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Enfrente

Aquela cena havia pego Delphine completamente desprevenida e a atingiu como um soco no estômago. Suas barreiras foram destruídas como um castelo de areia que se desmancha com a maré alta e a raiva que sentia até um segundo antes sumiu sem deixar rastros. Um trovão estrondoso reverberou entre elas, indicando que uma tempestade forte caía do lado de fora.

Eu tô doente, Delphine.

Seus olhos agora livres do filtro do ciúme, puderam ver o real estado em que Cosima se encontrava. A essa altura a morena já tinha baixado a blusa e se encolheu para trás no sofá com uma lágrima escorrendo pelo rosto. Ela estava ainda mais magra do que na última vez em que tinham se visto e dois círculos pretos marcavam a parte de baixo de seus olhos.

Não acredito que eu fui capaz de duvidar da lealdade dela...

– Uma cirurgia? – Delphine murmurou com a voz falha. – Era isso que você estava escondendo de mim o tempo todo?

– No começo eu pensei que era só um cisto... Que não podia ser nada sério...

– E porque não me contou? 

– Eu não queria te preocupar, você estava empolgada com o apartamento novo... – Cosima disse tentando conter o choro. – Então a Dra. Duncan me chamou com urgência para o retorno quando recebeu o resultado do meu exame e me disse que eu teria que operar... A cirurgia coincidiu com a sua viagem e eu sabia o quanto isso era importante pra você...

Eu sou uma maldita egoísta! Delphine pensou se sentindo um nó se formar em sua garganta e o coração ficando cada vez mais apertado.

– A situação estava pior do que eles esperavam e tiveram que tirar meu ovário direito também. – O rosto de Cosima estava molhado e ela precisou recuperar o fôlego antes de continuar falando. – A cirurgia foi na quarta-feira, mas o resultado da biópsia só saiu hoje. O tumor é Carcinoma Epitelial Seroso de ovário.

A francesa se sentiu baquear e a cabeça ficando um pouco zonza. Se levantou da poltrona onde estava e venceu a distância que as separava para abraçar a morena; tentar remediar a dor que se apresentava em forma de soluços incontroláveis. Cosima se entregou ao calor daqueles braços tão amados e, com o rosto enterrado no pescoço da namorada, se permitiu chorar todas as lágrimas que não haviam saído desde que recebeu a notícia naquele dia mais cedo.

– Eu tô com câncer, Delphine.

– Vai ficar tudo bem – ela replicou com suas próprias lágrimas brotando sem controle.

– Eu entendo se você quiser terminar comigo...

– Cosima...

– ... minha vida vai ficar uma merda agora e você não precisa entrar nessa...

– Hey! – Delphine findou o abraço e segurou firmemente Cosima pelos braços. – Eu vou fazer de conta que não escutei isso, ok?

– O tumor já estava muito grande... – a menor falou deixando a cabeça pender para frente.

– Nada disso importa...

– Os índices de mortalidade são muito altos...

– Cosima olhe pra mim! – Ainda segurando os braços dela, Delphine estabeleceu novamente a conexão de seus olhares. – Nós vamos curar você, está ouvindo? – falou imprimindo na voz toda a confiança que conseguiu. – Eu vou te prometer uma coisa. Aqui – a loira pegou uma das mãos de Cosima e a segurou em cima de seu coração. – Eu vou trabalhar e fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que você fique boa. E você vai se curar.

Cosima alternava o olhar entre a mão e os olhos de Delphine. A francesa amparou rosto dela com as mãos, e com toda a saudade contida nos últimos dias, beijou seus lábios.

– Enfrente – ela disse entre beijos. – Enfrente. Viva sua vida com cada gota de paixão que eu sei que você tem... E esse câncer nunca vai te derrotar.

As duas continuaram com as bocas colocadas, suprindo toda a falta que haviam feito uma para outra nos últimos dias e desfrutando daquele momento de enorme entrega. Suas mãos começavam a traçar caminhos afoitos e arriscados para o lugar em que estavam, o que motivou Delphine a findar o encontro de seus lábios.

