Ma Rose
Delphine sabia que se continuasse por muito mais tempo dentro daquele quarto acabaria deitando na cama; e se deitasse na cama, inevitavelmente pegaria no sono.
– Maman? – ela chamou olhando em direção à porta que estava entreaberta.
– Oui? – Manon respondeu de dentro do banheiro.
– Vou te esperar lá embaixo.
– Ok.
Delphine já tinha se esquecido do quanto sua mãe demorava para ficar pronta. Era isso ou talvez só estivesse impaciente demais para esperar por Manon. A segunda opção certamente era mais provável; naquele dia ela não estava com paciência nem para cuidar de si própria, preferindo deixar o cabelo liso – coisa que já não fazia há muito tempo – em vez de dedicar tempo em cuidar de seus cachos.
Depois de vestir o casaco e estar preparada para sair do quarto, Delphine pegou seu celular para conferir as horas e acabou se surpreendendo ao ver que ele já estava com menos de 10% de bateria.
Merde.
Ela não gostava de ficar incontactável, especialmente quando estava distante de Cosima. Porém se insistisse em levar o telefone daquele jeito, ele acabaria desligando de qualquer forma, então achou melhor deixá-lo para trás. Tirou o carregador de dentro da pequena mala que tinha trago para viajem e o conectou na tomada que ficava ao lado da mesa de cabeceira.
Dentro do elevador, já descendo em direção ao saguão do hotel, Delphine estava quase arrependida por ter aceitado sair com a mãe. Mal havia dormido da noite anterior por conta da ponte aérea e durante o dia havia sido agitado, com Manon a levando para conhecer diversos pontos da cidade.
Por já estar em Montreal há alguns dias, a mãe lhe fez as vezes de guia turística – e uma das mais empolgadas diga-se de passagem. Assim como Delphine havia gostado da cidade pelo que viu brevemente na primeira vez em que esteve ali, Manon parecia muito satisfeita com a atmosfera da metrópole, mesmo que estivessem em pleno inverno canadense. E a vontade de aproveitar ao máximo era tanta, que ela já recepcionou a filha com ingressos comprados para um espetáculo que aconteceria naquela mesma noite.
– Você adora o livro, tenho certeza que vai gostar da adaptação para o teatro também – Manon tentou argumentar.
Apesar de estar bastante cansada e preferir ir para cama mais cedo, Delphine acabou cedendo diante de tanta boa vontade da mãe.
Mais cedo naquele dia, quando estava fazendo o check-in no hotel, a francesa reparou no bar-restaurante que eles mantinham em suas dependências. Tendo em vista que estava frio demais para ficar esperando pela mãe na calçada, e que o saguão de entrada estava mais movimentado do que ela gostaria, Delphine decidiu ir dar uma olhada no lugar e quem sabe aproveitar para tomar alguma coisa que lhe servisse de estimulante.
O lugar, que naquele horário ainda estava razoavelmente vazio, era amplo e ostentava uma decoração bastante requintada. Grandes lustres desciam do teto envolvendo todo o espaço em uma luz amarela acolhedora.
Ela não demorou muito para ocupar um lugar junto ao balcão do bar, porém o barman não estava presente para atendê-la de imediato. Sem muito o que fazer, acabou se deixando levar pela música suave que preenchia o ambiente enquanto reparava nas garrafas perfeitamente organizadas nas prateleiras.
Ne me quitte pas / Não me deixe
Il faut oublier / É preciso esquecer
Tout peut s'oublier / Tudo o que pode ser esquecido
Qui s'enfuit déjà / O que já até foi
Oublier le temps / Esquecer o tempo
Des malentendus / Dos mal entendidos
Et le temps perdu / E o tempo perdido
Ela reconhecia que se tratava de um clássico e sem dúvidas uma belíssima canção, no entanto naquela ocasião em específico, teria preferido uma trilha que fosse um pouco menos deprimente.
– Bonsoir mademoiselle – um rapaz de camisa social e colete preto disse ao se aproximar dela.
– Bonsoir – Delphine retribuiu. – Une dose de Bourbon, s'il vous plaît.
Com um aceno de cabeça, o moço se virou para pegar uma garrafa que ficava guardada há alguns metros de onde ela estava. Instantes depois ele já estava de volta com o que havia sido solicitado.
– Merci – a loira falou tentando forçar um sorriso quando o copo foi deixado em frente de si.
Delphine provou brevemente o whisky e voltou a descansar o copo sobre a base de madeira.
Moi je t'offrirai / Eu te oferecerei
Des parles du pluie / Pérolas de chuva
Venues de pays / Vindas de um país
Où il ne pleut pas / Onde não chove
Je creuserai la terre / Eu atravessarei a terra
Jusqu'après ma mort / Até perto da minha morte
Pour couvrir ton corps / Para cobrir teu corpo
D'or et de lumière / De ouro e de luz
Je ferai un domaine / Eu farei um reino
Où l'amour sera roi / Onde o amor será rei
Où l'amour sera loi / Onde o amor será lei
Où tu seras reine / Onde você será rainha
Ne me quitte pas / Não me deixe
Ne me quitte pas / Não me deixe
Traçando círculos com o indicador pela borda do copo, aos poucos Delphine foi percebendo um sentimento de angústia e melancolia ganhar espaço dentro de si sem que conseguisse fazer nada para afastá-lo. O dia dela havia sido bastante agitado e talvez por conta disso, ainda não tivesse lhe dado espaço suficiente para que seu verdadeiro estado de espírito pudesse vir à tona.
Por mais que tivesse conseguido se divertir com Manon e até dar algumas risadas ao longo das horas que passaram juntas, podia-se dizer que aquilo fora uma exceção à regra da última semana.
Obviamente o caso Dyad era sua grande fonte de preocupação e o maior responsável por suas noites mal dormidas. Porém desde que Cosima havia se afastado dela, Delphine passou a experimentar uma tristeza e solidão que já não sentia há muito tempo.
As duas pouco estavam se falando e o que mais a inquietava era não saber realmente qual era o motivo disso. Cosima simplesmente havia decidido ir embora e evitou todas as tentativas da loira de conversar sobre o assunto. Delphine sabia o quanto aquela fase também estava sendo difícil para ela e por isso não cogitava pressioná-la com relação à isso. No entanto, aquela ausência de diálogo abria espaço para que sua cabeça pudesse criar suas próprias teorias; e não era novidade nenhuma que essas teorias não seriam muito positivas.
Ne me quitte pas / Não me deixe
Je t'inventerai / Eu te inventarei
Des mots insensés / Palavras insanas
Que tu comprendras / Que você compreenderá
Je te parlerai / Eu te falarei
De ces amants là / Daqueles amantes
Qui ont vu deux fois / Que viram duas vezes
Leurs coeurs s'embraser / Seus corações se abraçarem
Je te raconterai / Eu te contarei
L'histoire de ce roi / A história desse rei
Mort de n'avoir pas / Morto por não poder
Pu te rencontrer / Te encontrar
Ne me quitte pas / Não me deixe
Ne me quitte pas / Não me deixe
Delphine sentia que não estava sendo a pessoa que Cosima merecia e precisava nos últimos tempos. Não tinha todo o tempo que gostaria para dedicar a ela, quando não estava trabalhando no hospital, a investigação era praticamente a única coisa que ocupava sua mente. Por mais que Cosima dissesse o contrário, sabia que não devia ter agido de maneira tão explosiva como havia feito durante as últimas horas em que estiveram juntas em seu apartamento.
