capítulo 9: espero que gostem das flores
MANCHESTER, 7 de setembro de 2024
Eu tinha doze anos quando dei meu primeiro beijo. O acontecimento mais esperado na vida de qualquer menina, aquele que a gente sempre fantasia antes mesmo de entender o que beijar significa. O beijo aconteceu no jardim da casa dos meus pais em Boston com um garoto chamado Lucas. Estudávamos juntos, e eu vivia tentando chamar a atenção dele, mas admito que não era a pré-adolescente mais ajeitada e atraente — se é que existia isso aos doze anos.
Lucas me beijou e eu achei que estávamos namorando, mas foi apenas um beijo. Um beijo inocente.
É claro que, naquela época, as proporções foram maiores. Me lembro de chorar, porque eu realmente gostava dele e achava que cresceríamos e viveríamos felizes para sempre. Ilusão de criança. Na infância, tudo parece ser mais fácil e acessível do que realmente é, mas só nos damos conta disso quando crescemos e as responsabilidades nos perseguem.
Eu deveria ter suspeitado disso aos 15, mas quem pensaria nisso?
Quando fiquei mais velha, percebi que a minha realidade era diferente de muitas outras pessoas. Eu estudava na melhor escola, vestia as melhores roupas e nunca andava de transporte público. Por volta dos quatorze percebi que tinha lá meus privilégios, graças aos meus pais que trabalharam muito para que a empresa desse certo. Nossa família foi abençoada e eu sabia que precisava agradecer por isso.
Meus pais pensaram em tudo.
E acredito que mesmo que as coisas tivessem acontecido diferente, eles teriam feito o máximo para que eu tivesse tudo de bom. Queriam que eu tivesse todas as oportunidades. Que eu conquistasse o mundo, assim como eles, mesmo mais velhos, conquistaram.
Continuei caminhando com os pensamentos ativos, enquanto me aproximava do local em que meus pais foram enterrados. De longe, vi a lápide de ambos, um do lado do outro. Me ajoelhei, retirando as flores mortas que deixei na última visita e substituí por outras, coloridas e saudáveis. Minha mãe adorava rosas vermelhas, então me obrigava a trazer para seu túmulo. Meu pai gostava de tudo que alegrava minha mãe, então estava fazendo por ele também.
Elis Jones
☆ 19/05/1974
† 26/03/2024
"Boa mãe e esposa"
Era o que dizia a lápide da minha mãe. Não fui eu que escolheu a frase, teria sido mais criativa. Acredito que, data a situação, Clara tenha escolhido e optou por uma frase bem abrangente.
Olhei para a outra lápide, a de meu pai.
Desmond Jones
☆ 21/09/1976
† 26/03/2024
"Bom pai e marido"
Cerca de quase seis meses desde que meus pais faleceram e eu me mantinha área sobre como o acidente aconteceu. Repassei algumas centenas de vezes, mas acabei ignorando os pensamentos. A conclusão era sempre a mesma e pensar não mudaria a forma como aconteceram.
— Oi, mãe — saudei com naturalidade. — Queria que você estivesse aqui e me dissesse o que fazer, ou me ajudasse com seus conselhos. Eles eram bons e eu não sabia. — Dei uma risada nasalada, mas depois a tristeza tomou conta. — Sinta falta dos seus conselhos. Sinto falta de você.
Olho para o céu, tentando contar as lágrimas.
— E você, pai? Pode ficar tranquilo que eu guardei seu violão. Escondi, na verdade — contei, engolindo em seco. — Não queria que ninguém ficasse com ele, sei o quanto você é ciumento.
E mais silêncio.
— Minha vida está uma verdadeira bagunça. Uma confusão. Não sei nem o que eu tô fazendo aqui, falando com um bloco de cimento. — Bufei para mim mesma, tentando encontrar uma saída. — Sabe, eu nunca tinha pensado em como seria quando vocês partissem. Sabia que aconteceria, mas não da maneira que aconteceu. Fui pega desprevenida. Quer dizer, ninguém se previne contra a morte, mas gostaria de não ter sido tão de repente.
Pouso minha mão nos joelhos e baixo os olhos, encarando a grama.
— O que aconteceu naquele carro? — Fico à espera de uma resposta, que não vem, obviamente. Espero uma luz, um milagre, um sinal, mas nada acontece. — Não quero acreditar na versão da polícia, sei que alguma coisa estava acontecendo naquele carro, naquela noite! Será que algum dia eu vou descobrir?
Droga!
Isso não faz o menor sentido.
Me levanto e olho uma última vez para o túmulo dos meus pais antes de decidir ir embora. Esfrego as mãos, limpando superficialmente a sujeira da terra. Endireitei a postura e comecei a descer a pequena inclinação.
— Espero que gostem das flores, são as suas preferidas — é o que digo e finalmente vou embora.
O caminho até a casa dos meus tios demora mais do que normalmente, mas não me estresso. Me recordo durante o percurso que tia Aura me avisou que não estaria em casa e que iria até a casa da Meredith. Agradeço aos céus por isso, assim evitaria ter que explicar porque estava me arrumando. Me arrumando pra sair com Aiden Reed.
Tia Aura já suspeitava de que algo estava acontecendo e não podia julgá-la por isso, eu nunca fui boa em esconder as coisas. As pessoas que são boas em me esconder as coisas, na realidade. Acontece que, nunca me importei de ser boa nisso, em guardar segredos, até perceber que minha vida não precisa ser um livro aberto. É bom ter assuntos guardados só para si mesmo, assim ninguém é capaz de invejar.
Depois de separar uma roupa decente, tomo um banho quente. Demoro mais tempo do que deveria, mas uso o momento sozinha para organizar algumas ideias. Não sei o que esperar do encontro com Aiden, mas espero que seja agradável. Já tenho emoção suficiente para contar em apenas 26 anos de vida, não tô a fim de colecionar mais algumas.
Visto a roupa, que acabei escolhendo uma calça jeans, uma blusa tomara que caia preta e um tênis branco. Nada muito elaborado, mas estou confortável e bem vestida. É isso que importa.
Me olho no espelho. Gosto do que vejo. Admito que já faz algum tempo em que gostei da minha imagem. A maquiagem está leve e os meus cabelos soltos com leves ondulações nas pontas. O conjunto completo está harmônico.
— É bom ver um sorriso no seu rosto novamente.
Encostado no patente da porta está Noah, meu primo.
— Não sabia que estava em casa — comentei, ignorando seu elogio.
— Não estava, acabei de chegar — Noah respondeu. — Você está bonita, Olívia. É bom ver você assim.
Sorrio e solto um suspiro.
— Qual é o nome dele?
Franzo o cenho, pensando em mentir.
— Por que acha que tem um "ele" na história?
Noah me olha, como se fosse óbvio a resposta.
— Não que você não possa se vestir para si mesma, acho que pode e deve, mas tem alguém — ele explicou, se aproximando. — Vou perguntar de novo. Qual é o nome dele?
Não há como escapar. Noah é observador e esperto.
— Aiden.
O olhar de Noah se arregala e ele parece processar a informação.
— Só pode ser brincadeira. O piloto?
Faço que sim.
— Não me julgue.
— Não vou — ele prometeu. Noah se aproximou, colocou a mão nos meus ombros e apertou suavemente. — Boa sorte, Olívia. Me avisa se ele causar problemas.
Sorrio, olhando para meu primo.
— Espero que não cause.
— Eu também.
Noah sai do meu quarto logo depois, me deixando sozinha.
Estou me inclinando para alcançar minha bolsa quando escuto o som da campainha. Congelo no lugar, me sinto estranha. Estou nervosa, ansiosa. Fecho os olhos, puxo o ar o máximo que consigo e depois solto. Isso me ajuda, então me sinto pronta para descer as escadas e abrir a porta.
É quando vejo Aiden, com um sorriso amigável no rosto.
— Oi, Olívia.
Sorrio de volta.
— Tranquilo chegar até aqui? — Perguntei, tentando quebrar o gelo e evitar o constrangimento.
— Sim, foi tranquilo — ele garantiu. Antes que eu pudesse fechar a porta, notei seu olhar passeando pelo meu corpo. Minha pele queimou. Me perguntei qual foi a última vez que me senti assim, nervosa e desejada por alguém. Não foi com Sam, isso posso garantir. — Você está bonita.
— Achei perdido no fundo do guarda-roupa — e apontei para o look.
— Não me referi a roupa, me referi a você — ele replicou. Senti minhas bochechas aquecerem imediatamente. Em segundos, eu deveria ter me transformado no verdadeiro pimentão. Quando foi a última vez que alguém me deixou com vergonha? Que um cara me deixou assim? — Você pode aceitar o elogio, Olívia. Eu fui sincero.
Engoli em seco e fechei a porta atrás de mim.
— Obrigada — agradeci, sorrindo.
Aiden desceu os degraus e começou a caminhar de costas para a rua. É só então que o perfil de Aiden chama minha atenção, pela primeira vez desde que o conheci. Seus cabelos são negros como a noite, olhos azuis e pele clara. Aiden não é muito alto, mas chutaria ter por volta de um e setenta e pouco. Nunca o vi sem camisa, mas diria que por baixo dela ele exibe um corpo em forma. Seus ombros são largos, fortes e tensos, o que acentua sua masculinidade.
Gosto disso.
— Você vem?
Acordei dos pensamentos e vi Aiden, me esperando com a porta do carro aberta. Ele é um cavalheiro.
— Claro.
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