– Me perdoe – ela disse ainda mantendo seus rostos encostados. – Eu nunca devia ter desconfiado de você daquele jeito.

– A culpa é minha. Você não teria margens pra desconfiança se eu tivesse sido sincera com você.

Elas se mantiveram em silêncio por um instante, apenas com o barulho da chuva se fazendo ouvir.

– Quer saber? – começou Delphine. – Passado é passado. O que a gente pode fazer a partir de agora é não deixar que a nossa falta de comunicação cause mais problemas como esse.

– Concordo.

– Agora me explica direito. Você já se consultou com um oncologista?

– Ainda não. Estava sem cabeça pra marcar a consulta depois que recebi o diagnóstico, aí o Felix ficou de ver isso pra mim.

– Eu mesma cuidaria de você se pudesse, mas a validação do meu diploma ainda não saiu. Para todos os efeitos, aqui no Canadá eu sou apenas uma estudante.

– E vai demorar muito pro conselho de medicina te liberar?

– Talvez, esse tipo de processo burocrático é imprevisível – Delphine disse olhando para a sala ao seu redor. – Até quando você ainda vai ficar aqui?

– Eu nem sei mais. A Dra. Duncan disse que eu posso voltar pra minha pesquisa depois de amanhã, mas tenho que ficar pouco tempo no laboratório e continuar fazendo repouso. Não posso voltar pra casa por causa das escadas.

– Ok. – Delphine parou por um momento, tentando pensar em como daria os próximos passos. Olhou no relógio e o tempo tinha passado mais rápido do que ela esperava. – Então vamos fazer assim. Se tudo acontecer como eu estou imaginando, amanhã vai ser um dia bem corrido pra mim. Você fica aqui na casa da Sra. Sadler por mais um dia. Amanhã de tarde passo para te buscar e você vai ficar comigo lá no apartamento. Tudo bem pra você?

– Claro – Cosima suspirou aliviada.

– Bom, agora acho melhor eu ir embora.

– Não – resmungou a morena. – Por favor, fica mais um pouco...

– Está ficando tarde e eu estou exausta, passei o dia inteiro no aeroporto – Delphine explicou. – Acredita que o avião não pôde decolar porque teve um problema mecânico?

– Sério?

– Seríssimo. Mas também nem dá pra reclamar do atraso, né? Pelo que eu ouvi dizer não tem guincho no céu. – Cosima riu do comentário dela e aquele som trouxe o alívio mínimo que a francesa precisava para se sentir melhor. – Além disso, me parece que já tem outra pessoa querendo conversar com você.

– Del... Por favor, eu já te disse... Eu a Sarah somos só amigas.

– Je sais, chérie. – Delphine pegou a mão dela e deu um beijo. – Eu sei, estava só brincando. Prometo que não vou mais sentir ciúmes dela.

Ou pelo menos que vou tentar não ter ciúmes...

A despedida delas se arrastou até que carro que Delphine chamou estacionasse na rua. Por mais que ela insistisse para que Cosima ficasse deitada no sofá, a morena fez questão de acompanha-la até o lado de fora. A chuva havia dado uma trégua e Delphine pode ver pelo vidro de trás Cosima acenando para ela até que o motorista fizesse a primeira curva.

Depois de um reencontro tão emocionalmente intenso e de ouvir aquela notícia chocante, a loira já não tinha mais dúvidas. Não conseguiria aguardar chegar em casa, quem dirá o amanhecer do próximo dia para escrever aquele e-mail.

"Prezado Sr. Westmorland,

Li com atenção o arquivo que o senhor me enviou, e se a oferta se mantém, ficaria muito honrada em aceitar sua proposta e poder fazer parte desse projeto tão inovador.

Podemos marcar um horário para acertar os detalhes?

Atenciosamente,

Dra. Delphine Cormier."

