⊱ 𝙇𝙞𝙫𝙧𝙤 𝙄; Cinerárias
✣ Capítulo XXII: Cinerárias ✣
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Uma propriedade velha e bem cuidada pertencia ao detetive que chegara com os dois jovens em seu encalço. Oferecera uma muda de roupas e toalhas para que pudessem se esquentar, e divididos, eles saíram rumo aos banheiros. Quando alguns minutos se passaram, todos se reuniram na sala na espera de finalmente esclarecer os acontecimentos daquela noite.
Estava frio o suficiente para que Mi-so afundasse as mãos no bolso do pijama de linho que lhe fora entregue. O termostato não fazia jus ao aquecedor da casa que não atingia o clima agradável que precisavam para aquela conversa.
- O que quis dizer com aquilo? - Foi a primeira a romper as muralhas do silêncio. - Eu sou mesmo a protagonista?
- Sim, infelizmente... - Expos o detetive rondando a jovem. – Quando Min Seojun apareceu na delegacia como um sobrevivente do Assassino de Lótus, trouxe consigo uma foto sua. – Pigarreou antes de tomar um copo do uísque. – Esta mesma foto foi encontrada no corpo de outras vítimas desde o começo dos assassinatos em Incheon.
- Desde então o detetive In vem me escondendo nesta casa. – Declarou o rapaz tentando apaziguar as falas do mais velho.
- Entretanto eu estive rondando você desde o primeiro dia. – Puxou novamente a fala retomando a narrativa. – E descobri o segredo que esteve guardando todos este tempo Lee Min Seo. Pedi para que Choi DaEun tivesse uma conversa com você, está lembrada? - Rondou as emoções da garota estudando seu perfil.
Ouvir seu real nome da boca daquele homem fizera a autora vacilar algumas batidas do coração.
- Hyung¹ você não está facilitando as coisas. - Cortou Seojun rapidamente. - Noona², nos desculpe por termos sido tão brutos, mas não tivemos outra escolha.
- Naquele dia, você esteve de olho em nós? - Comentou a garota recebendo uma breve confirmação. - Então você tem um plano certo, senão por qual razão me tiraria do hospital?
- Só por um tempo. - Sentou-se perto da garota agarrando-lhe as mãos. - Eu sou mesmo seu irmão?
- Sim, mas de onde eu venho, Min Seojun morreu. - O olhar brilhante fora substituído pelo sombrio descontentamento. Entretanto, o garoto esboçara um sorriso ao continuar a encarando.
- Sinto muito, mas quando ouvi que havia um mundo além deste, imaginei que talvez esta fosse uma realidade paralela. - Proferiu acariciando a mão da escritora com o polegar. – Você se parece muito com minha irmã mais nova, a Ah Na. Talvez fossem a mesma pessoa, mas de realidades diferentes.
- Uma realidade paralela? – Questionou a autora aflita com as suposições do rapaz.
- Sim. - Concluiu In JaeHwa. - No início está poderia ser a obra que escreveu, mas pelo que comentou para Choi DaEun, descreveu que a história começava a tomar seu próprio rumo, correto?
- Está querendo dizer que de alguma forma, quando alteramos a linha do tempo do livro este mundo se desprendeu da obra e tomou vida por si só? - A mulher tentou raciocinar por mais que tudo fosse complicado demais para sua compreensão.
- Imagine que estamos presos em uma gota d'água da chuva, no caminho que se desprende da nuvem até o solo estamos fadados a ser apenas uma gota, mas ao alcançar o chão nós formamos uma poça. Assim deixando o estado anterior para assumir uma nova forma.
- Em outras palavras, o detetive que dizer que esta é uma folha em branco do seu livro que está sendo escrita pelas atitudes que os personagens da obra tomam. – Concluiu Seojun tentando deixar as coisas mais claras. – Ou seja, você não é mais a escritora de Jardim de Sangue, então cada um neste lugar está desenhando a própria história.
- Faz sentido, mas eu estou aqui em um lugar do qual não pertenço. Como explica isso? - Apertou a mão do garoto que se assemelhava a seu irmão, temendo pela resposta.
- Na noite do ocorrido, algo fora do habitual aconteceu? – O detetive sentou-se cruzando os braços em uma pose autoritária refletindo. – Algo que possa servir de gatilho para este evento?
- Eu desci as escadas da livraria dos meus pais e encontrei o assassino em meio aos livros. Naquele momento o homem tentou me enforcar e eu o acertei com um peso de ferro que usamos para segurar a porta da loja. - Relembrava dos acontecimentos tentando recriar a noite. - Quando me soltou eu tentei fugir com o manuscrito do livro, mas ele me esfaqueou.
- Pode ser que sangue de ambos manchou o manuscrito de Jardim de Sangue. - Comentou Min Seojun em uma rápida hipótese. - E se a porta que a trouxe para cá foi o manuscrito?
- Isso faria sentido, quando Mi-so morreu a porta se abriu para que ela atravessasse, mas como o sangue do assassino se misturou ao dela, ele também acabou sendo transportado para este mundo. - Concluiu o detetive sem rodeios, por mais fantasioso que fosse, aquela era a reposta mais lógica para seus questionamentos.
- Então a única maneira de voltar seria morrendo... - Constatou abalada pelas recentes descobertas.
- Não temos certeza disso, mas é uma hipótese válida. - In JaeHwa relaxou no sofá de couro esticando as pernas cansadas. - Todavia não temos tempo para nos certificar agora, precisamos capturar aquele assassino antes que seja tarde. Você o viu correto?
- Há uma coisa que não contei para meus amigos quando estava no hospital - Levantou-se evitando olhar diretamente para os dois homens na sala. - Embora ele tivesse a aparência do Nam-do, pude reconhecer o timbre de sua voz.
- Isto significa que ele é realmente capaz de alterar sua forma física através das páginas do manuscrito. - Min Seojun afirmou a si mesmo sem esconder o fato de que espionara a conversa do grupo no quarto de hospital mais cedo. - Não é uma boa notícia para nenhum de nós.
- Eu acho que já o conheci antes, mas sinto que há uma espécie de lacuna na minha mente que está barrando minhas memórias.
- Bom, uma péssima notícia é que temos uma urgência. Algo para consertar nesta linha do tempo. - O detetive pronunciou retirando a foto de Kang Tae Oh do bloco de anotações que carregava consigo. - Quando roubei sua parte do manuscrito das mãos da promotora às escuras, notei que este rapaz era um personagem que aparecia diversas vezes, mas ao parar novamente para analisar na noite passada vi que todas as menções a ele haviam desaparecido.
- A nossa suspeita desta noite é que ao inserir um personagem novo com a mesma função de outro, aqueles que você escreveu passam a ser substituídos por criações originais deste mundo. Ou seja, Kang Tae Oh voltará a ser apenas um personagem de Jardim de Sangue e deixara esta nova realidade. - Proferiu o mais jovem analisando todas as variáveis que encontrou durante suas pesquisas ao lado do detetive.
Mi-so abraçou o próprio corpo desamparada, caiu sobre o sofá respirando pesado. Em poucas horas tivera sua dose anual de descobertas traumáticas, em parte se sentia aliviada por retirar o peso de viver sua própria obra das costas, sua consciência poderia descansar em paz.
Contudo, seu peito arfava apertado considerando a ideia de perder qualquer um dos personagens por quem desenvolveu afeto durante o período que estivera os protegendo.
Kang Tae Oh era o único que a apoiara e jamais duvidou de seu caráter, a encorajou a corrigir todos os seus erros e lhe forneceu ajuda para isto. Agora ela carregava o obstáculo de torná-lo uma peça fundamental daquele jogo perigosamente cruel, dar lhe um propósito para existir.
- Tenho um plano. - Anunciou o ruivo tomando o interesse de todos. - Mi-so volto a lhe perguntar, o quanto está disposta a arriscar?
- Eu morreria por vocês; todos vocês. – Proferiu a jovem enxugando as lágrimas com as costas das mãos. – Seja o que for preciso, eu farei para protege-los.
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A madeira fria do banco era coberta pelo musgo devido a falta de cuidado, os sinais do tempo eram evidentes no carvalho descascado e ressecado. Agarrada as próprias pernas a observar o jardim iluminado pela cálida luz do luar, Mi-so divagava em pensamentos distantes, insinuosos.
