1 - Inevitável
Como estava escrito no destino de todas as princesas, haveria um dia em que a palavra "casamento" seria mencionada como um fato inevitável. E o tal dia — nem um pouco desejado — tinha chegado para Maressa.
— Isso é mesmo necessário, mãe?
— Já tivemos essa conversa. Não me faça repetir tudo de novo.
— Mas...
— Maressa, por favor.
Maressa inspirou fundo, remexendo-se de forma desconfortável no banquinho onde estava sentada, frente à grande penteadeira do seu quarto. Sua mãe, a rainha, escovava seus cabelos com paciência; era uma tradição matinal que as duas tinham desde que ela era uma menininha, e que ainda se mantinha perto dos seus vinte e um anos.
— Fique quieta, Maressa, ou acabarei puxando alguns fios sem querer — a rainha pediu, endireitando os ombros da filha e a colocando diante do espelho.
Com um suspiro, fitou a si mesma, encarando a palidez da face que destacava o azul cristalino dos seus olhos e a cor clara dos cabelos.
Ela queria que seu rosto fosse mais corado, mais cheio de vida, semelhantes aos das damas da corte e das criadas do palácio. Mas, mesmo com as infusões e os tônicos preparados pelos curandeiros, a cor leitosa, quase acetinada, parecia determinada a ficar.
— Quando os pretendentes chegarão?
— Em alguns dias. — A rainha passava a escova em um movimento ritmado e constante por entre os fios dourados do cabelo dela. — O castelo está sendo preparado para recebê-los, assim como a guarda está sendo dobrada. Será a primeira vez em anos que abriremos os portões para uma quantidade significativa de pessoas. Sua segurança é vital. Mas fique tranquila. Escolheremos o melhor marido para você.
— Eu sei porque não posso simplesmente me apresentar para os pretendentes e avaliá-los. — Maressa encarava a si mesma no espelho, tentando capturar os olhos da mãe. — Mas não é justo. Quem se casará comum deles será eu.
A rainha gesticulou para ela com a escova, o anel de safira no dedo reluzindo à luz incipiente do amanhecer.
— Então também sabe que isso é pela sua própria segurança. Por mais que tenhamos vivido quase duas décadas de paz, ainda há tensão com outros reinos e com aquela raça que ainda se ressente das leis do exílio. — Havia repúdio na voz da rainha.
Maressa suspeitava sobre qual "raça" sua mãe se referia.
E tinha noção de que aquele era um assunto proibido.
Sabia que, quando ainda era bebê, seu povo entrara em guerra com uma raça de seres chamados erelins. Violentos e selvagens, os erelins haviam tentado conquistar Arustar e os demais reinos ao quebrar os acordos de paz, ceifando inúmeras vidas humanas. Foi uma aliança entre os reinos que garantiu a vitória dos homens e a derrota dos erelins, lançados ao exílio.
Maressa contraiu os lábios, pensativa. Bom, eram estes poucos e gerais detalhes sobre a guerra que seus tutores tinham lhe dado.
Ninguém falava muito sobre os erelins.
Muitas pessoas ainda temiam aqueles seres misteriosos.
Ela nunca tinha visto um erelin — a tal mistura de criaturas com feições semelhantes às dos homens, asas gigantescas, essência assassina e instinto feroz — e suspeitava que jamais chegaria a ver um.
Pois, se você cruzar o caminho de um erelin, o rosto dele será a última coisa que você verá na sua vida.
Mas era curiosa e ávida por conhecimento; queria mais informações sobre aquela raça, sobre a guerra, contudo, as próprias leis do seu reino haviam banido tudo o que fizesse referência à história e mitologia dos erelins.
— Sua apresentação oficial será na noite do seu aniversário. — A voz de sua mãe a trouxe de volta para o quarto, puxando-a da névoa espessa das velhas histórias. — E o pretendente escolhido também será anunciado.
Uma pontinha de hesitação e ansiedade encheu o coração dela; nunca havia pensado com tanto afinco em casamento, e agora aquele fato estava mais perto, mais real. E ela se sentia sem controle nenhum da situação.
— E ele será mesmo escolhido de acordo com a tradição?
— Sim. Terei gente de confiança analisando seus pretendentes. E você assistirá a alguns torneios. Durante as próximas semanas, até o dia do seu aniversário, o Conselho organizará várias competições.
— Eu não terei direito a opinar? — Maressa virou, os cabelos longos balançando enquanto ela encarava a mãe. — A saber como eles são? Quero conversar com eles, pelo menos. Tenho esse direito.
O semblante da rainha permaneceu inabalável, o rosto liso e brilhante como uma porcelana que não era afetada pelo tempo.
— Se você souber como fazer isso sem entregar quem é e sem estragar a tradição, terá minha permissão para conversar um pouco com eles.
Maressa controlou a vontade de bufar e revirar os olhos. Sua mãe sempre dizia que aquilo não eram os modos de uma princesa.
— Como vou conversar com eles, sendo que eles não podem saber quem sou, e irão me ver de longe, assistindo a cada competição do torneio? Isso é impossível.
— Então creio que chegamos a um impasse, certo?
A rainha ergueu a escova para continuar penteando os cabelos da filha, mas Maressa se desvencilhou e ficou em pé.
— Não é justo. Desde que nasci, todos os meus passos são controlados e vigiados. Não posso sair de dentro do castelo, não posso viajar para outros reinos, não posso comparecer aos bailes e... — Ela deu um passo à frente; de súbito, uma tontura se apoderou dela, sorvendo a cor do seu rosto e a força de suas pernas.
— Maressa...
