Aguente Firme
Loving and fighting / Amando e lutando
Accusing, denying / Acusando, negando
I can't imagine a world with you gone / Não consigo imaginar um mundo onde você tenha partido
The joy and the chaos / A alegria e o caos
The demons we're made of / Os demônios de que somos feitos
I'd be so lost if left me alone / Eu ficaria tão perdida se você me deixasse sozinha
You locked yourself in the bathroom / Você se trancou no banheiro
Lying on the floor when I break trough / Caída no chão quando eu entrei
I pull in to feel your heartbeat / Te puxo para sentir a batida do seu coração
Can you hear me screaming "Please don't leave me" / Consegue me ouvir gritando "Por favor não me deixe"?
– COSIMA!
No chão do pequeno laboratório, Cosima convulsionava, batendo com a cabeça no piso e com os membros nas portas dos armários. Uma gaiola de camundongos havia sido arrastada junto com ela na queda, fazendo a base de plástico ser rompida com o choque, o que permitiu que os animais conseguissem se libertar e agora corressem agitados pela sala.
Delphine largou suas coisas a ali mesmo no corredor e correu para junto dela. Sabia que mesmo que tentasse não conseguiria impedir que Cosima continuasse se debatendo e por consequência se machucando, então focou em proteger a cabeça dela. Se ajoelhou no chão e apoiou a cabeça da morena no colo.
– POR FAVOR! – Delphine gritou em direção a porta. – EU PRECISO DE AJUDA!
Hold on, I still want you / Aguente firme, eu ainda quero você
Come back, I still need you / Volte, eu ainda preciso de você
Let me take your hand / Me deixe pegar sua mão
I'll make it right / Eu vou consertar tudo
I swear to love you all my life / Eu juro te amar por toda minha vida
Hold on, I still need you / Aguente firme eu ainda preciso de você
Delphine fez seu melhor para lutar contra a força de Cosima e virá-la de lado para impedir que ela acabasse se engasgando com a saliva ou com o sangue que escorria de sua boca.
Instantes depois uma senhora da equipe de limpeza do prédio apareceu à porta do laboratório com uma expressão preocupada no rosto.
– Por favor! – Delphine disse exacerbada. – Chame uma ambulância! Rápido!
A long endless highway / Uma estrada sem fim
You're silent beside me / Você está em silêncio ao meu lado
Drivin' a nightmare I can't escape from / Conduzindo a um pesadelo do qual eu não consigo escapar
Helplessly praying / Rezando sem esperança
The light isn't fadin' / A luz não está apagando
Hiding the shock and the chill in my bones / Escondendo o choque o frio em meus ossos
Os momentos de espera foram da mais pura angústia. Cosima não demorou muito para parar de se debater, mas também não voltou a recobrar a consciência. Delphine com as mãos trémulas pegou o pulso dela e sentiu seus batimentos, que estavam fracos, porém constantes.
Por conta da proximidade com o hospital, o socorro não demorou muito para chegar. Dois paramédicos entraram no laboratório e rapidamente prenderam a morena em uma maca. No espaço pequeno e agora caótico, Delphine tomou cuidado para não escorregar na poça urina que se escorria pelo chão quando se levantou.
Foi preciso abrir caminho entre uma pequena multidão de curiosos que se acumulava no corredor ao redor da porta para que conseguissem sair do prédio e chegar na ambulância, mas ainda assim Delphine não saiu do lado de Cosima nem por um segundo sequer
They took you away on a table / Eles te levaram em uma mesa
I pace back and forth as you lay still / Eu ando de um lado para o outro enquanto você está imóvel
They pull you in to feel your heartbeat / Eles te pegam para sentir seus batimentos
Can you hear me screaming, "Please don't leave me" / Você pode me ouvir gritando "Por favor, não me deixe"?
Uma vez dentro da ambulância, o paramédico que foi na parte de trás junto com elas imediatamente começou a verificar os sinais vitais de Cosima e a fazer perguntas para Delphine.
– No momento da chamada foi informado que ela teve uma crise convulsiva – ele falou manipulando o aparelho de pressão. – Essa informação confere?
