⊱ 𝙇𝙞𝙫𝙧𝙤 𝙄; Hibisco
✣ Capítulo XXVI: Hibisco ✣
"Três pilares dominam o caráter dos homens cruéis, a saber: O sarcasmo, a manipulação e a soberba.
- Pablo de Paula Barvin."
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Do lado de fora da mansão branca nevava de maneira desordenada, a mulher servia-se de um copo de vinho bordô analisando as pilhas de papéis acumulados sobre a escrivaninha do escritório de seu ex-marido, que hoje aproveitava a vida nas Bahamas com uma mulher bem mais nova. Precisava revisar todos os documentos do processo judicial que Park Nam-do movera contra ela por danos morais a garçonete.
Levantou-se cruzando o corredor do terceiro andar seguindo o corrimão de madeira polida, desceu as escadas fixando o olhar na cúpula de vidro que transmitia a visão pacífica do branco banhando o céu, dela vinha pendurado um lustre medindo cinco metros.
O lustre fora desenhado por seu ex-marido, gotas cristalinas caiam como cascatas do topo, sustentadas por linhas invisíveis de náilon. A porta do quarto de seu filho estava aberta e o interior do mesmo encontrava-se vazio, era normal que Kim Bok Joo o encontrasse de madrugada devorando alguns biscoitos na cozinha da mansão que jazia no térreo.
Seguiu seu caminho por entre os degraus de granito cinza semelhante a mármore que sempre se encontravam limpos o suficiente para que pudesse ver a saia preta que usara sendo refletida neles. A luz do cômodo estava acesa instigando-a a continuar a trajetória rumo a seu filho, entretanto a taça do mais puro cristal moldado à mão cairá ao chão tingindo o tapete branco de pelos sintéticos no mais denso e vulgar bordeaux.
- Mãe o tio Kang veio nos visitar. - Dong-hee estava sentado à mesa ao lado do homem de cabelos longos e negros despenteados, o casaco de couro preto cobria boa parte das tatuagens que rasgavam seu braço em desenhos alternados e desarmonizados.
- Quem é você? - Gaguejou acenando para seu filho sair de perto da figura que se deliciava dos biscoitos com gotas de chocolate servidos no prato de porcelana.
- Eu estava tão excitado para lhe conhecer... - Levou a mão ao cós da calça retirando a arma, repousou-a na mesa sobre o vido, indicando a cadeira para que a mulher sentasse e se juntasse a refeição noturna. - Por que não se senta?
- Por favor, deixe meu filho ir. - Segurou as lágrimas puxando o assento de madeira para abrir espaço para si. - Eu posso lhe dar tudo que quiser.
- Ora, para que apressarmos as coisas, estamos nos divertindo. Não é mesmo Dong-hee? - O garoto afirmou com a cabeça pegando seu copo de leite. - Estávamos conversando sobre como você tem estado ocupada demais todas as noites, este lindo garotão aqui sente falta da mãe lhe pondo na cama.
- Estava trabalhando. - Tentou manter-se firme apesar de temer pela segurança do mais novo, a única coisa que lhe restara era seu filho.
- Deixe me adivinhar... - Levou o cano ao queixo evidenciando uma curiosidade anormal sobre o caso. - É o processo sobre a garota que humilhou. Que coincidência, eu também estou aqui por isso.
- Dong-hee acho que já está na hora de voltar para o quarto, meu querido. – Pediu a mãe.
- Mas eu quero brincar mais com o tio Kang. - Lamentou o garoto seguindo para a porta da cozinha acompanhando pelo homem.
- Amanhã de manhã podemos dar um passeio, que tal? - O rapazinho sorriu animado com a proposta antes de correr para o quarto deixando o cômodo cuja porta foi trancada pelo homem.
- Passeio? - Foi cortada pela mão que agarrou seus cabelos a puxando contra a superfície de vidro, o aço frio recostou sobre sua testa atiçando os pelos da nuca.
- Eu poderia lhe matar aqui e agora por ter mexido com algo que me pertence, ninguém sentiria sua falta. Nem sequer seu filho. - Balbuciou, sua mão se desprendeu dos fios balançando ao ar em um gesto exagerado que contemplava a dicção fria e desiquilibrada de suas frases. - Mas há um ditado popular; "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Portanto me diga, caso Nam-do ganhe esse processo no tribunal, terá como manter esta mansão? Ou sequer terá como sustentar seu filho?
