Isso não deve fazer sentido, a arte não é feita para fazer sentido, bom… talvez algumas sim, mas a minha não.

— vamos meninos, soltem a criatividade — Dania a professora de artes nos incentiva enquanto roda por entre a gente com seus cachos balançando e sua roupa colorida se movimentando.

— isso está ótimo Heitor — ela se aproxima parando ao meu lado — expresse seus sentimentos meu querido — ela aperta minha bochecha e volta a rodar e cantarolar por entre os quadros.

Nós temos aula de artes no jardim da escola, pois não há salas com espaço o suficiente para os quadros e alunos, essa é uma das qualidades de uma cidade pequena ( pelo menos essa) temos uma boa infraestrutura que nos permite essa aula com bons materiais.

— você pintou um buraco negro? — Lily pergunta ao olhar para minha pintura.

— é abstrato.

— ah sim, mas o que deveria ser?

— A arte abstrata não deve ser nada, ela simplesmente é. — e essa foi a última coisa que eu disse pelo resto da aula.

•          •          •

Ao chegar em casa eu jogo minha mochila no chão ao lado da porta e paro em frente a escada encarando o andar de cima, uma vez eu desci essa escada dentro de uma caixa de papelão enquanto ele filmava, aquele dia foi realmente insano, eu queria fazer aquilo de novo.

Mas isso não irá acontecer. Subo as escadas e vou para meu quarto, pela primeira vez em muito tempo eu deito na cama do jeito que se deve deitar.

Me vejo caindo em uma espiral de lembranças dolorosas e angustiantes de um passado que não voltará mais e isso está me matando lentamente. Caindo em uma espiral de lembranças dolorosas e angustiantes de um passado que não voltará mais e morrendo lentamente. Espiral de lembranças dolorosas, o passado não voltará morrendo…

Lágrimas descem pelo meu rosto e eu me sento rapidamente as limpando, olho para o teto e a rachadura na tinta parece maior, bato com as mãos ao lado da minha cabeça enquanto tento parar de chorar, puxo o ar com força porém meus pulmões não se enchem de como de costume, tudo parece pesado como se estivéssemos na atmosfera de Marte ou Júpiter.

•          •          •

— você está bem Heitor? — Gracie pergunta com a mão no meu ombro.

Retiro meus olhos do ponto fixo onde se encontravam e encaro a ruiva, me olhando com uma expressão preocupada e então sorrio.

— está tudo bem sim. — sustento meu sorriso por mais alguns segundos para que ela acredite, o que parece funcionar pois ela volta sua atenção para Lily e não me pergunta mais nada.

— você vai na festa do Pedro? — Karina pergunta pondo sua mochila rosa no ombro.

Ela parece muito com uma criança do oitavo ano quando usa essa mochila, eu acho que ela gosta de parecer mais jovem, sendo que ela já é bastante jovem.

— Ele vai dar mais uma festa? — pergunto para parecer interessado enquanto arrumo meu material dentro da mochila.

—Sim, a gente vai — Lily fala se referindo a irmã.

— você vem Heitor? — Karina põe a mão no meu braço.

— Ele vai — Lily responde por mim.

— Ótimo, vejo vocês lá. — Karina falou com um sorriso enorme no rosto e saiu da sala.

— okay, isso foi estranho.

— Ela gosta de você.

— bom para ela.

— Para de ser tão insensível Eight.

— Não sou insensível minha cara Lilian, eu simplesmente não estou com vontade de demonstrar afeto. Eu deveria pular de alegria por conta de uma simples pergunta?

— Isso foi bem insensível Heitor… — Gracie me encara.

— Ok me desculpa, mas eu não vou pular de alegria nem fingir que gosto de estar por lá. — a última coisa da qual preciso é estar fingindo que gosto da Karina, já me basta de tudo isso.

— Seja legal pelo menos, todo mundo tá tentando te tratar bem.

— Eles não deveriam tentar me tratar bem pelo seu aconteceu, eu ainda sou a mesma pessoa de antes. — as meninas se encaram.