Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Cinza Cediço Cativante

  Daniel nunca entendeu como os personagens podem se apaixonar de forma inesperada e depois ficarem completamente obcecados pela pessoa.

  Quantas não foram as vezes que assistiu, leu ou ouviu sobre personagens que tropeçam em alguém na rua e escolhem a pessoa como o amor da sua vida, tornando-se os famigerados stalkers, perseguindo esses pobres indivíduos como verdadeiros esquisitões, os quais você realmente não quer ter por perto.

  Eles perseguem seus interesses, observando cada detalhe, desejando sempre mais do que podem ter. São paixões que surgem em um olhar, relacionamentos que se desenvolvem com base em mentiras e Daniel não entende como esses personagens não percebem que tem algo errado com uma pessoa se infiltrando na sua vida como um parasita, sugando sua liberdade aos poucos. Daniel odeia tramas como essa, malditos personagens pouco realistas, com atitudes que não condizem com a realidade.

  Além disso, o que faz uma pessoa ser tão especial a ponto de deixar alguém obcecado por ela? O que faz com que uma pessoa normal tenha uma compulsão tão grande por alguém a ponto de fazer loucuras como chantagem ou assassinato?

  Daniel, sendo um homem realista e egocêntrico demais para se fascinar por alguém além dele mesmo, estava certo de que era absolutamente impossível se apaixonar por alguém à primeira vista. Ainda mais impossível era alguém se tornar tão obcecado por uma pessoa a ponto de criar histórias em sua cabeça e vê sinais de que são almas gêmeas até na quantidade de tomates que a pessoa está comprando.

  Isso é, até ele conhecer Júlia, a adorável vizinha do andar de cima.

●●●

  Em uma tarde de domingo Daniel se acomodou no parapeito da janela para fumar. Seus olhos vagam pela vasta paisagem de prédios, esperando o tempo passar para que pudesse ir logo para o trabalho. Domingo era noite das estreias no teatro onde trabalhava, sempre chegava algumas horas antes para se certificar que não havia nada de errado.

  Cada cenário é único, projetado unicamente para aquela cena, aquele personagem, aquela história. Tão importantes quanto os figurinos ou a trilha sonora, os cenários são responsáveis por levar o público ao mundo em que os personagens no palco vivem, são os cenários os responsáveis por dar a vida à imaginação.

  E Daniel era bom no seu trabalho, o melhor. Fazia questão de que das cores até a iluminação, tudo tinha que coincidir com o sentimento da peça, os formatos, as posições, os simbolismos, cada detalhe era importante. Principalmente as cores. Cores fazem do mundo um lugar melhor, Daniel sabia.

  Sendo um forte defensor da psicologia das cores, Daniel dava aos elementos dos seus cenários os detalhes que não eram falados ao público, captados apenas por aqueles com olhares abertos a uma metalinguagem que Daniel julgava apenas os artistas serem capazes de compreender.

  As cores que alguém escolhe como preferida, para vestir ou decorar sua casa dizem muito sobre sua personalidade. As cores falam a linguagem da alma e Daniel se considerava fluente nela.

  Cores influenciam emoções e são capazes de mostrar aquilo que as pessoas tentam esconder. Para Daniel, pessoas que gostam de amarelo são alegres e amigáveis, enquanto aquelas que gostam de preto são desconfiadas e insatisfeitas. Daniel não confia em pessoas que gostam de laranja, e tende a se afastar daquelas que usam muito azul ou lilás.

  É por isso que Júlia chama tanto a sua atenção. Saindo do prédio ele vê a mulher andando apressada pela calçada, vestindo shorts jeans e uma regata branca. Júlia é alta, tem os ombros bem delineados e anda com a elegância de quem se acha mais inteligente do que os demais, ela possui longos cabelos cacheados, castanhos claros, quase loiros, presos em um coque por um lápis.

  O lápis. Os olhos de Daniel se fixam no lápis que prende os fios encaracolados. É cinza.

  Que tipo de pessoa escolheria, de todas as cores, o cinza? Cinza é cor de escritório, usada por empresários sem alma e professores sem salário; cinza é a cor da alienação, da poluição e da falta de esperança, o cinza é para manipuladores insensíveis, mercenários impiedosos e depressivos em busca de ajuda. O que no mundo faria uma pessoa confiante, mas com olhos e sorriso tão doce, quanto Júlia usar um lápis cinza no cabelo?

