Leito 9
– Então, eu tinha saído com um cara, mas sabe como é, a coisa não foi muito boa e eu resolvi nem dormir na casa dele – Krystal contou enquanto continuava trabalhando nas unhas de Felix. – Já estava bem tarde, mas como eu tava com fome, decidi dar uma passada no Doc's e comprar alguma coisa pra comer. Eu vi quando a sua amiga, a Delphine, entrou; mas acho que ela não tava muito a fim de conversar. Daí quando eu já estava no caixa pra pagar as minhas compras, entrou um homem e uma mulher na loja, gritando que era um assalto! Eu até tentei colocar minhas aulas de defesa pessoal em prática, mas aquela mulher era incrivelmente forte e conseguiu me segurar sem fazer muito esforço. Eles mandaram o Doc e eu entregar nossos celulares, e foi nnesse momento que eu ouvi o disparo em algum lugar mais afastado na loja. Logo em seguida um outro cara, que até então eu achava que era só mais um cliente, saiu correndo do mercado e sei lá, pode ser impressão minha, mas os dois bandidos pareceram satisfeitos com aquilo... A mulher me soltou e eles também foram embora, mas não antes de arrebentar o fio do telefone fixo que ficava no caixa. Quando vi que eles já tinham sumido fui procurar a Delphine e encontrei ela caída no chão, toda suja de sangue. O Doc teve que ir lá no estoque pra poder usar o telefone e conseguir chamar uma ambulância pra ela, o que atrasou um pouco as coisas. Eu tentei pressionar a barriga dela como ela me disse pra fazer, mas quando os paramédicos chegaram ela não estava mais consciente.
– Ela não estava consciente? – Felix perguntou, sentindo um calafrio percorrer a espinha.
– Não – a loira confirmou com pesar no olhar. – Mas o médico disse que ela ainda estava viva.
– Krystal... Eu preciso ir – ele disse transtornado, puxando as mãos a impedindo de continuar o trabalho. – Nós conversamos melhor sobre aquilo depois, ok?
– Mas...
– Eu acabei, a senhora pode ir agora – ele comunicou para a senhora que o olhava carrancuda e ignorou a tentativa de Krystal tentar fazê-lo ficar. Afobado, ele passou pela porta com o celular já em mãos para fazer uma ligação.
Quando MK ligou depois de Siobhan já ter dirigido a três hospitais diferentes, Cosima estava à beira de seu limite. A dor que sentiu ao ouvir que Delphine havia sido baleada chegou a ser física e se espalhou por todo seu ser.
– Ela estava viva quando eles a levaram – S repetia tentando consolá-la. – Nós já vamos encontrá-la, querida.
Veera tinha continuado a rastrear a francesa como havia prometido e quando voltou a ligar para elas com notícias, não só tinha conseguido descobrir para qual hospital Delphine havia sido levado, como também já sabia da ligação com o suposto "assalto" antes até mesmo de Felix.
Assim que chegaram no endereço indicado, Cosima não esperou nem ao menos que Siobhan terminasse de estacionar para desembarcar e adentrar o hospital. Pela primeira vez nos últimos dois dias, ela sentiu seu caminho em direção à francesa sendo desbloqueado. Delphine realmente estava internada lá, e coincidentemente, ela havia conseguido chegar antes do horário de visitas terminar. O breve momento burocrático requerido para que tivesse sua entrada liberada, passou como um borrão pela cabeça de Cosima, que quando se deu por si já estava higienizando as mãos prestes a passar pelas portas duplas que davam acesso as UTIs.
Logo ao pisar na recepção do hospital, Siobhan se surpreendeu ao não encontrar Cosima aguardando em alguma das cadeias dispostas em fileira e nem sendo atendida em um dos guichês do balcão de atendimento. Exceto por uma mulher de meia idade que era consolada por um homem – provavelmente era um dos psicólogos do hospital – o lugar estava vazio.
– Boa tarde – S falou ao se aproximar de uma das recepcionistas. – Por acaso uma moça passou por aqui? Ela está usando uma máscara de pano... Óculos...
– Ah sim, ela acabou de dar entrada como visitante. – a mulher respondeu cordialmente.
– Que bom. Eu posso acompanhá-la?
– Sinto muito, mas só permitido dois visitantes por paciente. Se uma das duas saírem, você pode entrar.
