Escolhas
***Meses depois***
Dentro do elevador olhando os números mudarem no marcador dos andares, Delphine fez seu melhor para evitar levar o stress que lhe dominava para dentro de casa.
Àquela altura praticamente todas suas pacientes já tinham concluído seus tratamentos, mas nem por isso o trabalho dela havia diminuído, apenas mudado sua forma. Era alívio o que ela sentia a cada uma que ela podia dar alta, ainda que precisassem continuar fazendo exames de rotina para garantir que a doença não voltaria.
Seja por sorte ou pelos pesquisadores Instituto terem aperfeiçoado seus métodos, nenhuma outra mulher veio a óbito depois de Jennifer. Apesar de tê-las tentado alertar, a maioria das pacientes que foram submetidas à geneterapia não chegaram a seguir os conselhos da francesa – provavelmente foram muito bem convencidas pelo outro lado. A partir do monitoramento de seus códigos genéticos, Cosima conseguiu concluir que apenas uma delas havia desistido do tratamento "alternativo" e uma outra achou melhor parar de se consultar com Delphine. Dessa última elas não voltaram a ter notícias.
Porém se as coisas ficaram mais tranquilas no campo profissional, o mesmo não podia ser dito de sua vida pessoal.
Embora o tumor já tivesse desaparecido, Cosima ainda precisaria se submeter a mais algumas poucas sessões de medicamento para garantir que não restariam nenhuma célula cancerígena. Mesmo assim, quem olhasse por fora poderia dizer que a quimioterapia havia lhe feito mais mal do que bem.
Nos últimos tempos, nem se quisesse conseguiria continuar indo para o laboratório ajudar Delphine. As brechas de relativo bem estar entre as sessões deram lugar a períodos de "estar mal" e "estar menos pior". Não era novidade que o corpo dela era sensível a aplicação da quimio, mas com seu uso prolongado além dos efeitos colaterais já esperados, seu coração também foi afetado e os rins ficaram sobrecarregados, necessitando de um monitoramento constante.
Com a chave já dentro da fechadura, Delphine parou um instante para tentar vestir um sorriso nos lábios antes de destrancar a porta e entrar no apartamento.
– Bonsoir, mon amour.
– Bonsoir – Cosima respondeu de onde estava no sofá.
Ela estava deitada com uma colcha lhe cobrindo até a altura da cintura enquanto segurava o controle do vídeo game, cujo jogo que rodava a francesa não conseguiu reconhecer logo de cara. Olheiras profundas cobriam os olhos dela; sua pele estava em tom amarelado doentio e era notável que havia perdido alguns quilos nas últimas semanas.
Antes de se juntar a ela, Delphine foi até a cozinha. Deixou a sacola de papel que trazia consigo em cima da mesa e na sequência higienizou devidamente suas mãos. Depois foi para o quarto se livrar daquela roupa suja de hospital para só então voltar para a sala.
– Eu trouxe trufas pra você – a loira disse deixando um beijo na cabeça de Cosima.
– Obrigada – ela respondeu tentando disfarçar sua falta de empolgação com qualquer coisa que fosse do gênero alimentício.
Delphine deu a volta e se sentou na outra extremidade do sofá. Apoiou os pés de Cosima sobre seu colo, aproveitando para roubar um pouco do calor da coberta.
– Que jogo é esse? – ela perguntou depois de alguns instantes assistindo a gameplay.
– Life is Strange.
– Hum. E é sobre o quê?
– Eu nunca falei dele pra você? – Cosima perguntou surpresa.
– Non.
– Sério? Caramba... É o meu jogo preferido!
Apesar de dos gráficos não serem os melhores, Delphine gostou do que estava vendo. Sem dúvidas a direção de arte era incrível.
– É um jogo com foco na história e as decisões que você toma enquanto jogador tem impacto no que acontece – Cosima explicou. – Essa garota, Max Caulfield; em uma situação bem problemática ela acaba descobrindo que tem o poder de voltar no tempo. Bem no começo do game ela salva uma outra menina de levar um tiro e depois acaba descobrindo que é a melhor amiga de infância que ela já não via há vários anos.
– É essa que está na cama?
– Sim – Cosima respondeu enquanto explorava o cenário com a personagem.
– E o que houve com ela?
– Bom, a Max fez uma alteração no passado que levou elas pra essa realidade alternativa onde a Chloe sofre um acidente de carro e fica tetraplégica.
– Ouch! Tetraplégica?!
– Pois é... Efeito borboleta...
Em poucos minutos assistindo à gameplay, ficou bem claro o que Cosima havia dito sobre o foco ser na história. O ritmo era lento – mas nem por isso entediante – e os diálogos abundantes. Mesmo em pouco tempo a francesa já estava se sentindo envolvida e ansiando em saber um pouco mais sobre aquelas personagens.
– Elas são um casal? – Delphine perguntou.
– Isso é com você – Cosima falou. – Quero dizer, você decide enquanto está jogando; a sexualidade da Max é moldada pelas suas escolhas.
– Nem imagino o que você escolheu... – a loira disse brincando.
– Ah, fala sério! É um crime não deixar esse ship ser real!
Delphine poderia ter dado prosseguimento ao assunto, porém o diálogo que começou em tela lhe chamou mais a atenção.
A garota que estava acamada, Chloe, começou a falar sobre o quanto a situação dela estava crítica e que àquela altura ela só estava esperando que seu sistema respiratório colapsasse a qualquer momento. Os pais dela estavam sofrendo por sua conta e já não tinham condições de pagar todas as despesas que ela demandava.
Foi então que para a surpresa de Delphine veio o pedido: Chloe pediu para que a amiga lhe ajudasse a terminar com seu sofrimento e permitisse que suas últimas lembranças fosses aquelas últimas horas; as horas especiais que as duas tinham passado juntas.
Nunca tinha imaginado um jogo tratando de uma questão ética como a eutanásia daquela maneira. E ela se viu ainda mais impressionada quando a decisão de aceitar ou não o pedido de Chloe – aumentando a dose de sua medicação para que ela sofresse uma overdose – foi deixada nas mãos do jogador.
Para Delphine aquela escolha não chegava a ser tão difícil. Segundo seus princípios morais, era bem claro qual caminho deveria ser seguido.
Porém contrariando tudo o que ela pensava, Cosima selecionou a opção que aceitava levar a garota a uma morte prematura.
– O quê??? – a loira expressou indignada. – O que você fez?!
– É a vontade dela – Cosima respondeu com tranquilidade. – Ela está sofrendo.
– Mas você não pode simplesmente decidir matar ela desse jeito!
– Ah, não é como se você estivesse mantando uma pessoa plenamente saudável aleatoriamente – Cosima falou pausando o jogo e se colocando sentada. – Ela está muito doente e piorando. Negar isso a ela é como... Adiar o inevitável aumentando o sofrimento de todos.
– Você realmente concorda com isso?
– Não estou dizendo que eu gosto da situação... Mas ela não está feliz vivendo desse jeito e nem as pessoas que vivem ao redor dela.
– Eu não vi os pais reclamando de ter que cuidar dela...
– Mas eles também não têm mais vida. Vivem em função da filha e estão atolados de dívidas por mais que trabalhem feito loucos.
– Tenho certeza que eles preferem uma conta no vermelho desde que a filha esteja viva.
– Só que ela vai acabar morrendo de qualquer jeito! Essa é uma forma de poupar um pouco do sofrimento de todos.
Delphine olhava incrédula para Cosima; não conseguia acreditar que ela realmente pensava daquela maneira.
– Del... Calma, tá bem? – Cosima pediu vendo que o rosto da namorada já estava bastante vermelho. – Não precisa ficar nervosa desse jeito. É só um jogo!
Não é só um jogo, a francesa pensou.
– Eu vou tomar um banho – ela disse se levantando e saindo da sala a passos firmes.
Cosima foi deixada para trás sem conseguir entender muito bem o que havia se passado. Não era do feitio de Delphine fazer aquele tipo de cena e nunca antes elas tinham discutido por algo tão banal.
Sem conseguir voltar a emergir no jogo e também por já conhecer as variadas possibilidades daquela história, ela achou melhor desligar o vídeo game para continuar jogando uma outra hora.
Depois de várias horas estando praticamente na mesma posição, ela abandonou o calor da coberta e se levantou do sofá. Trazendo o longo cardigan marrom para mais perto do corpo, Cosima caminhou pela sala até parar de frente a porta da sacada. Olhando através do vidro translúcido, ela pode presenciar os primeiros flocos de neve daquela noite começando a cair. O tempo havia passado tão depressa... Mal conseguia acreditar que já estavam novamente em dezembro.
Então ali de pé; pensando enquanto via os flocos brancos descendo do céu, ela se deu conta que reação de Delphine dificilmente tinha sido desencadeada apenas por uma decisão que ela havia tomado num jogo que a loira sequer conhecia. Por mais que tentasse esconder ou disfarçar, Cosima sabia o quão desgastante estavam sendo as últimas semanas para ela.