Como a correnteza de um rio turbulento, passava cada segundo tentado remar contra a correnteza buscando encontrar detalhes que abandonará ao decorrer de sua busca. Estava agora rodeada por pessoas que dariam suas vidas pela dela, mas este fardo apenas a fazia sentir mais culpa em pegar algo que deveria prover.
Porque brincara com destino agora enfrentava as consequências de suas ações, arrependida em estar se acostumando à aquelas pessoas, desejava misticamente retornar para seu mundo e salvar seus pais, mas é claro, se ainda houvesse qualquer possibilidade de dar-lhes alguma assistência.
- Noona, está se sentindo bem? - Sorriu ao sentar-se na grama ao lado do banco.
- Por que sempre sorri assim toda vez que me vê? Isso faz com que me sinta ainda mais culpada. - Lamentou ansiosa, a solidão era uma companheira um tanto quanto dolorosa. .
- Você parece que vai se quebrar a qualquer momento. - Divagou em direção ao luar, decidindo suas próximas palavras. - Eu deveria te agradecer pela família que me deu aqui, e me desculpar por não te reconhecer.
- Eu não te criei Min Seojun, você nasceu sozinho neste universo. - Atraiu o olhar curioso do rapaz. - Eu nunca superei a sua morte desde criança, então fui incapaz de tocar em seu nome. A família que tem aqui, é sua de verdade, nada disso teve a ver comigo.
- Noona...
- E se você realmente fosse meu irmão, eu quem deveria tratá-lo com respeito, pois no meu mundo você é mais velho do que eu.
- Para mim não importa, você e Ahn Na são minhas irmãs. - Abraçou a jovem que se despedaçou em lágrimas. - É muita coisa para que eu consiga processar ainda, então por favor, não tire isso de mim.
Nada fora como a jovem Lee Min Seo de sete anos esperava que acontecesse ao aguardar todas as madrugadas na sala de estar seu irmão voltar da escola. Diferente daquela época ela não adormecera após horas seguidas assistindo televisão, ou acordara cedo para servi-lhe o café da manhã antes da aula, embora ele nunca aparecesse para comê-lo.
O reencontro dos irmãos fora marcado apenas pela cumplicidade de um toque familiar, um abraço aconchegante e silencioso. O choro que molhou a camiseta de Seojun e as pernas tremulas da garota que se recusava a diminuir o aperto com medo de que tudo se desfizesse como um sonho.
Um beijo no topo da cabeça marcou o fim daquele reencontro, ainda abalada à garota deixou ser guiada para dentro da casa. Forrou o sofá para sua irmã afofando as almofadas para deixá-la mais confortável, correu para lhe servir um copo de leite quente antes.
Costumava fazer isto com Ahn Na quando a criança tinha pesadelos, deitado no colchonete ao lado dela entrelaçou seus dedos durante o crepitar da lareira. O fogo no canto da sala era cercado pela imensidão escura da lenha queimada, a nevoa cinzenta saía pelo telhado da casa aquecendo o ambiente.
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Na manhã seguinte Min Seojun observava aflito sua irmã empunhar a tesoura de metal em frente ao espelho do lavabo, haviam decidido que não seria nada frutífero para a garota continuar se escondendo de todos, sua melhor alternativa era torna-se uma presença vibrante em Jardim de Sangue.
O plano consistia em trazê-la à tona, quanto mais pessoas a conhecessem, mais segura estaria em ambientes onde não possuísse nenhum de seus amigos para ajudá-la. Começou pelos fios ondulados os cortando na altura dos seios possibilitando que seu corpo fosse mais visível, a franja que cobria seus olhos foi aparada acima das sobrancelhas.
Utilizou as roupas antigas da irmã do detetive deixará para trás ao se casar e mudar para o exterior há muitos anos atrás. Uma camiseta preta de gola role entrava na saia social com uma estampa xadrez preto e branco. A meia calça grossa escondia a parte desnuda de suas pernas até as botas de couro sintético preto.
Por cima do look um sobretudo verde escuro destacava o vermelho vivo do cachecol que fazia par com a boina, deixou por último os óculos escuros ao sair da residência com os garotos. Passeou pelas ruas até o shopping cumprimentando todos que via, conversou com os velhos que vendiam hortaliças pelo caminho e acenava para as crianças que corriam na saída da escola para suas casas.
O segundo passo do plano era trazer Kang Tae Oh para o elenco principal de Jardim de Sangue, mesmo que não possuísse uma ideia concreta de como o fazer. Precisava esclarecer ao empresário o que constatou na noite passada e evitar futuros infortúnios, só assim conseguiria pensar com mais clareza nos próximos passos do plano para fisgar o assassino.
Havia marcado por volta das seis no saguão principal da loja de departamentos, entretanto, se atrasou pela insistência inoportuna do detetive In JaeHwa em estabelecer um ponto de vigilância na onde poderia protegê-la de qualquer ameaça. Seu irmão por outro lado se negou a sair do seu lado, com o rosto coberto pela máscara, boné e óculos escuros que combinavam com o de Mi-so, motivo pelo qual os comprou naquela manhã na loja de conveniência gastando alguns wons do detetive.
Min Seojun enfrentou uma longa conversa com seu hyung sobre como deveria se focar mais em como capturar o assassino do que com as futilidades da vida. Mas para ele a dor que a jovem transmitia ao conversar sobre o período em que esteve sozinha lutando contra aquela ameaça sem nome, lhe torturou durante toda a noite lhe tirando o sono. Faria tudo que estivesse a seu alcance para animá-la e futuramente resgatar nem um pouco que fosse da verdadeira personalidade de Lee Mi-so.
- Acha que eles estão bravos por tê-los abandonado no hospital ontem? - Questionou tomando a mão dela. - Você está suando de ansiedade.
- Está tudo bem, eles são velhos demais para agirem como crianças magoadas. - Desceu a escada rolante varrendo pelo lugar com seus olhos na procura da presença brilhante de Kang Tae Oh.
Àquela hora do dia não havia muitas pessoas pelo shopping, muitos usufruíam o tempo para jantar em um dos bons restaurantes mais próximos ou assistiam filmes com suas famílias. Mi-so varreu o lugar com os olhos notando uma figura suspeita se aproximar de um homem alto de terno branco que estava parado no centro do saguão.
Constatou ser Kang Tae Oh a mexer no celular despreocupado, em seu bolso o telefone vibrou recendo a ligação dele. Fixou seu olhar na figura estranha que cada vez mais perto deixara uma parte de seu rosto aparecer, retribuindo o olhar na mesma intensidade.
O sangue que corria em suas veias gelou ao rever o rosto que há muito tempo estivera adormecido no subconsciente de sua mente, diferente das demais vezes em que assumira a fisionomia de outras pessoas, agora ele lhe dará um aviso cruel do que estava presta a fazer.
Atormentada pelo sorriso fugaz do assassino, deixou sua bolsa cair serpenteando por todas aquelas pessoas que se amontoavam na escada rolante. Suas pernas falhavam continuamente com o bater descontrolado do coração ao processar a informação, alcançou o último degrau ofegante sem diminuir o ritmo de seus passos até Kang Tae Oh.
Não pudera pensar em outro meio de torná-lo uma pessoa principal em seu livro, precisava faze-lo ali mesmo, apenas uma ideia lhe rondava às pressas, se tivesse qualquer envolvimento com o empresário poderia fazê-lo ser um personagem importante. Antes que aquele homem que atormentava seus sonhos desde o momento em que assassinara seus pais na velha livraria em Busan o tocasse, Mi-so se jogou nos braços de Tae Oh o agarrando pelo colarinho em um beijo, não se importando com aqueles que estivessem observando a cena.
Alguns segundos foram necessários para que o homem lhe retribuísse o beijo levando ambas as mãos para as bochechas coradas da jovem. Mi-so afastou-se lentamente procurando pelo assassino entre a multidão, mas para seu alívio ele desaparecera, mais ao fundo In JaeHwa revirava as páginas do manuscrito fitando atentamente o nome do homem ser reinserido em algumas páginas.
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Glossário:
¹Hyung (형) significa algo como "irmão mais velho".
²Noona (언니) significa "irmã mais velha".
Ambos os termos são utilizados por garotos.
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