A rainha tentou segurá-la, a princesa se afastou, buscando apoio em uma das colunas da cama. Levou uma mão ao coração, sentindo-o disparado. Seu peito subia e descia sob o tecido pesado do vestido; era como se o ar lutasse para entrar e enchê-la de vida.
— Estou bem, mãe.
— Sua saúde é frágil, Maressa. Tudo o que faço é para te proteger e te preservar. Esta situação me agrada tão pouco quanto a agrada, filha, mas é algo que faz parte do dever de uma princesa. Foi assim comigo e com seu pai. E será assim com você, pois esta é a tradição do Reino de Arustar. — A rainha juntou as mãos em frente ao corpo. — Pedirei para Nina trazer o seu tônico matinal. Você se sentirá melhor depois de bebê-lo.
Ela se limitou a um aceno de cabeça e se sentou na beirada da cama quando a mãe deixou seu quarto.
Odiava aquela fraqueza que se abatia por seu corpo, que a tomava desde o dia em que havia nascido. Sua saúde frágil era a algema que a mantinha dentro do castelo.
Mas, naquele momento, odiava ainda mais as velhas leis do seu reino e a tradição arcaica.
Era injusto que as leis do Reino de Arustar permitissem que outras pessoas escolhessem seu marido. Quem ficaria casada até o fim da vida era ela, certo? Deveria ter ao menos o direito de saber que não estaria se casando com um príncipe ou duque idiota que mal sabia tecer comentários sobre um tratado filosófico.
Seus pretendentes participariam de torneios, jogos e disputas, seriam avaliados, entrevistados; aquele que se saísse melhor e se mostrasse digno levaria o grande prêmio — a mão da princesa.
Maressa correu os dedos pelos cabelos.
Tinha que ficar sentada, usando seu melhor e mais elegante vestido, brilhando sob joias e tiaras, com um sorriso costurado na boca, assistindo ao torneio cercada de guardas, enquanto um bando de homens mais velhos do que os livros da Antiga Biblioteca decidiam quem seria o marido mais apropriado para ela.
Porque seu papel era ser o prêmio da competição.
Porque toda princesa de Arustar, ao completar vinte e um anos, era entregue em matrimônio daquela forma.
E Maressa nem queria saber se aquilo era mais ou menos pior do que os acordos de casamento que eram assinados em outros reinos quando princesas como ela tinham apenas dois anos de vida.
Seu suspiro resignado e injustiçado ficou suspenso no ar quando a porta do quarto foi novamente aberta; Nina, sua criada pessoal, carregava uma bandeja com uma única garrafinha de vidro.
Assim que parou diante dela, a criada fez uma reverência.
— Seu tônico, Alteza.
— Obrigada. Pode deixá-lo ali. Tomo depois.
Como se já esperasse aquilo, a criada a olhou com paciência. Nina era jovem como ela. Seus cabelos claros estavam trançados, caindo sobre as costas do simples vestido anil que trajava.
— Alteza, a rainha me instruiu a fazê-la beber tudo agora mesmo.
Sentindo pouca vontade de contra-argumentar com Nina, Maressa se levantou, ainda atordoada, e esticou a mão.
Nina lhe entregou o tônico; ela destampou a garrafa e sorveu o líquido amargo em um só gole. Era uma mistura fortificante feita pelos melhores curandeiros de Arustar, que diminuíam suas tonturas.
— Está indisposta hoje, Alteza? — Nina indagou com gentileza, tomando a garrafinha de suas mãos.
— Já estou acostumada com minha saúde frágil e com as tonturas. — Maressa deu pequenos passos pelo quarto; — O que me aborrece é saber que não poderei nem ao menos conversar com meu futuro marido, porque as estúpidas tradições do Reino de Arustar ditam que o Conselho deverá escolher o melhor pretendente para mim.
— Posso trazer informações sobre os pretendentes para você, Alteza. Após o anoitecer. Dou-lhe minha palavra. — Nina abriu mais um sorriso empático. — Como criada, não terei problema para andar entre eles. Coletarei o máximo de informações possíveis para te ajudar a selecionar o melhor marido.
Grata, Maressa esticou a mão para ela; como seu pai, o rei, havia morrido durante a Guerra Erelin anos atrás, quando ela ainda era um bebê, e sua mãe, por opção, se recolhera em um luto perpétuo, ela não tinha mais irmãos ou irmãs. Nina, que vivia no castelo desde criança, era quem ela tinha de mais próximo e quem, em seu coração, considerava como uma irmã.
— Ah, quem me dera se eu pudesse...
De repente, Maressa ofegou.
Nina apertou sua mão.
— Está tudo bem, Alteza?
— Como não pensei nisso?!
— No que, Alte...
Com o coração acelerado, ela segurou a mão de Nina com mais força a puxou para perto do espelho. Assim que ficaram lado a lado, um sorriso triunfante subiu nos lábios de Maressa, ao mesmo tempo em um olhar confuso enchia as íris da criada.
— Temos a mesma altura, Nina.
— Sim, Alteza.
— E a mesma cor de cabelo.
— Os seus são mais claros do que o meu, Alteza.
— E temos praticamente a mesma idade.
Nina franziu os lábios.
— No que você está pensando, Alteza?
— Que acabei de ter uma ideia brilhante para circular no meio dos pretendentes sem entregar que sou a princesa de Arustar. Uma ideia que minha mãe não poderá rejeitar.
Olá, amores!!!!!
Aqui estou de novo, porque sim, não consigo ficar nem um pouco longe de vocês e da escrita kkkkk ♥♥
Vou iniciar as postagens de Jardim de Estrelas ♥
E como hoje é o lançamento oficial, também liberarei o capítulo 2. Segue em frente ------>
Um beijão e boa leitura!
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