Desista
Na manhã seguinte quando Delphine saiu de casa o sol estava mal estava começando a despontar no céu. Obviamente ao chegar no hospital ainda era cedo demais e a tal Dra. Bailey ainda não estava lá. Então ela simplesmente se encostou na parede ao lado da porta da sala de diagnósticos por imagem e esperou.
Delphine sentia o corpo dolorido e a cabeça pesada; quase não havia conseguido pregar os olhos naquela noite e nas poucas vezes em que conseguiu o feito de pegar no sono, foi atormentada por sonhos agitados, envolvendo hemorragias e multidões, que logo a faziam acordar novamente.
– Bom dia, você é a nova interna que foi admitida depois do prazo? – disse uma médica baixinha ao se aproximar dela.
– Bom dia... Não, eu sou estudante de PhD – Delphine respondeu a ela um pouco confusa. – Dra. Bailey?
– Isso.
– Oi, doutora, é com a senhora mesmo que eu preciso falar. Meu nome é Delphine Cormier.
Então Delphine prontamente explicou a ela seu caso. Como prometido, a moça no dia anterior já havia deixado o exame de Cosima separado, faltando apenas a autorização da Dra. Bailey.
A francesa estava esperando receber um envelope grande, do qual já poderia abrir imediatamente e ver as imagens dos pulmões da morena. Porém contrariando suas expectativas, tudo o que a médica voltou lhe trazendo, não passava de um mero DVD.
Com o disco em mãos, Delphine se colocou em movimento em direção à sua sala. Embora o caminho não fosse longo, a impressão que ela tinha é que a cada passo que dava, a distância até seu destino ia ficando cada vez maior.
Quando chegou, ela rapidamente destrancou a fechadura e passou apressada pela porta. Se sentou em sua cadeira; e como nunca antes, o computador pareceu demorar uma eternidade para iniciar. No entanto, quando chegou a hora de colocar o DVD na porta de entrada, toda a ansiedade de Delphine se converteu em medo. De repente ela não tinha mais certeza realmente queria ver aquelas imagens e o diagnóstico que elas guardavam.
Mas que opção ela tinha? Era dever dela como médica da paciente 324b21 e também como indivíduo de amava profundamente Cosima.
Então Delphine cuidadosamente colocou o disco na bandeja do computador destinada a isso e fechou os olhos enquanto ela se recolhia.
Quando a loira focou na tela e viu o programa iniciando, logo ao se deparar com a primeira imagem do exame um nó se formou em sua garganta e ela pode sentir o estômago revirar.
Como que ela gostaria que suas suspeitas tivessem se mostrado erradas...
Os brônquios do pulmão esquerdo de Cosima estavam repletos de implantes tumorais, e outras pequenas manchas indicavam que o processo já estava começando a se repetir do lado direito. Vendo aquilo Delphine não conseguia entender como a doença havia conseguido evoluir tão rapidamente mesmo com o tratamento imunoterápico em andamento.
As lágrimas desciam em cascatas, impedindo que ela conseguisse analisar maiores detalhes. Mas francamente, Delphine já tinha visto o suficiente.
Então ela ejetou o DVD do computador e o voltou para dentro do envelope. Procurou pelos relatórios de Cosima em seus arquivos e esperou de pé ao lado da impressora enquanto os papéis ficavam prontos. Por fim, ajeitou tudo dentro de uma pasta e se dirigiu para a saída da sala. Com um pouco de sorte, àquela altura o Dr. Nealon já teria chego na universidade.
Quando saiu pelos corredores do hospital, o corpo de Delphine parecia estar a levando de forma autônoma em direção ao prédio dos professores da universidade. Sua cabeça estava a mil, fazendo com que ela quase não reparasse no homem que a cumprimentou quando passou por ele.
– Bom dia, Dra. Cormier.
Delphine demorou um segundo para reconhecer a voz como sendo do Dr. Duncan. Ao se virar para ele, percebeu que o médico estava abrindo a porta de seu consultório.
– Ah, me desculpe por isso – ela disse passando a mão no cabelo. – Bom dia, Dr. Duncan.
– Por que tanta pressa assim tão cedo? – ele perguntou recebendo apenas um sorriso dela como resposta.