– Sim – Delphine respondeu agarrada na mão de Cosima que estava um pouco gelada.
– Pode me contar como aconteceu?
– Ela estava tossindo e com falta de ar antes de desmaiar. A convulsão só começou quando ela caiu e bateu a cabeça no chão – Delphine explicou. – A Cosima está com câncer no pulmão.
Hold on, I still want you / Aguente firme, eu ainda quero você
Come back, I still need you / Volte, eu ainda preciso de você
Let me take your hand / Me deixe pegar sua mão
I'll make it right / Eu vou consertar tudo
I swear to love you all my life / Eu juro te amar por toda minha vida
Hold on, I still need you / Aguente firme eu ainda preciso de você
Então Delphine começou a sentir a morena se movendo fracamente.
– Cosima?! – Delphine falou com a voz embargada. – Cosima, está me ouvindo??
Cosima apertou a mão dela e entreabriu os olhos, mas parecia exausta e não totalmente consciente.
– Cosima, você não pode dormir! Vamos, fique comigo!
Quando segundos depois a ambulância estacionou na entrada de emergências do hospital, uma equipe já estava pronta para recebê-los. Sem demora os médicos tiraram a maca de dentro do veículo e Delphine foi obrigada a ver Cosima sendo levada às pressas por um corredor sem poder acompanha-la.
I don't wanna let go / Eu não quero deixar você ir
I know I'm not that strong / Eu sei que eu não sou tão forte
I just wanna hear you / Eu só quero te ouvir
Saying baby, let's go home / Dizendo, querida vamos para casa
Let's go home / Vamos para casa
Yeah, I just wanna take you home / Eu só quero te levar para casa
– Desculpe moça, mas você vai ter que esperar aqui fora – uma enfermeira falou segurando o braço de Delphine para impedir que ela continuasse seguindo Cosima. – Pode me dizer qual sua relação com a paciente?
– Ela... Ela é minha namorada.
O mundo parecia estar acontecendo em câmera lenta; Delphine sentia que suas pernas podiam ceder sob o peso de seu corpo a qualquer momento.
– Você está se sentindo bem, moça? – a enfermeira perguntou colocando a mão no ombro dela
– Sim – Delphine respondeu inspirando fundo. – Eu estou bem.
– Ótimo. Nesse caso vou pedir que me acompanhe para que possamos preencher a ficha dela.
Hold on, I still want you / Aguente firme, eu ainda quero você
Come back, I still need you / Volte, eu ainda preciso de você
Delphine foi levada para uma sala de espera bastante cheia e movimentada. A enfermeira parecia ter uma lista interminável de perguntas a fazer, perguntas essas que ela respondeu de uma forma completamente automática, como se fosse uma expectadora assistindo à cena pelo lado de fora de seu corpo. Foi só quando os dados de Cosima foram requeridos, que Delphine percebeu que tanto ela quanto a morena estavam ali sem documento algum.
– Por favor – ela disse quando a enfermeira terminou o interrogatório e lhe deu uma etiqueta de 'acompanhante' para colar na blusa. – Eu preciso de saber como a Cosima está.
– Tudo bem, eu vou lá dentro ver se consigo alguma notícia dela pra você.
– Obrigada.
Ao ser deixada ali sozinha, Delphine se viu completamente sem rumo. Vendo a expressão dos outros acompanhantes que ocupavam aquela sala, todos preocupados, chorando ou parecendo exaustos de tanto esperar, ela se sentiu repentinamente sufocada e precisando de um pouco de ar fresco.
Então ela saiu pelas portas duplas de vidro que davam em um jardim bastante agradável, e se não fosse pelo quadro maior, teria se sentido aliviada ao experimentar a brisa fresca que veio de encontro com sua pele. Já tinha anoitecido e as estrelas e a lua estavam totalmente encobertas pelas nuvem carregadas que ocupavam o céu.
