capítulo 10: eu estava desconfiada de você
BOSTON, 26 de abril de 2024
Quanto tempo leva para superar a morte? Me perguntei se para algumas pessoas é mais rápido do que é para outras. Se tem um padrão ou se é inédito toda vez que acontece. Acredito que seja diferente com cada um, a reação e a maneira como cada um decide para lidar com a morte. Alguns choram, outros apenas não reagem. Como será que funciona?
Uma vez li que a maioria das pessoas usavam o tempo como seu aliado. Viviam dia após dia na tentativa de superar a perda, de se reconectarem consigo mesmas. Outras, em contrapartida, adquiriram vícios na tentativa de camuflar o sentimento ruim, a lembrança e ausência das pessoas queridas que deixaram esse mundo.
Me pergunto qual deveria ser a melhor alternativa.
Hoje completou um mês desde que meus pais morreram, e me questionei baseado nas possibilidades de tempo e vício e qual seria mais eficiente. O tempo não parecia confiável, visto que em um mês eu ainda sentia a ausência constante dos meus pais; já o vício, não poderia dizer nada contra ou a favor, porque não tinha nenhum. Não usava drogas e nem me afoguei em álcool, mas acho que me guardei em meu próprio universo. A introversão tomou o lugar do vício na minha realidade.
Olhei a fotografia dos meus pais e uma lágrima escorreu pela minha bochecha. Sequei rapidamente, antes que Sam invadisse o escritório e me pegasse em um momento sensível e viesse me consolar. Não quero consolo dele e nem de ninguém agora. Quero ficar sozinha.
Um mês.
A ausência é uma merda.
Ontem me peguei olhando para o celular, no mesmo momento em que costumava receber a ligação dos meus pais. A ligação não veio, obviamente. Foi um vazio. Faltava alguma coisa. Tentei lidar com aquela situação sem me abalar, mas não consegui. Chorei como uma criança e me encolhi na cama. Não me lembro de ter parado de chorar, então sei que dormi chorando.
— Minha mãe mandou um abraço pra você — Sam anunciou, interrompendo meus pensamentos. Levantei a cabeça, vendo o corpo musculoso dele se aproximando.
Engoli em seco, forçando um sorriso.
— Mandou outro?
Sam sorri. O sorriso é sincero.
— Mandei, sim — ele confirmou. — Queria saber quando vamos visitá-la.
— Quem sabe no próximo feriado — sugeri, levando a xícara de chá até os lábios.
Ouvi Sam responder alguma coisa em concordância, mas não respondi. Ignorei e voltei a prestar atenção na tela, tentando escrever algo que preste. Eu escrevia regularmente, mas agora parece que criei um buraco negro no meio do teclado.
— Vou precisar sair mais tarde hoje — Sam avisou e essa parte da conversa me prendeu a atenção.
Desviei os olhos do notebook e retirei os óculos de leitura.
— Por que?
Sam me olhou, despreocupado.
— Uma reunião com alguns sócios — ele explicou.
Estalei a língua.
De uns tempos pra cá ou, mais precisamente desde a noite em que suspeitei pela primeira vez de Sam, comecei a me dar conta de quantas coisas esquisitas aconteciam. Reunião com sócios, acontecimentos repentinos, situações de última hora parar justificar sua ausência ou as ligações perdidas. Sempre uma desculpa elaborada com tanta naturalidade que eu nunca suspeitei que pudessem ser inventadas.
Pensei em questionar todas esses acontecimentos estranhos, mas vi uma possibilidade de descobrir o que Sam estava escondendo de mim. Se por acaso fosse o que eu estava suspeitando, não passaria de hoje, eu descobriria.
— Que saco, hein? Boa sorte, amor — eu respondi, solícita.
Coloquei os óculos novamente, fingindo voltar a escrever meu livro. Não estava. Pelo canto dos olhos, observei Sam digitar algo em seu celular. Uma mensagem para alguém, quem sabe?
Cerca de alguns minutos, Sam saiu. Aproximou-se de mim e depositou um beijo no topo da minha cabeça. Foi um beijo rápido e sem expectativas.
Sorri em sua direção, porque por mais que estivesse desconfiada de Sam, não podia deixar de relembrar o quanto sua presença no último mês foi importante. Ter seu apoio se tornou tudo para mim, no fim das contas. Lidar com a perda dos meus pais teria sido mil vezes pior se não tivesse nenhum porto seguro. Sam se tornou esse porto seguro pouco tempo depois que nos conhecemos e isso se perpetuou com o falecimento de Elis e Desmond.
— O que gostaria de comer no jantar hoje, senhorita?
Levantei a cabeça e dei de cara com Alda.
— Pode ser ensopado, está esfriando — determinei. Alda assentiu. — Se puder preparar alguns pães para acompanhar, seria bom, mas se ficar muito em cima, posso ir até a padaria.
— Acho que consigo dar conta.
Sorrio, crente disso. Alda é uma excelente cozinheira.
Ela assentiu com a cabeça e começou a se retirar do escritório.
— Alda?
A mais velha se virou.
— Nunca mais me chame de senhorita, é só Olívia — corrigi, certificando-me de que ela entendeu minha ordem.
— Está certo.
Horas mais tarde, Alda adentrou o escritório e sinalizou que o jantar estava pronto. Agradeci e pedi que colocasse a mesa como pede a cartilha, mas avisei que não jantaria por agora. Sam não chegaria a tempo de me fazer companhia, visto que estava na reunião com os sócios.
Por volta das nove, me vesti e saí do apartamento em direção ao prédio de advocacia que Sam trabalhava. Não precisava de muita cerimônia, pois a maioria das pessoas, inclusive a secretária dele, Amélia, me conheciam. No entanto, não esperava encontrá-la agora, visto que já passavam das nove da noite.
— Olívia?
Levantei a cabeça, procurando a direção do chamado.
Amélia, a secretária de Sam, ainda estava por aqui. Talvez esteja mesmo acontecendo uma reunião.
— Oi, Amélia — cumprimentei, meio sem reação. — Desculpa vir até aqui, mas não consegui falar com Sam.
Descobri que sou uma mentirosa. Uma das boas.
— Sem problemas. Não precisa se desculpar por vir até aqui, seu noivo é meu chefe, você pode entrar e sair a hora que quiser — a secretária explicou, educadamente. Fiz que sim. — Gostaria de falar com o senhor Carlson? Ele está em reunião, mas posso avisar que está aqui.
Reunião.
Merda. Sam não estava mentindo.
— Não precisa incomodá-lo, é besteira.
Comecei a dar pequenos passos em direção ao elevador, enquanto Amélia assentia desconfiada. É neste instante que uma das portas se abre e vários homens de terno saem dela. Todos muito mais velhos que Sam, então não é difícil reconhecê-lo quando o vejo. Tento não chamar atenção, mas meu noivo ergue a cabeça na minha direção. Não há como fugir agora.
Ele franze as sobrancelhas, confuso, acena e aperta a mão de alguns dos homens que rapidamente desaparecem. Depois disso, sua atenção é toda em mim.
— Aconteceu alguma coisa, Oli?
Engulo em seco.
— Não é nada, eu... — a minha voz falhou miseravelmente.
Odeio o fato de ficar nervosa quando sou pressionada.
Sam continua me olhando.
— Vem comigo.
Sinto a mão de Sam no fundo das minhas costas, me guiando pelos corredores. Quando entramos em uma sala grande o suficiente para uma família de quatro pessoas, atrás de mim, Sam fecha a porta e se dirige a mim. Seu olhar não é bruto, mas sinto a tensão em seus ombros.
— Quero saber o que está acontecendo, Olívia — ele repetiu.
Não respondo. Não sei o que dizer.
— Olívia?
Ou seja mais fácil só contar a verdade.
— Eu estava desconfiada de você — contei, de uma vez. Os olhos de Sam se arregalam, mas ele se mantém em silêncio. — Não sei de onde surgiu, mas achei que essa reunião fosse mentira. Na verdade, eu já estava desconfiada há algum tempo, mas me enganei. Você não estava mentindo, eu é que não tenho com o que me ocupar e vi coisas que não existem. Me desculpa.
Sam suspirou.
— Por que não me contou?
— Não sei, mas fiquei com vergonha exatamente disso: de ser mentira e ter que lidar com o constrangimento. — As mãos de Sam afagam meu cabelo. — Algumas situações foram suspeitas, Sam. Você chegou em casa tarde da noite, mentiu dizendo que estava ajudando seu amigo; no outro dia, você disse que foi correr, mas chegou em casa sem um pingo de suor, depois li uma mensagem enviada por alguém chamada Natalie. Quem é Natalie? E além disso, hoje você ainda me disse que teria uma reunião, então eu desconfiei. O que queria que eu fizesse se todas as suas atitudes insinuavam algo suspeito?
— Olívia, eu...
— E não precisa me perguntar se mexi no seu celular escondido — comecei, puxando todo ar existente no ambiente —, porque essa era a intenção, só que não me lembrava da porcaria da senha. Foi coincidência uma mensagem dessa mulher chegar e eu li pelo ecrã de notificações.
Ele assentiu, calmo.
Mais calmo do que eu.
— Mas eu sinto muito. Me equivoquei. Hoje você realmente estava em uma reunião, mas quem me garante sobre os outros acontecimentos?
— Eu posso te prometer que nada aconteceu.
— Você pode me prometer que não me traiu? — Questionei, na mesma entonação da sua frase. Meus olhos estão fixos em Sam, atentos a qualquer lampejo de mentira, de hesitação ou as tentativas de me ludibriar. — Não minta para mim.
Sam mantém os olhos em mim. Sei que não é uma situação confortável, ser pressionado assim, mas estou longe de ser a mulher que irá aceitar traição.
— Eu te prometo que não fiz absolutamente nada. Eu não te traí.
Passo cerca de uns 10 segundos em silêncio, observando a sua linguagem corporal.
— Quem é Natalie?
— É do ramo também, advogada e uma conhecida — Sam admitiu, tentando se aproximar e tocar em mim. Me desvencilhei, porque não quero que seu toque influencie nas minhas emoções. — Nos encontramos naquela tarde da corrida e trocamos telefone. Natalie tem contatos de clientes importantes e achei conveniente ter contato direto com ela, mas porque a firma seria beneficiada. Foi somente uma coincidência.
Mantenho os braços cruzados, tentando decidir se ele merece ou não minha condescendência.
— "Bom te ver hoje"? — E fiz uma voz esganiçada, tentando soar que aquela deveria ser a voz de Natalie. Uma voz enjoada e tão inconveniente quanto ela. — Fala sério, desse jeito essa mulher está longe de ser uma advogada. Será que ela fala assim com todos os colegas de trabalho? Imagino como não deve falar com os clientes.
Sam mexe a cabeça e vejo um sorriso divertido em seus lábios.
— A culpa é sua! Você não delimita ninguém.
Ele leva um das mãos ao peito, sentindo-se claramente ofendido.
— Me desculpa, você tem toda razão — meu noivo admitiu. Seu corpo se aproximou e dessa vez deixo que toque em mim. — Você me perdoa?
— Nunca mais faça isso — eu peço, segurando seu rosto com uma das mãos, apertando suas bochechas. Ele murmurou um "prometo". — Perdoo você.
Um sorriso gigantesco toma o lugar de hesitação, e Sam deposito um beijo na minha têmpora.
— Desculpa ter vindo até aqui, sei dos limites de misturar trabalho com problemas pessoais — sinalizei, sincera.
— Você não teria vindo se eu tivesse sido honesto.
— Você disso tudo.
Não há uma discussão que eu não vença. Gosto de estar certa.
Logo em seguida, Sam se inclinou para me beijar. O beijo é gostoso e demorado, mas não censuro Sam para pará-lo. Deixo que ele se sinta satisfeito. Quando termina, me "convida" para ir embora. Eu aceito e pulo no banco do passageiro, ansiosa para chegar em casa e experimentar a refeição maravilhosa que Alda preparou.
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