Remoer o último momento que tiveram no quarto antes do afastamento só fazia com que Delphine se sentisse ainda mais culpada. Cosima parecia ter tentado se aproximar, se unir a ela, e como resposta, a francesa havia agido de forma a quase evitá-la. Sabia como toda a medicação que tomava certamente estava minando o desejo sexual da namorada e com aquela atitude sua única intenção era de mostrar que Cosima não precisava se forçar a nada simplesmente para agradá-la.
Mas e se ela tivesse entendido a mensagem de uma forma totalmente equivocada? E se Cosima tivesse se sentido rejeitada com a postura de Delphine e por isso acabou se afastando daquela forma? A loira sempre teve muita confiança no amor que sentia por ela e sabia que mesmo com todos os desafios que se colocavam no caminho das duas, aquele sentimento era recíproco. Mas e se Cosima não estivesse assim tão certa disso?
Ne me quitte pas / Não me deixe
Je ne veux plus pleurer / Eu não vou mais chorar
Je ne veux plus parler / Eu não vou mais falar
Je me cacherai là / Vou me esconder ali
A te regarder / Só para te ver
Danser et sourire / Dançar e sorrir
Et à t'écouter / E te escutar
Chanter et puis rire / Cantar e depois rir
Laisse-moi devenir / Deixe que eu me torne
L'ombre de ton ombre / A sombra da tua sombra
L'ombre de ta main / A sombra da rua mão
L'ombre de ton chien / A sombra do teu cão
Ne me quitte pas / Não me deixe
Ne me quitte pas / Não me deixe
Delphine passou a mão pelos cabelos como um gesto pacificador, mas isso não foi o suficiente para impedir que uma lágrima solitária e sorrateira escapasse de seu olho. Se o celular não tivesse ficado para trás ela certamente teria ligado para a namorada naquele mesmo momento e tentado resolver aquela situação de uma vez por todas. Porém se sentindo de mãos atadas, a única coisa que ela se viu capaz de fazer foi pegar novamente o copo e beber o resto de seu conteúdo.
– Ne me quitte pas, Cosima – ela proferiu mesmo tendo a certeza de que não poderia ser ouvida.
Encarando o fundo do copo vazio, a loira se manteve de cabeça baixa por alguns instantes. Foi então que a tirando de seus devaneios, Delphine teve a nítida sensação de ter sido tocada por alguém no ombro direito. Seu primeiro reflexo foi levar sua mão até o local do contato, no entanto seus dedos nada encontraram. Simultaneamente ela se virou para ver de quem se tratava, mas tampouco seus olhos foram capazes de encontrar alguém próximo o suficiente que pudesse tê-la tocado.
Ela franziu ligeiramente as sobrancelhas sem conseguir entender o que tinha acontecido; a sensação foi real demais e ela ainda não tinha bebido o suficiente para já estar tendo algum tipo alucinação. Álcool sequer era alucinógeno! Talvez fosse o cansaço cobrando seu preço...
Fosse o que fosse, Delphine julgou que já havia dado tempo o suficiente, e sua mãe já deveria ter terminado de se arrumar. Então pegou sua carteira de dentro do bolso do casaco, tirou duas notas de lá e as deixou em cima do balcão usando o copo vazio como peso. Se levantou da banqueta e saiu em direção do saguão de entrada.
Uma vez dentro do grande hall, reparou que a movimentação de pessoas já tinha diminuído consideravelmente nos últimos minutos e não demorou muito tempo para que reconhecesse sua mãe saindo do elevador. Delphine não pode deixar de admirar Manon enquanto ela caminhava em sua direção. Muito de seu próprio estilo havia sido inspirado nela, mas não ousava pensar que algum dia alcançaria a elegância inata que mãe ostentava e que mesmo já sendo uma senhora, ainda atraía olhares por onde quer que passasse.
– Você está linda – Delphine disse assim que ela se aproximou.
– Ah, são olhos querida – Manon respondeu sorrindo com falsa modéstia. – Podemos ir?
– Claro.
O Théâtre du Nouveau Mond ficava à apenas duas quadras do hotel em que elas estavam hospedadas, e como não havia previsão de neve para aquela noite, decidiram de comum acordo que era mais prático ir caminhando.
Tão logo colocaram os pés na calçada, Manon já se adiantou para abrir sua bolsa e tirar um maço de cigarro lá de dentro. De forma automática o estendeu para filha, mas Delphine prontamente rejeitou a oferta.
– Ah, é mesmo. Acho que eu ainda vou demorar um tempo pra me acostumar com isso – Manon disse servindo-se de um cigarro. – Sabe, eu admiro sua capacidade de ter conseguido parar.
– Não é nenhum feito extraordinário – Delphine falou com fumaça escapando de sua boca, mas essa apenas a provocada pelo frio. – Qualquer um pode parar de fumar, desde que tenha uma boa dose de disciplina e acima de tudo força de vontade.
– Hm, senti um tom passivo-agressivo...
Delphine suspirou profundamente antes de responder.
– Me desculpe – ela disse tentando controlar mais sua fala. – Essa não foi a minha intenção.
Não demorou muito para que mãe e filha chegassem a seu destino, e uma vez lá, já encontraram o teatro bastante movimentado. Cartazes de "O Pequeno Príncipe" foram espalhados por todas as partes e Delphine ficou feliz por Manon já ter comprado seus ingressos previamente, pois a julgar pelo tamanho da fila na bilheteria, provavelmente não teriam conseguido se sentar nem nas escadas se tivessem deixado para comprar na última hora.
Como era de se esperar para uma peça como aquela, muitas crianças ajudavam a compor o público. As duas aguardavam em uma fila para terem seus tíquetes conferidos e poderem adentrar a sala de espetáculos, e ao passo que esperavam, Delphine teve sua atenção captada por uma garotinha que devia ter por volta de uns três anos de idade que estava suspensa nos braços do pai enquanto ele aguardava na fila para comprar os ingressos. Era uma criança encantadora, de pele morena e olhos brilhantes que retribuía seu olhar e também lhe sorria.
– Ele é realmente muito bonito – Manon comentou.
– Quem? – Delphine perguntou não sabendo de quem se tratava.
– O homem que você não para de encarar e sorrir – a mãe falou provocativamente.
– O quê?! – ela disse surpresa, reparando que o pai da menina realmente estava olhando pra si. – Eu não estou olhando para homem nenhum!
– Tudo bem filha. Ele deve ser o pai daquela menina, mas acho que está solteiro. Não vi aliança na mão dele.
Delphine cerrou os dentes se sentindo contrariada.
– Nem todo relacionamento tem uma aliança – ela retrucou e trocou de posição a fim de não voltar olhar naquela direção.
– Sabe, eu não acredito que você não se envolveu com ninguém desde que chegou no Canadá... Nem uns casinhos só pra se divertir?
Delphine notou sua boca secar e o coração bater mais forte. Era a deixa perfeita para ela enfim contar para a mãe sobre Cosima. Mas ali? No meio daquela gente toda e sem o mínimo de privacidade?
– Caramba, foi você quem terminou com o Marc-Antoine, era de se esperar que já tivesse partido pra outra... – Manon continuou. – Você é linda, você é jovem... Precisa ter uma vida além dos estudos e do trabalho, minha filha.