Depois que Cosima deixou de ser paciente do Dr. Duncan, Delphine já o havia encontrado em algumas ocasiões rápidas e pontuais, geralmente de passagem pelos corredores ou ainda no horário de almoço no restaurante. Ele sempre havia sido muito simpático com ela e certamente era uma referência em sua área.
– Doutor, – ela arriscou pedir – o senhor teria um minuto?
– Deixe-me ver – ele falou conferindo seu relógio de pulso. – Meu primeiro paciente chega daqui vinte minutos, se você não ser demorar...
– Eu serei breve.
– Tudo bem. – O médico terminou de abrir a porta. – Por favor, entre.
Logo que se acomodou na cadeira de frente a mesa dela, Delphine foi direto ao ponto. Ethan ainda se lembrava vagamente do caso de Cosima e a francesa preencheu as lacunas que ele desconhecia, lhe fornecendo a maior quantidade de detalhes que seu termo de sigilo lhe permitia.
– E então – ela falou observando a expressão dele ao analisar a tomografia da morena. – O que o senhor me diz?
– Realmente me parece um tumor bastante agressivo – ele disse franzindo as sobrancelhas – No entanto ainda está em um estágio bem inicial nos pulmões, me surpreende que a Srta. Niehaus já esteja apresentando sintomas.
– O que o senhor faria no meu lugar? – Delphine perguntou. – Continuaria com a imunoterapia ou partiria para um tratamento convencional?
– Veja bem, Dra. Cormier, não seria prudente da minha parte te responder essa pergunta – ele respondeu devolvendo a ela o disco contendo o exame. – Até mesmo porque você está conduzindo uma pesquisa de mestrado, o seu orientador é quem deve te auxiliar a encontrar essa resposta. No entanto, o que os meus vários anos trabalhando com pacientes oncológicos me ensinaram, é que com câncer não se brinca. Essa é uma doença ardilosa, o câncer de pulmão ainda é o que mais mata no mundo, mas quando o diagnóstico é feito precocemente e o tratamento adequado iniciado de maneira rápida, as perspectivas de sobrevida são otimistas.
Delphine fez menção de continuar a falar, mas foi interrompida por alguém batendo na porta.
– Pode entrar – o médico falou.
– Com licença, Dr. Duncan – uma moça ruiva disse colocando a cabeça para dentro do consultório. – O senhor Yang já chegou, devo mandá-lo esperar?
– Sim, diga que eu já irei chamá-lo. Obrigado Grace.
Assim que a moça voltou a fechar a porta, Delphine começou a recolher e guardar os papéis que havia disposto sobre a mesa para que Ethan analisasse.
– Sinto muito, senhorita, receio que o nosso tempo se esgotou.
– Sem problemas, doutor – Delphine se levantou e estendeu a mão a ele. – O senhor já ajudou bastante, obrigada.
Após o breve aperto de mãos, a loira se virou e foi em direção à saída do consultório.
– Só mais uma coisa, Dra. Cormier – ele falou chamando a atenção dela.
– Sim? – Delphine disse se voltando para ele.
– Tem um motivo pelo qual o conselho de medicina recomenda que nós não cuidemos daqueles dos quais nutrimos uma relação afetiva. A emoção acaba falando mais alto que a razão quando se trata de alguém que a gente ama. E pelo que sei, a emoção nem sempre é a melhor juíza em algumas situações
Delphine ficou parada o olhando por um instante.
É claro que ele sabia da relação dela com Cosima...
– Mais uma vez, obrigada, Dr. Duncan – ela disse com um leve sorriso no rosto. – Espero poder voltar a vê-lo em breve, dessa vez como acompanhante de uma de suas pacientes.
Delphine saiu do consultório do Dr. Duncan bem mais decidida – e também mais esperançosa – do que quando havia entrado. Alguns minutos depois chegou na secretária do prédio dos professores. Àquela altura do ano, depois de inúmeras visitas e reuniões, a secretária nem ao menos pedia o crachá dela, liberando prontamente sua passagem.
Quando bateu na porta do Dr. Nealon, a francesa estava certa que a saída de Cosima era indiscutível e que a conversa com seu orientador seria sobretudo para resolver a burocracia que viria do Dyad.
– Bom dia, Dr. Nealon – Delphine disse ao entrar na sala.
– Bom dia, Srta. Cormier – ele respondeu em seu costumeiro tom sério. – Aconteceu algum problema?
A pergunta dele provavelmente se devia ao fato de que, ao contrário do que era usual, Delphine não havia marcado um horário com antecedência.
– Na verdade, sim – Ela se acomodou em seu lugar de costume na cadeira de frente a ele. – Eu acabei de pegar os resultados do último exame da paciente 324b21.
– Perdão? – ele disse visivelmente não sabendo a quem ela se referia.
– A paciente com câncer de ovário – Delphine explicou passando para ele os relatórios de Cosima e o DVD com as imagens.
– Ah, sim...
– Ela apresentou uma piora abrupta, o que me faz pensar que o tratamento já não está mais surtindo efeito.
Então a loira ficou em silêncio por um tempo enquanto aguardava que ele analisasse o caso.
– De fato, o quadro dela teve uma piora considerável. – Minutos depois Dr. Nealon disse devolvendo os papéis para Delphine sem esboçar nenhuma preocupação ou surpresa.
– O que eu preciso fazer para retirá-la do experimento?
– Retirá-la do experimento? – Nealon disse forjando uma expressão confusa no rosto.
– Sim – ela disse franzindo o cenho.
– E por que você faria isso?
Delphine ficou sem saber o que dizer, completamente abismada com a postura dele.
– Diga-me, essa não é a mesma paciente que você fez tanta questão de incluir no estudo logo que começamos? – Nealon disse inclinando o corpo para frente e apoiando os cotovelos no tampo da mesa.
Delphine se sentiu encolher; desviou o olhar dele e apenas assentiu com a cabeça.
– Veja bem, Srta. Cormier, este se trata de um trabalho sério. Não se pode simplesmente admitir e descartar cobaias ao seu bel prazer.
Ao ouvir isso Delphine pareceu despertar. Aquela pontuação fez seu sangue esquentar e ela esperou não ter ficado vermelha demais. Ajeitou a postura na cadeira, pronta para contrapor o que ele havia dito.
– O senhor me desculpe, Dr. Nealon, mas isso não se trata de um mero capricho meu – ela disse com a voz firme. – Nós estamos lidando com um ser humano aqui. Uma pessoa que confiou em nós para se curar e agora está tendo uma piora que pode lhe ser fatal!
– Não seja tão extrema, isso pode ser apenas uma recaída passageira. – Delphine fez menção de rebater seu argumento, porém ele continuou a falar. – Além disso, não se esqueça que esta é uma pesquisa; um tratamento pioneiro. As falhas são previsíveis e até mesmo desejáveis para que possamos aperfeiçoar o método. A medicina não se faz apenas de vitórias, Srta. Cormier, as baixas fazem parte do processo e isso já devia ser de seu conhecimento à essa altura.
– Então é isso? – Delphine perguntou indignada. – Vamos simplesmente monitorar o adoecimento dela?
– Os pacientes são informados dos riscos antes de assinar o termo de compromisso com a pesquisa. A menos que a senhorita tenha forjado a assinatura dela, com 324b21 não foi diferente – Nealon disse começando a ficar irritado. – Sabe, quando estava alisando seu currículo imaginei que você fosse mais firme, senhorita. Talvez seja um erro esperar que mulheres não acabem cedendo ao sentimentalismo.
Delphine precisou morder a boca e contar até dez para não soltar a enxurrada de xingamentos que ficaram presos na ponta de sua língua. Então ela respirou fundo e se preparou para deixar a sala dele.
– Entendi seu ponto, doutor, mas não posso dizer que concordo com ele. Acredito que a nossa maneira de exercer a medicina talvez caminhem por vias bem contrárias – Delphine disse se levantando. – De qualquer forma, agradeço pelo seu tempo.
– Ao seu dispor – Nealon falou se recostando em sua luxuosa cadeira de couro. – Se assim desejar, você pode formalizar um pedido de desligamento junto ao Dyad.
– Irei – ela pontuou. – Muito obrigada.
... por nada.
Sem perder mais tempo e com o sangue fervilhando de raiva, Delphine se retirou do escritório dele contendo o impulso de bater a porta atrás de si.
No caminho de volta a sua sala na ala oncológica do hospital, a vontade da francesa era de gritar toda sua frustação para fora. Quando foi procurar o orientador, seu objetivo era tirar Cosima definitivamente do experimento, para que quando voltassem a conversar aquilo não fosse mais uma questão e elas não acabassem discutindo novamente, como Delphine imaginava que inevitavelmente fosse acontecer caso ela voltasse apenas com o resultado dos exames.
Mas o Dr. Nealon havia dificultado tudo com aquela postura. Ela não conseguia entender como um profissional tão desprovido de ética – e por que não, de humanidade – poderia ser tão bem renomado em sua área. Por um instante, Delphine se arrependeu amargamente do momento que fez a aplicação para se tornar aluna dele. Porém, no instante seguinte, se lembrou que se não fosse por isso ela não teria vindo ao Canadá e nunca teria conhecido Cosima. Com isso em mente, ela prontamente tratou de afastar aquele pensamento.
Logo que entrou em sua sala, acabou batendo a porta com mais força do que intencionava. Prontamente voltou a se sentar na frente do computador e abriu o portal do Dyad destinado da pesquisa. Fuçou no site até que finalmente achou um modelo do tal termo de desligamento sugerido pelo Dr. Nealon. Delphine preencheu todos os campos da ficha com bastante atenção, dedicando especial afinco à escrita da justificava para a retirada de Cosima da pesquisa.
Quando finalmente ficou satisfeita com a colocação de seus argumentos, se deteve no momento de enviar o e-mail. Talvez se ela fosse levar aquele pedido pessoalmente até o Instituto... Talvez conseguisse expressar a urgência do caso e se tivesse um pouco de sorte até mesmo conversar com um dos responsáveis pela pesquisa.
Então Delphine imprimiu os papéis, anexou os exames e mais uma vez saiu da sala. A sede do Dyad ficava bem distante do Hospital, e se ela não quisesse atrasar seus atendimentos da parte da tarde, era melhor ela não perder mais tempo.
Quando chegou ao prédio do Instituto, Delphine foi logo de cara orientada a aguardar na sala de espera. Segundo a recepcionista, estava acontecendo uma reunião muito importante e não havia ninguém para atende-la no momento.
Sendo obrigada a ficar naquele confortável sofá de couro em meio aquele saguão tão grande e movimentado, com funcionários indo e vindo a todo momento, Delphine se lembrou de Charlotte. Mais precisamente da menina lhe contando de quando precisou passar por uma situação semelhante à dela, porém com a mãe sendo uma das integrantes da reunião. Por conseguinte, também pensou na pequena Aisha; o que ela havia vindo fazer no Dyad – ainda mais tenho sido atendida pelo próprio Sr. Westmorland – continuava um mistério para a francesa.
Contrariando as expectativas de Delphine, que imaginou que teria que ficar esperando ali por horas, não demorou muito para que a recepcionista a chamasse de volta ao balcão e a informasse que a tal reunião já havia terminado. Ela deveria subir até o mesmo andar em que esteve em sua primeira visita ao Instituto e mais uma vez seria atendida pelo Sr. Frontenac.
Quando as portas do elevador se abriram, Delphine precisou dar um passo ao lado para liberar a passagem de uma enxurrada de executivos que saíram de lá de dentro. Porém em meio a todos aqueles engravatados, um em especial chamou a atenção da loira. Obviamente ele não a conhecia, mas Delphine identificou o homem careca como sendo o Dr. Leekie, orientador de Cosima. Ela não tinha nem ideia de que ele também trabalhava – ou pelo menos tinha qualquer relação – com o Dyad e duvidava muito que Cosima soubesse de algo e nunca tivesse comentado com ela. Talvez a ligação do Instituto com a Universidade fosse maior do que a francesa tinha imaginado a princípio.
Na subida, Delphine ocupou a caixa metálica sozinha. Quando chegou em seu andar de destino, foi como um flashback encontrar o Sr. Frontenac já parado esperando por ela. Os cumprimentos foram breves e logo o homem a dirigiu até a mesma sala da última vez, porém agora de uma forma não tão cortes.
– Não sei se não ficou suficientemente claro, Srta. Cormier – ele disse. – Mas suas visitas até a nossa sede devem ser evitadas
– Ficou bastante claro, senhor – Delphine disse pegando os papéis. – No entanto eu julguei que fosse importante eu entregar isso pessoalmente.
– Um pedido de desligamento? – Frontenac disse analisando o documento que ela havia entregado a ele. – Isso poderia ter sido encaminhado por e-mail.
– Eu sei, mas eu pensei que talvez pudesse conversar com um de seus pesquisadores...
– Receio que isso não vá ser possível – ele falou impedindo que ela continuasse. – A senhorita conversou com o Dr. Nealon sobre isso? Ele tem autonomia para tirar cobaias do experimento.
– Sim, eu conversei com ele antes de vir até aqui. Infelizmente eu e o Dr. Nealon não entramos em um acordo a respeito dessa paciente.
– Sabe, senhorita, o Dr. Nealon conta com a nossa total confiança. Se ele discorda desse desligamento, duvido muito que iremos ir contra isso.
Então o Sr. Frontenac abriu uma das gavetas da mesa e deixou os papéis que lhe haviam sido entregues lá dentro.
– Eu escrevi uma justificava bem detalhada e bem fundada – ela pontuou.
– E ela será analisada assim que possível – ele disse cinicamente. – Tão logo tivermos um parecer, a senhorita será informada.
Delphine não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Era basicamente sua segunda derrota em um mesmo dia; em um intervalo de poucas horas.
– Agora, se isso for tudo, sinto em lhe dizer que minha agenda está bastante cheia hoje...
– Claro, eu já estou de saída – Delphine disse se levantando. – Só mais uma coisa, senhor. Por acaso os meus pacientes recebem mais algum tipo de tratamento além do que eu mesma administro no Hospital Escola?
– De forma alguma – ele respondeu em um tom ainda mais sério. – Não sei porque essa ideia lhe surgiu, Srta. Cormier, mas os seus pacientes estão sob cuidados exclusivos seus e do Dr. Nealon.
Delphine o encarou por um instante. Talvez ele até pudesse não estar sabendo da vinda de Aisha até o Dyad, mas ela duvidava muito que isso fosse verdade.
Depois de agradecer pela "atenção" do Sr. Frontenac e uma breve despedida, Delphine saiu da sala e foi sozinha em direção à saída.
A tarde da francesa foi agitada. Entre uma paciente e outra ela foi tentando adiantar um pouco dos relatórios que ela deveria ter feito no período da manhã. Seu serviço teria sido mais simples uma dor de cabeça inconveniente não tivesse lhe acometido.
Foi só quando a última paciente do dia saiu pela porta do consultório que ela se permitiu sentar e tentar relaxar um pouco. No entanto, obviamente não foi possível, tendo em vista que, uma vez que suas outras obrigações diminuíram de importância, o caso de Cosima voltou a tomar conta de seus pensamentos.
Delphine não já tinhas mais dúvidas a respeito de o que fazer, mas sim de como fazer. Como convencer a morena de que aquela era a única solução plausível e aceitável. Já que o Dr. Nealon havia declinado e dificilmente elas fosse conseguir algum apoio do Dyad, aquilo teria que ser resolvido entre as duas. Aparentemente tinha chegado a hora de improvisar.
Então a loira pegou suas coisas e foi em direção à saída. Ligar para Cosima para saber se ela estaria em casa nem passou pela cabeça de Delphine. Porém quando bateu na porta do apartamento dela, foi Felix quem atendeu.
– Felix – ela disse deixando as formalidades de lado. – Eu preciso falar com a Cosima.
– Ah, querida... A Cosima saiu... – Felix falou franzindo o rosto. – Eu sei que você tinha dito para ela ficar em casa hoje e juro que fiquei de olho nela o dia todo... Mas agora a pouco eu fui tomar um banho e quando sai do banheiro ela já tinha sumido.
– Merde! E você tem ideia de onde ela foi?
– Se eu conheço a Cosima, só pode ter ido pra faculdade cuidar daqueles bichos nojentos – ele disse revirando os olhos. – Mas se você quer saber o que eu acho, ela me parecia muito bem. Não passou mal o dia todo.
– Ela não está bem Felix. Pode não parecer, mas ela está longe do que se pode considerar "muito bem" – Delphine falou mais para si do que para o rapaz. – Bom, então eu acho que vou ter que ir atrás dela. Tchau.
– Ok. Tchau.
Descendo as escadas e volta a rua, Delphine não conseguia acreditar que teria que voltar novamente para o campus. Se não estivesse tão motivada a acabar de uma vez com aquilo, provavelmente teria cedido a dor de seus pés e ao cansaço de sua mente e voltado para casa.
Chegando de frente ao pequeno laboratório de Cosima, Delphine julgou que ela estava demorando mais do que o de costume para atender. Chegou a pegar o celular para ligar e perguntar onde ela estava, mas isso acabou não sendo necessário. A morena abriu a porta à caráter para o trabalho laboratorial.
– Delphine?
– Oi – a loira disse sorrindo fracamente. – Será que eu posso entrar?
Cosima apenas anuiu com a cabeça e deu passagem para que ela entrasse. Assim que adentrou a saleta, Delphine reparou nas gaiolas dos camundongos dispostas sobre a bancada em pleno processo de limpeza.
– Você devia ter ficado de repouso... Pelo menos até amanhã...
– Eu não podia simplesmente abandonar as "minhas cobaias" – Cosima disse em um tom irônico voltando para junto dos animais. – E eu agradeceria muito se você não voltasse a tentar coagir meu amigo a ser minha babá. Eu realmente não preciso de uma.
Delphine fecho os olhos e mordeu o lábio inferior por um instante.
– Eu recebi o resultado do seu exame hoje.
– Foi o que eu imaginei – disse Cosima. – E então?
– Já é o câncer nos seus pulmões.
Embora a morena tenha tentado disfarçar, Delphine sentiu a expressão dela fraquejando sutilmente.
– Ok – ela falou engolindo em seco e passando a mão pelos dreads. – Então... como nós vamos fazer? Como vamos reforçar o tratamento?
Delphine não respondeu; apenas abriu sua pasta, tirou um papel de lá de dentro e o entregou a Cosima.
– Que merda é essa Delphine? – ela perguntou olhando incrédula para o pedido de desligamento com um espaço em branco para a assinatura dela. – Eu pensei que nós fossemos conversar antes de tomar alguma decisão!
– Eu falei com o Dr. Duncan hoje de manhã. Nós concordamos que você não deveria continuar no estudo.
– O quê que o Dr. Duncan tem a ver com isso? – Cosima disse jogando o papel de qualquer jeito em cima da bancada. – Você sabe que o que você está fazendo é a manipulação de um experimento científico, né?
– Não precisa ser, se você assinar esse documento – Delphine falou ainda com a voz baixa.
Cosima riu ironicamente e encarou a loira.
– Se você quer tanto me ver fora, por que você mesma não me tira?
– E você acha que eu já não tentei? – Delphine disse começando a sair se alterar.
– Você tentou me tirar contra a minha vontade? – Cosima disse erguendo as sobrancelhas. – Sem nem ao menos eu saber o que estava acontecendo?
– Aquele maldito contrato não me dá autonomia pra isso! O Dr. Nealon tem esse poder, mas ele não quer! Está tratando você da mesma forma com que trataria qualquer um desses ratos! – ela disse apontando para uma das gaiolas. – Eu cheguei a ir no Dyad e entreguei um pedido de desligamento, mas pelo jeito com que o Sr. Frontenac falou, se aqueles papéis já não estiverem picotados no lixo, vão ficar no fundo de uma gaveta até que as traças decidam roê-los.
O rosto de Cosima havia adquirido um tom avermelhado e seu punho estava cerrado sobre a bancada.
– Fora.
– Cosima, você precisa entender...
– Fora.
– ... eu não posso ficar parada vendo você morrer...
– Esse laboratório é meu – Cosima disse entre dentes. – O corpo é meu; a vida é minha. Eu decido o que é melhor pra mim! Agora SAI DAQUI!
Aquele grito feriu Delphine mais intensamente do que se tivesse sido um soco. No tempo em que ela levou para fechar a pasta, ajeitar a bolsa no ombro e se virar para sair, Cosima começou a tossir. E a tosse já começou em sua máxima intensidade, deixando a morena com uma notável dificuldade para respirar.
Embora estivesse profundamente chateada com a discussão que haviam acabado de ter, Delphine não pode deixar de se deter um instante antes de fechar a porta ao ver Cosima se inclinando sobre a bancada e gotas de sangue respingando de sua boca sobre a vidraria.
– Cosima? – Delphine chamou preocupada.
Então os acontecimentos seguintes se deram de maneira realmente muito rápida. Em um piscar de olhos Cosima caiu desmaiada no chão levando muito do que estava em cima da bancada consigo. A perda de consciência fez com que ela batesse fortemente com a cabeça no chão e no instante seguinte, todo seu corpo estava se debatendo compulsivamente.
– COSIMA!
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