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⊱ 𝙇𝙞𝙫𝙧𝙤 𝙄; Cravos


✣ Capítulo XXIII: Cravos ✣

O delírio não se esvaia enquanto era engatilhado pelo presente fracasso de suas ações. Ainda que tivesse desestabilizado os dois homens, não tivera sucesso em capturar a dona do livro. A imagem refletida no espelho tomava as tatuagens que retornavam a pele marcada pelas cicatrizes, os cabelos se esticavam para os ombros manchados pelo sangue que grudado às mãos ele esfregava nos fios negros tentando mantê-los fora do rosto.

- Eu já entendi, porra! CALA A PORRA DA BOCA! - Discutia com o homem no espelho, a arma brincava com a goteira incessante da torneira que respingava na pedra falsa de mármore que constituía a pia do lavabo.

Independentemente de quantas vezes tentava, a imagem distorcida de tê-la rendida a seus desejos era uma miragem distante, inalcançável. Quando permitiu que seu melhor amigo lhe apresentasse sua noiva, jamais imaginou que dentro de si cresceria uma vontade, uma necessidade de posse e desejo incontrolável por um ser humano tão pequeno.

"Novamente você se tornou um fracasso".

- EU MANDEI FICAR QUIETO PORRA! - Socou o espelho o partindo em diversos cacos de vidro.

A campainha do quarto soou o retirando de todas aquelas vozes internas que o encurralavam em um beco obscuro da própria mente. Apanhou a pistola da pia a escondendo no cinto da calça. Deslocou-se a porta destrancando a mesma para poder observar a filha do dono lhe mirar com seus orbes irritadiços.

- Desculpe, mas poderia fazer menos barulho? - Tentou ver algo além do ombro do rapaz que cobria boa parte do interior do quarto. - Sei que somos uma hospedaria de quinta com três quartos, mas não poderia ter um pouco de educação?

A sua frente estava o sinal que esperara durante meses, o cabelo castanho que terminava próximo a cintura completado pela franja que cobria suas sobrancelhas. O destino lhe enviara uma vadia qualquer parecida com a garota que preenchia todos seus pensamentos, somente sendo louco para não aproveitar aquele banquete que lhe fora preparado com tanto zelo.

- ... - Desfrutou daquela bela visão com uma baixa gargalhada prazerosa.

- Você está rindo? - Rosnou a mulher sem acreditar. - Acha graça em perturbar minha hospedaria?

- Me desculpe, gostaria de entrar para esclarecermos esse desentendimento? - Ofereceu alguns centímetros de espaço. - Eu não gostaria que os outros hóspedes me ouvissem pedir desculpas, fere meu orgulho.

- Tudo bem, sejamos breves. - Acatou o pedido adentrando o recinto. - Então senhor ...

- Song, Song Kang. - Sorriu para a presa como um caçador ansioso pelo abate.

- Song Kang, omo vai me recompensar por este transtorno? - Caminhou alguns metros se deparando com o que restara do espelho espatifado pelo chão. - O senhor quebrou um patrimônio da hospedaria?

A moça se virou recebendo um golpe no rosto com o cabo da pistola, cambaleou alguns passos antes de sofrer outro golpe direcionado ao topo de sua cabeça a derrubando. O homem seguiu em passos lentos até ela, a vendo rastejar pelo assoalho criando um pequeno rastro de sangue.

A visão o deliciava criando a sensação deliciosa da euforia que o entorpecia como uma droga altamente viciante. Apanhou um dos fragmentos do espelho ao puxar os cabelos da filha do dono do local a guiando a força até o banheiro.

- Obrigada por vir, esta noite nos divertiremos muito. - Agradeceu afagando o pescoço alvo onde o caco deixou sua marca ao ser arrastado cortando a pele fina. - Vou me certificar de que aproveite este momento.

O sol atravessou à pequena janela quadriculada que pertencia à parede do banheiro, oposta a porta que dava acesso ao interior do quarto de hotel. Inalando o forte cheiro de água sanitária que irritava suas narinas lhe causando náuseas, a garota precisou piscar silenciosamente para se acostumar com a luz que refletida no espelho rebatia a claridade nos azulejos se intensificando.

- Bom dia. - Cantarolou o homem vestindo as luvas de látex azul. - Espero que tenha dormido bem.

- Rhum. - Grunhiu ela tentando levantar-se, mas a fita adesiva prateada atava seus pulsos e tornozelos, está fita também era responsável por mantê-la calada.

- Seu pai não lhe ensinou a não confiar em estranhos? - Retirou uma seringa da bolsa preta desgastada que aberta sobre a pia do banheiro guardava alguns de seus instrumentos mais preciosos. - Eu poderia sedá-la, mas isto não seria divertido. Diga-me, que tal arriscarmos hoje?

- ... - Fungou indócil com os cabelos colados ao rosto suado, retorceu-se na tentativa de se livrar das amarras, porém a única liberdade que era capaz de ter pertencia às lágrimas que saíam pela pele avermelhada de seu rosto.

- Por que está tão agitada querida? - Acariciou o filete de sangue já seco do ataque sofrido na noite anterior. - Que tal eu lhe contar uma história?

Sentou-se no banco a frente da banheira retirando uma faca da bolsa, a lâmina possuía uma curva característica para desossar animais que foram abatidos para consumo. O pedaço de flanela era embebecido de álcool antes de ser deslizado por toda extensão metálica esterilizando.

- Em um passado não muito distante um garoto se apaixonou pela irmã do melhor amigo, mas a garota ainda era muito jovem para ele. Por isso decidiu esperar mais alguns anos antes de cortejá-la, entretanto seu amigo adoeceu misteriosamente e morreu em poucos meses. - Puxou os próprios fios negros para o alto da cabeça os prendendo com um elástico. - Sem ter mais um motivo para visitar a casa daquela família, acabou se distanciando da garota e consequentemente abrindo espaço para outra pessoa adentrar em sua vida.

Estendeu o avental de plástico o desamassando, algumas partes já manchadas por suas outras vítimas o tornava ainda mais assombroso aos olhos da recepcionista do hotel. A melodia calma e aconchegante de uma música instrumental tomava o fundo do quarto se esgueirando pela porta do banheiro, melodia esta que Song Kang utilizava como mantra durante a confecção de suas obras.

- Enquanto o jovem sofria por cada segundo longe dela, ela se tornava cada vez mais apaixonada por um garoto órfão qualquer sem futuro. - Cruzou a fita do avental nas costas o apertando na cintura. - E por esta razão se viu obrigado a interferir no destino do casal, se tornou um amigo próximo de seu adversário e o fez confiar em si, quando sentiu que estava na hora, lhe deu um ultimato.

Começou com pequenos cortes entre a clavícula e o braço evitando atingir a escapula, a lâmina torta da faca encaixava entre o musculo rasgando a carne que ali se atrelava aos ossos. Não pretendia desmembrá-la, apenas criar pequenos buracos onde poderia acumular a terra necessária para fincar seus cravos, tão doces e frágeis.

Os gritos abafados não o incomodavam, muito pelo contrário, aquilo lhe era um convite tentador, instigava-lhe uma parte do cérebro que produzia em uma carga dobrada a dopamina necessária. Ergueu o braço limpando com a manga do casaco aqueles pequenos respingos que lhe atingiam o rosto.

- E aquele traste escolheu ficar com ela apesar das consequências. Sem ter mais opções, decidiu que aquele era o momento de se livrar do homem que lhe era um obstáculo. Não precisou pensar muito para ter a ideia de danificar o freio do carro dele. E num passe mágico a garota estava sozinha novamente. - Acomodou seu rosto na dobra do pescoço da garota banhando-se com o odor seco e puro do sangue, se deliciando com a delicadeza dele. – O homem tomou a aparência dele, a voz, os amigos, tudo para que sua amada também gostasse de si como gostava do outro. Mas nada surgiu efeito, sendo forçado a cometer outra loucura, precisou tomar uma decisão drástica.

Atou a linha de sutura ao cravo firmando na carne avermelhada do braço, cobriu seu caule com terra fechando o buraco em seguida. Esta obra era diferente das demais, precisava ser mais pessoal, necessitava exibir sua paixão e sentimentos através do corpo daquela garota. Como se um véu fosse retirado de seus olhos, Song Kang foi capaz de enxergar cada detalhe em sua pele, o brilho do suor sob o feixe de sol e as manchas do sangue úmido.

- Eu precisei me transformar em um assassino para ser notado. - Zombou amargamente tomando um gole da garrafa de vidro que mantinha ao lado do banco. - E nem isto foi o suficiente. - Impossibilitada de suportar tamanha dor, a recepcionista desmaiou na cerâmica branca da banheira o permitindo finalizar todo o processo de encapsulamento do corpo no plástico branco após sufocá-la com as mãos sobre a traqueia.

Os últimos acontecimentos impossibilitaram DaEun de dar a seu namorado a quantidade de atenção necessária para evitar momentos como àquele em que o pegava quieto a comtemplar o vazio do quarto com a fotografia de seus pais entre os dedos.

Doía mais do que tudo vê-lo tão disperso como o adolescente que conhecera, o que a fez se sentar ao seu lado tomando a fotografia de suas mãos mesmo com todos os resmungos do homem.

- Me devolve, é sério. - Pediu à promotora que negou veemente. - Está bem, então o que pretende me dar em troca?

- Em troca? - Questionou pressentindo o sorriso perigoso que era capaz de desmontá-la inteira.

- Você quer me tomar algo sem dar nada para substituir? – A mulher se levantou rapidamente, DaeHoon a viu caçar algo na escrivaninha.

- Serve isso? - Agarrou uma moeda de 500 wons a exibindo para ele.

- Uma foto dos meus pais só vale 500 wons? - Fingiu estar decepcionado virando o rosto para o lado.

- Ah querido, me desculpe! - Ajoelhou pela cama o abraçando, entretanto, o homem estava segurando a risada. - Espera, você está rindo da minha cara?

Saiu do quarto irritada ligando a televisão da sala. Sentada no sofá a mesma permitia-se ser mimada por DaeHoon que tentava a todo custo preparar um bolo simples para saciar a raiva da namorada, entretanto a batedeira lhe parecia um monstro de sete cabeças, impossível de domar. Ela ria com as caretas do homem ao provar a massa e em seguida despejar mais açúcar tentando consertar seus erros.

Após a quarta tentativa decidiu que já estava na hora de ajudá-lo de alguma maneira, se sentou sobre a bancada da ilha dando as instruções a ele que atentamente as seguia à risca. DaEun indicou como usar a batedeira, mas ele decidiu tentar usar a colher desta vez, pois não queria ter que limpar a cozinha do desastre que faria.

Finalmente havia conseguido provar a massa sem qualquer reação negativa a pondo na forma e em seguida no forno. Se aproximou de sua mulher selando seus lábios em um singelo beijo do qual a moça aprofundou ao entrelaçar suas pernas em volta do torso do rapaz.

Seus hormônios estavam intensificados o que a proporcionava um aproveitamento maior da situação. Park DaeHoon inclinou seu corpo sob o dela deitando-a no balcão subindo em cima de si sem desatar o beijo. Sua mão foi de encontro à cintura da jovem a apertando, dando arrepios no corpo da promotora que sorriu para o namorado colocando suas mãos ao redor de seu pescoço.

A mão do homem percorreu sua coxa em direção ao joelho erguendo a perna da garota para cima da ilha, passou seu outro braço pela cintura movendo seu corpo para que DaEun agora estivesse sentada em seu colo. O clima se esquentou com os beijos fazendo com que mal notassem o cheiro de queimado que disparou o alarme de fumaça assustando os dois.

O fotografo desceu da ilha pegando o extintor no corredor da porta enquanto ela abria o forno usando um pano para cobrir o nariz. Apertou o gatilho soltando o líquido esbranquiçado no forno até que o alarme parasse de tocar, a mulher começou a rir o levando fingir estar ofendido por quase queimar a casa com sua primeira tentativa de usar o forno.

- Não apagamos todo o fogo! - Encheu um copo d'água despejando sobre DaeHoon correndo para o banheiro da casa fugindo do mesmo que insistia em reacender a faísca.

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