A primeira parte do dia ainda estava no auge quando Delphine chegou ao edifício espelhado e em linhas retas que abrigava Instituto Dyad. Tão logo o expediente teve início, seu e-mail foi respondido com instruções para que se dirigisse até a sede da empresa. Ela estava de pé em frente ao balcão da recepção há alguns minutos observando o extenso saguão ao seu redor enquanto a recepcionista lhe arranjava um crachá de visitante.

– Prontinho, Srta. Cormier – disse a moça lhe passando o cartão. – O Sr. Westmorland ainda está fora da cidade, mas o Sr. Frontenac irá atendê-la. Ele já está a sua espera no 6° andar da ala leste.

– Certo, obrigada.

Delphine seguiu a sinalização até o elevador, e assim que colocou os pés no andar indicado, um homem se adiantou até ela. Ele tinha a pele negra, o cabelo raspado e usava um terno muito bem alinhado que combinava perfeitamente com sua postura.

– Srta. Cormier, seja bem-vinda ao Instituto Dyad – disse ele estendendo a mão para cumprimentá-la. – Meu nome é Simon Frontenac.

– Muito prazer, Sr. Frontenac.

– Me acompanhe, por favor.

Ele a guiou por um corredor muito menos movimentado que as outras partes do prédio por onde ela havia passado, e por fim, entraram em uma sala fechada com paredes de vidro. A conversa se deu de maneira bem direta e ela precisou assinar um termo de compromisso antes que qualquer outro detalhe da pesquisa em que iria trabalhar lhe fosse revelado. Eram muitas páginas preenchidas com jargões jurídicos em fonte pequena, então a francesa acabou por apenas ler por cima as cláusulas do contrato.

Delphine não ficou completamente feliz com algumas das coisas que encontrou no tratado. Não lhe agradava o tanto que a companhia se preocupava com confidencialidade do estudo. As penalidades seriam duríssimas caso alguma informação vazasse ou ainda se ela decidisse sair do projeto antes do vencimento do contrato. O fato de que não teria quase nenhuma autonomia de trabalho também não lhe enchia os olhos; não foi assim que ela sonhou em desenvolver sua tese de PhD. No entanto, o que mais a preocupou foi a condição de que todas os indivíduos em que testaria o tratamento, deveriam ser previamente analisados e indicados por uma comissão do Dyad.

Uma sensação estranha preencheu Delphine. Era como se algo a estivesse alertando para que desistisse daquilo, voltasse para casa e pensasse em outra coisa para estudar. Algo que não se envolvesse com o Dyad. Mas naquele momento seu coração tinha argumentos muito mais convincentes:

Eu preciso fazer isso pela Cosima. Esse tratamento além de poder salvar a vida dela provavelmente será muito menos sofrido do que todas as outras opções convencionais.

Cedendo à emoção, Delphine acabou por assinar os papeis e entregá-los ao Sr. Frontenac.

– Quando eu posso começar? – ela perguntou.

– Assim que nós terminarmos aqui, você receberá um e-mail com uma senha para poder acessar o banco de dados relacionado a essa pesquisa. Seu orientador, o Dr. Nealon, também irá assinar um termo de compromisso ainda essa tarde. Nossa equipe já está fazendo um levantamento de todos os pacientes que fazem tratamento de algum tipo de câncer no hospital escola e irá selecionar os casos que podem se adequar ao estudo. Assim que a lista de nomes ficar pronta, nós entraremos em contato com os médicos responsáveis pelo caso deles e discutir a possibilidade de incluí-los nos testes. Uma vez que forem liberados, caberá a você se reunir com eles e recolher as assinaturas para a partir daí, dar início aos testes.

– Ok. E eu devo continuar nos laboratórios da Universidade ou irei realizar o experimento nas instalações do Dyad?

– Sempre na Universidade, você irá conseguir a permissão para uma sala privada. Como o Sr. Westmorland já deve ter lhe informado, esta é uma pesquisa altamente confidencial. Além de ser expressamente proibido que você compartilhe qualquer detalhe com qualquer um que não esteja envolvido no estudo, para todos os efeitos esse é o seu projeto de conclusão do doutorado, sem ligação alguma com o Instituto.

Isso não soa nada bem...

Delphine voltou para casa com a mente inquieta. Como o prometido, um e-mail havia chegado o que a permitiu dar uma olhada nas informações do banco de dados enquanto preparava um lanche rápido. Tudo o que havia sido omitido no relatório que ela recebeu no dia anterior, estava agora à sua disposição. Todos os dados brutos assim como o roteiro para realização do experimento e a sua metodologia.

Tentando deixar mal pressentimento com relação ao Instituto de lado, ela procurou se focar apenas na ciência. Seria impossível para qualquer profissional da área não ficar admirado e entusiasmado com a magnitude daquele projeto e não foi diferente com Delphine. Sua vontade era de dar início a pesquisa naquele exato momento, mas uma vez que isso não seria possível, a loira tratou de começar a fazer uma lista de todos os tópicos que deveria revisar ao longo daquela semana.

Depois de arrumar e limpar o apartamento para que Cosima tivesse o máximo de conforto possível, Delphine se viu pela primeira vez em dois dias sozinha e sem ter algo o que fazer com urgência. Parece que só então, no silêncio de seu quarto, que a ficha caiu e ela se permitiu afundar a cabeça no travesseiro e deixar que as lágrimas transbordassem se seus olhos em uma tentativa de aliviar sua tristeza e senso de culpa.

Era doloroso pensar que havia agido de maneira tão fria e até mesmo agressiva com Cosima no momento em que a morena mais precisava de seu apoio. Era ainda mais devastador pensar no fato de que a mulher que ela amava estava doente, não com um mero resfriado, mas com câncer, uma doença que poderia tirar a vida dela.

Como pesquisadora e profissional da área da saúde, Delphine se esforçou para levar em conta a juventude e vitalidade de Cosima. No entanto, devido a todo seu conhecimento médico, a francesa sabia que justamente por ela ser tão jovem, aquilo fazia com que seu tipo de câncer pudesse ser mais raro e talvez mais agressivo que a média. 

Foi nesse momento em que ela se lembrou daquele dia, de quando estava fazendo a massagem para ajudar na cólica de Cosima e que sentiu um volume anormal no abdômen dela.

E aquele não foi o único sinal de alerta que o corpo da morena havia dado, outros sintomas também estavam presentes. Alguém próximo que tivesse o conhecimento necessário deveria ter sido capaz de reconhecer os sinais. Alguém como ela.

Eu não posso falhar novamente. 

Quando sentiu os olhos já doloridos e provavelmente inchados, Delphine se levantou, sentou-se na beirada da cama, respirou fundo e esperou que os últimos soluços passassem.

Isso acaba aqui, ela pensou enxugando o rosto com a barra da camiseta. Agora eu preciso ser forte por mim e por ela.

Com a cabeça erguida e os olhos secos, Delphine se esforçou a pensar de forma prática. Conhecendo Cosima como conhecia, se ela tinha recebido alta médica para voltar ao laboratório nada conseguiria continuar a mantendo o dia todo em repouso. No entanto, uma semana de pós-operatório de uma ooforectomia, ainda mais envolvendo um tumor maligno, era sem dúvidas um prazo bastante otimista, para dizer o mínimo. Delphine teria que cuidar para que ela se esforçasse o mínimo possível.

Dessa vez, quando estacionou na frente da casa de Siobhan no final da tarde, as crianças da escola do outro lado da rua ainda não tinham todas ido embora. Com o céu aberto, as risadas infantis e com o tumulto dos pais indo buscar seus filhos, a Morse Street estava com uma atmosfera bem diferente do dia anterior; estava mais alegre.

Quando deu três batidinhas na porta, Delphine sentiu um frio na barriga, mas hoje isso foi motivado pela expectativa de reencontrar Cosima. O sorriso que se abriu em seu rosto foi inevitável ao ver que foi a morena quem veio atender a porta. A aparência dela estava melhor do que da última vez, até mesmo seus olhos voltaram a ser delineados.

– Hey!