Se não bastasse a preocupação com Cosima, Delphine se deu conta do estado que que havia deixado o laboratório dela. Quanto saiu com os paramédicos nem ao menos cogitou em fechar a porta ou pegar seus pertences. Por sorte, seu celular tinha ficado no bolso de trás da calça e não se perdeu em nenhuma etapa do trajeto até ali.
Com isso em mente, Delphine pegou o telefone e ligou para a única pessoa que ela considerou poder lhe ajudar naquele momento.
– Alô?
– Oi Scott – ela disse com a voz fraca. – Eu atrapalho?
– Não, eu já estou indo pra casa – ele disse provavelmente notando a alteração do tom dela. – Aconteceu alguma coisa, Delphine?
– Aconteceu – ela respondeu sentindo a primeira lágrima escorrer. – A Cosima... ela não está bem...
– O quê?? O que aconteceu?
– Ela teve uma convulsão... Agora nós estamos no hospital.
– Ok, eu já estou indo aí.
– Non – Delphine falou se encostando no tronco de uma árvore. – Eu liguei pra te pedir um favor. Quando a ambulância chegou, eu nem pensei em nada... Deixei tudo aberto e as nossas coisas jogadas de qualquer jeito. Será que você poder passar no laboratório da Cosima pelo menos para trancar a porta e pegar nossas bolsas?
– Claro! – Scott respondeu enfático. – Eu ainda estou no campus, pode deixar que eu vou até lá e depois levo pra você no hospital.
– Obrigada.
– Não há de quê. Daqui a pouco já chego aí.
Delphine desligou o telefone e de olhos fechado, deixou a cabeça se encostar na árvore.
Merde. Eu daria tudo por um cigarro agora...
Reunindo um pouco da força que lhe restava, ela inspirou profundamente e enxugou o rosto com as mãos. Precisava voltar para a sala de espera; se a enfermeira voltasse com notícias de Cosima acabaria não a encontrando.
E seu timing foi perfeito. Tão logo voltou para o interior do hospital, Delphine percebeu já estar sendo procurada.
– E então – ela perguntou. – Como ela está?
– Os médicos ainda não podem dizer nada de concreto, mas ela está consciente – a enfermeira disse, fazendo com que Delphine ficasse um pouco mais aliviada. – Nesse momento ela está entrando na sala de tomografia para avaliar os possíveis danos causados pela queda.
O estômago de Delphine revirou ao ouvir aquilo. Porém como médica, ela sabia que aquilo era apenas um procedimento padrão e só pelo fato de Cosima estar consciente já era um bom sinal.
– Ok, obrigada.
– Quando os exames estiverem prontos, o médico vem te atualizar sobre caso dela.
Delphine agradeceu mais uma vez e a enfermeira voltou aos seus afazeres. Agora ela não teria outra alternativa a não ser esperar.
E como aquela espera era torturante...
O relógio parecia simplesmente se recusar a trabalhar e os segundos se arrastavam como se fossem séculos. E para ajudar, aparentemente estava sendo um dia de bastante movimento na emergência; as ambulâncias chegavam com a sirene ligada a todo momento.
A francesa não conseguia encontrar uma posição em que se sentisse confortável, embora as cadeiras nem fossem assim tão duras. Ela até cogitou voltar para o lado de fora, onde sua cabeça parecia funcionar melhor no ar fresco da noite, mas teve receio de que o médico viesse falar com ela e não a encontrasse.
Seus pensamentos estavam tão bagunçados que Delphine até mesmo esqueceu de avisar Felix sobre o ocorrido. Afinal de contas, ele era o mais próximo de família que Cosima tinha ali em Toronto. Ela abriu a lista de contatos e tentou ligar algumas vezes, mas em todas as tentativas as chamadas acabavam caindo na caixa postal. Mas também, em plena noite de sexta-feira, era muito improvável que o rapaz tivesse ficado em casa ou pelo menos em um lugar tranquilo. Por fim, ela achou melhor enviar apenas uma mensagem de texto.
DELPHINE: Felix, estou te ligando, mas você não atende.
Cosima está no hospital.
Me ligue assim que possível.
Tão logo a tela se apagou, Delphine sentiu alguém se aproximando. Quando levantou o rosto, encontrou Scott parado de frente a ela, com duas bolsas femininas pendendo de uma das mãos. Ele se inclinou na direção dela para cumprimentá-la e na sequência se sentou no assento vazio ao seu lado. Ao se ver na presença de alguém conhecido, a francesa voltou a sentir os olhos arderem e o nó na garganta voltando a se formar.
– O que aconteceu, Delphine? – ele perguntou entregando as bolsas a ela. – Que história é essa de convulsão?
Agora, com um pouco mais de calma do que antes, Delphine explicou a ele tudo o que havia acontecido para elas terem ido parar na emergência. Scott ouviu com atenção, porém todas as perguntas que fez a respeito do atual estado de Cosima, não puderam ser respondidas por ela que também se sentia no escuro sem mais notícias.
Quando terminou de deixar Scott à par da situação, foi a vez de Delphine perguntar a ele como havia sido no laboratório.
– Quando eu cheguei lá tinha uma senhora esperando na porta – ele explicou. – Ela disse que ficou limpou o chão e que ficou com receio de deixar o laboratório aberto sem ninguém por que as coisas de vocês ainda estavam lá.
– Deve ser a mesma senhora que chamou a ambulância...
– Eu reparei que uma gaiola estava quebrada e que tinha alguns camundongos faltando – Scott prosseguiu. – Eu procurei, mas acho que já era tarde demais. Só consegui encontrar um.
Delphine fechou os olhos e passou a mão pela testa; podia até prever a reação de Cosima quando ficasse sabendo disso...
Interrompendo qualquer coisa que ela pudesse ter a acrescentar, um médico entrou se colocando em uma posição de destaque dentro da sala de espera.
– Quem está acompanhando Cosima Niehaus?
Mal esperando que ele terminasse a frase, Delphine se colocou de pé e foi até ele, sendo seguida por um Scott bastante preocupado.
– Sou eu – ela disse ao se aproximar do médico. – Sou eu, doutor. Como ela está?
– Nós acabamos de analisar o resultado da tomografia dela. Aparentemente a crise convulsiva foi em decorrência da queda e não causou nenhum dano ao cérebro – Delphine sentiu um alívio indescritível ao ouvir aquilo. – Mas nós precisamos monitorar o quadro dela por mais algumas horas, então ela vai ficar internada pelo menos até amanhã de manhã, se tudo correr bem.
– Ok.
– Ela ficou um pouco agitada ao final do exame, reclamando de dores na cabeça e pelo corpo, mas ao que tudo indica são apenas decorrentes dos hematomas – o médico continuou. – Por conta disso nós administramos algumas medicações para que ela se sinta mais confortável, no entanto isso deve fazer com que ela fique bastante sonolenta por algum tempo.
– Eu posso vê-la? – Delphine perguntou.
– Sim, ela pode ter um acompanhante, mas apenas um.
– Tudo bem. – Scott disse entendendo o recado. – Eu vou embora. Só por favor, não me deixe sem notícias.
– Pode deixar – Delphine disse já se despedindo do rapaz.
Delphine parecia não estar no controle de suas pernas enquanto caminhava pelos corredores sendo guiada pelo médico até o quarto de Cosima. Era como se seu corpo a estivesse levando para perto da morena por iniciativa própria.
Quando a porta se abriu, revelando Cosima em cima de uma cama de hospital, mais uma vez as lágrimas insistiram em brotar de seus olhos.
– Se ela acordar ou se precisar de alguma coisa, tem sempre uma enfermeira de prontidão no final do corredor – disse o médico.
Sem disposição para explicar que conhecia os protocolos de como proceder caso alguma coisa acontecesse, ela simplesmente acenou com a cabeça e o médico se retirou as deixando sozinhas.
A passos curtos, Delphine caminhou até o leito de Cosima. Delicadamente pegou a mão da morena que repousava ao lado do corpo e a levou até os lábios.
– Je suis désolé. – A voz da francesa estava custando a sair. – Pardon.
Agora vestindo uma camisola de hospital, Cosima tinha uma cânula nasal ligada ao oxigênio e um acesso no braço pelo qual era administrado o soro. Um curativo na têmpora denunciava um corte que Delphine não tinha reparado no calor do momento. Mesmo pouco tempo tendo se passado desde o ocorrido, a pele do rosto, dos braços e das pernas da morena já se mostrava manchada por hematomas arroxeados.
Naquele instante, tudo o que Delphine mais gostaria de fazer era envolver Cosima nos braços e a segurar perto de si até que tudo ficasse bem; no entanto, mesmo sobre o efeito de medicações, a francesa temeu acordá-la de seu sono aparentemente tranquilo e tão necessário. Então depois de alguns minutos segurando a mão dela, se afastou e ocupou a poltrona destinada ao acompanhante.
Vê-la daquela forma estava cortando o coração de Delphine; ela não conseguia deixar de se sentir culpada por tudo que estava acontecendo. Afinal, se elas não tivessem discutido daquele jeito, talvez Cosima não tivesse tido aquela crise. Aliás, se primeiramente não tivesse aceitado inclui-la naquele experimento; se não tivesse sido tão arrogante pensando que poderia curá-la, Cosima não precisaria nem estar naquele leito de hospital daquela forma.
Mesmo com as ferroadas em sua cabeça confundindo seus pensamentos, Delphine tinha consciência de que voltar no tempo e declinar à oferta do Sr. Westmorland já não era uma opção. Mas ainda assim ela sabia o que precisava fazer, mesmo que isso pudesse acabar de vez com seu relacionamento. Se fosse preciso, era preferível ver Cosima viva e longe dela, do que continuar a vendo definhar de perto.
Apesar da aparente tranquilidade naquela ala do hospital, Delphine não havia conseguido pregar os olhos um instante sequer. Cosima também demonstrava não estar tendo uma de suas melhores noite. Embora já estivesse dormindo algumas horas initerruptamente, por vezes se mexia na cama e seu rosto assumia uma expressão contorcida.
Já eram quase duas da manhã quando Delphine finalmente sentiu o celular vibrando.
– Allo? – ela disse atendendo rapidamente.
– Delphine! Eu só consegui ver a sua mensagem agora! – Felix falou com a voz aflita. – O que aconteceu com a Cosima?
– Ela teve uma convulsão, Felix – Delphine disse baixinho para que não acordasse a morena.
– O QUÊ? – o ruído por trás da voz de Felix indicava que ele devia estar dentre de um carro
– Calma, agora ela já está estável. Estamos no hospital escola, você pode vir até aqui?
– Eu já estou chegando!
– Ok.
Depois de desligar o celular, não demorou muito tempo até que uma enfermeira viesse até o quarto, não para monitorar Cosima, mas para falar com Delphine.
– Com licença, senhorita – a moça disse segurando a porta entreaberta. – Tem um rapaz lá fora pedindo para falar com você.
– Tudo bem, obrigada por avisar.
Tão logo a enfermeira se retirou, Delphine se levantou, pegou sua bolsa e lançou um último olhar sobre Cosima. As primeiras horas após acontecimentos como aquele eram as mais delicadas; ela não apresentando nenhuma piora nesse meio tempo, conferia o mínimo que a loira precisava para deixar o quarto se sentido meramente mais tranquila.
Quando chegou na recepção, Delphine deu de cara com um Felix bastante angustiado – e trajando roupas totalmente inadequadas para um ambiente hospitalar. Então da forma mais breve que conseguiu, ela o colocou a par de tudo que havia acontecido.
– Você pode ficar com ela agora? – Delphine perguntou a ele.
– Claro. Você vai para casa?
– Não. Eu vou fazer uma coisa que eu já deveria ter feito semanas atrás – ela disse fazendo uma pausa. – Além disso, não tenho certeza se ela ainda vai querer me ver quando acordar.
Felix certamente achou aquela resposta muito estranha, mas ainda estava preocupado demais com Cosima para dedicar maior atenção a qualquer coisa que ela dissesse. Enquanto ele entrou pelo corredor que o levaria até onde a morena estava internada, em vez de Delphine sair do hospital, ela trilhou seu caminho em direção ao elevador.
Enquanto andava a passos decididos e firmes pelos corredores, Delphine tomava cuidado de não deixar que a luz da lanterna do celular refletisse nas janelas. A ala oncológica não funcionava a noite nem de madrugada, e tudo o que ela menos precisava naquele momento, era acabar chamando a atenção de alguém – de algum segurança – para sua presença ali.
Ao entrar em sua sala, ela imediatamente foi ligar o computador que lhe forneceu uma quantidade bastante razoável de claridade. Delphine sentiu seu coração começando a bater um pouco mais forte quando finalmente conseguiu abrir a página do Instituto Dyad.
A interface não era das mais simples, e sinceramente, mesmo depois de alguns meses de trabalho, ela ainda não conhecia todas as funcionalidades do site. Mas agora se fazia necessário que encontrasse alguma brecha no banco de dados dos pacientes que a permitisse excluir Cosima do estudo.
Depois de um bom tempo fuçando no portal de pesquisas, Delphine chegou
à conclusão de que havia sido extremamente ingénua ao subestimar a segurança de uma empresa do gabarito do Dyad. Toda vez que ela tentava fazer alguma na ficha de Cosima que não fosse adicionar relatórios ou resultados de exames, uma tela se abria pedindo que ela entrasse com um usuário e senha com maior nível de acesso.
Então sua determinação se transformou em frustração, e a frustração aos poucos foi dando lugar ao desespero. Ela precisava achar uma saída...
Foi aí que uma ideia surgiu em sua cabeça. Uma vez ela havia lido em algum lugar que um dos maiores problemas para segurança de informação, é a vulnerabilidade decorrente de falhas humanas. Pessoas que clicam em links que não deviam ou que usam senhas fracas demais.
Delphine podia não ter o nível de acesso necessário para fazer o que intencionava, mas ela sabia quem tinha. Com isso em mente ela fez o logout de sua conta e voltou para a página de login. O usuário dela no site do instituto era simplesmente seu endereço de e-mail; se a mesma lógica se aplicasse para todos os pesquisadores...
Rapidamente ela digitou o e-mail do Dr. Nealon. Erro: aquele usuário não estava cadastrado. Ela pensou por um instante e atualizou novamente a página; talvez ele não tivesse utilizado o endereço institucional da universidade, então dessa vez Delphine colocou o e-mail pessoal dele.
Touché
Um pequeno sorriso de satisfação apareceu no rosto dela, mas isso havia sido a parte fácil. Sem a senha ela continuava basicamente na estaca zero.
Suas habilidades com computador eram básicas no que não tangia dominar os softwares que ela usava no trabalho, e um curso intensivo de "Como hackear em 15 minutos" provavelmente não era uma opção viável...
Delphine até tinha uma alternativa, embora isso não lhe agradasse nem um pouco. Ela olhou no relógio e já eram quase quatro horas da manhã de sábado em Toronto. Apesar de ser próximo das nove em Paris, ela duvidava muito que a pessoa em questão estivesse acordada. Mas no estado em que estava, ela acabaria infartando se adiasse aquilo por muito mais tempo.
Então sem pensar muito sobre as consequências do que estava prestes a fazer, Delphine pegou o celular e efetuou a chamada.
– Você sabe que horas são? – a voz do rapaz do outro lado da linha deixava transparecer todo seu sono.
– Bonsoir, Cedric.
Delphine não havia mentido para Cosima quando disse a ela que não era muito próxima dos irmãos. Albert era apenas um ano e meio mais velho do que ela, porém Cedric tinha vindo vários anos depois, pegando toda a família de surpresa. Junto da diferença de idade, os anos que Delphine havia passado no colégio interno durante a adolescência contribuíram para o distanciamento entre eles.
Depois, com a chegada da puberdade, a relação com Cedric se tornou ainda mais problemática. Quando estava em casa, o garoto raramente saia de dentro do quarto e visivelmente não havia herdado da irmã o gosto pelos estudos, coisa que recorrentemente era causa discussões com os pais por conta de seu baixo desempenho na escola. Bom, e não apenas por isso...
Poucas vezes na vida Delphine havia visto seus pais concordando em alguma coisa, e isso aconteceu no dia que Pierre recebeu uma ligação do diretor da escola do filho dizendo que o garoto tinha sido descoberto tentando fraudar suas notas no sistema da instituição. Naquele dia a casa dos Cormier havia se tornado um verdadeiro campo de batalha.
Aquele incidente ocorreu quando Cedric estava terminando o último ano do ensino fundamental. Embora não trocassem confidências, Delphine sabia que apesar de todos os sermões e dos vários meses de castigo, o irmão persistiu aperfeiçoando suas habilidades ilícitas com o computador.
– Eu estava dormindo!
– Je suis desolé – ela disse tentando pensar na melhor de abordá-lo. – Cedric, eu preciso de um favor seu.
– E não podia esperar até a uma da tarde!?
Delphine deixou o corpo escorregar na cadeira e respirou fundo.
Haja paciência...
– Não, tem que ser agora. Eu preciso que você me ajude a invadir um sistema.
– Quoi? – Cedric soltou, pela primeira vez parecendo interessado no que ela tinha a dizer.
Sim, talvez o ideal fosse atacar diretamente os servidores do Dyad, sem deixar rastros, mas ela não achava que as capacidades do garoto já estivessem chego à esse nível. Além do mais, talvez uma investida dessas poderia demandar mais tempo do que ela estava disposta a esperar. Então optou pela opção que julgou mais simples e prática.
– Eu preciso que você roube a senha de alguém pra mim.
Nos próximos minutos da ligação, Delphine se dedicou a explicar para o irmão exatamente o que ela queria que ele fizesse, mas é claro, sem revelar qual era de fato sua intenção com aquilo e o que a motivava. Aparentemente fazer algo de errado estava sendo um estimulante melhor do uma grande dose que cafeína para o garoto.
– Maman sabe que você não é tão certinha quanto ela pensa?
Delphine revirou os olhos começando a pensar que aquilo já estava sendo mais irritante do que ela esperava.
– Você vai me ajudar ou não?
– Oui – prontamente ele respondeu a deixando mais aliviada – Mas não vai ser de graça.
É claro que não...
– O que você quer?
– Uma moto.
– O quê?? – ela disse incrédula. – Você tá doido, com um dinheiro desse eu posso contratar um profissional!
– Tudo bem, então boa sorte procurando um hacker de confiança com essa sua urgência toda – Cedric disse cínico. – A bientôt irmãzinha.
– Non, espera! – Delphine interveio sentindo que ele ia desligar o telefone. – Quanto custa essa moto?
– Eu já tenho quase todo o dinheiro, pra falar a verdade. Você sabe, eu já estou quase fazendo 18 anos e vou poder dirigir uma 125cc; o problema é que a mãe não quer me deixar. Fica dizendo que é perigoso demais, você sabe como ela é... Então além de completar o valor da moto, que eu sei que não vai ser um problema pra você, eu preciso que convença a ela a largar do meu pé. Em troca, além de fazer o seu serviço, eu garanto que ela não vai ficar sabendo que a filhinha querida não é tão santa quanto ela pensa.
– Por que você não pode usar o dinheiro da sua parte da herança?
– Porque o pai não me deixa colocar a mão em nenhum centavo daquela grana! Fica dizendo que esse dinheiro pra bancar a universidade. Parece que ainda não entendeu que essa coisa de faculdade não é pra mim...
Delphine pensou por um instante. Embora a proposta de Cedric não fosse de todo descabida, se ela aceitasse estaria correndo um sério risco de acabar sendo chantageada pelo irmão no futuro. Mas a essa altura ela já tinha falado demais, aceitando ou não ela poderia eventualmente ser ameaçada por ele em algum momento
– Ok. D'accord – ela acabou dizendo. – Mas eu quero isso pra ontem.
– D'accord. Me passe o endereço do site e o e-mail que eu preciso invadir que eu já vou começar.
