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4 🍁 Tempestade


TALVEZ Ivy Island esteja certa em optar pela solidão do bosque,árvores e lagos não mentem, não julgam e não lhe dizem o que fazer, estão em silêncio perpétuo, são a forma mais sincera de respeito que conheço.

O caminho é feito como os cabelos dela: uma serpente de terra que parte ao meio as árvores avermelhadas.
A trilha se desmancha perto de uma árvore maior do que as outras,Mada Vera mencionou a árvore, disse que eu precisava fazer uma curva por ela.
A natureza tem seu papel em amenizar o objetivo que tenho ao atravessa-la, é difícil pensar em ódio quando vejo tanta vida acontecendo, me sinto pequena outra vez, mas não de uma maneira ruim.

Faço a curva e ando por cerca de vinte minutos até avistar uma casa no horizonte.

A madeira foi pintada de branco, flores e plantas estão por todo lado, o lago reflete a luz do sol,estendendo generosidade sob a casa de Ivy Island.

De repente estou sem fôlego.

É como estar dentro de um quadro paisagista, ninguém sabe quem eu sou, mas sou divina e bonita.

Sinto a brisa acariciar meu rosto até o final do caminho,observo a casa de Ivy Island bem a minha frente, toco o apoio dos degraus da varanda, provando que se trata da realidade.

Hesito antes de bater na porta, eu não deveria estar tão nervosa, mas estou, sinto até a respiração trêmula.

Ensaiei o que diria a ela assim que a visse, treinei com olhos raivosos em frente ao espelho, eu parecia verídica, mas agora me sinto mais como uma lebre assustada.

Bato na porta de uma vez, espero, espero e espero por cerca de dez minutos, quase vou embora,mas mesmo virada de costas, ouço o ranger da porta, os passos de alguém confuso.

- Espera moça, aonde você vai?

Esta é a voz de Ivy Island,muito mais bonita do que imaginei,se parece com a mesma brisa quente que acariciou meu rosto.

Viro-me para ela, prendo o fôlego e ajeito o corpete, fito seu rosto com rigidez, espelhando o olhar das Madas sobre todos.

Ivy Island tem os cabelos desgrenhados, está de camisola no meio do dia, mas o rosto continua o de uma boneca de porcelana.

Engulo a seco, não tenho saliva para falar, mentalizo os motivos que me trouxeram para este bosque encantado, alimento a raiva e o ressentimento.

Ivy Island roubou meu marido, mesmo que por uma noite, mas roubou.

Ivy Island seduz homens com sua beleza exótica, os encanta até sua casa isolada, um por um.

A puta ruiva da vila ao norte.

- Você é Ivy Island certo? - pergunto, ríspida.

- Por enquanto sim, ainda não descobri uma sócia.

Ela abre um sorriso, está brincando comigo, caçoando da minha dor.

- Escute de uma vez, fique longe do meu marido - aponto o indicador na sua direção - como se já não bastasse o próprio pecado, quer carregar homens casados com você.

A ruiva arregala os olhos por um instante e desce os degraus da varanda, seus olhos são castanhos, mas não pálidos feito os meus, são dourados e uniformes.

Ela se aproxima de mim, fita meu rosto com uma propriedade assustadora,talvez ela tenha sugado minha alma neste instante - há pessoas que a acusam de bruxaria afinal.

- Seu marido é Daniel Fraser? - pergunta,a voz baixa.

- Exatamente, vejo que também coleciona o nome dos homens que seduz.

Ivy Island abaixa a cabeça, sua respiração é pesada e os olhos dourados perdem o brilho.

- Primeiro, eu não sabia que Daniel Fraser era casado, ele era o único homem sozinho na Noite de Vigor.

- Sozinho não significa disponível.

- Eu sei, eu sei, é óbvio que seu marido não diria nada,eu poderia ter deduzido, é uma vila patriarcal no final das contas..

- Do que você está falando?

Ivy Island revira os olhos, mas logo se lembra que estou bem na sua frente assistindo o explícito desdém.

- Eu sinto muito senhora Fraser, no minuto em que descobri que ele era casado o mandei embora, juro pelo Grande Céu.

- Como se uma mulher feito você acreditasse na maior divindade. - solto um riso amargo de escárnio, estou tão nervosa e trêmula que me enterraria no chão.

- Acredito sim,senhora Fraser, mas aposto que não da mesma forma que você.

- Você dormiu com meu marido e ainda tem a audácia de caçoar de mim? Quem você pensa que é? Vagabunda do norte!

Ivy Island se aproxima de mim, consigo sentir a respiração do seu rosto e as sardas espalhadas abaixo das pálpebras, o dourado dos olhos ganha um brilho feroz, acompanhado de uma pontada de tristeza, quando os lábios rosados vacilam.