– Oi, eu pensei que você fosse demorar mais um pouco para chegar – Cosima disse tentando espiar por cima dos ombros de Delphine. – O motorista está esperando?

– Não – a loira respondeu rindo. – Não precisa se preocupar com motorista.

– Ótimo! Eu estou acabando de pegar as minhas coisas. Vem, entra aqui.

Delphine entrou na casa, agora se sentindo bem mais leve. Assim que pisou na sala, Cosima foi até uma maleta que estava em cima do sofá com algumas peças de roupa ainda escapando pelas bordas e ajeitou tudo para que pudesse ser fechada. No momento seguinte, Siobhan apareceu trazendo consigo alguns frascos e indo em direção à morena.

– Cosima, aqui estão os seus remédios. Acho que peguei tudo, mas se você sentir falta de alguma coisa é só me avisar que eu dou mais uma olhada por aqui e te levo depois. – Só quando a mulher terminou de falar é que pareceu notar a presença da francesa ali com elas. – Boa tarde, Delphine.

– Boa tarde, Sra. Sadler.

– Ah, por favor, deixe as formalidades de lado. Todo mundo me chama de S.

– Se prefere assim, Sra. S.

– Bom, eu estou pronta – falou Cosima se virando para elas com as mãos apoiadas na cintura. – Podemos ir?

– Vocês não querem esperar o jantar? – perguntou Siobhan. – Já está quase pronto.

– Agradeço, mas não será necessário – respondeu Delphine. – Eu deixei nossa comida pronta antes de vir pra cá.

– Entendo. A Cosima falou muito sobre os seus dotes culinários. – Ouvir aquilo fez a loira sentir o rosto esquentando. – Então deixe pelo menos que eu leve vocês em casa. Não faz sentido pagarem um táxi com meu carro parado na garagem.

– Acho que vou precisar recusar novamente.

Cosima a olhou com uma expressão confusa quando Delphine tirou um par de chaves do bolso.

– Você comprou um carro?

– Não, ainda não. Por enquanto só aluguei para alguns dias.

– Nesse caso... – Siobhan se aproximou de Cosima e a colocou dentro de um abraço. – Tchau, querida.

– Tchau. E muito obrigada, S, de verdade. Eu não sei nem como agradecer por tudo o que você fez por mim nesses últimos dias.

– Foi um prazer ter você comigo, amor. Se precisar de qualquer coisa é só me ligar.

– Pode deixar.

Delphine pegou a maleta e elas foram em direção à saída. Enquanto a loira ajeitava as coisas no banco de trás do sedan prateado, Cosima terminou de se despedir de Siobhan. A francesa abriu a porta do passageiro, e logo na sequência a morena veio até ela e se ajeitou no banco. Por fim, Delphine deu a volta e acenou para S antes de entrar no carro e dar partida.

Você está com fome? – Delphine perguntou ao chegarem em casa.

– Um pouco.

– Então vez cá – a loira disse reaparecendo na sala – Eu vou esquentar pra você.

As duas foram para cozinha e Cosima se sentou à mesa enquanto a outra colocava os pratos no micro-ondas.

Esse apartamento era maior e mais confortável que o anterior, e de detalhe em detalhe, Delphine ia transformando aquele lugar em um verdadeiro lar. Mas o que ela percebeu ali naquele momento, é que o conceito de lar pouco tinha a ver com as paredes, os móveis ou qualquer outro aspecto material. Percebeu que só conseguia se sentir realmente bem e completa quando a morena estava presente.

Elas conversaram durante todo o jantar. Os dias que ficaram afastadas pareciam estar rendendo uma quantidade impressionante de assunto, ainda que fosse em sua maioria coisas aleatórias e corriqueiras. Por incrível que pareça, as palavras "câncer", "hospital" e "cirurgia" não foram mencionadas nem uma só vez.

– Nossa, eu já tava morrendo de saudade da sua comida.

– Da minha comida? Sério? – Delphine se esforçou para parecer ofendida. – É da minha comida que você estava com saudade, não de mim?

– Da sua comida... – Cosima se levantou com um sorriso malicioso no rosto e deu a volta na mesa parando ao lado de Delphine, que afastou a cadeira para que ela se sentasse em seu colo. – De você... Do seu cheiro... Do seu corpo...

– Hey, Cosima, espera – Delphine freou o avanço dela que já beijava seu pescoço se subia a mão por sua perna. – É melhor não começar o que você sabe que não vai poder terminar. Ainda está se recuperando da cirurgia.

Cosima resmungou de frustração e escondeu o rosto no ombro da francesa. Delphine lamentava não poder prosseguir, pois também estava morrendo de saudades de tudo aquilo.

– Quer saber? – disse a morena levantando a cabeça e a olhando nos olhos. – Acho que nós vamos ter que compensar isso com uma maratona de série. A última vez que eu assisti foi com você e eu não aguento mais esperar pra saber como a última temporada de Killing Eve termina.

Delphine mordeu os lábios e desviou o olhar, o que prontamente denunciou sua culpa.

– O quê? – Cosima questionou indignada. – Tá brincando que você assistiu sem mim?!

– Desculpa... Eu estava chateada porque pensei que você estava me traindo.

– Assistir a nossa série sozinha, isso sim é traição!! – disse ela fingindo ultrage.

– O que eu posso fazer para me redimir?

– Não sei... Acho que não tem perdão pra o que você fez...

Delphine pegou a mão dela e deu um beijo.

– Nem se eu preparar um banho bem gostoso pra você, depois te levar pra cama e assistir até o último episódio, dando o meu melhor pra fingir surpresa a cada cena e prometendo que não vou te dar nenhum spoiler?

Cosima olhou para cima com um ar desdenhoso, como se ponderasse a oferta.

– Ok – ela acabou por dizer. – Acho que eu posso aceitar isso.

– Muitíssimo obrigada, senhorita.

– Mas não vai se acostumando não. Hoje eu tô com o coração mole desse jeito porque estou morrendo de saudade de uma certa senhorita e não quero perder um segundo sequer ao lado dela.

– Hmm, acho que essa moça aí tem muita sorte.

Então elas acabaram se entregando as risadas, incapazes de sustentar aquela brincadeira por mais tempo. Cosima se inclinou para beijar Delphine antes de se levantar do colo dela, a liberando de vez.

A loira foi para o banheiro começar a encher a banheira enquanto Cosima ficou no quarto para pegar uma roupa para vestir depois que terminasse o banho. O clima entre elas que até então estava tão agradável e leve, mudou totalmente quando a morena retirou a blusa e pontos da cirurgia ficaram visíveis. Foi como se aqueles pequenos pedaços de linha escura fechando os cortes em pleno estágio de cicatrização tivessem funcionado como um aviso, as lembrando de que tudo não estava assim tão bem.

– Vem cá – falou Delphine. – Deixa eu te ajudar.

Primeiro ela ajudou Cosima a se sentar na borda da banheira para só depois deslizar o corpo para dentro da água. Delphine se ajoelhou no chão, alcançou a esponja, derramando um pouco do sabonete perfumado sobre ela e começou a passar delicadamente nas costas da morena. O vapor d'água carregava o ar, espalhando a suave fragrância de erva doce que a espuma começa a liberar.

– Agora que nós já nos acertamos, me conta – começou Cosima. – Como foi lá no congresso?

– Incrível – Delphine respondeu com um suspiro. – Não dá nem pra acreditar na quantidade de trabalhos incríveis que estão sendo desenvolvido e que a maioria da população não vai nem ficar sabendo que existem.

– Mas e quanto a sua pesquisa? Conseguiu pensar em alguma coisa?

– Bom, melhor que isso na verdade – ela disse sorrindo satisfeita. – No último dia de evento, eu estava saindo de uma palestra com o Dr. Nealon quando um amigo dele parou a gente. O homem era o próprio presidente do Instituto Dyad.

– Você conheceu o presidente do Dyad? – Cosima disse impressionada. – Wow!