  Por que não um rosa que mostrasse sua amabilidade? Um amarelo para espontaneidade? Até mesmo marrom ou branco tem mais personalidade do que cinza.

  Júlia sumiu na paisagem de prédios, mas o cinza cético cativante de seu lápis ficou gravado na memória de Daniel.

...

  É esse ceticismo perante tal cor odiosa que leva Daniel a pegar o mesmo elevador que Júlia.

  Ele observa seus horários durante a semana. Ela sai todos os dias de manhã bem cedo para trabalhar e só retorna às cinco da tarde, nas quartas ela chega às seis e nas sextas ela costuma sair às oito da noite com o namorado. Daniel perguntou ao síndico, como quem não quer, sobre Júlia, buscando saber um pouco mais sobre a moça.

  Daniel não tinha certeza do que, além do lápis, parecia tão atrativo sobre Júlia. Talvez ele estivesse entediado, procurando alguém para entretê-lo quando não estivesse trabalhando.

  Júlia era diferente. Sim, ele sabe quão piegas soa quando pensa isso, mas Júlia era... Ela era cativante. Ele se viu interessado em seus pequenos detalhes, suas manias insignificantes, traços que só olhos atentos como os dele poderiam notar.

  Ela só andava do lado esquerdo da calçada, gostava de usar peças de roupas soltas e que mostrassem muita pele, costuma usar um batom vermelho quando vai trabalhar e o lápis cinza sempre está prendendo os cabelos nos dias de calor.

  Quando entra no elevador, Daniel nota Júlia se posicionando do lado esquerdo, ela dá um sorriso gentil a ele e aperta o botão do seu andar. Nono andar, apartamento 92. Daniel sabia porque ele a observou pegando a correspondência. Não foi de propósito, apenas aconteceu de Júlia estar checando a caixa de correio no momento em que Daniel estava saindo do prédio.

  Parado ao lado de Júlia, seu coração dispara em ansiedade e interesse, sentindo o cheiro doce de seu perfume, os olhos caminhando pelo macacão laranja que estava usando. Daniel não entendia como Júlia, que usava roupas de cores tão alegres, poderia usar um lápis cinza no cabelo.

  Ele sentia vontade de perguntar a ela qual sua cor preferida, sentia que poderia escrever uma tese sobre sua personalidade com base nessa simples informação. E ele se odeia por isso.

  Daniel se sente sujo, errado, podre. Ele sente que está cometendo um crime, perseguindo sua vizinha assim como os psicopatas obcecados da televisão, estes que tantas vezes Daniel zombou e disse serem pura ficção. Ele era um deles. Daniel não podia evitar se desculpar todas as vezes que fazia algo imoral, como espionar o apartamento de Júlia pela janela ou cutucar seu lixo.

  Sempre foi assim, na verdade, Daniel apenas não tinha percebido. Quando era criança Daniel notou que a menina que sentava na sua frente na sala de aula só chupava pirulitos azuis, e ele ficou obcecado durante todo fundamental, tentando entender o que levaria alguém a sempre escolher azul! Azul nem mesmo é um sabor. Não foi nada tão intenso quanto sua fixação por Júlia, mas o levou a contar todos os pirulitos que sua colega de classe comprou em dois anos.

  Certa vez quis saber porque sua vizinha só plantava rosas vermelhas e, em outra ocasião mais isolada, tentou entender o que levaria uma mulher a usar apenas lingerie preta.

  Daniel sempre levou suas convicções longe demais e ele sabia que isso não era normal. Ninguém sabia de suas obsessões, se convenceu, e deixou que seu pequeno problema fosse esquecido junto das notas baixas e risadas maldosas dos colegas, perdidas no fundo de sua mente.

  Júlia sai do elevador sem dizer uma palavra, levando com ela o pouco de racionalidade que Daniel tinha. Daniel percebeu que estava apaixonado assim que viu o chaveiro que enfeitava as chaves de Júlia, quatro pequenos tacos de croquet: azul, vermelho, amarelo e verde. Como em Heathers, o musical.

●●●

  Em outra ocasião, Daniel segura a porta do elevador para Júlia.

— Obrigada — ela diz baixinho, lhe dando um sorriso, dentes brancos e alinhados. — Odeio quando tenho que esperar.

— Sem problemas — Daniel conserta sua postura, abrindo espaço para a mulher. — Dia difícil?

  Júlia olha em sua direção desconfiada, olhos castanhos os analisando de cima a baixo. Daniel inclina a cabeça confiante, sabendo que Júlia está tendo uma boa visão, modéstia parte ele se acha lindo, um arraso para os olhos.

— Um pouco — conclui, tirando do bolso de sua calça cor de vinho as chaves. — Está sentindo esse cheiro?

  Júlia balança a cabeça à procura do cheiro, seu pequeno e arrebitado nariz, com pontuais 13 sardas as quais Daniel adoraria beijar, se enruga.

— Você fuma? Sua jaqueta cheira a cigarro — pergunta com o cenho franzido.

  Daniel não pensa antes de mentir.

— Não — diz com veemência. — Meu vizinho de baixo é fumante, a fumaça entra pra dentro da minha casa sempre que deixo a janela da lavanderia aberta e toda minha roupa cheira a cigarro é... É um horror — sorri na direção de Júlia, fazendo um lembrete mental para não usar roupas que cheirem a cigarro perto dela.

  Oh não! Ela vai saber que ele é fumante assim que pisar na casa dele. Júlia não vai querer nada com um cara que fuma, é por isso que Daniel decide, naquele exato momento em que as portas do elevador se abrem, que vai parar de fumar, porque Júlia não gosta de cigarros.

  E ele quer se bater por tal decisão. Durante toda sua vida sua mãe e sua médica vêm insistindo para que ele largue o vício, e é por Júlia, mulher com quem trocou malditas 38 palavras, que vai parar de fumar!?

  Porra, Daniel é um psicopata, isso é apenas errado, é loucura, ele sabe disso. Se sente repugnante, um monstro cediço e bipolar, apaixonado por uma mulher inocente.

●●●

  Na próxima vez que encontra com Júlia no elevador, Daniel se certifica de que suas roupas não estejam fedendo.

  Júlia está usando o lápis cinza no cabelo e Daniel se segura para não perguntar. Até agora sua teoria mais recente é que Júlia usa roupas coloridas porque precisa de energia e bom humor no seu trabalho, — o síndico lhe contou que Júlia trabalha sendo figurante em novelas — no entanto, o lápis cinza é como mostra sua verdadeira personalidade, uma mulher séria e ambiciosa. Mesmo isso não faz muito sentido, porque para Daniel, vermelho ou roxo pareciam combinar muito mais com a mulher.

— Quer ajuda com as sacolas? — Daniel se oferece quando percebe os braços vermelhos por carregarem sacolas tão pesadas.

— Obrigada, elas estão pesadas — o sorriso de Júlia se abre e ela entrega a Daniel suas sacolas. — Quem é você mesmo? Nunca te vi por aqui.

  Daniel sente seu queixo cair e ele quer pegar o resto de seu ego e sair do elevador. Ela não lembrava dele? Daniel vinha analisando cada mínimo detalhe sobre Júlia e ela nem mesmo se lembrava dele?

— Daniel — diz com o pouco de confiança que ainda tinha. — Moro no primeiro andar.

— Oh — Júlia assente, seu cenho se franzindo como se tentasse se lembrar.

— Me mudei ano passado, peguei o elevador com você outro dia — citou como se pudesse fazê-la lembrá-la.

— Desculpa, eu não me lembro — riu sem graça, colocando um cacho que escapou do coque atrás da orelha.

— Está tudo bem, eu passo muito tempo trabalhando mesmo — Daniel passa a mão por seus cabelos, sorrindo de uma forma que julgou ser sedutora. — Sou cenógrafo no teatro Tutti-Frutti — não perdeu a oportunidade de exibir sua profissão.

  Os olhos de Júlia brilharam em reconhecimento, um sorriso gentil surgindo em seu rosto.

— Eu amo esse teatro — virou-se em sua direção. — Como é trabalhar lá?

  Com o assunto surgindo, Daniel e Júlia passaram o caminho inteiro conversando. Daniel acompanhou Júlia até a porta segurando as sacolas e Júlia o convidou para entrar.

  Daniel considerou que sua teoria estava certa quando contemplou as paredes brancas e neutras do apartamento, móveis bem alinhados e alguns enfeites minimalistas dando alguma personalidade à sala. Essa era a Júlia que Daniel ansiava conhecer, uma mulher das cores sólidas, Júlia era doutrinada, contida e controladora, era por isso que usava um lápis cinza, é claro.

  Mas, mesmo ali, vendo com seus próprios olhos, os sinais de que Júlia não era a pessoa alegre e espontânea que demonstrava ser, que Júlia não era um amarelo ou rosa como fingia, Daniel ignorou e aceitou um pedaço do bolo que Júlia serviu.

●●●

  Daniel estava começando a achar que a teoria das cores não passava de uma mentira inventada para encher a cabeça dos estudantes de psicologia e publicidade. Júlia era uma pessoa incrível! Ela era sedutora como o vermelho, alegre como o amarelo e engraçada como o laranja; Júlia podia ser a calmaria do azul, seriedade do verde e possuía a doçura do rosa; ela não era manipuladora ou uma ditadora cruel como o cinza em seu cabelo, em sua casa e em seus pijamas indicavam.

  E Daniel a ama. Ama como ela parece interessada nele, ama seus sorrisos envergonhados e suas piadas inocentes. Daniel gosta dos doces que Júlia cozinha e traz para ele, da forma como seu nariz se enruga quando sente um cheiro forte e ama o cinza cético cativante que é o lápis que prende seus cabelos, uma maravilha cacheada com cheiro de abacaxi que Daniel quer afundar o nariz e passar as mãos.

  Infelizmente Júlia tem namorado. Um babaca convencido, chamado Thiago, que trabalha em uma agência de modelos e se acha melhor do que Daniel por isso. Daniel quer matá-lo.

  Mais uma vez se repudiou pelo pensamento, assustado com a forma em como sua obsessão vinha escalando. Daniel se imaginava agarrando a mandíbula quadrada e perfeitinha de Thiago e batendo sua cara na parede do apartamento de Júlia, até estragar seu rosto bonito e dar alguma personalidade à casa de Júlia.

  Uma mulher como Júlia merecia mais vida, mais cores! Daniel queria cobri-la de girassóis e petúnias! Queria vê-la vestindo peças bonitas e estampadas, cheia de flores e espirais sem sentido! Cores, cores, cores!!!

●●●

  Daniel está se surpreendendo com ele mesmo. Se sente um verdadeiro psicopata quando se muda para o apartamento ao lado do de Júlia.

  Uma mudança do primeiro para o nono andar não é fácil e é com esse tipo de atitude estúpida que ele sabe o quanto ama a mulher.

  Ele está quase orgulhoso de si mesmo. Até agora Júlia não pareceu perceber nada de errado em sua conduta, para Júlia, Daniel é apenas um bom vizinho e um amigo querido, que está se mudando para fugir do vizinho de baixo que é fumante. Daniel agradece aos céus por Júlia não ter percebido que não existe um vizinho de baixo fumante. Ele mora no primeiro andar! Ele nem mesmo tem um vizinho de baixo.

  Aparentemente ninguém desconfia de nada. Ninguém exceto Thiago. Que olha para Daniel com raiva, cercando Júlia como se quisesse protegê-la da clara obsessão do vizinho esquisitão.

  Morando no apartamento ao lado, Daniel consegue ouvir tudo o que se passa. Ele está radiante. Do seu novo lugar consegue ouvir o cantarolar alegre de sua amada durante as manhãs. Nas tardes em que está no apartamento, Júlia assiste a musicais em volume alto e repete em voz alta suas lições de espanhol. À noite ela e o namorado conversam alegremente, apenas para caírem na cama entre sussurros e gemidos de Thiago, que destroem os ouvidos de Daniel e fazem a inveja e o ciúmes queimarem, desejando estar no lugar do homem.

  Quando ouve demais, Daniel quer morrer. Porque é sujo, é perverso, é repugnante o que ele está fazendo. Ele sabe disso. Sabe que é ridículo a forma como cola seus ouvidos na parede para ouvir as conversas do casal; sabe que está quebrando a confiança de Júlia quando invade seu apartamento quando ela não está em casa, graças a cópia da chave que ele roubou.

  Daniel está estragado, doente, confuso. Ele quer parar, mas não acha que consegue. Ele ama Júlia e vai pegar cada migalha de atenção que ela deixar pelo caminho.

...

  Quando Daniel ouve vozes altas e agressivas vindo do apartamento de Júlia, ele cola o ouvido na parede. Quando Thiago sai batendo a porta ele vai até o apartamento e tenta tornar o dia de Júlia melhor.

●●●

  Daniel vomita quando começa a pensar muito sobre a forma como tem lidado com Júlia.

  Ele espalhou o perfume da mulher pelos seus lençóis e roubou uma blusa de frio. Daniel tem feito coisas perversas que não tem coragem nem mesmo de pensar sobre. Ele tem um fio de cabelo dela embalado em um guardanapo, uma calcinha e um batom. Céus, Daniel é nojento.

●●●

  Júlia e Daniel estão assistindo ao jornal no sofá do apartamento dela. Daniel está sorrindo, não pelas notícias de enchentes e mortes, mas porque Júlia está segurando suas mãos, o rosto muito próximo do seu.

— Você pode? — Júlia pergunta baixinho.

  Daniel pisca, confuso. Sobre o que eles estavam falando?

— Acha que consegue falar sobre mim para os diretores? — repete, um pouco impaciente.

   Ah sim, Júlia estava atrás de algo mais do que aparecer nos fundos, enquanto os atores de verdade roubam a cena. Daniel era a pessoa certa, conhecia diversos diretores e roteiristas famosos que ficariam felizes em colocarem seus olhos em uma preciosidade como ela, exceto que era proibido incomodar as pessoas importantes com indicações de amigos e familiares quando não era solicitado.

— Fazem isso para evitar assédios, às vezes as pessoas vão trabalhar no teatro apenas para ficarem mais perto dos diretores, acredita?

  Júlia encolheu os ombros, seu lindo sorriso sumindo, e Daniel sentiu que seu mundo iria parar. Era sua missão manter Júlia sorrindo! Por isso prometeu que iria tentar conseguir para ela ao menos uma entrevista.

  A forma como Júlia sorriu e pulou em seu colo, agradecendo a Daniel como se ele tivesse acabado de descobrir a cura de uma doença infeliz infestando o mundo fez com que Daniel se sentisse o cara mais legal da Terra. Confiante, explodindo de alegria, Daniel não pensou muito ao se inclinar para frente e beijar os lábios Júlia. Beijo que, pasmem, foi correspondido.

  De alguma forma Daniel e Júlia estão se beijando, até que não estão mais. Thiago entra no apartamento, separando os dois.

  Thiago não parece perceber o que estava acontecendo, reclamando do clima, ele vai guardar as compras na cozinha e pergunta o que diabos Daniel está fazendo no seu sofá, tão próximo da sua mulher.

●●●

  Os beijos entre Daniel e Júlia se tornam comuns. E enquanto parece sempre um paraíso sentir os lábios da mulher que ama junto dos seus, Daniel nunca pode aproveitar muito disso quando Júlia e Thiago ainda estão juntos.

  Daniel diz que isso precisa parar. Júlia concorda. Júlia termina com Thiago.

   Antes de sair do prédio pela última vez, arrasado e sem dinheiro, Thiago alerta:

— Não confie nela, é uma interesseira, vai fazer qualquer coisa por dinheiro.

  E Daniel acha que Thiago está louco, porque, como ele pode dizer uma atrocidade dessa sobre um coisinha tão doce e bonitinha quanto Júlia?

●●●

  Quando Júlia chegou chorando em seu apartamento Daniel odiou Thiago ainda mais.

  Júlia estava arrasada por ter terminado seu namoro de dois meses...

— Foram os dois meses mais intensos da minha vida — confessou entre lágrimas.

  Buscando fazê-la parar de chorar, essa visão que cortava seu coração e fazia parecer que a felicidade não existia, Daniel promete tentar colocar Júlia na próxima peça de David Morais.

  Júlia parou de chorar.

●●●

  Daniel sorriu de lado ao caminhar ao lado da mulher, suas mãos dadas e um clima leve pairando entre eles. Olhando-a de lado Daniel viu a expressão sonhadora no rosto de Júlia ao saber sobre o papel que conseguiu no teatro Tutti Frutti, os grandes olhos castanhos brilhando, o lápis cinza cético cativante prendendo os cabelos que Daniel tanto amava tocar.

  Namorar Júlia era o sonho que Daniel nunca pensou que teria e que ainda se realizaria. Ele não se sentia mais tão errado por estar apaixonado, agora que Júlia retribuía seus afetos, eles estavam felizes, a vida era boa.

  A consciência de Daniel, porém, continuava o reprovando quando ele afastava Júlia de seus amigos ou quando ele propositalmente evitava que fossem a lugares onde sabia que haveriam muitos homens, predadores cruéis que mal poderiam esperar para colocar seus olhos na divindade que era Júlia.

  Porque para Daniel, Júlia era uma deusa, Júlia era sua obsessão e, oh céus, Daniel se odiava por isso.

...

  Mesmo tendo desacreditado da teoria das cores depois que conheceu Júlia, Daniel não pôde deixar de decorar o cenário da peça onde ela apareceria com as mais vivas cores que pudesse encontrar.

  E Júlia brilhou em um cenário amarelo, com tons de vermelho e rosa, criado exclusivamente para ela. Júlia, que na privacidade de seu apartamento usava tanto cinza, branco e preto, ficou tão linda sob cores que Daniel achou que poderia eternizá-la naquele cenário.

  Daniel segurou seu ciúmes ao ver tantas pessoas na plateia aplaudindo e elogiando Júlia. Sua Júlia. Queria cegar todos aquelas pessoas, queria matá-las e não se segurou ao imaginar todo tipo de cenário onde eliminava membro a membro dessa platéia exigente, que não sabia apreciar o talento e beleza de Júlia como ele.

  Ao final da peça Daniel correu para os bastidores, andando pelo labirinto de figurinos e adereços extravagantes, ansioso para agarrar Júlia, beijá-la, chamá-la de sua e dizer o quanto ela estava bem no palco, a melhor, a única.

  Encontrou Júlia perto da saída, sorrindo radiante, não para Daniel, mas para Celso, filho do diretor e que também atuou na peça.

— Atrapalho? — Daniel disse quando se aproximou, os olhos franzidos ao olhar os dois adultos juntos.

  Atrapalhava. Mas claro que Júlia não disse isso.

  Júlia resistiu à vontade de revirar os olhos, despediu-se de Celso e saiu com Daniel pelas ruas. Respirou fundo, estava na hora:

— Acho melhor terminarmos — falou quando estavam chegando perto do prédio.

  Daniel parou de andar. Seu mundo havia parado. Júlia estava terminando com ele? Por quê?

— Foi muito legal você ter me colocado nessa peça e vivemos bons momentos, mas é isso — "explicou" rapidamente. — Agora vamos, está frio e eu não quero andar sozinha.

  Daniel voltou a caminhar, entorpecido. As palavras de Júlia se repetiram em sua cabeça e ele se recusava a acreditar que poderia ser verdade, a raiva ganhando força conforme uma suposição aparecia.

  Seus olhos caminham pelo corpo de Júlia, andando um pouco mais a frente que ele. Júlia que entrou na sua vida como uma erva daninha e quando ele se deu conta era uma infestação, uma praga.

  Júlia, Júlia, Júlia... Tão interessada em seu trabalho, tão empolgada para participar, conhecer seu mundo.

— Júlia, você me usou? — indagou bobamente.

  Júlia soltou uma risadinha. Daniel cerrou o punho ao redor do lápis multicolorido que estava carregando, ele pretendia presentear Júlia com ele.

  O cinza nunca pareceu tão certo para alguém como Júlia. Manipulando, usando-o como um meio de alcançar o tão sonhado estrelato. Cinza cediço cativante.

  Sim, cativante, porque, que os céus o perdoem, mas Daniel ainda estava obcecado.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro