegou à conclusão de que seria uma ótima oportunidade de fazer uma grande surpresa para Delphine.

No entanto, para que tudo estivesse pronto para o dia seguinte – logo pela manhã de preferência – foram necessárias várias horas de trabalho ininterrupto. Todos os documentos trazido por Adele precisavam ser scaneados, e enquanto eles se revezavam para transferir os arquivos para o computador ultra protegido de MK, Siobhan revisava repetidamente a lista de remetentes para quem deveriam enviar as provas que incriminavam principalmente o Instituto Dyad, mas também algumas dezenas de outras empresas e pessoas ao redor deles. Os Comitês regularizadores e de vigilância dos países afetados pelas práticas antiéticas dos neolutionistas seriam ser os primeiros a receber os arquivos, e depois deles, um velho amigo de Siobhan que trabalha para o The Guardian teria o privilégio da exclusividade por algumas horas antes do material incriminatório ser espalhado livremente para todos veículos de mídia.

Depois de várias horas de trabalho envolto a muita felicidade e alívio, quando Colin, Siobhan e MK foram embora já era tarde da noite. Apesar de ter sido uma operação intensa emocional, o que deixou Cosima bastante cansada ao final da última folha scaneada, ela não precisou de despertador para acordá-la cedo, mesmo tendo dormido tão pouco.

Apesar de concordarem que seria muito mais divertido tornar públicas todas as provas que haviam reunidos em conjunto para uma grande celebração, nenhum dos envolvidos fez qualquer objeção a Cosima levar o computador para o hospital e permitisse que Delphine concluísse aquela jornada. Afinal de contas, havia sido ela que quase havia perdido a vida por ter ultrapassado limites que não deveria. Se não fosse por Delphine eles sequer saberiam dos absurdos encabeçados pelo Dyad. Nada mais justo que fosse ela a dar o xeque-mate final.

Depois do que havia acontecido com a francesa, Siobhan havia se tornado ainda mais protetora, e temendo pela segurança dela, para essa ocasião especial pediu a que Arthur que levasse Cosima até o hospital; seria bom ter um policial do bem por perto, só por precaução. Quando sentiu o celular vibrando no bolso ela pensou que devia ser o detetive lhe avisando que já havia chegado, mas para sua surpresa era apenas uma notificação do aplicativo do calendário.

– Dia 21 de dezembro – ela disse com um sorriso surgindo no rosto.

Sua memória já era uma perdição naturalmente e passando por um período tão conturbado como vinham sendo as últimas semanas, não foi de se estranhar que ela havia se esquecido daquela data.

Quem sabe aquilo não seria o primeiro indício de que a temporada das coincidências felizes tinha voltado...

– Bom dia!

Quando Cosima entro no quarto de Delphine, uma enfermeira já estava saindo de lá levando a bandeja do café da manhã da loira.

– Bonjour – Delphine retribuiu com os olhos inchados do que devia ter sido uma noite muito bem dormida. – Me desculpa por ontem Cosima, acho que eu estava muito cansada...

– Você não precisa se desculpar por isso.

– Como está sua mãe? – Manon perguntou.

Cosima estaria mentindo se dissesse que não ficou surpresa com a pergunta. Por mais improváveis que fosse, Manon e Sally pareceram simpatizar muito uma com a outra durante o pouco tempo em que estiveram juntas durantes aqueles últimos dias. Era muito bom ver como sua relação com a sogra estava evoluindo bem e Cosima temeu acabar regredindo um ou dois passos com o que estava prestes a dizer:

– Ah, não se preocupe, ela está ótima – Cosima falou, sem conseguir conter o sorriso que já se formava em seu rosto. – Manon, você pode me deixar à sós com a Delphine um pouco? Meia hora deve ser o suficiente.

A francesa a olhou franzindo os lábios em uma clara demonstração de que não havia gostado do que ouviu.

– Ok – ela disse contrariada. – Acho que vou pra casa tomar um banho e me deitar um pouco então. Essas cadeiras estão acabando com as minhas costas.

– Obrigada.

– À plus tard, ma fille – Manon falou caminhando até a cabeceira de Delphine e deixando um beijo na cabeça da filha.

– À plus tard.

Depois de Manon recolher seus pertences e se retirar do quarto, Delphine se voltou curiosa para a namorada:

– O que houve?

Com o velho sorriso maroto voltando a seus lábios, ela nada respondeu. Apoiou a bolsa que trazia consigo em cima da cadeira e retirou um notebook lá de dentro.

– Você trocou de computador? – Delphine perguntou reparando que os adesivos por trás do aparelho não eram o mesmo com que ela já estava tão habituada.

– Não, esse aqui é da MK.

Cosima foi em direção a ela e se sentou na beirada da cama antes de abrir o computador de tal modo que a loira conseguisse ver a tela.

– Cosima, isso é o que eu estou pensando que é? – Delphine perguntou já sentindo o coração disparar.

– Adele chegou ontem à tarde – ela respondeu sorrindo largamente.

– Por que você não me disse?

– Eu também não sabia de nada. Ela não avisou ninguém que estava vindo.

Delphine mal podia acreditar que aquele momento finalmente tinha chegado. Na tela do computador, em cada uma das diversas abas que estavam abertas guardavam um rascunho de e-mail, que embora fossem para remetentes diferentes, tinham em comum a grande quantidade de arquivos anexados.

– A essa altura o Arthur já deve estar entregando o Duko para o chef deles – Cosima prosseguiu. – Ele vai ser preso sem direito à fiança. A Adele estava me dizendo que a prisão do Dr. Nealon deve demorar mais pra sair, mas que os bens dele devem ser bloqueados no máximo em 24 horas por conta da sonegação de impostos e que ele com certeza vai perder o cargo na universidade. Quanto ao Dyad... Daqui a pouco eles estarão em todos os jornais ao redor do mundo. Não vou ficar surpresa se até o final do dia as ações deles já estiverem zeradas.

Delphine começou olhando para a tela, mas depois foi inevitável não observar a namorada enquanto ela falava. Pouco havia se passado desde a última sessão do tratamento de Cosima, mas naquele momento a francesa reconhecia a energia da mulher que havia conhecido meses antes emanando dela.

– Nós todos concordamos que devia ser você a fazer isso – Cosima falou aproximando o notebook de Delphine.

O botão "enviar" reluzia como se ansiasse por ser pressionado. Seria um gesto rápido e simples, mas que representava semanas, meses de trabalho duro e de uma angústia constante que por vezes parecia que nunca teria um fim. E ali estavam elas agora; a um passo de poder voltar a viver em paz novamente.

– Você está pronta? – Cosima perguntou.

Delphine apenas anuiu com a cabeça, emocionada demais para conseguir pronunciar qualquer palavra. Então vendo que estava hesitante, Cosima uniu a mão da loira à sua e a levou em direção ao touchpad. Segundos mais tarde todos os e-mails já haviam sido entregues.

– Feliz aniversário, meu amor.

Sem conseguir continuar se contendo, Delphine permitiu que a felicidade que estava sentindo transbordasse por seus olhos. Cosima fechou o computador, o abandonando de qualquer jeito em cima da cama, para então se inclinar em direção à Delphine e a beijar; um beijo com gosto de missão cumprida.

No entanto, o momento glorioso das duas não pode durar muito mais, pois foram interrompidas por alguém batendo na porta. Cosima só teve tempo de se afastar um pouco antes de uma terceira pessoa adentrar o quarto.

– Oh, eu estou atrapalhando...? – a médica falou já do lado de dentro.

SIM!

– Non – Delphine respondeu sentindo o rosto corar. – Bom dia, Dra. Grey.

– Bom dia, Delphine. Como está se sentindo?

– Melhor impossível! – ela respondeu trocando olhares confidentes com Cosima.

– Ótimo – a médica falou se aproximando um pouco mais da cama dela. – Eu acabei de pegar os resultados dos seus últimos exames e estão todos muito bom, você não tem mais indicação para continuar no hospital.

– Quer dizer então que você está me dando alta?

– Sim. Você vai precisar continuar fazendo repouso, é claro, mas já pode ir para casa. – Dra. Grey abriu uma pasta de que trazia consigo, tirou um par de folhas lá de dentro e as estendeu para Delphine. – Aí estão a receita dos remédios que você vai precisar tomar nas próximas semanas e uma lista dos alimentos que você não deve comer pelo menos até o seu próximo retorno. É melhor pegar leve com a ceia de Natal, ok?

– Nada de álcool pra você esse ano, Del – Cosima brincou.

De fato, aquele seria um Ano Novo sem champagne para Delphine, mas algo lhe dizia que isso não o faria ser nem pouco menos feliz. Muito pelo contrário. Havia sido ano duro, não tinha como negar; talvez o mais duro de toda sua vida. Mas também seria o ano em que teria mais coisas pelas quais ser grata e comemorar.


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