capítulo 4: para onde os corações partidos vão?
BOSTON, 26 de março de 2024
Uma da manhã.
Não me lembro a última vez que acordei de madrugada. Ainda mais do nada.
O espaço ao lado da minha cama está vazio. Sam não está lá. Checo as luzes do banheiro, mas também estão apagadas, ou seja, ele não está lá. Opto por procurá-lo. Checo todo o apartamento, mas não o encontro. Procuro meu celular, disco seu número, chama, mas ninguém atende.
Me sento no sofá, esperando.
Passam uma ou duas horas, estou quase pegando no sono novamente quando escuto o barulho das chaves. A porta principal do apartamento se abre e Sam aparece. Obviamente, ele não me vê, mas percebo sua delicadeza para emitir o mínimo de barulho possível.
Acendo a luz do abajur, e imediatamente Sam me vê.
— Oli, o que tá fazendo acordada?
Me aproximo, sem respondê-lo.
Seu olhar é diferente dos que já vi, é um olhar ameaçado e mentiroso.
— Eu acordei no meio da noite, você não estava na cama, fiquei preocupada. Procurei pela casa, liguei pra você várias vezes — expliquei. — Onde você estava?
— Não foi nada, querida. Recebi uma ligação do Jonas, ele perdeu as chaves do apartamento, só fui ajudá-lo — é o que ele respondeu, mas ainda não acredito. — Não quis te acordar, por isso não avisei antes.
— E como você poderia ajudá-lo?
Ele mexe no cabelo, desengonçado.
— Ele estava desesperado, Oli, e é meu amigo.
Sam se aproxima, tentando me beijar, mas me desvencilho. É muito estranho. Quando você perde as chaves do apartamento não liga para um amigo, liga para polícia, ou pediria ao síndico do seu apartamento as chaves extras. Ao invés de beijá-lo, subo as escadas, ignorando suas tentativas de conversa. Me deito na cama no quarto de hóspedes e tranco a porta.
Não quero saber.
Isso tem cara de mentira.
— Olívia, por favor, vamos conversar — Sam insistiu. Me recuso a manter essa conversa a essa hora da madrugada. — Eu juro que estava com o Jonas.
Fecho os olhos, rola na cama por questão do que parecem ser horas. E o sono não vem. O pensamento de uma possível traição não me permite desligar. Será que estou sendo precipitada? Sam nunca me deu motivos para desconfiar da sua honestidade e compromisso com nosso relacionamento. Ele me respeita. Ou pelo menos nunca suspeitei do contrário.
Sam nunca chegou tarde em casa. Sempre foi pontual. É por isso que essa situação me confunde, porque ele nunca me deixou com desconfianças. Quando Sam teria tempo para se encontrar com outra mulher? Quando não está no trabalho, está comigo ou quando sai com Jonas e outros colegas do escritório para sair da rotina. Trair requer tempo. Requer mentiras.
Reviro-me na cama. É capaz de cavar um buraco nela, me afundar e aparecer em outra dimensão.
Ok, estou com muitos "e se" rondando meus pensamentos.
Os próximos minutos me relaxam. Meu corpo começa a se aconchegar nos lençóis quentes. Quase me sinto abraçada pela cama, e é dessa forma que o sono me consome quase por completo.
É quando o toque registrado do meu celular me desperta. Procuro no meio dos lençóis, mas não está comigo. Deixei no quarto. O quarto que Sam está, muito provavelmente, dormindo. Me xingo mentalmente por tamanha estupidez, mas me apresso em me levantar, atravessar o corredor e acessar o meu quarto. Nosso quarto.
Assim que atravesso a porta, vejo Sam. Diferente de horas atrás, agora ele veste um moletom, está de costas para mim, com o celular encostado no ouvido. O seu celular? Não, o meu. Sam leva a mão a cabeça, afagando seus cabelos em sinal de preocupação.
— Sam?
Meu noivo se vira, encarando-me. Seu olhar é de pura aflição, dor e sofrimento.
Não consigo lê-lo.
— O que está acontecendo? Quem é no telefone? — É o que pergunto, já sentindo a agonia me consumir. Sam não responde, apenas sinaliza com a mão um momento. Ele mexe a cabeça e responde eu "ok" seguido de mais dois ou três. Meu coração está batendo muito forte, está doendo, parece que meu corpo já sabe o que está acontecendo. Quando Sam finalmente desliga a ligação, há lágrimas escorrendo. — Me conta o que tá acontecendo.
— Sinto muito, Oli — é o que ele começou dizendo, se aproximando e me acolhendo em seus braços.
— Por que?
Ele mexe a cabeça.
— Seus pais, Oli. Eles sofreram um acidente — Sam finalmente explicou. Meu coração quase salta pela boca. Sinto minha visão embaçar, estou quase perdendo o equilíbrio, mas me mantenho firme. Então Sam continuou, caçando as palavras: — Eles não resistiram. Seus pais morreram.
— O quê...
Sam me abraça, mas não processei a informação.
— Meus pais morreram? — Quero que ele repita. Não consigo acreditar. — Sam, o que tá acontecendo? Eu quero falar com meus pais! Liga, liga pra eles, Sam. Eu quero falar com a minha mãe, por favor! — Minha voz está alterada, não sou capaz de me conter, mal consigo acreditar no que está acontecendo. Meus pais morreram? O que isso quer dizer? — Me diz que é mentira. É mentira, não é? Você não mentiria para mim. Eu confio em você...
E me desmanchei em lágrimas.
Sam me protege em seus braços, quase escondendo-me. Estou devastada, mas ainda sou incapaz de acreditar no que está acontecendo. Meus pais morreram. Não podia ser verdade.
Muitos acontecimentos a seguir se tornam um borrão completo. Me recordo de vestir um roupa minimamente de jeito, me recordo de entrar no carro, de andar pelos corredores do aeroporto enquanto Sam se preocupe em resolver os mínimos detalhes. Estamos indo para Inglaterra, me recordo de ouvir algo semelhante. Entramos no avião, nos acomodamos e o avião decola, mas também é como um borrão.
As coisas começam a esclarecer assim que pousamos.
Mas a ficha não caiu.
Nada parece fazer sentido.
Quando chegamos no hospital, reconheço Clara, uma das melhores amigas da minha mãe. Seu rosto está triste e vestígios do que deveriam ser lágrimas continuam lá. Desabo em seus braços, torcendo que ela diga que foi tudo um engano, mas minhas lágrimas juntam-se às dela.
É só então que finalmente acredito. Eles realmente se foram.
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