– Tem alguém além da Cosima lá dentro? – Siobhan indagou com estranhamento.
– Sim, a srta... – ela hesitou um instante conferindo o nome na tela do computador – Srta. Cormier já atingiu o limite de visitantes.
– Tudo bem. Eu vou esperar aqui então, obrigada.
Siobhan não conseguiu imaginar quem mais poderia estar com Delphine. Até onde sabia, o círculo de conhecidos dela em Toronto se restringia as pessoas que havia conhecido através de Cosima e, portanto, ninguém poderia ter chegado ali antes delas. Convencida de que aquele "assalto" não havia acontecido por acaso, S não pode deixar de se preocupar. Contudo, se forçou a acreditar que nenhum outro atentando pudesse atingir a francesa uma vez que estivesse dentro das paredes daquele hospital.
Não sabia ao certo qual era o estado de Delphine, mas tinha fé de que ela sairia daquele ambiente protegido em algum momento; dentro de poucos dias com um pouco de sorte. E para que isso fosse possível, Siobhan se via no dever de garantir que tudo estaria seguro do lado de fora quando isso acontecesse. Então ansiando por descobrir o que realmente havia acontecido e com urgência de colocar um ponto final naquela história o quanto antes, ela pegou o celular e abriu a lista de contatos.
– Olá Arthur – ela disse tanto logo a ligação foi atendida. – Sou eu, Siobhan Sadler.
Leito 9.
Aquela pequena informação era tudo o que ocupava a cabeça de Cosima quando ela adentrou a Unidade de Terapia Intensiva. Devido ao horário, a ampla sala estava bem mais movimentada do que devia ser na maior parte do dia e todas as cortinas haviam sido recolhidas de forma que as camas estavam bastante visíveis, apesar da considerável quantidade de visitantes parados ao lado delas.
Não foi difícil para Cosima encontrar aquela que procurava. Ao ver Delphine ocupando um dos leitos mais ao fim da fila, ela inconscientemente diminuiu a velocidade de seus passos, como se seu corpo e mente precisassem de um instante a mais para processar o que seus olhos estavam vendo.
Ela está viva.
O que a poucos dias atrás era uma verdade óbvia e inquestionável, agora era uma constatação capaz de lhe conferir uma grande descarga de alívio, mesmo que por um período breve de tempo.
Vestida com roupas de hospital e coberta até a altura da cintura, Delphine ocupava seu leito no que à primeira vista poderia até mesmo parecer um sono profundo; no entanto, o tubo que saía de sua boca e era ligado a um ventilador mecânico denunciava que esse não era exatamente o caso. Uma quantidade enorme de fios monitorava seus sinais vitais e uma sonda que parecia estar saindo de seu abdômen drenava gotas incessantes de um líquido transparente, porém avermelhado. A pele dela estava muito pálida – talvez até mesmo um pouco amarelada – exceto pela área ao redor dos olhos que estavam marcadas por orelheira profundas. Os cabelos embora permanecessem lisos, caíam bagunçados pelo travesseiro a lado de seu rosto.
Conforme se aproximava, Cosima foi se sentindo cada vez mais sem ar – provavelmente como consequência de sua respiração mais curta e acelerada – de tal forma que não pensou duas vezes antes de retirar a máscara que cobria sua face e enfiá-la dentro do bolso do casaco.
Quando segurou a mão de Delphine – que a propósito trazia uma faixa enrolada em sua palma – Cosima não conseguiu conter a as lágrimas que voltaram a aflorar de seus olhos, precisando inclusive se debruçar sobre as barras da cama dela em busca de algum suporte. O alívio inicial abriu espaço para uma tristeza profunda em ver a namorada naquela situação; o medo de perdê-la e até mesmo as dúvida em saber exatamente o porquê ela estava ali.
Em meio a soluços inconsoláveis, Cosima nem ao menos notou a aproximação de uma mulher que parou aos pés da cama da francesa e ficou a observando. Ela não saberia dizer por quanto tempo ficou daquele jeito até finalmente levantar a cabeça e perceber que não era a única que estava ali por Delphine.
Elas ainda não haviam sido apresentadas, mas Cosima nem precisaria ter visto algumas poucas fotos de Manon para reconhecê-la. Apesar dos cabelos escuros –provavelmente tingidos – cortados na altura dos ombros, ela teria reconhecido aqueles grandes olhos cor de avelã em qualquer lugar e sob qualquer circunstância.
Quando se deu conta de que estava na presença da sogra, Cosima prontamente se ergueu e se forçou a largar a mão de Delphine.
– Me desculpe, eu não sabia que ela já tinha alguém aqui com ela – Cosima disse, se esforçando para enxugar as lágrimas do rosto e manter a compostura. – A senhora deve ser a mãe da Delphine. Meu nome é Cosima, eu sou amiga dela...
– Eu sei quem você é – Manon interpôs, mal a deixando terminar a frase. – Ela me falou de você – disse com os lábios tencionados. – Me falou de vocês...
Cosima congelou por um momento enquanto a mais velha se aproximava da cabeceira pelo outro lado da cama. Delphine não tinha avisado a ela que já havia conversado sobre aquilo com a mãe. Seria essa a razão da volta prematura dela para casa? Pela expressão de Manon, era visível que ela não estava satisfeita com aquela situação, mas também não seria apropriado que uma mãe estivesse aparentando contentamento com a filha em estado daqueles. Será que elas tinham discutido em Montreal ou a namorada havia apenas trazido a mãe para que ela conhecesse?
– Quando eu estive aqui hoje de manhã os médicos estavam tentando mantê-la fora do coma – Manon continuou enquanto acariciava a cabeça de Delphine. – Ela estava ardendo em febre e... Chamou seu nome algumas vezes antes deles a entubarem. Mesmo se ela não tivesse me dito nada sobre vocês duas, eu teria estranhado ver minha filha alucinando com o nome de alguém que fosse apenas uma amiga...
Com os olhos voltando a ficar molhados, Cosima não soube muito bem como reagir. Não sabia o que havia por trás das palavras de Manon, mas já que não precisa esconder quais eram os seus reais sentimentos, ela voltou a tomar a mão da loira entre as suas. Não se importava se sua presença era ou não bem-vinda pela mãe dela, só sabia que não sairia tão fácil do lado de Delphine.
– Como ela está? – Cosima indagou. – Tudo o que eu sei é que ela foi baleada em um assalto.
Sem tirar os olhos da filha, Manon respirou profundamente antes de começar a responder.
– A bala quebrou uma das costelas, perfurou o fígado dela e se alojou na vesícula – ela soltou com a voz embargada. – Me disseram que ela perdeu muito sangue até chegar no hospital e foi levada direto para sala de cirurgia. Aparentemente eles conseguiram retirar a bala, mas para isso também precisaram extrair a vesícula. Eu não consigo compreender muito bem todos aqueles termos médicos, mas pelo que eu pude entender é que o fígado dela não está muito bem e ela está com uma inflação no abdômen. Se ela não tiver uma melhora logo, vão precisar levá-la de volta para o centro cirúrgico.
Cosima fechou os olhos e apertou a mão da loira mais firmemente, como se de alguma forma pudesse transmitir forças a ela. Pela primeira vez conseguiu entender com mais precisão como Delphine devia se sentir quando era ela a estar deitada em uma cama de hospital, e sinceramente, o papel que estava desempenhando agora era infinitamente mais difícil. Mas ainda assim, ficar ao lado de uma Delphine desacorda e que ainda corria risco de vida era mil vezes melhor do que ser obrigada a estar distante dela e Cosima até mesmo cogitou implorar por mais tempo quando um enfermeiro entrou na sala, indo de leito em leito para avisar que o horário de visitas havia terminado. Mas no final, aquilo não era nem mesmo uma opção.
O caminho de volta para a recepção embora não fosse muito longo, foi bastante constrangedor; intimidador até. Se Cosima não tivesse quebrado o silêncio durante alguns segundo para avisar que já estaria ali no dia seguinte quando o horário de visitas tivesse início, era provável que Manon não tivesse proferido nem ao menos o curto e frio "D'accord" que escapou de seus lábios. Gostaria de saber como havia sido a conversa dela com Delphine para ao menos ter uma referência se aquele comportamento aparentemente indiferente se devia a preocupação com o estado da filha ou se o problema era de fato Cosima e tudo o que ela representava na vida da loira.
Tão logo chegaram na sala de espera, Cosima teve sua atenção desviada por Siobhan e Felix que vieram as pressas até ela.
– Cosima... – Felix falou a colocando dentro de um abraço. – Como ela está?
– Não muito bem – ela respondeu sentindo os olhos ficando molhados novamente. – A Delphine está em coma e talvez vá precisar fazer outra cirurgia...
– Então o caso é grave mesmo...
– Sim.
– Querida, por que você não acaba de nos contar lá dentro do carro? – Siobhan disse passando a mão sobre o ombro dela. – Não é bom pra você ficar exposta desse jeito por tanto tempo.
– Eu não posso ir pra casa, S...
– O quê?? – Felix soltou surpreso.
– Cosima, você não pode fazer nada pela Delphine estando aqui – a mais velha disse com sobriedade.
– Mas ela sempre ficou por mim quando era eu lá dentro – Cosima tentou argumentar.
– Errado – o rapaz interveio novamente. – A Delphine ficava somente quando ela podia estar literalmente com você, o que não é o seu caso agora.
– O Felix tem razão – disse Siobhan. – Eu estar aqui com você amanhã pro horário de visitas, mas agora você voltar para casa.
Cosima olhou para trás, sentindo o coração pesado com a ideia de ir embora e deixar Delphine para trás, sozinha e inconsciente naquela cama. Por outro lado, sabia que Siobhan e Felix tinham sua parcela de razão, ela não poderia ajudar em nada se resolvesse passar a noite em uma daquelas cadeiras. Com isso em mente, mesmo a contragosto permitiu que os dois a levassem até onde o carro havia sido estacionado. Todos os três já tinham ocupado seus lugares dentro do veículo quando S lhe perguntou:
– Cosima, quem era a outra pessoa com você visitando a Delphine?
E foi só então que ela se deu conta que não havia nem se despedido Manon, nem visto quando ela foi embora.
– Era a mãe dela.
– A mãe dela? – Felix disse confuso.
– Sim.
O rapaz se manteve quieto por algum tempo, mas vendo que a amiga não forneceu mais nenhum detalhe, ele não foi capaz de conter sua curiosidade.
– A Delphine contou pra ela? – ele perguntou.
– Sim – Cosima respondeu com desânimo e encostou a cabeça no vidro da janela do carro.
Se a princípio o objetivo principal de Cosima era saber onde Delphine estava e poder vê-la novamente, cumpri-lo não a deixou exatamente realizada e tranquila, muito pelo contrário. A angústia da falta de informações havia cessado apenas para dar lugar ao medo de que o quadro clínico da loira piorasse, além do inconveniente de não poder estar junto dela nesse momento tão delicado.
Quando chegou em casa já no final da tarde, Cosima se sentia completamente desnorteada e exaurida e ainda precisou lidar com Alison que ficou estarrecida quando soube o que de fato havia acontecido com a francesa.
– Meu Deus, eu nunca ia imaginar que era da Delphine que eles estavam falando no noticiário! – ela disse quando S adentrou a Bubbles para buscar Kira. – Que o Senhor a proteja... Vou incluí-la nas minhas orações essa noite.
Siobhan ficou no apartamento dos dois até que Sarah terminasse o expediente na lanchonete da universidade para que então pudessem voltar juntas com a criança para casa. E até mesmo Sarah, que nunca havia disfarçado as diferenças que tinha com a francesa, ficou sensibilizada com a notícia e tentou consolar Cosima da forma que podia.
– Hey Cos, não fica assim... A Delphine é forte, vai sair logo dessa – falou tentando sustentar um tom otimista. – O Vic levou um tiro uma vez que perfurou o pulmão dele e depois de duas ele já estava super bem...
– Sarah! – Siobhan repreendeu.
– O quê? – soltou sem saber muito bem o que tinha falado de errado.
Depois das três irem embora – não antes de S se certificar que ela estava minimamente bem – mesmo com Felix insistindo em lhe fazer companhia, Cosima se sentiu uma estranha em sua própria casa. Nenhum cômodo parecia suficientemente confortável e no fundo ela sabia que só uma coisa poderia preencher que o vazio que estava sentindo. E consciente de que não poderia ter essa coisa naquele momento, ela pensou em ligar para a mãe e contar o que havia acontecido. Quem sabe se ao menos falar sobre Delphine com mais alguém pudesse fazer com que se sentisse menos sobrecarregada.