- Mantenha Dong-hee longe disso. - Cuspiu para o homem que se sentava a sua frente na mesa ainda com a arma empunhada em mãos a observar meticulosamente os detalhes gravados no aço. - Me diga o que quer de uma vez, por favor!
- Oras, o que eu quero? É tão simples! - Barganhou com um sorriso em seu rosto. - Você fará tudo o que eu disse, se for capaz de seguir está simples regra será capaz de destruir não só o CEO da TK' Entertainment como também Kang Tae Oh o homem que lhe tirou o maior contrato de hotelaria das suas mãos, já eu terei o que é meu de volta, ambos saímos ganhando.
- E se eu não concordar? - Questionou prevendo a resposta afiada como uma navalha a perfurar a carne de seu peito.
- Então o Dong-hee não poderá passear amanhã com o tio Kang, mas não fique triste. - Sorriu exagerado engatilhando a pistola. - Ele ficará lindo com as flores de hibisco que tenho guardadas no carro.
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No dia seguinte doía o coração de Park Nam-do carregar Mi-so no passageiro do Hyundai branco de seu irmão, precisavam chegar ao prédio do tribunal superior de justiça antes das nove para a reunião que definiria a expulsão da maior acionista que possuíam.
Tal encontro havia sido planejado por semanas, o que era evidenciado pelo amontoado de pastas bege que preenchiam o banco traseiro. Relatos de desfalques, maus tratos aos funcionários e abusos de autoridade exercidos por Kim Bok Joo.
- Não precisa ficar preocupada, tudo dará certo. - Park Nam-do piscou para ela a fazendo rir mesmo que por poucos segundos.
- Não é com isso que estou aflita. - Comentou limpando o suor das mãos na saia rodada do vestido rosado. - O que me preocupa é o que vão pensar de você se nos virem entrando em um tribunal juntos. Não faria surgirem rumores?
- Eu gostaria de ter alguns rumores sobre nós, isso deixaria meu ego inflado. - Adentrou a caixa de metal do elevador apertando o décimo sexto andar com um sorriso galanteador. - Imagine só; "CEO da maior empresa de entretenimento da Coréia do Sul é visto com a mais bela mulher do país", isso faria minha popularidade aumentar em até duas vezes mais, as ações iriam decolar.
- Às vezes penso que devo ter escrito uma cena em que você bateu a cabeça quando pequeno e por isso não é capaz de raciocinar como os demais seres humanos. - Fisgou o homem com o comentário retirando o sorriso e o transformando em um semblante irritado. - Fala sério, duas vezes? No mínimo seriam cinco.
- Ok, talvez eu não tenha pensado direito. - Segurou a porta para que ela saísse aguardando as instruções do empresário para chegar à sala de conferências onde a acionista os esperavam com seu advogado.
A reunião começou com ambas as partes revelando seu lado da história, os advogados tentavam chegar a um meio termo agradável apesar de ambos estarem decididos a não cederem de nenhuma maneira. A testemunha se manteve quieta no banco dos espectadores aguardando ser chamada pelo juiz, o homem trajado pela toga preta com detalhes em verde esmeralda ajeitava seus óculos participando da audiência.
Seu nome fora convocado e ela levantou-se passando pelo cercado de madeira que afastava os demais dos participantes, cruzou pela mesa da acionista que fitou seus olhos em um semblante preocupado, entretanto movera rapidamente seu olhar para o chão onde um papel dobrado se perdia no porcelanato coral lebre próximo ao pé da mesa da acusação. "Pegue", pediu a mulher silenciosamente, Mi-so questionou-se se este poderia ser alguma espécie de estratégia para desestabilizá-la.
Entretanto sua consciência falou mais alto a fazendo fingir que tropeçara nos cadarços perfeitamente atados de seus tênis, apanhando a folha entre os dedos, a escondeu na dobra do vestido desculpando-se pela cena antes de se mover a mesa central para depor.
- Srta. Lee, poderia nos contar sua versão do ocorrido? - O promotor foi direto à fazendo suspirar em desespero, precisava ler aquele bilhete antes de tomar qualquer atitude.
Queria mais do que tudo a fazer pagar por tê-la humilhado naquela festa e a presença de Ko Wonsang no banco da plateia apenas lhe servia como gatilho para todos aqueles péssimos sentimentos revividos.
- Senhor Meritíssimo, eu não me sinto bem. - Declarou buscando uma alternativa para sair daquele júri. - Poderíamos fazer uma pausa para que eu pudesse me acalmar?
O senhor sussurrou ao escrivão que declarou um breve intervalo na sessão permitindo que a jovem se levantasse abruptamente correndo em direção ao banheiro. Trancada na cabine retirou a folha do vestido desdobrando o papel em mãos, um pequeno pedaço de plástico preto caiu ao chão em um suave tilintar. Tomou a peça em mãos constatando ser um cartão de memória, agarrou o celular abrindo o compartimento traseiro para encaixá-lo no pequeno espaço vago.
Apenas um vídeo curto estava gravado naquele compartimento de memória, deitou o smartphone na horizontal observando uma cozinha estática, seu coração apertou com a chegada de uma criança que seguia um homem retirando algum pote do armário planejado de madeira maciça. Sentando-se à mesa a mulher chegara logo depois, o restante do vídeo foi um choque para a garota que bloqueou a tela apavorada, no bilhete marcado pela caligrafia apressada da acionista um pedido de ajuda era suplicado.
"Por favor, não o deixe machucar meu filho".
Destrancou a cabine amassando o papel, jogou a folha na privada dando descarga em seguida. Voltou ao tribunal passando pelos amigos antes de se sentar na cadeira prestes a dar seu depoimento, toda a tensão caíra por cima de seus ombros pesando mais do que apenas uma tonelada. Era sufocante e lhe queimava a pele.
- Srta. Lee, sente-se pronta agora? - Indagou o promotor iniciando a audiência mais uma vez após a confirmação
- Naquela noite eu estava ajudando os garçons devido à falta de um dos funcionários, com isso fui ao bar pegar as taças de vinho e passei a circular o salão até que sem querer acabei esbarrando em Ko Wonsang. - Iniciou o relato com o olhar cabisbaixo, odiando-se por ter de mentir. - A Sra. Kim foi uma das atingidas pelo esbarro, seu vestido ficou completamente sujo e eu me recusei a pedir desculpas ou a ajudá-la.
- Protesto! - O advogado da defesa levantou a mão atraindo a atenção do juiz. - A Srta. Lee não está sendo sincera a par com este tribunal.
- Srta. Lee, confirma o que este homem diz? - A garota negou recebendo autorização para continuar o depoimento.
- Durante a festa a Sra. Kim estava um pouco embriaga e por isso vi como uma oportunidade para sair dali sem prestar os devidos cuidados, o que a irritou e ocasionou toda a cena. - Suspirou pesado tragando suas emoções em uma onda assustadora para Nam-do que a observava aflito. - Após isso ambas nos encontramos para tentar fazer um acordo, mas acabamos nos desentendendo novamente quando pensei que o segurança particular da Sra. Kim era uma ameaça ao meu bem-estar.
O resto do que sobrara do interrogatório se seguiu como uma lembrança distante marcada pelo relaxar de ombros da acionista que se mantinha presa em pensamentos no bem-estar de seu filho. Quando saíra de casa pela manhã planejara usar toda a situação a seu favor, mas jamais imaginou que a garota cairia no seu truque.
Lee Mi-so deixara a sala ignorando a todos após sua presença não ser mais necessário, passou pelos corredores perdida no tom neutro da tinta que cobria a parede. Absorta em seu próprio mundo mal percebera a Mercedes azul marinho de Kang Tae Oh a esperar do lado de fora do tribunal.
Desceu a escadaria pegando os fones de ouvido na bolsa e plugando no celular, costumava ouvir a mesma música sempre que seus pensamentos estavam altos demais para que pudesse suportar. A trilha sonora de seu drama favorito acalmava os nervos tensionados lhe proporcionado alguns minutos de calma.
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Estacionou o carro na primeira esquina que vira enfiando as mãos no bolso do moletom seguindo a amiga silenciosamente. A poucas quadras residia um parque pouco frequentado pelos moradores do bairro, o que o tornava um local extremamente propicio para a triste Lee Mi-so e seu mundo interior.
Apenas a acompanhou de longe se certificando de que estaria bem, enviou uma mensagem para o grupo de chat que preocupados com o sumiço da garota criavam um alvoroço. Comprou dois picolés ao vê-la sentar-se nas raízes de uma arvore unindo os joelhos para esconder o rosto choroso, lhe incomodava o fato de poder-lhe observar em um momento tão frágil como este.
- Hoje o dia está tão bom, devíamos comer churrasco? - Mi-so sentiu a embalagem gelada no topo de sua cabeça, ergueu o rosto marcado pelas lágrimas para um Kang Tae Oh sorridente.
- ... - Nada foi dito ao erguer-se rodeando o pescoço do rapaz com seus braços em um abraço apertado. - Apenas por um minuto... posso ficar assim por apenas um minuto?
- Pela vida toda se for necessário. - Correspondeu o abraço tentando não se afetar ainda mais pela voz embargada da garota. - Os picolés vão derreter, que tal tomar o seu para esfriar um pouco a cabeça?
- Obrigado. - Desprendeu-se do abraço apenas o suficiente para fitar Tae Oh novamente, o homem possuía o mesmo ar inocente de todos os dias em que lhe servia um café com chantili e biscoitos após as reuniões da empresa na cafeteria em que ela trabalhava, cafeteria esta que se tornara um fúnebre lugar para ambos.
Caminhou de mãos dadas pelo caminho de cimento vazado, o relógio em seu pulso marcava um pouco mais do que treze da tarde. Chegaram a um restaurante de churrasco pedindo algumas porções, Tae Oh estaria mentindo ao dizer que não gostava dos momentos em que passava sozinho com a garota que costumava ter o riso fácil e o intenso brilho obstinado de sua personalidade por mais que se assemelhasse a uma criança birrenta e cabeça-dura ao insistir em agir como uma raposa solitário.
- Acho que está na hora de voltarmos para casa, todos estão enlouquecidos com seu desaparecimento repentino. - Devorou mais uma folha de alface recheada de carne bovina preparada por Mi-so. - Tentei contornar a situação, mas estão preocupados.
- Eu fui irresponsável em fugir, entrei em pânico naquela hora e não sabia mais o que poderia fazer. - Comentou evitando entrar em detalhes sobre o que realmente havia acontecido durante aquela manhã interminável. - Antes de ir podemos passar em uma livraria?
- Claro, quer comprar um livro? - Questionou deixando algumas notas na mesa antes de sair do estabelecimento.
- Não, quero deixar algo. - Respondeu singela retornando pelo caminho que os levaria ao carro do rapaz.
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- Este era o livro favorito dos meus pais. - Retirou da quinta prateleira o livro de capa branca com detalhes em preto e vermelho, havia duas pessoas desenhadas na capa, dentre elas uma mulher adulta e uma criança. - "Por favor cuida de mamãe", de Kim Young-ha.
- O que pretende fazer? - Se aproximou analisando a capa, segurou o livro a pedido da garota que levou a mão direita ao pulso esquerdo soltando o fecho de uma pulseira de prata delicada com um pingente simples em formato de lua.
- Esta é a única maneira de lidar com a saudade, vou deixar para eles a melhor lembrança que tenho. - Sorriu guardando entre as páginas amareladas, devolveu o livro a prateleira empoeirada. - Quando eu for embora para o meu mundo, essa será a prova que eu existi aqui também. Assim sempre que sentir que está se esquecendo de mim, poderá vir aqui.
- Mi-so, não é preciso ser gentil quando claramente está desconfortável. Se quiser chorar, fico feliz de poder ser aquele que vai consolá-la e se sentir vontade de sorrir serei ainda mais grato por ser aquele que vai ver sua felicidade. - Afagou os cabelos tom chocolate.
- Não, não é preciso ser gentil. Mas eu quero, estou grata por ter você e todos os outros. - Afastou-se ainda sorrindo para um Tae Oh com semblante calmo que retribuía o gesto sincero. - Agora sim podemos ir para nossa casa.
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