– Ok.
Ela desligou a ligação e tão logo deixou o celular de lado, voltou a atenção para o computador e enviou as informações que o irmão havia solicitado. Ao verificar que a mensagem foi entregue, Delphine se levantou da cadeira onde estava e começou a vagar pelo consultório, agora se sentindo ainda pior do que antes – se é que isso era possível.
Parando de frente para janela, ela elevou seu olhar para o céu. As nuvens estavam mais carregadas do que antes e por vezes, um ou outro relâmpago vinha para iluminar o ambiente, embora ainda não estivesse chovendo.
Olhando em retrospecto, Delphine não conseguia entender como as coisas tinha ficado tão ruins tão repentinamente. E não apenas no que tangia a condição médica de Cosima, mas também a relação entre elas. Pelo amor de Deus, naquele exato momento ela estava cometendo um crime e ainda por cima tinha envolvido seu irmão mais novo nisso!
E por falar em Cedric, ela havia ficado bastante chateada com a conversa que acabara de ter com ele. Por trás de seu tom rebelde, Delphine pode notar uma carga de ciúmes e talvez até de amargura da parte dele com relação a imagem que a Manon tinha dela. A francesa não pode deixar de pensar no vínculo que Felix e Sarah tinham. Embora não tivessem laços sanguíneos, a cumplicidade e afeto que os dois nutriam um pelo outro era uma coisa linda de se ver. Naquele momento ela não pode deixar de invejá-los, sabendo que nunca teria nada nem ao menos parecido com seus irmãos.
E agora ela já começava a questionar se até mesmo a cumplicidade que tinha com a mãe já não estava começando a ruir. Não gostava nem de imaginar o que Manon diria se ela a visse agindo daquela forma... Sem contar que até hoje Delphine não tinha conseguido reunir coragem o suficiente para falar com ela por telefone sobre seu relacionamento com Cosima.
A chuva começou fina, mas rapidamente evoluiu uma verdadeira tempestade. Quando a loira ouviu o celular vibrando sobre a mesa, mais de uma hora já tinha se passado.
– E então, deu certo?
– Oui – Cedric respondeu. – Eu acabei de te enviar a senha.
– C'est énorme!
– Esse Nealon deveria ser mais cuidadoso com as informações dele. O idiota usa a mesma senha tanto pro e-mail quanto pra esse portal aí. Facilitou bastante o meu trabalho.
– Merci, Cedric – Delphine disse já abrindo o perfil do Dr. Nealon no site do Dyad. – De verdade.
– Agora eu espero que você cumpra a sua parte do acordo. Se não já sabe...
– Pode deixar, vou tentar falar com ela ainda hoje.
– Ok.
– Au revoir.
Sem receber nenhuma resposta, a ligação mais uma vez foi encerrada.
Delphine não demorou nada para encontrar a página de Cosima dentro do site. Aliás, de Cosima não, da paciente 324b21. Era muito simples; bastava que ela apertasse um botão e tudo estaria terminado.
Ela não vai me perdoar por isso...
Então com o coração partido e sentindo um enorme peso sobre seus ombros, Delphine pressionou o botão do mouse, fazendo com que toda a ficha – e a existência – de Cosima dentro daquela plataforma fosse totalmente apagada.
Embora se sentisse extremamente culpada e derrotada – afinal aquilo era a o decreto de sua incompetência em curá-la – Delphine sabia que dessa forma Cosima teria uma maior chance de superar aquela doença com vida.
Custe o que custar...
Não querendo prolongar mais aquilo, Delphine fez o logout da conta do Dr. Nealon e desligou o computador.
A tempestade estava forte lá fora e ela não havia trago guarda-chuva. Sentindo seus músculos doloridos da tensão e cansaço dos últimos dois dias, ela se sentou em uma das poltronas de atendimento dos pacientes para esperar até que toda aquela água parasse de cair. No entanto a exaustão era grande demais, e instantes depois de se deixar cair sobre a superfície acolchoada, Delphine acabou não conseguindo se conter e caiu no sono.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro