⊱ 𝙇𝙞𝙫𝙧𝙤 𝙄; Crisântemos
✣ Capítulo V: Crisântemos✣
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- Quando eu era criança minha mãe costumava me contar a história de uma garotinha solitária que vivia próxima ao bosque. – Seu polegar pressionou a agulha com ajuda do indicador para que a ponta da linha de sutura cruzasse o pequeno espaço até o outro lado sem dificuldade. – Seus pais haviam falecido muito cedo e por ser órfã nenhuma criança quis ser sua amiga já que suas famílias as proibiam. Costumavam profetizar que aquela garotinha lhe traria má sorte.
A mesa forrada pelos crisântemos alaranjados apagava a visão do carvalho claro manchado de sangue. Levou uma das flores a agulha penetrando em seu minúsculo caule para que arrematasse na linha com um nó. Dirigiu-se a pele bronzeada da moça que deitada na cama não conseguia resistir devido à sensação dos anestésicos.
- Por isso ela passava todos os dias andando pelo bosque brincando com animais e se alimentando das frutas que por ali nasciam, até que um dia encontrou uma clareira onde havia uma cabana. – Entrelaçou a linha na superfície macia da coxa dela que grunhiu com a sensação dolorosa da costura. – Ali morava uma velha senhora que quis ser sua amiga, elas passavam o dia brincando e quando anoitecia a garotinha seguia o caminho para a cidade.
O sorriso em seu rosto se destacava levado pela beleza que o corpo estava a se tornar, colorido pelos crisântemos e perfumado pela essência floral que fora banhada. Adorava a maneira que o laranja entrava em contraste com o vermelho que escorria dos furos da agulha.
- A criança adorava a senhora, queria que ela se tornasse sua mãe, então pediu a velha que lhe deixasse morar consigo para sempre, o que ela aceitou de bom grado. – Seu sorriso se desfez e uma carranca séria lhe tomou as feições. – Enquanto isso na vila as pessoas sentiam falta da órfã que antes implorava por atenção, não tinham mais alguém para humilhar ou uma pessoa que ajudasse nas entregas da padaria, que ordenhasse as vacas porque não se importava com a sujeira.
Parou o que estava fazendo para admirar sua obra, a garota chorava copiosamente sem forças para relutar aos toques que recebia. Implorava baixo por sua vida, com sua voz rouca e exausta.
- Então eles inventaram um rumor... - Murmurou inquieto, o tom da voz já se engrossando com o sentimento da raiva. - Disseram a todos que aquela senhora era uma bruxa que vivia no bosque e praticava magia negra, sendo a garotinha sua próxima oferenda ao diabo. Por isso a caçaram e queimaram viva na fogueira. – A naturalidade com a qual descrevia os detalhes ao limpar as manchas de sangue do corpo com um pano embebido em álcool levou a garota a parar de grunhir, horrorizada. – E aquela pobre menina perdeu novamente a sua única família. Irada, triste e solitária, ateou fogo na vila durante a noite matando todos que ali viviam.
Sentou-se olhando nos olhos da vítima inalado o perfume adocicado das flores. Seu olhar vago se rendia a sua mente conturbada, o caos. Relembrou a criança que fora correndo pelos campos de arroz ao lado de seu irmão quando seus pais os levavam para visitar os avós na fazenda, sozinhos e livres roubando das plantações e causando tumultos no abrigo das galinhas.
Por um momento se perdeu nas lembranças que não eram suas, nada do que imaginou havia sido vivido por ele, muito menos por alguém que conhecia. Fragmentos dos livros que lera se emaranhavam as suas recordações de infância se impregnando como uma ideia, uma semente que germinava aprofundando suas raízes em seu subconsciente distorcendo a sua real história.
- Eu estou enlouquecendo, não estou? - Acariciou os cabelos da garota com um meio sorriso torto a brotar em seus lábios.
Era uma linda jovem que deveria ter por volta de seus vinte e dois anos. A encontrara na entrada de um prédio comercial trajando um lindo terninho feminino rosa de algodão após um bom tempo a sua procura. Odiou ter de rasgar a roupa, gostaria de tê-la enfeitado com aquele conjunto rosado e branco, tão delicado quanto o crisântemo que agora destacava sua pele.
Rodeou o pescoço com suas mãos pressionando a traqueia contra a macia superfície do travesseiro em que sua cabeça repousava. A lágrima escorreu pelo canto do olho moldando a curva de suas maçãs do rosto que avermelhadas se contraiam pelo instinto de respirar. Os dedos por fim se afrouxaram depositando um corpo sem vida ao leito de morte do qual pertencia.
Abriu-lhe a boca depositando aos poucos algumas colheradas de terra, cravando ali uma pequena semente da flor. A agulha que usara anteriormente voltou a seu domínio selando os lábios em um túmulo do qual todos os seus segredos estariam guardados eternamente.
Deslizou o bisturi pela camada fina e rosada da sola do pé marcando a data do ocorrido. O flash da câmera armazenava os retratos da obra de arte que criara, como uma fúnebre lembrança que diferente das outras não se perderia em uma consciência sem controle. Afastou-se contemplando o que criara antes de envolvê-la no saco plástico transparente para o transporte.
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In JaeHwa chegara à cena com sua fiel escudeira há poucos segundos e já procurava possíveis evidências que pudessem ter passado despercebidas pelos policiais. A promotora DaEun chamara sua atenção para um pequeno pedaço de papel que se escondia por entre a lacuna aberta que restara da boca da vítima.
Colocou as luvas de látex azul agachando-se para extrair o conteúdo. Manchado pela umidade da terra, o pedaço branco do papel continha uma caligrafia caprichosa. Não tardou para que descobrissem a verdadeira identidade da vítima e o porquê do bilhete.
- Ela trabalha em uma corretora de imóveis próxima a cena do crime. – DaEun lia a mensagem no seu smartphone. – Fora vista pela última vez há dois dias em um hotel destinado a casais junto de um homem.
- Park Nam-do? – Questionou olhando de relance para a moça de cabelos lisos que curiosa devolveu o olhar na mesma intensidade.
- Como sabia? – Questionou ao detetive.
- "Este é meu presente para você, Park Nam-do". – Ergueu o papel na direção da promotora que o tomou em mãos assustada pelo nome de seu cunhado estar escrito no bilhete.
- Por que o nome dele está aqui? – Por mais que tentasse assimilar os fatos não conseguia imaginar qualquer conexão entre o crime e o homem.
- Seu cunhado possui alguma inimizade? Um inimigo? – Levantou-se sentindo a brisa fria que serpenteava seu chapéu soprando-lhe as orelhas. – Um passado?
DaEun ergueu o telefone ao ouvido discando para a sede. Implorava que tudo fosse apenas um trocadilho infame do assassino ou que aquele nome fosse o de outra pessoa que não tivesse qualquer ligação com si.
Seus pesadelos se concretizaram quando seu assistente lhe encaminhou o arquivo caso que até então era desconhecido, por mais que temesse deveria aceitar que as características do crime que lia eram semelhantes a que presenciava.
A traqueia machucada, o uso de sedativos, amarras e acima de tudo a data marcada nas solas dos pés. O corpo não estava atrelado a flores, entretanto foi protocolado como evidência um buque de gardênias encontrado junto a agulhas e linhas no quarto do casal Park.
Suas pernas falharam ao ler no final do relatório o nome das duas crianças e seu pai que sobreviveram décadas atrás ao incidente mais violento que Incheon conhecera.
- Eu não entendo... – Tentava reunir palavras para expressar o tumulto que se passava em sua cabeça naquele momento. – Se for o mesmo assassino, por que ele voltaria a matar após vinte anos?
- A pergunta correta é onde ele escondeu os corpos que matou desde então. – O cantil molhou os lábios ressecados com o mais puro licor. – Pelo jeito a noite vai ser longa.
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