- Eu tenho um nome senhora Fraser, mas se recusa me chamar por ele, então começarei a chama-la de corna do sul, justo não acha?

- Sua... - tento pensar em algum xingamento, mas ela está próxima demais para que eu consiga formar as sílabas.

- Sabe o que é irônico? Estarmos aqui, ofendendo uma a outra feito dois galos de briga, enquanto seu marido sai impune.

- Você o seduziu!

- Ah é claro! - Ivy Island gesticula com os braços, as bochechas coram de raiva - eu o ameacei com uma faca de cozinha e o arrastei até minha casa.

- Por que você fala desse jeito?

- Que jeito?

- Seu tom de voz é o contrário do que as palavras dizem.

- Isso é sarcasmo senhora Fraser.

Ivy Island é sarcástica - minha mente anota tal traço sobre ela, mesmo sem permissão.

- Não importa, eu..apenas vim até aqui alertá-la do próprio comportamento, não chegue perto do meu marido de novo, nunca mais entendeu?

- É o que estou fazendo desde que descobri a situação,mas seus ouvidos estão fechados para tudo o que digo.

- Por que eu escutaria uma pecadora? Alguém com um passado obsceno?

- Porque as pessoas não se resumem aos seus passados senhora Fraser. - Ivy Island mergulha em meus olhos - e todas pecam constantemente.

Engulo a seco, não sei o que dizer,meu estômago se contorce,como um animal sendo depenado para a refeição, todas as minhas palavras foram espelhadas nas palavras de outra pessoa, e agora não tenho as minhas.

Porque as pessoas não se resumem aos seus passados.

E todas pecam, constantemente.

- S-seu pecado é maior.

- Maior que o pecado do seu marido? Maior do que a quebra de juramento dele?

Quebra de julgamento.

Essa raiva é maior do que eu.

- Foi um erro vir até aqui.. - suspiro, envergonhada - um grande e terrível erro.

Dou as costas para ela, sinto as lágrimas acumulando-se nos olhos e o vento constante irrita meus cílios, não estou mais depenada, estou em carne viva, engolida pela vergonha e árvores silenciosas.

- Senhora Fraser! Espere!

Sinto a mão de Ivy Island no meu ombro, impedindo minha partida. Meu ombro queima então me afasto, a olhando com estranheza.

- Não encoste em mim!

- Certo me desculpe.. - suas mãos vão até os quadris e ela apoia um dos pés no calcanhar, feito uma criança - eu apenas queria dizer que sinto muito, de todo o meu coração.

- Desculpas não servem para nada agora.

- Você tem razão, desculpas são apenas faixas encobrindo uma ferida que já sangrou, não fazem sentido...mas pelo menos mostram que eu me importo, que entendo a gravidade do que fiz.

Ivy Island não fala como as pessoas de Prudente, ela não fala como ninguém, tem um jeito próprio de juntar as palavras, o tom adequado para elas, uma cadência e ritmo estranhos, ela é tão estranha.

- Eu..

- Sei que parece absurdo, mas há uma tempestade vindo para além do lago,você vai acabar pegando o temporal no meio do caminho para a vila.

- Já andei por temporais, não sou feita de açúcar.

- Está claro que não, mas pode pegar um resfriado. Se for demais para a senhora entrar no meu lar pecaminoso, pode esperar a chuva na varanda.

Pondero a sugestão, não faz nem cinco dias que tive uma gripe terrível, talvez eu caia morta se pegar um resfriado.

- Certo. - digo entredentes - mas não pense que sua gentileza vai amenizar o que fez. Aceitarei a oferta por necessidade.

- A decisão cabe a você.

Contrariada, sigo Ivy Island até sua casa florida, o céu está perdendo o azul e pouco a pouco sendo carregado de nuvens cinzentas.

Os cabelos dela balançam em razão do vento forte, anunciando a chegada da tempestade. É certo que ouvirei sermões de Mada Vera sobre o que estou fazendo,mas Madas não precisam saber de tudo.

- Posso saber o nome da senhora?

Pisco rapidamente, tendo os pensamentos cortados.

- O que?

- Eu posso saber o nome da senhora? - repete Ivy Island, enfeitando as sílabas de gracejo.

- É-é..basta me chamar de senhora Fraser.

- Ah, entendo.

Não, não basta, me chame de Ana, este é o meu nome, é quem eu sou.

Calo tais pensamentos, recomeçando a reza contra a histeria, é uma reza que faço praticamente todos os dias,já que todos os dias me sinto à beira de uma explosão silenciosa.














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