– Pois é, mas a história não acaba aí. Nós fomos almoçar e depois de conversar um pouco, ele acabou me chamando para participar de uma pesquisa que eles estão desenvolvendo.

– Sério? E você aceitou?

– Sim – ela respondeu sorrindo. – Hoje mesmo eu já fui lá na empresa assinar o contrato.

– Nossa Del, eu estou tão feliz por você! O Dyad é, tipo, uma das maiores empresas de biotecnologia do mundo! Todas as portas vão estar abertas pra você por já ter trabalhado com eles! Quer dizer, você não vai largar o doutorado, né? Eles vão te patrocinar?

– Não, eu não largaria o doutorado de maneira alguma, até porque meu visto é de estudo. Eu meio que vou trabalhar na fase de testes em humanos de uma pesquisa que eles já começaram. Obviamente vão estar por trás de tudo e eu vou precisar me reportar a eles, mas no geral vou continuar na universidade e trabalhando sozinha.

– E que pesquisa é essa?

– Acho que você não vai acreditar. Depois que voltei pra Toronto, nem eu tô acreditando no tamanho da coincidência.

– Ai, assim você me deixa curiosa. Fala de uma vez!

– É uma pesquisa sobre câncer, Cosima – ela disse se concentrando em pegar punhados de água com a mão e despejar sobre os ombros da morena.

– Como é?

– Eu vou testar uma vacina para o câncer. É basicamente um novo tipo de tratamento imunoterápico. Uma das funções é preparar melhor o organismo de pessoa com tendências ao câncer para que não permita que a doença se desenvolva, mas eu vou trabalhar com as pessoas que já ficaram doentes. O sistema imune delas é estimulado para que consiga combater a doença sem que outras drogas sejam administradas.

Cosima ficou em silêncio, processando as informações que tinha acabado de ouvir. A francesa pensou que a qualquer instante fosse começar a ouvir as engrenagens na cabeça dela trabalhando. Não demorou muito até ela se virar para Delphine com os olhos brilhando e perguntar:

– Para qual tipo de câncer que é?

– Qualquer um – Delphine falou olhando fundo em seus olhos. – A grande questão é forma de estimular o corpo, então o local em que a doença se instala não faz tanta diferença.

– E os testes em animais foram promissores?

– Melhor do que isso. A taxa de sucesso foi quase 100%, sem contar a baixíssima quantidade de efeitos colaterais.

– Eu quero participar – disse ela decidida.

– Foi justamente em você que eu estava pensando quando aceitei. Mas isso não depende só de mim. Você vai precisar da autorização de um oncologista e depois ainda tem que ter a liberação da cúpula do Instituto para que eu possa administrar o tratamento em você.

– Eles vão autorizar! Nem que eu precise passar por todos os médicos do Canadá e ameaçar o dono do Dyad em pessoa!

– Eu espero que isso não seja necessário, chérie – falou Delphine com um sorriso tomando seu rosto.

Mesmo tendo sua camiseta ligeiramente molhada, ela se inclinou sobre Cosima e a abraçou, terminando o movimento com um beijo em seus lábios.

– Eu só preciso que você me prometa uma coisa – pediu Cosima com um tom bem mais sério depois que elas se separaram.

– Qualquer coisa.

– Eu não quero que as coisas mudem entre nós. Depois que eu terminar de me recuperar dessa cirurgia, quero que tudo continue sendo como sempre foi. Não quero que sinta pena de mim ou que me olhe como uma moribunda.

– Cosima, a única coisa que eu consigo sentir de você é orgulho.

– Ok – dessa vez foi a morena quem pegou a mão de Delphine e a levou aos lábios. – Agora me ajuda a levantar daqui que essa água já está ficando gelada.

Delphine fez menção de se erguer, mas quando seus olhos se depararam com a mancha vermelha que se espalhava pela água da banheira, ela congelou no mesmo instante. O rastro de sangue vinha direto do meio das pernas de Cosima, que também acabou olhando naquela direção dado o alarme da francesa.

– Merda.

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