Sally mal pode acreditar no que Cosima disse a ela. Durante as semanas que conviveram com maior proximidade, tanto ela quanto Gene haviam desenvolvido um forte laço com a francesa e com toda certeza já a consideravam como parte da família. Portanto, depois de vários minutos de conversa ela desligou o telefone com a promessa de que no próximo dia mesmo daria um jeito de pegar um voo pra Toronto e adiantar em alguns dias sua chegada. Gene viria depois quando terminasse o trabalho que eles estavam desenvolvendo.
Apesar de agora ficar receosa quanto ao fato de uma viagem estar sendo adiantada, Cosima não pode deixar de ficar contente em saber que teria a mãe a seu lado antes do previsto. Contudo essa notícia não foi boa o suficiente para permitir que ela conseguisse pegar no sono. Dessa vez nem ao mesmo os remédios ajudaram, então rolando na cama, ela viu as horas se esticarem tendo apenas a lua para lhe fazer companhia, até que deusa prateada finalmente cedeu lugar ao astro rei.
Felizmente aquela manhã estava um pouco menos fria do que havia sido no dia anterior e quando Siobhan chegou para buscá-la no horário combinado, Cosima já estava esperando na rua à pelo menos meia hora sem ter todos seus ossos congelados. Como esperado, dessa fizeram o trajeto até o hospital se deu de uma forma relativamente mais tranquila, e uma vez lá, se depararam com algumas pessoas que também esperavam pelo momento de visitar seus entes queridos internados.
Depois de ouvir de uma atendente que ela só poderia se registrar depois de começado o horário de visitas, Cosima localizou a mãe de Delphine sentada em uma cadeira mais ao canto da sala de espera. Manon já havia notado a presença dela e lhe acenou discretamente com a cabeça quando seus olhares se cruzaram.
– Sabe, eu acho que você devia ir lá falar com ela – Siobhan disse, tirando suas conclusões sobre quem aquela mulher devia ser.
– Sim, acho que eu devo...
– Eu vou ficar aqui esperando por você, ok? – S falou já se aproximando de um assento vago. – Qualquer coisa pode me chamar.
– Ok.
Conforme Cosima foi se aproximando, pode notar que além de fortes olheiras destoando do tom claro de sua pele, os olhos de Manon também estavam bem vermelhos e inchados.
– Bom dia, Sra. Cormier – Cosima disse, inserta se não devia respeitar o espaço dela.
Bom dia... Eu só posso estar de brincadeira...
– Bonjour – Manon respondeu.
– Se importa se eu me sentar com a senhora? – a mais velha apenas negou com a cabeça e indicou a cadeira a seu lado.
– É Sra. Beraud, na verdade – a francesa murmurou. – Mas você pode me chamar de Manon.
– Ah... Me desculpe...
Cosima forçou a memória tentando lembrar se alguma vez Delphine havia comentado que a mãe não havia pego no nome do pai.
– Sabe, eu queria ter te avisado com antecedência, mas não tinha como entrar em contato com você – Manon continuou. – Nós não vamos poder visitar a Delphine agora... Talvez nem no horário da tarde.
– O que aconteceu? – Cosima já sentindo seu sangue gelar.
– A infecção dela piorou e precisaram levá-la de volta para o centro cirúrgico. O médico me disse que vão limpar os abscessos e retirar o pedaço do fígado que ficou prejudicado por conta do tiro. – Antes que pudesse terminar a frase, lágrimas já escapavam novamente dos olhos de Manon. – A cirurgia começou faz pouco mais de meia hora.
Cosima não queria acreditar na mensagem que seus ouvidos estavam lhe transmitindo. Queria ouvir que Delphine havia melhorado; que estava consciente e já tinha sido levada para o quarto.
No entanto, embora aquela notícia tenha sido mais uma punhalada em seu emocional já destruído, ela não pode deixar de se compadecer pelo estado da mulher sentada a seu lado. A essa altura o corpo de Manon já sacudia com os soluços enquanto ela tentava em vão enxugar o rosto com um lenço de papel. Pela forma como havia sido tratada no dia anterior, Cosima não tinha certeza de quais eram os limites da sogra relativos à sua presença, contudo vê-la tão vulnerável daquela forma; tão longe de casa, com a filha correndo riscos reais de perder a vida e sem ter ninguém de confiança para lhe dar suporte, Cosima só tinha uma coisa que poderia fazer.
– Vai ficar tudo bem – ela disse passando o braço ao redor dos ombros da francesa. – A Delphine vai sair dessa; eu sei disso.
Em vez de repelir o gesto dela e se afastar, Manon se entregou de vez às lágrimas e se aninhou no abraço de Cosima como se fosse exatamente daquilo que ela estivesse precisando. E dessa forma elas permaneceram por longos minutos, até que todos aqueles que esperavam pelo horário de visitas terem entrado para a UTI e a sala ter ficado praticamente vazia e muito silenciosa.
– Quando a Delphine me contou sobre você... – Manon disse, enfim se endireitando no lugar. – ... eu não reagi nada bem. Falei coisas que eu não devia e das quais eu já me arrependi. Tenho pensado muito nesses últimos dias e me dei conta de que nunca tinha visto os olhos da minha filha brilharem tanto ao dizer o nome de alguém da forma que brilharam quando ela disse o seu. E depois do que eu vi ontem, estou convencida de que os seus sentimentos por ela também são verdadeiros. Estaria mentindo se dissesse que estou totalmente confortável com a ideia de... você sabe. Mas o que mais importa pra mim é que ma fille seja feliz, então eu prometo a você que vou dar o meu melhor pra assimilar isso tudo e encarar o relacionamento de vocês com naturalidade o quanto antes.
Quando Manon terminou de falar, foi a vez de Cosima de ficar com os olhos marejados. Aquela não era exatamente a reação que qualquer pessoa LGBTQ poderia sonhar numa situação similar – temia imaginar que tipo de coisa Delphine havia sido obrigada a ouvir quando contou tudo para a mãe – no entanto, não pode deixar de se emocionar frente a franqueza de Manon, especialmente por conta do significado que aquelas palavras cruas traziam.
– Delphine me contou que você está doente... – a francesa falou momentos depois, pegando Cosima de surpresa.
– Sim – ela respondeu, piscando os olhos rapidamente para tentar se livrar das lágrimas que embaçavam sua visão. – Eu tive um câncer de ovário que evoluiu para metástase nos pulmões. Estou melhor agora, os tumores já sumiram. Vou fazer minha última sessão de quimio na sexta-feira dessa semana.
– Você foi paciente dela? – Manon perguntou franzindo o cenho.
– Sim, mas nós já nos conhecíamos antes disso. – Cosima se viu no dever de explicar. – Eu conheci a Delphine bem antes de descobrir que estava doente.
Ela ficou em silêncio esperando por mais perguntas, porém uma vez que elas não vieram, achou que seria justo esclarecer suas próprias dúvidas.
– Sra. Beraud...
– Por favor, me chame de Manon.
– Certo, Manon – Cosima se corrigiu. – Eu ainda não consegui entender por que a Delphine voltou mais cedo de viagem... E nem o porquê ela não me disse que você estava com ela quando falou comigo pela última vez...
– Ela não falou porque eu realmente não estava com ela – Manon explicou. – Eu estou aqui porque os policiais conseguiram me rastrear para dar a notícia do que tinha acontecido. Isso já era tarde no domingo, só consegui chegar em Toronto na manhã de ontem.
– Mas o que a fez simplesmente resolver voltar mais cedo?
– Bom, quanto a isso eu não tenho muita certeza. Talvez se culpa minha – ela disse com a voz carregada de pesar. – Nós... Eu tinha discutido com ela depois que ela me falou sobre vocês, então eu sai do quarto pra poder pensar um pouco e quando voltei ela já estava com a mala pronta pra ir embora. Não entendi muito bem, se quer saber. Foi nesse momento que ela me disse que você estava doente e depois simplesmente saiu sem que eu pudesse fazer nada.
Cosima tentou refazer a noite de sábado na cabeça e a primeira coisa que lhe ocorreu foi a conversa que tiveram por telefone. Se lembrou de como Delphine pareceu preocupada com ela mesmo que ela tentasse insistir de que estava bem. Foi então que o sentimento de culpa a atingiu com toda força.
Meu Deus... Ela voltou por minha causa...
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