⊱ 𝙇𝙞𝙫𝙧𝙤 𝙄; Calêndulas
✣ Capítulo XIV: Calêndulas ✣
❁
Todos os dias eram carregados de notificações sobre o caso, reportagens sobre o assassino recém-descoberto que inundava a televisão e a mídia online em sua busca. Park Nam-do ainda não tivera coragem o suficiente para contar a seu irmão sobre a conexão dos atuais crimes com o assassinato de sua mãe.
Atravessou as salas da TK Entertainment dando breves saudações a seus funcionários antes de alcançar o elevador. Planejou ficar a tarde mergulhado em seu trabalho e conseguira com facilidade ignorar até o almoço, como último afazer de seu dia teria uma breve reunião com o CEO da empresa que financiava a hospedagem de seus idols durante as viagens e treinamentos da empresa.
Passou um bom tempo no banco traseiro lendo a ficha do novo líder da Holo Hotelaria, um homem jovem, de boa família que assumira o cargo a pouco menos de três anos. A entrada do restaurante era composta por mármore negro com detalhes em um puro dourado, a comida tradicionalmente chinesa deste local era recomendada pelos melhores tabloides de Incheon.
Seu secretário lhe recomendara o local após uma longa pesquisa, sem questionar as capacidades do homem, Nam-do aceitou, mesmo que não gostasse do tipo de comida servido. Ajoelhou perante a mesa aguardando seu convidado, sua mente vagou pelo aplicativo de mensagens, como era costumeiro desde que acordara ao lado da pequena de cabelos chocolate.
Sempre era ele a ansiar que ela respondesse suas mensagens, por mais que fosse para frustrar seus planos de sair em um encontro. A porta se abriu revelando um homem um pouco mais alto que si trajando um terno preto com linhas verticais brancas que acentuava bem seu corpo.
- Me perdoe pelo atraso Sr. Park, tivemos um contratempo com uma amiga dos tempos de escola. Espero que não esteja entediado. - Sinalizou para o garçom trazer as bebidas.
Sua consciência reviveu o dia do depoimento de Mi-so na delegacia de Incheon, as frases ditas por seu amigo repercutiam em sua mente como uma melodia difícil de se esquecer. "Quem autorizou a liberação daquela garota foi o CEO da Holo Hotelaria".
- Acabo de chegar também, prazer em conhecê-lo Sr. Kang. - Apertou sua mão firme após vê-lo se ajoelhar.
- Por favor me chame de Tae Oh, parece que nós veremos bastante agora. - Retribuiu o aperto na mesma intensidade.
- Claro, como quiser. - A conversa fluiu naturalmente durante a noite, ambos focados em fechar o contrato o mais breve possível.
Algumas horas correram durante o jantar, o bastante para que Nam-do sentisse falta de seu habitual cigarro entre todo o falatório. Bebeu o último copo de makgeolli enquanto Kang Tae Oh saia para atender uma ligação. Não pode deixar de notar um chaveiro muito peculiar pendurado a capinha de seu telefone.
- Se me permite perguntar, o que é este chaveiro? - Questionou.
- Uma amiga da escola de quem sou próximo me deu. É um amuleto de boa sorte. - Respondeu vago indo para o exterior da sala.
Uma cordinha azul atrelada a uma estrela de prata que balançava com o movimento do aparelho. Nam-do sentiu uma certa familiaridade com o objeto, tardou alguns minutos até se recordar que Lee Mi-so possuía um chaveiro semelhante em seu celular, entretanto o dela era vermelho e possuía uma lua dourada.
O Sr. Kang se parecia muito com a garota, centrado e reservado procurando sempre ser direto e claro em suas palavras. Pequenas coincidências que se mesclavam e eram o suficiente para que o jovem Park quisesse ir vê-la apesar de suas recusas.
Quando o jantar acabou se despediu rapidamente antes de cruzar o estacionamento para ir ao seu carro assumir a direção. Cruzou algumas ruas para o norte da cidade, a lua ocupava um ponto alto no céu, a presença de algumas estrelas tornava a noite ainda mais memorável.
Seu celular brilhou com uma mensagem de texto, parou no primeiro sinal vermelho tomando o objeto em mãos. Uma foto mostrava uma garota fechar a porta de uma loja, constatou ser Mi-so pela bolsa amarela familiar que estava pendurada em seu ombro cruzando as costas, olhando mais atentamente Nam-do pode ver o reflexo de outra pessoa na vitrine da cafeteria.
Outra mensagem chegou, desta vez de texto. Os caracteres brilharam na tela durante o período que o homem ficou estático sem acreditar; "Devemos terminar o que começamos a vinte anos?". Outro carro buzinou freneticamente lhe alertando que o sinal estava verde novamente, discou o número da garota diversas vezes antes de jogar o celular no banco traseiro após cair novamente na caixa postal.
Pisou no acelerador sentindo o peso da culpa recair sobre seus ombros, havia segurado Mi-so em sua vida desde que a conhecera e por consequência disto a pusera em perigo, na mira inconsequente de um assassino do qual ele não possuía qualquer informação.
As lágrimas que banharam seus olhos temiam pelo bem-estar da jovem, seu peito apertava conforme cada segundo se passava. Por mais que estivesse cada vez mais perto do endereço de onde ela trabalhava, as ruas pareciam se tornar mais longas do que o habitual. Ignorou os sinais vermelhos e cruzava vias impróprias, tudo para chegar a tempo de salvá-la.
Chegou à cafeteria notando o lugar já fechado, nenhum sinal da garota, desceu do carro vasculhando ao redor sem nenhuma resposta. Socou o capô tentando conter o pânico, chegara tarde demais.
- Nam-do? - O som calmo e baixo preencheu o espaço até ele junto do aroma de groselha. - O que está fazendo aqui?
- Mi-so? - Virou rapidamente vendo o vestido azul que ela trajava e a bolsa prateada que caía ao lado, diferentemente da foto que recebera a alguns minutos.
- Eu voltei porque esqueci meu celular na loja... - Foi surpreendida pelo abraço perturbado. - Está tudo bem?
- Agora sim. - A mão delicada afagou seus cabelos.
❁
Trouxe a bandeja com dois sanduiches para a mesa exterior da lanchonete, Mi-so bebia seu copo de refrigerante enquanto ele abria embalagem. Mordeu seu lanche antes de levá-lo para ela a instigando a morder um pedaço.
- Quer mesmo que eu acredite que você foi até o meu trabalho apenas por que estava com fome? - Comentou com a boca ainda cheia.
- Você é muito cética, até mesmo com a cara suja de molho. - Levou o dedo ao canto da boca da garota limpando. Mi-so tossiu por alguns segundos constrangida com a demonstração repentina de afeto.
- Não estava em um jantar de negócios? - Retrucou evitando encará-lo.
- Não prometeu que jamais tiraria os olhos de mim? - Questionou recebendo um pedido de desculpas. - Eu não gostei da comida, além do mais, prefiro jantar com você.
- Cuidado com o que diz, as pessoas vão pensar que estamos saindo. - Mordeu outro pedaço de seu lanche.
- E nós estamos. - Não ousou abaixar o tom de voz, deixando claro para os que passavam. - E digamos que eu sou um pouco possessivo.
- Ok, primeiro, ainda bem que isto foi uma brincadeira, senão eu teria que lhe bater. Segundo, agora mais do que nunca acredito que aconteceu algo. - Puxou a cadeira para perto. - Me diz o que está te incomodando, eu posso ajudar.
Um sorriso singelo brotou em seus lábios ao se ver refletido nas írises claras e redondas da garota. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, mas diferente de todas as vezes em que a vira, a franja estava presa por uma presilha colorida deixando seu rosto totalmente visível.
- Você mudou o penteado. - Aproximou seu rosto do dela segurando-lhe a mão por baixo da mesa. - Cadê a Mi-so que queria se esconder?
- Eu a enterrei no quintal de casa, igual como irei fazer com você se não me falar a verdade. - Sua postura era feroz.
- Não pode deixar passar essa? - Pendeu a cabeça para o lado exausto.
- Se sentira melhor se desabafar. - Queria poder fazer o mesmo e lhe contar tudo o que sabia, mas naquele momento precisava reconfortá-lo, descobrir o motivo de seus olhos estarem inchados mais cedo.
- Eu apenas me senti sozinho, queria te ver. - O que não era totalmente mentira, queria mesmo vê-la durante todo o dia.
- Então o que quer fazer agora que estamos aqui? – Foi interrompida pelo toque de uma vaca mugindo. – Desculpa, é meu celular.
- Que espécie de toque é esse? – Questionou vendo o nome de Kang Tae Oh brilhar na tela digital. – Conhece o CEO da Holo Hotelaria?
-Sim, estudamos juntos. – Atendeu a ligação deixando a mesa por alguns minutos, instigando Nam-do a descobrir mais sobre a relação de ambos.
❁
Sentados sob a luz do luar, a noite fria se estendia por uma longa conversa interminável. Não era costume de Mi-so falar sobre sua vida com qualquer pessoa, mas sentia que devia ser capaz de fazer qualquer coisa para tratar de ocupar a mente conturbada de Nam-do.
Desde o momento em que lhe abraçara com a respiração pesada sua mente se preocupava com o que poderia estar acontecendo para deixá-lo tão fora de si. Após o primeiro segundo em que interferira na linha do tempo do livro, todos os dias vinham sido diferentes e inesperados.
Não conseguia mais prever nenhum acontecimento, aos poucos se conformou com o fato daquele lugar ter se tornado um universo independente. Cada pessoa com que cruzava na rua tinha sua própria vida, sua história, todos eram como livros em branco sendo escritos aos poucos por si mesmos.
Mas não ela, Mi-so era uma peça de xadrez sem uso, quebrada. Todas as outras haviam sido guardadas e só restara a rainha sem poder retornar a caixa. Não tinha como saber se seus pais estavam bem ou se em seu mundo alguém sentia sua falta.
Estava vivendo no lugar de outra pessoa, criando sentimentos por alguém que não deveria. Estava farta de tudo aquilo, do sentimento de abandono, de sua incompetência em pegar o assassino.
- Está com sono? – Perguntou Nam-do.
- Desculpa, tenho estado com a cabeça nas nuvens por muito tempo? - Respondeu se acomodando ainda mais no banco. - Quando esfriou tanto?
- Já está bem tarde, eu deveria te levar para casa. - Levantou puxando a mão da garota. - Seus pais devem estar preocupados.
- Eles estão viajando por dois meses, meu avô está muito doente. - Seguiu o homem pela trilha de cascalho até a entrada da praça.
- Por que não foi junto?
- Precisava depor contra a Kim Bok Joo, temos um contrato. - Falou baixo.
- Eu entenderia seu caso. - Se pôs diante dela. - E se for a última vez em que o vê?
- Meu avô não gosta de mim. - Nam-do demonstrou curiosidade mesmo que estivesse evitando entrar em um assunto que ferisse os sentimentos da garota. - Ele não acha que sou a neta deles.
- ... - Afagou as costas de sua mão com o polegar.
- Você já deve ter descoberto sobre meu enterro alguns anos atrás. - Voltou a andar com o homem em seu encalço. - Desde o dia em que voltei da minha fuga de casa ele não acreditam que eu sou, bem, eu.
- Sinto muito. - Abriu a porta do carro para a garota que se sentou encolhida no passageiro como se o mundo estive pronto para atacá-la. - Mi-so, olhe para mim.
- Sim? - Obedeceu ao vendo se agacha para ficar do mesmo tamanho que ela.
- Nós dois estamos sozinhos desde que nós entendemos por gente, certo? - Confirmou com um breve movimento de cabeça. - Mas isso não significa que há algo de errado conosco.
- Nadinha mesmo? - Deitou-se no banco segurando o cansaço.
- Sim, só significa que somos diferentes. - Beijou-lhe a testa. - Mas a partir de agora, você não estará mais sozinha.
Seu coração vacilou uma batida, guardara tantas mágoas desde que tudo aquilo começara que jamais teve tempo para sequer cogitar que seria mais do que poderia suportar. Aquele fardo era pesado demais para ela.
- Antes eu estava preocupada com você, agora sou eu quem está chorando. - Entre soluços sua voz era abafada pelo aperto forte e o leve carinho em seus cabelos.
Seria tão errado assim se apaixonar por Nam-do àquela altura?
❁
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro