Prólogo
Desde que eu era pequeno, sempre estive em desvantagem quanto ao meu irmão. Isso não é uma coisa estranha aos olhos das outras pessoas, porque temos cinco anos de diferença e é claro que não tinha como sermos mais próximos ou amigos.
Enquanto eu aprendia o alfabeto, ele aprendia a somar. Enquanto eu lia historinhas de uma frase e um desenho a cada página, ele lia livros de cem páginas cheios de textos. Enquanto eu aprendia a andar de bicicleta, ele tirava sua carteira de motorista. Eu senti, por muito tempo, que nunca alcançaria ele.
Mas então fiquei maior, entendi certas coisas e quis ser tão bom quanto ele. Só que eu percebi que isso estava mais longe do que eu tinha pensado. Aprendi com o tempo que meu irmão queria ser o melhor em tudo, não importava o que precisasse ser feito, ele faria.
Eu não sei que tipo de ameaça eu apresentei pra ele. Sinceramente, eu só esperava que ao me tornar um adolescente ele seria menos frio comigo, que seríamos amigos ou algo do tipo. Mas, cara, mandar seu irmãozinho que acabou de completar doze anos pra outro país sozinho pra estudar no – pasme – Eton College é, no mínimo, insensível.
Eu estava em fase de crescimento. Mal sabia o que era puberdade. E mesmo assim, meus pais deram ouvidos à um garoto de dezessete anos que deveria obedecê-los e não mandar neles. O que tem na cabeça de pessoas que mandam uma criança completamente sozinha pra um país completamente novo pra morar lá até Deus-sabe-quando?
Claro, tio Eliot mora aqui também, mas é um homem ocupado e solitário que mora em uma casa humilde, comparado à minha família. Ele é tão frio quanto meu irmão e tê-lo como meu único parente na Inglaterra é o equivalente à nada. Ele só vem pra resolver burocracias em nome dos meus pais, nem se quer aparece em datas comemorativas. E os meus pais? Eu os vejo poucas vezes no ano. Eles bancam minhas férias aqui na Inglaterra, feriados, etc.
Meu irmão me isolou de tudo o que eu conhecia. E eu nem sei porquê. Eu só queria ser digno da família Bass, mas como vou mostrar meu valor se nem mesmo moro com eles?
Olho a lua cheia do lado de fora do edifício. O campus fica vazio nos fins de semana. A porta se abre e o perfume masculino de Conan exala no quarto. Eu apenas observo enquanto ele abre seu criado-mudo e pega algo pequeno, me dando um sorrisinho amarelo.
— Eu ia sair com os rapazes e esqueci a chave do carro. – Conan ri. – Até segunda, Jack.
Tenho certeza de que ele não ouviu minha resposta, pois no momento em que abri a boca para dizer "até", ele abriu a porta e fechou antes mesmo que eu pudesse ficar quieto novamente.
Às vezes, sinto falta dessa agitação dos finais de semana. A vizinhança ao redor do Eton não é tão conservadora quanto parece e encontrar diversão pode ser muito fácil. Porém, se eu quiser ser digno do sobrenome Bass, terei que deixar pra trás toda essa algazarra e focar nos estudos. Olho para o livro de álgebra em minhas mãos. É o que estou fazendo agora. Focando. Se bem que, vez ou outra, sinto falta das garotas inglesas... de seus rostinhos pálidos corando embaixo de mim, mais especificamente.
Coço a cabeça, como se minhas unhas fossem capazes de arrancar pensamentos impuros da minha mente. Deixo o livro na gaveta do criado-mudo (a de baixo, já que a de cima é do Conan). Ando até a porta e desligo a luz, tocando no interruptor encardido. Deito na cama onde meu MP3 espera por mim. Uma ex-paquera me recomendou uma banda que estava fazendo um pouco de sucesso por aqui, chamados The Smiths. Eu não pensei em ouvi-los, mas sinto falta dela. Seus lábios eram carnudos e suas mãos eram ágeis e delicadas, me proporcionavam momentos que eu adoraria agora.
Dou o play em uma música aleatória e passo a ouvir com meus headfones. Aquele ritmo melancólico me faz pensar na minha família novamente. Esse ano eu dei muito duro, até então minhas notas são ótimas e acima da média. Me sinto ansioso ao pensar no rosto dos meus pais lendo meu boletim, com várias notas altas e uma anotação falando sobre meu comportamento exemplar. Talvez, talvez... isso os faça me enxergarem como o homem que estou prestes a me tornar e não só o "bebê Bass". Talvez isso faça seus olhos finalmente brilharem quando olharem pro meu rosto.
Um sorriso esperançoso surge em meu rosto antes que eu seja capaz de raciocinar. Eu poderia simplesmente voltar pra casa esse ano e matar a saudade que sinto de Nova Iorque, mas quero muito - muito mesmo - ser um bom filho e fazer os dois anos extras, assim, poderei fazer uma faculdade aqui ou lá.
Como será que eles estão? Não recebo fotos do Bart e faz mais de um ano que o vi, pois ele passou o último Natal fora da cidade. E meus pais? Cartas não são o suficiente, elas não tem o tom de voz, a rouquidão, os cabelos levemente grisalhos...
Em meio à lembrança da casinha modesta que temos em Nova Iorque e a voz rouca do vocalista de The Smiths, acabo adormecendo.
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