Desde a conversa que teve com M.K. no hospital, alguns dias de muita apreensão se passaram até que a moça finalmente as procurou para dar uma resposta ao pedido que Cosima havia feito. De alguma forma ela sabia que Veera não as denunciaria, ou nada do gênero, mas Delphine temeu durante todo o tempo que o assunto pudesse vazar e estragar qualquer medida realmente efetiva que elas pudessem tomar contra o Dyad.
Porém a recompensa de tanta aflição veio quando a M.K. voltou a entrar em contato, dessa vez para dizer que as ajudaria. E aparentemente aqueles dias de afastamento não foram um completo desperdício; o que fez a moça mudar de ideia foram as informações que ela conseguiu descobrir ao continuar bisbilhotando os rastros digitais do Instituto.
Veera Suominen não era do tipo que confiava plenamente ou se abria para as outras pessoas, mas com base nas trocas de e-mail feitas entre P.T. Westmorland e Alan Nealon ao hackear a conta do presidente da empresa, ela pelo menos passou a acreditar nas boas intenções da francesa.
Delphine já sabia há bastante tempo que estava sendo uma verdadeira marionete cujas cordas eram controladas por agentes do Dyad. O que ela não sabia até então, era que isso já estava acontecendo desde o começo; até mesmo a vinda dela para o Canadá já estava nos planos dos dois.
Sem dúvidas ela tinha um currículo excelente, mas a aplicação dela para o programa de doutorado não foi aceita apenas por interesse do Dr. Nealon quanto à sua proposta de pesquisa, mas sim porque o perfil e competência dela se encaixavam perfeitamente no estudo que eles iriam realizar. Até mesmo o encontro entre os dois velhos amigos no congresso de Imunologia que eles fizeram parecer uma mera coincidência, havia sido uma estratégia para tentar atraí-la mais facilmente.
Isso foi um pouco do que M.K. descobriu num primeiro momento, mas as questões principais continuavam, além de uma nova que surgiu. Por que eles se dariam tanto trabalho para recrutá-la se já tinham uma equipe tão grande e tanta infraestrutura?
Elas foram se dar conta do quão pior podia ser aquela situação quando Veera descobriu na Deep Web arquivos que supostamente nunca deveriam ter sido encontrados por ninguém. Ao contrário de qualquer um que se mantivesse apenas na superfície da internet poderia pensar, a reputação do Grupo Dyad não era assim tão limpa.
Durante o final dos anos 70 e começo dos 80, quando eles ainda não eram a multinacional dos dias hoje, pesquisas sob sua responsabilidade foram desenvolvidas em solo norte americano. Completamente desprovidas de ética, envolviam coisas como tentativas de clonagem humana e manipulação e melhoramento genético visando a imortalidade do Homo Sapiens.
Aparentemente, alguns pesquisadores mudaram de ideia ao longo dos experimentos e tentaram abandonar seus cargos, denunciando aquelas práticas absurdas no processo. De alguma forma que elas não conseguiram descobrir exatamente como, o assunto conseguiu ser abafado. Tudo o que sabiam era que o exército estava envolvido.
Se as pesquisas tiveram continuidade? Bom, sobre isso M.K. não encontrou nada. Mas como até então ninguém tinha ficado tão velho a ponto de levantar suspeitas e pelo que sabiam não tinham pessoas idênticas circulando por aí aos montes, preferiram acreditar que aqueles estudos haviam sido descontinuados.
Porém, ainda que o Instituto tenha precisado dar um grande passo atrás e passado a ser mais discreto em suas tentativas de avanços científicos, ao que tudo indicava a ética ainda não tinha se tornado a palavra de ordem dentro de seus laboratórios.
A maior parte das atividades do Instituto – e a parte que realmente lhes dava retorno financeiro direto – era focada na produção de vacinas como por exemplo de poliomielite e gripe espanhola. Eram produzidas nas sedes e distribuídas ao redor de todo o mundo. A grande estrutura requerida para isso era uma ótima fachada para disfarçar as instalações de seus programas secretos, assim como atrair profissionais de grande gabarito. No entanto, esses projetos restritos eram muito bem compartimentalizados, de forma que uma equipe não fica sabendo do que era desenvolvido pelas outras, e os próprios pesquisadores ao que tudo indicava não tinham uma clara noção daquilo no que estavam trabalhando; assim como Delphine.
Apenas um grupo muito seleto de colaboradores eram cientes de tudo o que se passava dentro das paredes daquele prédio, como já era de se esperar, apenas os que ocupavam os maiores cargos. Porém, apesar de todos seus esforços para operar em sigilo, invariavelmente a ciência exigia testes, e é aí que a francesa entrava na história.
Conseguir cobaias humanas não é das coisas mais simples; se fizessem isso de forma ilegal estariam vulneráveis demais, dependendo exclusivamente da descrição de seus pacientes. Nenhum órgão regulador permitiria as barbaridades que eles testavam para que pudessem fazer aquilo dentro da lei, portanto decidiram adotar um caminho do meio.
Se usassem a universidade como fachada para o desenvolvimento de uma pesquisa promissora, teriam acesso as cobaias de forma legal e depois seria mais simples conseguir testar seu outro programa confidencial.
O que as deixou confusas em um primeiro momento era o porquê de terem escolhido Delphine para isso, não algum outro de seus funcionários. Para isso não tiveram uma resposta "oficial", porém o que especulavam era que considerando que o grosso de sua mão de obra era completamente alheia ao que de fato era desenvolvido, talvez incentivá-los a voltar aos estudos – mais especificamente como alunos do Dr. Nealon – pudesse levantar mais suspeitas do que escolher alguém que já tinha esse interesse prévio. Eleger um funcionário do alto escalão que já fosse consciente de tudo também não era muito viável, tendo em vista que boa parte deles não eram sequer cientistas e quando eram, em muitos dos casos já eram melhor qualificados que o próprio Nealon.
Como se isso tudo já não fosse coisa o suficiente para Delphine ter que lidar, Cosima sabia que ela própria também estava sendo um peso para a namorada. Tentava dar o mínimo de trabalho possível, mas a sensação que tinha era a de que tudo ficava pior a cada dia que passava; e não só no aspecto físico. Se esforçava o máximo que conseguia para tentar segurar as pontas, mas se as coisas continuassem do jeito que estavam, não conseguiria adiar por muito mais tempo uma visita ao psiquiatra para adicionar mais alguns comprimidos à sua lista; dessa vez antidepressivos.
Ficar sozinha em casa sem conseguir fazer nada o dia todo também não ajudava. Mas ela já não tinha mais fôlego para fazer caminhadas ao ar livre e nos últimos dias nem mesmo em seu apartamento ela pode ficar. Felix havia ficado gripado e com o sistema imunológico tão fragilizado quanto estava, Cosima não podia arriscar pegar uma virose e Delphine recomendou que eles ficassem distantes até que o rapaz estivesse totalmente recuperado.
De frente para o espelho, penteando os cabelos que ainda estavam ligeiramente úmidos, Delphine continuava remoendo a pequena discussão de minutos antes. Não devia ter saído da sala daquele jeito e muito menos falado com Cosima de maneira tão ríspida. Porém não conseguia lidar muito bem com o fato de alguém simplesmente decidir desistir de viver. Não parecia uma escolha justa de se fazer... Não era justo com aqueles que iriam sofrer pela perda e nem com aqueles que não tiveram a oportunidade de desistir de tudo.
Mas pelo que tinha visto, aquela era uma questão que não valia mais a pena voltar a insistir; dificilmente uma das duas se deixaria convencer pelo outro lado e tudo bem terem opiniões divergentes sobre algumas coisas.
De volta para o quarto, Delphine não conseguiu identificar nenhum ruído vindo da sala, indicando que Cosima já havia parado com o jogo. Seja lá onde ela estivesse, estava silenciosa.
Ainda devia ser bem cedo, mas a vontade da loira naquele momento era de se jogar na cama e dormir até o dia seguinte; seria sábado e ela poderia se dar ao luxo de algumas horas extras de sono.
Recuperando seu celular de dentro da bolsa e confirmou que realmente estavam bem no início da noite, além de encontrar uma chamada de vídeo perdida de sua mãe. Se soubesse que Manon fosse gostar tanto e adotar definitivamente as videoconferências, talvez ela não tivesse insistido tanto naquela tecnologia logo que chegou no Canadá... Era mais fácil disfarçar os problemas quando não podiam se ver.
Antes de qualquer coisa, Delphine tratou de encostar a porta do quarto; dessa forma evitava uma entrada repentina de Cosima. Então se sentando na beirada da cama, ela retornou a ligação.
– Bonsoir maman.
– Bonsoir ma petite – Manon retribuiu e Delphine pode perceber que ela já estava na cama. – Ainda não estava em casa quando eu liguei?
– Não, eu já cheguei faz algum tempo. Estava tomando banho – ela respondeu. – Já não está um pouco tarde aí na França?
– Oui, mas eu não estou conseguindo dormir.
Delphine olhou bem para a expressão da mãe e pode perceber que ela realmente estava um pouco abatida.
– O que foi? Vocês brigaram feio dessa vez?
– Non – Manon respondeu sem precisar que a filha detalhasse sobre quem estava se referindo. – Pierre não está aqui.
A mais nova ficou sem entender se aquilo significava que o pai não estava no quarto, em casa ou mesmo se não estava na cidade. Porém pela forma com que a mãe falou, ela achou que não devia investir naquele tópico.
– Eu te liguei pra avisar que eu estou indo pro Canadá na semana que vem. Pra Montreal mais especificamente.
– Vraiment? – Delphine perguntou surpresa, porém legitimamente feliz.
– Oui – Manon confirmou. – Faz tempo que nós já estamos pensando em expandir os negócios pro outro lado do oceano, então há alguns dias atrás nos recebemos uma proposta dessa empresa québecóis e eu me ofereci para ser a nossa representante na reunião. Assim eu também já aproveito pra te ver.
– E quando você chega?
– Na quarta-feira. E vou ficar por alguns dias, uma semana talvez, se conseguirmos fechar um bom acordo.
– Hm, no meio da semana eu não vou conseguir te encontrar... Não em Montreal – disse Delphine. – Não posso ficar longe do trabalho por tanto tempo.
– Não tem problema, acredito que eu vou acabar ficando muito ocupada nos primeiros dias de qualquer forma. Sabe como é, conhecendo as instalações da empresa, entendendo com as coisas funcionam por aí... Você acha que consegue viajar pelo menos no sábado?
– Sim, os finais de semana são mais tranquilos pra mim.
– Mas também... dependendo de como as coisas vão se desenrolar, talvez eu vá pra Toronto depois. O objetivo é eu me ambientar em Montreal, mas nada me impede de escapar um pouquinho pra conhecer a casa da minha filha.
– Bien sûr – Delphine concordou.
– Mas agora me fala um pouco de você – Manon disse mudando de tópico. – Como estão indo as coisas?
– Ah... tudo do mesmo jeito...
– Seu orientador não parou de te incomodar?
– Não, acho que isso não é nem uma opção viável – Delphine respondeu buscando uma posição mais confortável sobre a cama. – Nossos princípios são diferentes demais e acho que nenhum de nós está disposto a ceder.
Apesar de não poder contar tudo por motivos de segurança – se elas estavam hackeando em busca de provas, nada garantia que também não pudessem ser hackeadas – Delphine havia compartilhado com a mãe pelo menos um pouco da raiva e antipatia que sentia de Nealon por conta de sua postura.
– Parece que nenhum lugar do mundo está a salvo de gente ruim.
– Sim. Só espero que isso tudo acabe logo...
– Já se passou praticamente um ano. Logo menos você já vai poder voltar para casa.
Ao ouvir aquilo Delphine não pode deixar de se surpreender. Tanta coisa já tinha acontecido; tanta coisa estava acontecendo que era até difícil de acreditar que apenas onze meses haviam se passado desde o dia em que aterrissou no Canadá pela primeira vez. Seu mundo havia sido virado de cabeça para baixo; ela tinha se tornado outra pessoa e sinceramente não achava que estaria voltando para casa se retornasse a Versalhes. Ela já se sentia em casa.
– Espera um pouco... Aquilo ali é seu? – Manon disse a tirando de seus devaneios enquanto apontava para algum ponto da tela.
– Quoi? – Delphine perguntou se virando para ver o que tinha atrás de si.
– Você comprou um casaco vermelho? – a mãe questionou incrédula. – Sério?
Delphine sentiu a boca ficando seca. Não acreditava que havia sido tão descuidada, era óbvio que Manon estranharia se visse aquela peça de roupa que era tão diferente do que ela estava acostumada a vestir.
Essa era outra situação que já estava ficando insustentável. Não aguentava mais esconder o relacionamento dela com Cosima da mãe. Porém estava esperando há meses pela oportunidade em que se encontrariam e aquela conversa finalmente pudesse acontecer, e esse momento nunca tinha sido tão próximo quanto agora. Ela conseguiria segurar por mais alguns dias...
– Não é meu. É da Cosima. Ela esqueceu aqui.
– Aquela sua amiga? – Manon perguntou, mas acabou prosseguindo mesmo sem uma resposta de Delphine. – Bom, pelo menos a América ainda não mudou minha filha tanto assim. Você e essa moça estão bem próximas, né?
Delphine apenas anuiu com a cabeça.
– Sabe, eu fico feliz que você tenha encontrado uma boa amiga – Manon continuou. – Me sinto mais tranquila sabendo que você não está completamente sozinha do outro lado do mundo.
Delphine tentava se convencer que assuntos delicados deviam ser tratados pessoalmente, olho no olho, não através da tela de um dispositivo qualquer. Mas a forma com que ela se sentia um lixo quando ouvia a mãe se referindo à Cosima como sendo sua "amiga" indicava que talvez aquela não fosse a escolha mais acertada.
– Mãe... Eu tô bem cansada hoje e ainda preciso arrumar alguma coisa pra comer. Será que a gente pode continuar conversando uma outra hora?
– Bien sûr – Manon concordou. – Aqui também já está tarde, eu preciso tentar dormir.
– Depois a gente combina melhor os detalhes da viagem.
– Ok. À bientôt.
– Bonne nuit.
Estranhando o quanto o suposto banho de Delphine estava demorando, Cosima resolveu ir atrás dela. Talvez a namorada tivesse ficado realmente chateada e não custava nada tentar acertar as coisas entre elas.
Porém, para sua surpresa, quando alcançou o quarto encontrou a porta fechada. Aproximando o rosto um pouco mais da superfície de madeira, conseguiu identificar vozes do lado de dentro. A julgar pelas frases completas em francês, certamente a loira devia estar falando com a mãe.
Sabia que ouvir por trás da porta não era certo e esse tipo de invasão de privacidade com toda certeza não era o tipo de coisa que ela ambicionava em um relacionamento, mas mesmo assim Cosima não conseguiu deixar de ficar curiosa quando ouviu a namorada pronunciando seu nome com aquele belo sotaque. No entanto, não era fluente o bastante para conseguir compreender facilmente uma conversa informal entre nativos, ainda mais em uma situação de áudio tão prejudicado como aquela. O sinal claro de que deveria voltar para a sala foi quando identificou a voz de Manon proferindo a palavra "amiga".
De volta ao seu lugar no sofá, Cosima mais uma vez ficou pensativa. Nunca, em hipótese alguma duvidava dos sentimentos que Delphine nutria por si e sabia que o momento de se assumir podia demorar mais para uns do que para outros. Porém não podia dizer que se sentia completamente confortável com aquela condição.
Ansiava pelo dia que não houvessem mais segredos e em que poderia finalmente conhecer a família da loira. Se fossem bem aceitas, seria a prova do tanto de tempo que haviam perdido. Sem não fossem... Bom, pelo menos poderiam expurgar esse fantasma que constantemente insistia em aparecer. E não era só em si que Cosima pensava quando desejava que tudo fosse esclarecido; tinha consciência de que Delphine era quem mais sofria naquela situação. Ela mesma, durante o período que escondeu o fato de estar doente de seus pais, de alguma forma sentia que nunca conseguia ficar completamente em paz por conta disso.
Alguns minutos mais tarde, Cosima ouviu o ruído de uma porta sendo aberta e se virou para ver a francesa vindo em sua direção.
– Hey. Tá tudo bem? – ela perguntou vendo que os olhos de Delphine estavam um pouco avermelhados.
– Sim – a loira respondeu. – Eu estava falando com a minha mãe.
– E ela está bem?
– Sim, ela está vindo para o Canadá na semana que vem.
– Sério? Isso é ótimo.
– Eu devo ir me encontrar com ela em Montreal – Delphine explicou. – Mas não precisa se preocupar, não vou ficar muito tempo fora, um dia no máximo. Não vou deixar que a viagem nos atrapalhe em nada.
– Não, você tem aproveitar que a sua mãe está aqui – Cosima disse buscando a mão dela. – Você precisa relaxar um pouco, Delphine.
– Eu vou relaxar quando tudo isso tiver terminado – ela respondeu em meio a um suspiro. – Teve alguma notícia hoje?
– A M.K. me mandou uma mensagem, nós vamos ter uma reunião amanhã às 10:00 da manhã.
– Ótimo. Espero que a Adele tenha conseguido descobrir mais alguma coisa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro