Capítulo 01
"Sim, eu tenho problemas com garotos,
essa é a humana em mim
Prontinho, aí eu resolvo,
essa é a deusa em mim"
— (Truth Hurts, Lizzo).
Futebol, substantivo masculino.
Esporte, cujas partidas são disputadas por duas equipes de 11 jogadores em que é proibido – exceto aos goleiros quando estão dentro da sua área – o uso dos braços e das mãos, e o objetivo é fazer uma bola entrar no gol do adversário.
Quando você pesquisa para entender o básico desse esporte, é a primeira definição que vai encontrar no Google, segundo Oxford Languages. É um dos principais esportes do Mundo, em todo lugar você encontra pessoas jogando ou acompanhando uma partida de 90 minutos.
O futebol está em todo lugar.
O que poucos sabem é que existe uma cidade chamada Futebol. Estou falando sério, pode até parecer brincadeira mas não é. Está localizado no interior do estado de São Paulo e tem cerca de nove mil quatrocentos e cinquenta e cinco habitantes. Como sei esse número tão precisamente? Por conta de uma placa imensa com esse dado na nossa principal e única praça que o prefeito inseriu no último aniversário do município.
Mas por que esse nome na cidade em que você mora, Raquel? Acredito que seja porque todos daqui são apaixonados e fanáticos por futebol. Aqui existem torcedores de todos os times que você possa imaginar: São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Flamengo, Sport, Internacional, Grêmio, River do Piauí, dentre outros. Tudo aqui tem algo relacionado a um craque da bola, iniciando da praça até a escola onde estudo. Futebol é movido por futebol, engraçado não?
Quando tem final de algum campeonato entre times nacionais, como por exemplo, a Copa do Brasil, todos os torcedores se reúnem na quadra principal da cidade e um enorme churrasco é organizado. Eu não perco nenhum ano, independente do meu time estiver participando ou não.
Em pleno sábado à noite, estava apenas querendo ver um jogo do time do meu coração, Palmeiras, quando minha irmã gêmea, Mariana – ou como a apelidei carinhosamente, Ana – entrou no meu quarto como se fosse um furacão.
— Não acredito que ainda está deitada nessa cama, Quel. — comentou com uma falsa surpresa.
— Nem inventa de me chamar para sair, Ana. Estou muito bem deitada aqui na minha cama, daqui a pouco tem jogo do meu time.
— Invento sim, daqui a pouco vai ser o jogo dos meninos da escola. Por favor, vem comigo. O Nando me chamou para ir com eles na lanchonete ao final do jogo, comemorar a vitória — explicou super empolgada.
— E o que eu tenho a ver com isso? Não sei como ele quer comemorar sem nem ter ganhado antes. Espero do fundo do meu coração que perca! — disparei enquanto mexia no Twitter, procurando a escalação oficial do meu time.
— Sabe que o papai só me deixa sair se você for junto — lembrou.
Meu pai tem cada ideia doida, até parece que estou em uma droga de filme americano, provavelmente viu aquele filme 10 coisas que odeio em você. Ele impôs que se minha irmã vai em alguns eventos bobos da escola, como, por exemplo, os jogos, eu tenho que ir junto como se fosse babá dela.
Tenho vida social?
Não.
Tenho namorado?
Com certeza não.
Tenho um círculo de amizade grande?
Não também.
Mas isso não significa que meu pai tenha que tentar dar um empurrãozinho na minha vida. Não estou em um estado tão delicado da minha vida.
— Você sabe que não vou com a cara do idiota do Fernando — resmunguei. — De qualquer forma você irá se apresentar, isso não entra no acordo.
— Não fala assim dele. Lembre-se que as pessoas mudam, Quel! Só vai comigo, por favor. Sabe que a lanchonete não está inclusa.
Desisto de argumentar com ela. Fernando é um tremendo babaca no meu ponto de vista, se acha só por ser o capitão do time de futebol dos meninos da nossa escola. É aquele típico garoto metido a machão, isso faz com que as meninas caiam aos seus pés. Não entendo toda essa admiração por ele, não conhece o verdadeiro caráter dele. Sei muito bem do que estou falando.
— Até parece que você não era amiga dele na infância. — Ela me relembrou desse meu passado tenebroso.
— Fui, mas não sou mais. As pessoas mudam o círculo de amizade.
— Tá bom. Vamos, por favor.
— O que eu ganho com isso?
— Um livro novo? — ela questiona, incerta.
— Dessa vez eu mesma escolho, na última vez você me deu um livro de auto-ajuda — reclamei. Nada contra livro desse tipo, só não consigo gostar mesmo.
— Pra mim é tudo a mesma coisa. Vou te esperar lá na sala em quinze minutos — avisou e apenas concordei com a cabeça.
Logo minha irmã gêmea some do meu campo de visão. Sim, somos gêmeas, idênticas na verdade, entretanto, existe uma diferença gritante em nossa personalidade. Mariana é completamente o meu oposto, está sempre ligada na moda, nos cantores do momento, é vaidosa e é líder de torcida. Ela criou o próprio grupo de líderes de torcida quando estávamos no nono ano do ensino fundamental.
Pode-se estranhar isso no nosso país, mas ela simplesmente colocou na cabecinha dela e criou. Apesar de não entender absolutamente nada, a ajudei no que pude. Fizemos campanhas para arrecadar dinheiro e comprar o que precisavam, como pompons, uniformes e tudo mais.
Já eu, sou nada vaidosa. Pelo contrário, sou totalmente desleixada, sempre estou na mecânica do papai, enquanto ela está na confeitaria da mamãe, a ajudando em tudo, nos meus momentos livres fico jogando bola quando posso com algumas amigas apenas por diversão.
Apesar de ser o oposto uma da outra, isso faz com que a gente complete a vida uma da outra. Acredito que esse sempre seja o clichê de ter um gêmeo.
Tratei logo de levantar da minha cama, vestindo a primeira roupa que encontrei no meu guarda-roupa. Um short jeans de lavagem escura, blusinha preta de alças finas e enrolei uma jaqueta jeans na minha cintura, caso faça frio e eu precise – sempre devemos estar preparados para tudo. Calcei um all star vermelho, fiz um coque despojado nos meus curtos cabelos castanhos – me sentindo claramente as protagonistas das histórias do Wattpad – e passei um pouco de perfume. Peguei apenas o meu celular e também uma pequena quantidade de dinheiro para comprar algum lanche.
Encontrei a minha irmã na sala de estar. Nos despedimos dos nossos pais, que disseram para estarmos em casa até às 22 horas e fomos caminhando até o único e principal campo da cidade, morávamos bem perto então em menos de cinco minutos chegamos, na qual normalmente ocorre os jogos. Por ser uma cidade pequena, vamos a pé para qualquer lugar por estar tudo sempre muito próximo.
Já dava para perceber que teria muitas pessoas; afinal, havia carros, motos, bicicletas e até ônibus estacionado ao redor, provavelmente era do time adversário que vinha de uma cidade vizinha. Apesar de amar futebol, não sou a maior fã dos meninos e tenho meus motivos.
Entramos no local, o som animado da torcida invadiu os meus ouvidos. Deve ser uma sensação única você entrar em quadra com várias pessoas torcendo e vibrando ao seu redor, acabei deixando um sorriso escapar ao me imaginar em uma situação assim. Uma pena que não tem um time para as garotas. O que é muito irônico. Como pode não ter um time feminino na cidade de Futebol?
Separei-me da minha irmã, que foi até onde se encontrava as líderes de torcida, todas trajavam seu uniforme porque logo se apresentariam. Após grande dificuldade, encontrei um bom local e sentei na arquibancada. Rapidamente as líderes de torcida se apresentaram ao som da banda da escola, depois disso o jogo se iniciaria.
Lembrei do primeiro jogo dos Alphas, estávamos na quinta série do ensino fundamental, perderam feio de 4 a 0. Mas, desde então, com treinos e bastante patrocínio dos comerciantes locais, estão sempre ganhando o campeonato das escolas do interior que todo ano tem.
O grande objetivo deles é ganhar agora no nosso último ano. O campeonato estava apenas no início, tinha quase o mesmo esquema que o Brasileirão, as equipes acumulam pontos e só que os oitos melhores vão para os mata-mata. Ocorria entre escolas do interior, para até mesmo ter uma valorização do futebol dos garotos que estão distante da capital e possam ter uma oportunidade, quem sabe, em um clube tradicional. Isso já aconteceu algumas vezes, então muitos sonham com isso.