Completamente travada, Delphine não conseguiu responder nada à mãe. Por sorte a família que estava na frente delas terminou de ser atendida e o funcionário do teatro fez sinal para que Manon se aproximasse, impedindo que ela pudesse insistir naquela conversa.
Depois de entrarem na sala e ocuparem seus lugares e mesmo despois de Manon aparentemente ter esquecido do assunto, Delphine ainda permaneceu angustiada. A verdade permanecia presa em sua garganta, e dentro daquele auditório fechado que só fazia ficar mais e mais cheio – e por conseguinte mais barulhento e agitado – a loira foi se sentindo cada vez mais claustrofóbica. A sensação só começou a mudar um quarto de hora depois, quando as luzes se apagaram e as cortinas vermelhas finalmente se abriram.
Embora o sentimento tenha mudado, não se podia dizer que suas emoções tivessem diminuído de intensidade. 'O Pequeno Príncipe' sempre tinha sido uma das histórias preferidas de Delphine desde a infância e certamente era muito significativa. A cada releitura que fazia sempre conseguia retirar algo novo do texto já tão conhecido e não seria diferente agora assistindo ao musical.
Em pouco tempo de espetáculo ela já estava completamente imersa na apresentação, ignorando a tudo e a todos ao seu redor. Em diversas cenas de da peça, Delphine sentiu os pelos se de seus braços se arrepiarem e quando chegaram na parte em que o Príncipe interage com a Raposa, seus sentimentos já estavam à flor da pele.
Vous ne ressemblez pas a ma rose / Vocês não se parecem com a minha rosa
Même si un passant ordinaire / Mesmo que um transeunte qualquer
Pouvait pretendre le contraire / Possa dizer o contrário
Vous n'êtes rien encore / Vocês ainda não são nada
Persone ne vous a apprivoisé / Ninguém cativou vocês
Vous n'avez apprivoisé personne / Vocês não cativaram ninguém
Tant que vous n'avez pas d'amis / Tanto que vocês não têm amigos
Vous n'êtes pas unique au monde / Não são únicas no mundo
Vous êtes belle mais vous êtes vide / Vocês são belas, mas são vazias
On ne peut pas mourrir pour vous / Ninguém morreria por vocês
Et a elle toute seule ma rose compte bien plus que tout / E minha rosa sozinha vale mais do que todas juntas
Puisque c'est elle que j'ai arrosée / Porque é ela que eu reguei
Puisque c'est elle que j'ai protégée / Porque é ela que eu protegi
Puisque c'est elle que j'aime écouter / Poque é ela que eu gosto de escutar
Puisque c'est ma rose / Porque é a minha rosa
Depois de tudo que havia vivido nos últimos meses, aquela passagem adquiriu um significado completamente novo que derrubou todas as barreiras de Delphine.
Pous nos adiex voici mon secret / Para nosso despedida aqui está meu segredo
On ne voir bien qu'avec le couer / Só se vê bem com o coração
Il faur compreendre l'essentiel est invisible pour les yeux / É preciso compreender que o essencial é invisível para os olhos
Si les hommes oblient cette vérité / Se os homens esqueceram dessa verdade
Toi tu n' doit pas l'oublier / Você não deve esquecer
C'est le temps perdu pour ta rose / É o tempo perdido por sua rosa
Qui fait ta rose si important / Que a fez ser tão especial
Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoiser / Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas
Alor me voici responsable de ma rose a jamais / Então eu serei responsável pela minha rosa para sempre
Ainda que estivesse cercada por uma multidão, Delphine se sentiu completamente sozinha. Sentiu como se estivesse no local errado, na hora errada. A vontade que teve foi de se levantar e sair daquele teatro o mais rápido possível, para então pegar o primeiro voo e voltar para Toronto. Era ao lado de Cosima que ela deveria estar.
Puisque c'est elle que j'ai arrosée / Porque é ela que eu reguei
Puisque c'est elle que j'ai protégée / Porque é ela que eu protegi
Puisque c'est elle que j'aime écouter / Porque é ela que eu gosto de escutar
Puisque c'est ma rose / Porque é a minha rosa
Puisque c'est elle que j'aime habrité / Porque é ela que eu gosto de abrigar
Puisque c'est elle que j'aime rassurer / Porque é ela que eu gosto de acalmar
Puisque c'est elle que j'aime aimer / Porque é ela que eu gosto de amar
Puisque c'est ma rose / Porque é a minha rosa
Puisque c'est elle / Porque é ela
Puisque c'est ma rose / Porque é a minha rosa
Mesmo depois do espetáculo terminar e já a caminho da saída, lágrimas remanescentes ainda insistiam em escorrer dos olhos de Delphine.
– Ma fille, eu entendo que foi uma peça emocionante, mas você tem certeza de que está bem? – Manon perguntou começando a se preocupar com o estado da filha que havia chorado durante boa parte da apresentação.
– Oui – Delphine falou molhando mais um lenço de papel. – Eu só... Eu estou de TPM, é isso.
– Ok, agora eu entendi tudo.
De volta a área das bilheterias, Manon reparou que nem todos do público estavam saindo pela porta em direção à rua.
– Olha só, o restaurante deles está aberto – ela comentou. – O que me diz?
Sinceramente Delphine nem estava assim com tanta fome, então apenas deu os ombros com indiferença.
As duas caminharam em direção à entrada do estabelecimento, porém antes que o alcançassem, o Maître pendurou uma plaquinha com a inscrição 'Lotado' bem ao lado da porta.
– Tudo bem – Delphine proferiu. – Nós podemos comer no hotel mesmo.
A caminhada de volta foi bem menos agradável que havia sido a ida. Com o adentrar da noite a temperatura tinha despencado, fazendo com que ambas acabassem se arrependendo de não terem voltado de taxi, mesmo o percurso sendo tão curto.
Chegando no hotel, Delphine sentia seus ossos congelados e o calor da calefação foi muito bem recebido. Mas ainda que o frio não fosse mais ser um problema, ela ainda se sentia bastante cansada. Preferiria ter subido direto e pedido serviço de quarto. Manon, no entanto, foi irredutível e insistiu para que ocupassem uma das várias mesas vazias do restaurante.
Dessa vez quando adentrou o ambiente, Delphine o encontrou bem mais cheio e movimentado. Junto com sua mãe ocupou um lugar mais ao centro do salão, onde os cardápios já estavam dispostos sobre o tampo da mesa. As opções não eram muitas para que elas pudessem perder muito tempo escolhendo e pouco depois um garçom se aproximou sem que precisasse ser chamado.
– Bonsoir, posso anotar o pedido de você?
– Bonsoir – Manon devolveu cordialmente. – Eu vou querer o Magret de pato ao molho de vinho do Porto, s'il vous plaît.
– Ótima escolha – o jovem elogiou escrevendo na comanda. – E a senhorita...?
– O chef poderia me fazer esse prato com champignons no lugar do cordeiro? – Delphine perguntou apontando para um dos itens do cardápio.
– Claro, sem problemas. Já gostariam de escolher a sobremesa?
– Non, pedimos depois de terminar o principal. – Manon respondeu. – Merci.
– Como preferirem. Excuse-moi.
Tão logo o garçom virou as costas, Manon se voltou para a filha.
– Por que você não pediu carne? – ela questionou franzindo o cenho.
– Eu parei de comer carne já tem alguns meses.
– Você parou de comer carne? – Manon repetiu, rindo dessa vez. – Como assim? Você adora carne!
– Não dá pra simplesmente gostar de uma coisa quando você decide parar de fechar os olhos para forma com que ela é produzida. – Delphine tentou organizar em sua mente a extensa lista de argumentos contra o consumo de animais de forma resumida. – Desconsiderando todo o sofrimento envolvido no processo, para a produção de apenas 1kg de carne bovina são necessários 17.500 litros de água. Muitas das florestas tropicais, como a Amazônia por exemplo, estão sendo desmatadas para virarem pasto para o gado, sendo que os gases produzidos por esse mesmo gado é o maior responsável pela emissão de poluentes na nossa atmosfera, isso porque o metano expelido por ele é 23 vezes mais prejudicial pro efeito estufa do que o CO2. E eu não vou nem entrar no mérito do quanto o consumo de carne também faz mal pra saúde, aumentando as chances de se desenvolver câncer, diabetes tipo 2, colesterol, enfim... Depois de saber dessas coisas comer um pedaço de bicho morto pode se tornar bastante indigesto...
– Ok, ok, entendi seu ponto. Mas você não vai acabar ficando com falta de proteína?
Ah argumento da proteína... Delphine deu o seu melhor para não revirar os olhos.
– Maman, vacas, elefantes, gorilas... São todos animais herbívoros e ninguém ousaria questionar que eles são muito fortes. De onde você acha que eles tiram a proteína deles?
– Bom, você é a médica aqui... – Manon deu os ombros. – Se está certa que isso não vai prejudicar a sua saúde...
Delphine não tinha a expectativa de que fosse conseguir convencê-la, mas ver tamanha indiferença frente a fatos não poderia deixar de ser frustrante.
– Sabe, tem uma coisa que eu preciso contar pra você – a mãe proferiu mudando de assunto.
– O que é?
– Já aconteceu faz algumas semanas... – Manon disse abrindo a bolsa e tirando algo de lá de dentro. – Sinceramente nem sei porque não te falei antes.
Delphine não tinha ideia do que ela poderia estar falando e se surpreendeu ainda mais quando a mãe lhe passou um documento por cima da mesa.
– Seu passaporte? – ela disse confusa.
– Abra.
A loira fez o que lhe foi dito. À primeira vista não havia nada de errado; contava apenas com o carimbo de entrada no Canadá, mas isso não era uma surpresa tendo em vista que Manon não tinha o costume de viajar para países de fora da União Europeia.
No entanto, olhando com um pouco mais de atenção, Delphine pensou ter identificado qual era o ponto chave da questão.
– Manon Eloíse Beraud – ela disse quase em um sussurro.
Definitivamente não havia um "Cormier" escrito em lugar nenhum por ali.
– Vocês se separam – Delphine constatou fechando o documento e voltando a olhar para mãe.
– E você está brava por isso? – Manon perguntou encontrando dificuldade de ler a expressão da filha. – Triste...? Decepcionada?
– Non! – Delphine se apressou em dizer. – Non, eu não estou nada disso. Estou feliz por você, pra ser bem sincera.
Manon estendeu a mão para voltar a pegar o passaporte e guardá-lo.
– E o processo foi... – Delphine continuou. – Amigável?
– Sim – a mãe respondeu. – Quer dizer... Nos padrões de amigável que eu e seu pai conseguimos ter. Digamos que ele não pode me negar isso depois que o Albert flagrou ele saindo do motel com a amante certa noite.
– Amante??
– Você está surpresa? – Manon riu sarcástica. – Eu sempre soube dos casos do Pierre, só que ele tinha o costume de ser mais discreto no passado. Foram muitas ao longo de todos esses anos, mas dessa vez ele se superou. A atual é mais nova que você.
Delphine apoiou os cotovelos sobre a mesa e passou as mãos pelo rosto. Aparentemente qualquer novidade a respeito de seu pai só piorava o conceito que ela já tinha dele.
– O Albert já sabia? – ela inqueriu. – Estava seguindo ele?
– Non, seu irmão o encontrou por acaso. Pobrezinho, além de se decepcionar com o pai, a moça com quem ele estava saindo nunca mais retornou as ligações dele – Manon comentou. – Também, não posso julgá-la, deve ter ficado com medo de estar lidando com uma família problemática... Ou ficou com medo que o filho tivesse puxado ao pai.
– E como você está?
– Ótima. Sinceramente, nunca me senti tão aliviada. Agora vejo que essa era uma coisa que eu já devia ter feito há muito tempo atrás.
Legitimamente feliz por ver a mãe reagindo tão bem daquela forma, Delphine estendeu a mão e segurou a dela por cima da mesa. O momento de cumplicidade das duas só não durou mais porque pouco tempo depois o garçom retornou trazendo o jantar delas.
De volta ao quarto, Delphine só queria poder cair na cama o quanto antes e finalmente poder descansar. Enquanto ela se preparava para dormir – vestindo uma roupa mais confortável – Manon lutava para tentar fazer o carregador do celular funcionar.
– Putain! – a mais velha soltou frustrada.
– Qu'est-ce qui se passe? – Delphine perguntou enquanto ajeitava a cama onde iria passar a noite.
– Essa porcaria parou de funcionar!
– Você encaixou o fio direito?
Erro clássico.
– Oui.
– Tenta outra tomada – Delphine sugeriu. – Às vezes essa daí tá com defeito.
Seguindo o que lhe foi dito, Manon andou até o outro lado do quarto em busca de uma outra fonte de energia. Porém mesmo tentando outras duas ainda não obteve resultado.
– O fio deve ter quebrado por dentro, eu já cansei de falar pra você não enrolar tão forte – a filha falou agora indo buscar sua necessaire de dentro da mala. – Pode usar o meu, acho que o meu celular já deve ter terminado de carregar.
E assim Manon fez.
Delphine a viu se aproximar de sua mesa de cabeceira com a visão periférica, e quando terminou de derramar um pouco de pasta na escova de dentes, achou que o quarto tinha se tornado excessivamente silencioso.
Ao se virar para ver o que estava acontecendo, ela deu de cara com a mãe que segurava seu celular e encarava a tela resplandecente. Instantaneamente a loira sentiu o estômago revirar e o sangue gelando em suas veias.
– C'est ton amie? – Manon disse com estranhamento na voz.
É a sua amiga?
Nas mãos dela, era a imagem de Cosima que reluzia como plano de fundo do aparelho. A foto que Delphine havia tirado dela na frente das asas de anjo na primeira vez que saíram juntas para visitar o Toronto Light Festival.
O momento havia chegado. O momento que ela tinha esperado – adiado talvez – por meses; não poderia recuar agora.
– Non, maman. Elle est pas seulement ma amie – Delphine proferiu tentando manter a respiração controlada. – Elle est ma petite-amie.
Não mãe. Ela não é apenas minha amiga. Ela é minha namorada.
Manon repentinamente ficou sem cor. Na medida que as sobrancelhas dela subiram, seu queixo desceu. Ela parecia estar encontrando bastante dificuldade de processar o que havia acabado de escutar.
– Excuse-moi?
– O nome dela é Cosima e ela é a minha namorada.
Sim, ela estava tensa, mas dizer aquelas palavras talvez fosse a coisa mais libertadora que Delphine já tinha feito em toda sua vida. Ela pegou um lenço de papel e limpou a pasta que já havia colocado na escova, desistindo daquela tarefa por hora.
– Como... – Manon gaguejou mal acreditando no que havia ouvido. – Desde quando você gosta de mulher?
– Provavelmente desde quando eu gosto de qualquer outro ser humano – Delphine respondeu. – Mas eu só me dei conta disso logo depois de chegar em Toronto e conhecer a Cosima. Nós estamos juntas desde então.
– Você mentiu pra mim. Por que você nunca me disse nada?!?
Delphine respirou fundo e tentou manter a calma. Manon não tinha um tom "Hey filha, tá tudo bem, você não precisava ter demorado tanto pra me contar". Não, a fala dela estava carregada de censura e acusação, e embora a loira já esperasse que a recepção da mãe não fosse ser muito boa, aquilo não fez com que as coisas fossem mais fáceis.
– Eu sei que eu devia ter te dito antes – Delphine falou se aproximando de sua cama e lá se sentando. – No começo eu acho que queria ter total certeza do que eu estava sentindo, depois... Talvez eu tenha tido medo. Medo de te decepcionar... Das coisas mudarem entre nós. Mas eu também queria fazer isso do jeito certo, e ter essa conversa pelo telefone não me parecia uma escolha muito boa.
Manon largou o celular próximo a ela no colchão e saiu andando desnorteada pelo quarto. Para alguém tão falante quanto era, seu silêncio em uma situação daquele tipo podia ser algo ainda mais assustador do que se ela tivesse simplesmente explodido.
– Mãe... – Delphine soltou depois de algum tempo.
– O que aconteceu com você? – Manon a interrompeu, proferindo as palavras em um tom frio. – O que esse país... O que essa tal de Cosima fizeram com você?? Eu não estou mais reconhecendo a minha filha!
As palavras da mãe lhe atingiram como um soco no estômago. Sentindo um nó se formar em sua garganta, Delphine nada conseguiu dizer. Porém nem se pensasse muito conseguiria formular algum argumento contra aquilo. Com toda certeza ela tinha se tornado uma pessoa bem diferente desde que saiu da França, mas o que a mãe ainda não conseguia ou era capaz de entender, é que ela agora era uma pessoa bem melhor do que antes; mais feliz.
– Eu... Eu acho que preciso de um pouco de ar fresco – Manon balbuciou se encaminhando para porta e rapidamente saindo do quarto.
Delphine não podia dizer que estava surpresa pela reação da mãe não ter sido boa, no entanto, isso não fazia com que a situação dela fosse menos desconfortável e até mesmo dolorida.
Ela só precisa de um pouco de tempo pra processar...
Se ela própria havia tentado fugir quando Cosima a beijou pela primeira vez, não poderia exigir a mais pura aceitação da mãe assim, logo de cara, certo?
Tentando se convencer de que a reação de Manon poderia ter sido muito pior, Delphine fechou os olhos e deixou que seu torso caísse sobre a cama macia. Por conta do leve afundar no colchão, ela sentiu seu celular escorregando alguns centímetros e lhe tocar o braço.
Ali estava a verdadeira estrela da noite. Até cogitou se arrepender de não ter trocado a foto de seu protetor tela, mas prontamente tratou de repreender aquele pensamento. Aquela "conversa" não devia nem podia ter sido adiada por mais tempo.
De forma automática, Delphine tomou o aparelho na mão e apertou o botão fazendo com que a tela se acendesse. A imagem de Cosima invadiu suas retinas e ela provavelmente teria ficado admirando aquela foto por minutos a fio como já havia feito tantas outras vezes se uma notificação em especifico não lhe tivesse saltado aos olhos.
Sem muita demora ela abriu o aplicativo e ao ler a mensagem que havia recebido estranhou fortemente o teor de seu conteúdo.
COSIMA: Je ne te quitterais jamais.
A coincidência daquelas palavras com o que a loira havia dito horas antes no bar do hotel era grande demais, o que fez com que um enorme mal pressentimento se apossasse dela. Poderia até ter desconfiado que a namorada havia a seguido, mas elas estavam a milhas de distância uma da outra e nem se quisesse Cosima teria condições de viajar.
Para aumentar ainda mais a estranheza da situação, a mensagem tinha sido escrita em francês.
Elas nunca se falavam em francês.
Delphine conferiu as horas e viu que ainda não estava tão tarde; Cosima ainda devia estar acordada. Naquele momento ela não pensou no que havia acabado de se passar com Manon ou ainda na possibilidade de a mãe voltar para o quarto a qualquer momento; ela simplesmente efetuou a ligação.
– Alô?
– Oi, Cosima – Delphine falou já se sentindo um pouco mais contente só em ouvir a voz dela. – Está tudo bem?
– Oi, Delphine. Sim, eu estou bem. – Ela transmitia alegria verdadeira pela voz. – Mas e você? Como está?
A francesa preferir ignorar e não responder àquela pergunta
– Eu acabei de ver a sua mensagem e confesso que fiquei um pouco confusa...
– Olha... Eu sei que tenho me afastado de você nesses últimos dias... – Cosima falou fazendo um longa pausa. – Me afastei sem te dar nenhuma explicação e isso pode ter dado uma ideia errada do que aconteceu ou ter te deixado insegura quanto ao futuro do nosso relacionamento. Eu só precisava que você soubesse que o meu amor por você não diminuiu em nada e que não importa o que aconteça, eu nunca vou te deixar.
– É que foi tão repentino... Tem certeza de que está tudo bem? Eu posso voltar antes se...
– Não – Cosima a interrompeu. – Não precisa se preocupar comigo, de verdade; eu estou bem. Quero que você aproveite a sua viagem.
Sinceramente Delphine já não sabia mais se seria capaz de aproveitar ou se divertir de alguma forma no dia seguinte.
– Eu volto amanhã à noite. Devo aterrissar em Mississauga pela madrugada, se meu voo não atrasar.
– Ok, vou estar esperando por você.
– Estou com saudade.
– Eu também estou – Cosima disse mudando para um tom um pouco mais descontraído. – Não importa a hora, venha direto para minha casa, ok?
– D'accord.
– Quando você estiver aqui nós vamos poder conversar melhor.
– Oui.
Assumindo que aquela era a forma dela de dizer que o assunto estava acabado, Delphine decidiu que era melhor se despedir.
– Bom, então eu acho que já vou desligar.
– Sim, é melhor ir se deitar. Você parecia cansada – Cosima comentou. – Até breve, Delphine.
– Até breve.
Depois da ligação ser encerrada, a francesa continuou segurando o celular na orelha por alguns segundos.
Apesar de falar com Cosima tê-la deixado um pouco menos preocupada, havia algo naquela história que não se encaixava, embora ela não soubesse dizer o que exatamente.
Cosima insistiu que estava bem e a voz dela realmente corroborava com isso. Seria essa a causa do estranhamento de Delphine? Será que por já ter se acostumado com o quão apática a namorada andava nos últimos tempos, cogitar que ela pudesse estar bem – especialmente por estar longe dela – estaria lhe fazendo pensar que algo não estava certo?
Sem respostas para suas questões, Delphine se levantou da cama e foi retomar o que estava fazendo antes da breve pausa para saída do armário. Porém, mesmo encarando seu reflexo no espelho e com a boca cheia de pasta de dente, sua cabeça não parava de insistir que Cosima poderia estar lhe escondendo alguma coisa; não mentindo de fato, mas quem sabe, omitindo.
De volta para o quarto que ainda estava vazio, ela começou a se indagar sobre por quanto tempo a necessidade de ar fresco da mãe ainda duraria. Talvez Manon pudesse estar esperando que ela dormisse para voltar e evitar um pouco mais a conversa que inevitavelmente teria que ser terminada em algum momento. No entanto, depois dos recentes acontecimentos, dormir era algo que Delphine não conseguiria fazer tão cedo.
Ela apagou as luzes do quarto, de forma que o ambiente só não ficou completamente escuro por conta do brilho prateado da lua que entrava pela janela. Então deitada naquela cama e encarando o teto, Delphine começou a se perguntar o que de fato ainda a estava segurando ali.
Era fato que ela sentia uma enorme afinidade por Montreal, mas aquele momento não poderia ser mais inoporturno para uma viagem com fins turísticos. Seu principal objetivo ali era ter a chance de conversar com Manon e finalmente abrir o jogo com ela. Isso já havia sido feito. Sim, havia sido muito bom rever sua mãe depois de tantos meses e desfrutar de um dia agradável ao lado dela, porém diante das circunstâncias atuais, a loira duvidava muito que aquela realidade se repetiria no dia seguinte. Com isso em mente, porque adiar sua volta para casa por mais 24 longas horas?
Decidida de que voltar para o lado de Cosima o quanto antes seria o melhor que ela poderia fazer, Delphine voltou a pegar seu celular e dessa vez abriu o aplicativo de passagens aéreas. Contudo, depois de uma pesquisa bastante rápida ela constatou que apenas dois voos partiriam de Montreal com destino a Toronto nas próximas horas: o primeiro decolaria dentro de exatos 10 minutos, então mesmo se ele já não estivesse lotado ela jamais conseguiria chegar a tempo de embarcar; e o segundo, que apesar de proporcionar um intervalo de tempo mais confortável para arrumar suas coisas e ir para o aeroporto, teria uma escala em Nova Iorque, coisa que tornaria essa uma viagem completamente sem sentido para ela.
Certamente aquilo a deixou relativamente menos empolgada. Já que não poderia voltar naquela mesma noite, adiantar seu voo em algumas horas no dia seguinte não faria muita diferença. Contudo, antes de desistir de vez da ideia, ela decidiu verificar a disponibilidade dos outros modais de transporte. Viajar de ônibus não lhe agradava muito, então buscou primeiro pelas opções de trem. Apesar do trajeto demorar cerca de 5 horas para ser completado, pegar a estrada de ferro lhe pareceu uma boa saída, tendo em vista que o trem partiria dentro de 1 hora e a estação em questão ficava a poucos minutos do hotel em que ela estava hospedada.
Se deixando levar pelo impulso, Delphine prontamente comprou uma passagem, acendeu novamente as luzes do quarto e se levantou da cama para começar a se aprontar. Voltou se vestir adequadamente para o frio que fazia lá fora e rapidamente conseguiu reunir seus poucos pertences dentro da mala. Já estava começando a procurar um pedaço de papel onde poderia escrever um bilhete para a mãe que ainda não tinha voltado, quando a porta se abriu revelando uma Manon ainda bastante descompassada.
– Como que você... – A pergunta tão urgente que não poderia esperar nem ao menos que ela terminasse de entrar no quarto para ser feita, se perdeu nos lábios da mãe quando viu a filha segurando a mala e já pronta para sair. – Onde... Para onde você está indo?
– Eu estou indo para casa – Delphine falou conferindo o local para se certificar de que não estava deixando nada seu para trás.
– Mas a sua viagem está marcada para amanhã à noite.
– Eu decidi voltar antes.
– Você não pode ir embora desse jeito! – Manon demandou. – Nós precisamos conversar!
– Nós podemos conversar outra hora...
– Você não vai me deixar aqui falando sozinha desse jeito! Delphine Cormier, eu sou a sua mãe e você tem que me deve respeito!
Se tem uma coisa que Delphine havia feito durante toda a sua vida, essa coisa era respeitar seus pais. Porém naquele momento, seja por conta do cansaço, da preocupação, do stress ou até mesmo por estar magoada e emocionalmente abalada, ela sentiu seu sangue ferver e por um instante se esqueceu de que a mulher que estava bem de frente a si, era quem havia lhe criado.
– Sim, eu vou te deixar falando sozinha! – ela explodiu em um tom incomumente alto, fazendo com que Manon arregalasse os olhos e desse um passo atrás. – A Cosima está doente, tá legal? Ela tem câncer! Então sim, eu vou deixar minha mãe perfeitamente saudável para trás e ir atrás da minha namorada, porque eu sinto que ela sim pode estar precisando de mim agora!
Então sem dizer mais nada e passando por uma mãe completamente atônita, Delphine pegou sua bolsa e se adiantou para porta arrastando a pequena mala consigo.
– Au revoir – ela diz ao sair do quarto batendo a porta com força atrás de si.
Delphine não demorou nada para chegar até a estação, e uma vez lá, encontrou o lugar bem pouco movimentado, indicando que o trem em que ela iria viajar provavelmente não partiria em sua capacidade máxima. Quando finalmente chegou a hora do embarque e ela localizou seu vagão, pode verificar que de fato poucas pessoas o compartilhariam com ela, embora a baixa ocupação não fosse implicar em algumas horas de silêncio e paz.
Tanto o assento ao lado dela quanto os dois à sua frente seguiriam vazios, porém a duas fileiras de distância uma mãe estava encontrando dificuldades de conciliar seu filho de aproximadamente cinco anos que não parava quieto, com bebê em seu colo que chorava inconsolável.
Que Delphine costumava sempre ser muito paciente com crianças, podia até ser verdade, mas depois de um dia tão cheio de emoções, sua cabeça estava implorando por um pouco de tranquilidade. Então ela se levantou, alcançou sua bolsa no bagageiro e tirou de lá de dentro dela fones de ouvido com bloqueador de ruído. Se música sempre funcionava pra Cosima, talvez também pudesse ajudá-la.
When I look into your eyes / Quando eu olho nos seus olhos
It's like watching the night sky / É como observer o céu noturno
Or a beautiful sunrise / Ou um belo nascer do sol
There's so much they hold / Há tanta coisa que eles carregam
And just like them old stars / E assim como as velhas estrelas
I see that you're come so far / Eu vejo que você passou por muita coisa
To be right where you are / Para estar onde você está
How old is your soul? / Qual é a idade da sua alma?
Não foi surpresa nenhuma para Delphine que ela não tivesse nem ao menos conseguido fechar os olhos durante a viagem. Raramente conseguia dormir estando em movimento e nos últimos tempos suas crises de insônia vinham ficando cada vez mais recorrentes. Portanto, essas duas coisas juntas só podiam ser a fórmula perfeita para que ela passasse o trajeto todo em claro.
Bom, se tivesse sido em claro realmente talvez ela tivesse conseguido aproveitar um pouco mais da ocasião. A cada quilômetro que se afastavam de Montreal o céu parecia estar ficando mais nublado, e por conseguinte, com menos da luz natural da lua e das estrelas. Com a limitada visibilidade proporcionada pela noite escura, ela conseguiu reconhecer na paisagem trechos de fazendas de gado, plantações, pequenas matas e vez ou outra, algum brilho vindo de subúrbios pelos quais a linha do trem passava próxima.
I won't give up on us / Eu não vou desistir de nós
Even if the skies get rough / Mesmo que os céus fiquem tempestuosos
I'm giving you all my love / Estou te dando todo o meu amor
I'm still looking up / Eu ainda estou de cabeça erguida
Por cima do som da música, Delphine repetia mentalmente a conversa que havia tido com Cosima inúmeras vezes.
Se no início daquela noite ela se sentia absolutamente insegura quanto ao rumo do relacionamento delas, depois daquela ligação ela tinha certeza de que aquilo tudo não se passava de apenas mais uma fase ruim; e como havia sido das outras vezes, elas passariam por mais essa tendo seus laços ainda mais fortalecidos quando tudo aquilo acabasse.
And when you're needing your space / E quando você precisar do seu espaço
To do some navigating / Para navegar um pouco
I'll be here patiently waiting / Eu estarei aqui esperando pacientemente
To see what you find / Para ver o que você vai encontrar
Embora tenha ficado bastante incomodada e inquieta depois da chamada de Cosima ter sido encerrada, no decorrer da viagem e ao se aproximar cada vez mais de Toronto, Delphine ia se sentindo mais e mais confiante, ansiando por ver a namorada e se certificar de que realmente tudo estava bem e nada além disso.
'Cos even the stars they burn / Porque até as estrelas morrem
Some even fall to the earth / Algumas até caem na Terra
We got a lot to learn / Nós temos muito a aprender
God knows we're worth it / Deus sabe que merecemos
No, I won't give up / Não, eu não vou desistir
Foi com um suspiro aliviado que Delphine pisou na plataforma de desembarque. Passar tantas horas presa no espeço limitado da poltrona do trem certamente havia deixado seu corpo ainda mais dolorido e cansado do que estava antes e era bom poder esticar um pouco as pernas.
Com a estação tão pouco movimentada como estava, ela não só não precisou esperar por um taxi para voltar para casa, como encontrou alguns carros parados à sua disposição.
– Pra onde vamos? – perguntou o taxista, um senhor baixinho e de um rosto redondo bastante simpático, ao voltar a ocupar seu lugar atrás do volante depois de guardar a bagagem dela no portas malas.
Delphine conferiu as horas no celular e pensou por um instante. Àquela altura, a madrugada já estava bastante avançada. Era fato que Cosima havia pedido para que ela fosse direto para a casa dela quando chegasse, no entanto, ela não sabia que a loira pretendia adiantar o retorno a Toronto. Talvez fosse melhor voltar para casa, tentar descansar um pouco e então surpreender a namorada logo nas primeiras horas da manhã.
– Avenida Brunswick, 342, por favor.
I don't wanna be someone who walks away so easily / Eu não quero ser alguém que desiste tão facilmente
I'm here to stay and make the difference that I can make / Estou aqui para fazer a diferença que eu puder
Our differences they do a lot to teach us how to use / Nossas diferenças tem muito a nos ensinar como usar
The tools and gifts we've got yeah we got a lot at stake / As ferramentas e os dons que nós temos, sim, temos muita coisa em jogo
Uma vez de volta a seu apartamento, Delphine deixou a mala em um canto do quarto e tratou de ir direto tomar um banho. A intensão dela era de que a água quente pudesse lhe ajudar a relaxar um pouco e assim conseguir pegar no sono mais facilmente.
Porém mesmo ser ter consumido uma única gota de cafeína nas últimas 12 horas, Delphine se sentia inexplicavelmente energética. Com isso, em vez de deitar no escuro e deixar que seu organismo entendesse que aquela era a hora de descansar, ela pegou seu celular e com a luz brilhante da tela refletindo em seu rosto, ela não se conteve em mais uma vez abrir o aplicativo de mensagens.
Seu objetivo primário era apenas poder reler mais uma vez as últimas palavras que Cosima havia lhe enviado e se deleitar com elas. Todavia, ao ver a indicação 'online' bem abaixo do nome dela, a francesa não conseguiu conter o sorriso que se abriu em seus lábios, nem impedir seus dedos de digitarem uma mensagem.
DELPHINE: Perdeu o sono?
Imediatamente a mensagem foi marcada como lida, indicando que a namorada devia estar em uma situação bem parecia à da dela.
A reposta não demorou mais do que alguns segundos para vir.
COSIMA: Sim.
Acho que desacostumei de dormir sem você do meu lado.
Ler aquilo fez com que o coração de Delphine se aquecesse e começasse a bater um pouco mais rápido. Ela prendeu o lábio inferior entre os dentes tentando se conter, mas não conseguiu fazer com que isso durasse muito tempo.
A loira voltou a se levantar da cama e abriu o guarda roupas em busca de algo que fosse apenas quente o suficiente para que ela não congelasse no pequeno trecho que seria sair do carro e entrar no apartamento de Cosima.
Já haviam se afastado o suficiente, agora não deviam perder nem mais um segundo.
And in the end, you're still my friend at least we did intend / E no fim você ainda é minha amiga, pelo menos tinhamos a intenção
For us to work we didn't break, we didn't burn / De dar certo, nós não terminarmos, nós não morrermos
We had to learn how to bend without the world caving in / Tivemos que aprender a nos virar sem o mundo amolecer
I had to learn what I got, and what I'm not / Eu tive que aprender o que eu tenho, o que eu não sou
And who I am / E quem eu sou
Delphine já tinha dado partida no carro e esperava que o portão automático da garagem terminasse de ser aberto, quando se deu conta do quão indelicado de sua parte havia sido não ter trago nada de Montreal para Cosima. Na verdade, ela não havia comprado nada nem mesmo para si, tinha deixado a parte das compras para ser cumprida no domingo.
Mesmo tendo ficado fora por apenas um dia e sabendo que a namorada já tinha visitado a cidade para onde ela havia ido algumas vezes, a francesa não pode deixar de se sentir mal em simplesmente chegar com as mãos vazias. Pensando nisso, ela só precisou se afastar uma quadra de sua rota original para estacionar na frente de um pequeno mercado que ficava aberto 24/7.
A rua estava bastante deserta àquela hora da madrugada, exceto por um outro veículo que lhe ultrapassou e estacionou alguns metros mais à frente de onde ela estava. Ao sair do carro e acionar o botão do alarme, Delphine logo puxou o casaco para mais perto, sentindo o ventou frio lhe roubar o calor do corpo e já se arrependendo de não ter vestido algo mais quente por baixo.
Se soubesse quem estaria a poucos metros da entrada procurando alguma coisa em uma das prateleiras enquanto segurava uma caixa de pizza congelada, Delphine teria tentado ser mais discreta ao passar pela porta acionando o sino acima dela.
– Oi! – Krystal falou acenando para ela assim que a reconheceu entrando no mercado.
– Oi – Delphine retribuiu o cumprimento com bem menos empolgação e rapidamente dando um jeito de se enfiar em algum dos outros corredores.
Ela detestava parecer antipática ou arrogante, mas se permitisse que a manicure engatasse uma conversa com toda certeza só chegaria na casa de Cosima bem depois do nascer do nascer do sol.
Por acaso, Delphine se viu em meio a seção das bebidas, e mesmo receosa de Krystal pudesse não ter entendido seu recado e visse atrás dela, não pode deixar dar uma boa olhada nos rótulos muito bem organizados em fileiras. Ela já estava com uma garrafa de Merlot em mãos quando se deu conta de que vinho talvez não fosse uma boa pedida para aquela ocasião. Além de álcool não ser recomendado para Cosima por conta da grande quantidade de remédios que ela tomava, tudo o que menos queria era acabar piorando ainda mais os enjoos dela.
I won't give up on us / Eu não vou desistir de nós
God knows I'm tough, he knows / Deus sabe que eu sou forte, ele sabe
We got a lot to learn / Nós temos muito a aprender
God knows we're worth it / Deus sabe que nós merecemos
Delphine já tinha alcançado a sessão dos congeladores quando escutou o sino da porta de entrada sendo balançado novamente. Seria Krystal indo embora? Em sua exploração através das prateleiras, a loira não havia se deparado com mais ninguém além da manicure e do encarregado pelo estabelecimento que parecia bastante entediado por trás do balcão do caixa.
A verdade era que Delphine se viu sem saber o que deveria levar do mercado. Precisava ser algo de consumo imediato, mas aquelas comidas prontas ou produtos ultra industrializados certamente não eram nem um pouco de seu agrado. Devia apostar em um bom chocolate então? Chocolate nunca erra...
Ela já estava se virando pra voltar para o corredor dos doces quando seus olhos focaram em um rótulo em específico por trás da porta de vidro do congelador.
Eskimo Pie.
Um sorriso se abriu em seu rosto, e assim, certa de que era exatamente aquilo o que procurava, Delphine logo pegou uma caixinha do sorvete. Ok, até podia não ser a escolha mais óbvia, tendo em vista que a neve já se acumulava nas calçadas do lado de fora, mas aquele doce além de gostoso, não deixava de ser bastante significativo para as duas. Além disso, coisas geladas geralmente eram melhor aceitas pelo estômago de Cosima. Aumentariam a temperatura no termostato se assim fosse preciso.
A loira teria ido diretamente pagar pelo produto e saído o quanto antes do estabelecimento, porém assim que a porta do congelador se fechou ela ouviu a voz de Krystal ao longe, ao que parecia, conversando com homem do caixa. Talvez devesse enrolar mais um minuto ou dois...
Distraída, novamente caminhando por entre as gondolas, Delphine acabou descobrindo uma pequena mesa dedicada à sessão de jardinagem bem no fundo da loja. A fina camada de poeira por cima dos vasos vazios e dos sacos de terra e adubo à venda indicavam que aquela parte do estabelecimento era bem pouco visitada, tanto que ela até estranhou encontrar plantas vivas além dos pacotinhos de sementes.
Delphine experimentou o aveludado das folhas de uma violeta e admirou as flores recém desabrochadas de um antúrio, porém nenhum dos dois vasos foi o que lhe atraiu mais atenção. De dentro de um recipiente com um pouco de água, não mais que meia dúzia de rosas se erguiam, e embora tivesse passado ali o dia todo e provavelmente fossem ser descartadas logo pela manhã, ainda se mantinham bastante vermelhas e bonitas.
Não que tenham sido muitas vezes, mas nas ocasiões passadas em que havia ganhado flores – tanto no dia de sua formatura da faculdade de medicina quanto na do mestrado, além do dia em que Marc-Antoine havia pedido sua mão em casamento – Delphine não podia dizer que havia ficado feliz ou de alguma forma honrada com o presente. Na verdade, se lembrava de não ver muita lógica naquilo e ter ficado até mesmo incomodada em precisar carregar o buquê.
Agora por outro lado... Ela tirou uma rosa solitária de dentro do vaso, e talvez estivesse emocional demais depois de ter assistido ao musical, mas naquele momento, depois de colocar os olhos sobre aquela singela flor, ela não teria outra escolha senão levá-la junto de si.
Então a passos bastante vagarosos, a francesa começou a ir na direção do caixa. Ela prendeu a caixa de Eskimo Pie embaixo do braço que segurava a rosa e com a mão que ficou livre pegou o celular para avisar Cosima de que estava a caminho. Foi quando ouviu o sino da porta de entrada sendo acionado pela terceira vez, e antes mesmo que conseguisse terminar de digitar e enviar a mensagem, a voz de Krystal cortou o ambiente em grito histérico e apavorado.
– É PRA FICAR TODO MUNDO PARADO! – Um urro grave se espalhou pelo ambiente.
– ISSO É UM ASSALTO!!! – Uma segunda voz, mais aguda dessa vez, se fez presente.
O corpo de Delphine paralisou por um momento. De onde estava não conseguia ver nada do que acontecia na frente da loja e sinceramente não sabia o que devia fazer. Pensou em voltar quieta e tentar achar algum lugar para se esconder nos fundos e então poder ligar para a polícia, porém quando se virou em seus calcanhares deu de cara com um homem parado bem no final do corredor em que ela estava. Seu susto foi tão grande que ela deixou o celular lhe escapar da mão, provocando um ruído bastante alto. Delphine institivamente olhou por sobre os ombros para se certificar de que os assaltantes não tivessem vindo ver qual era a causa do barulho, no entanto, quando voltou a olhar para frente, o homem cujo rosto ela não conseguia enxergar muito bem – pelo fato de que o capuz do casaco lhe tampava boa parte da face – já estava segurando um revólver apontado diretamente para ela.
Delphine sentiu o pânico se apossar de seu corpo; suas pernas ficaram bambas, o estômago gelou e sua boca se tornou tão seca quanto um deserto. Lentamente ela começou a levantar os braços em rendição, o que fez com que a embalagem de sorvete também fizesse sua trajetória direto para o chão. A rosa, por outro lado, ela não largou, muito pelo contrário; se agarrou ao caule como se aquela fosse sua única salvação. Apertou com tanta força que um espinho acabou por furar sua palma, permitindo que um fino, porém contínuo fio de sangue começasse a escorrer por seu pulso.
Um minuto passou ter a duração de uma hora. Ela ouviu o estalido metálico quando o homem destravou a arma e então o grande estrondo no momento em que o gatilho foi puxado, frações de segundo antes de ser atingida por uma dor excruciante no tórax.
Não podia dizer com certeza, mas achava que um grito agonizante havia lhe escapado dos lábios instantes antes dela sentir seu corpo indo de encontro com uma prateleira e escorregar por ela, arrastando alguns produtos consigo até parar sobre o piso frio. Ainda pode ver quando o homem foi correndo em sua direção, contudo ao invés de terminar o que havia começado, pegou o celular caído e sumiu de sua vista a passos largos.
Delphine foi se sentindo cada vez mais fraca, porém ainda estando consciente, fez o melhor que pode para pressionar o local por onde a bala havia penetrado e se manter de olhos abertos. Viu de relance a rosa que ainda continuava firmemente segura entre seus dedos enquanto tentava entender o que tinha lhe acontecido.
Não conseguia acreditar que era assim que sua história terminaria. Não podia aceitar que fosse assim.
I won't give up on us / Eu não vou desistir de nós
Even if the skies get rough / Mesmo que os céus fiquem tempestuosos
I'm giving you all my love / Estou te dando todo o meu amor
I'm still looking up / Ainda estou de cabeça erguida
I'm still looking up / Ainda estou de cabeça erguida
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