O time dos garotos vai jogar contra o líder do campeonato, os Falcões, e caso a gente ganhe tomarão o lugar deles. Já que hoje é o vice-líder.
O árbitro apita, iniciando o jogo.
[ ... ]
O jogo foi bastante movimentado e difícil, mas os meninos conseguiram ganhar com o placar final de 3 a 2. Nossa turma estava em peso, então seguiram para a lanchonete da dona Carmen, que é mãe do João Pedro, goleiro do time.
Só no final da partida que encontrei a minha melhor amiga Bianca. Claro que ela não faltaria a um jogo do time do Cadu, seu namorado.
Assim que ela me vê, corre até mim com um sorriso no rosto.
— Quel, eu não sabia que você vinha. Nem pra ter avisado! — esbraveja e dá um tapa no meu braço, mas sem um pingo de força, não mataria nem uma mosca.
— Fui arrastada pela Ana. Se fosse por mim, eu estaria em casa. — Faço uma careta e entrelaço o meu braço ao dela, passamos a caminhar em direção à lanchonete "Bom Sabor".
Entramos e já estava com vários alunos sendo atendidos, minha irmã me nota e acena animadamente para nós, vejo que Fernando já está na mesa.
Mesmo odiando estar respirando o mesmo ar que ele, optamos por nos sentar com eles por causa de Ana. Cumprimento todos e os parabenizo pela vitória tão suada e importante, depois disso, fazemos os nossos pedidos. Pedi um x-burguer para tomar com um suco de maracujá, tentando manter um equilíbrio perfeito. Convenhamos que é o melhor suco de todos.
Peguei o meu celular e fiquei mexendo nele, tentando ao máximo ficar alheia a tudo. Infelizmente, Fernando tinha que falar uma besteira para que eu perdesse a paciência. Não sei quem foi o indivíduo que resolveu perguntar a ele se acompanha o futebol feminino, que está crescendo no momento e tendo mais visibilidade no cenário nacional.
Então ele respondeu:
— Eu não perco meu tempo assistindo essas mulheres, jogam nada e ficam inventando de ser jogadoras. Fosse por mim, as mulheres nem deviam jogar futebol.
Desviei a atenção do meu celular e olhei para ele incrédula, ao ouvir aquele comentário tão machista.
— Você falou o quê? — o tom da minha voz acabou se elevando fazendo com que as pessoas que estavam na mesa fizessem silêncio para ver no que isso iria dar.
— Que eu não perco o meu tempo assistindo? — ele perguntou confuso.
— Não, a outra parte.
— Que mulheres não deviam jogar futebol?
— Como você tem coragem de falar algo tão machista?
— É apenas a minha opinião, Raquel. Respeite ela e fique caladinha. - falou como se mandasse em mim.
— Calma, Raquel. — Pedro fala, mas o ignoro totalmente.
— Não tem como respeitar esse pensamento lixo que você chama de opinião. Está desmerecendo toda a trajetória das mulheres no futebol. E quem é você, seu ridículo para me mandar calar a boca?
— Estou desmerecendo mesmo, o que você vai fazer sobre isso? Apenas fazer um discurso para que eu mude a minha opinião? — Ele pergunta cinicamente e com um sorriso de canto.
— Eu vou fazer você engolir todas as suas palavras, seu machista de merda.
— Vai fazer o quê? Criar um time fracassado de garotas? Acha mesmo que daria certo, Raquel? — questionou, me provocando.
— Quer saber? — me levantei drasticamente da cadeira. — Eu vou fazer isso mesmo, o meu time vai ser mil vezes melhor que o seu.
— Dúvido muito que você ao menos consiga montar um time, duvido que alguma garota seja louca ao ponto de comprar essa sua ideia maluca. De fracassada já basta você.
— Tenho certeza que várias garotas vão querer participar do meu time. E você, vai se arrepender de ter me desafiado. — apontei meu dedo a ele.
Me virei e saí deixando todos na lanchonete. Para piorar, perdi meu lanche, mandei uma mensagem rápida para Bianca pegar o lanche para mim.
Eu, Raquel Oliveira, faria ele se arrepender por ter me desafiado, já estava na hora da cidade do futebol ter um time feminino, o primeiro de muitos.
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