11. Era uma vez um garoto triste.
Eu acho que esqueci de mencionar em algum momento que nós, na Terra das Asas, falamos outra língua. Isso me parece óbvio, visto que moramos em outra dimensão, vivemos reclusos em ilhas fazendo trabalhos monótonos ㅡ porém muito prazerosos para nós. Somos seres que se regozijam na simplicidade; um tanto rudimentares ㅡ, temos nossas próprias leis elementais, nascemos com uma magia inata e podemos usar dela o quanto quisermos… Achei que não precisava de mais explicações do quanto somos singulares.
Mas, ah, eu estava errado. Me dei conta de que tinha esquecido esse detalhe há uma semana, quando ainda estava em Lagoinas, na casa da família de Jungkook. Eu machuquei o mindinho do pé na quina da cama dele e xinguei em Efash (a língua da Terra das Asas) ㅡ e os xingamentos em Efash geralmente são muito longos; o próprio idioma é aspirado, pronunciado como se estivéssemos sibilando ㅡ, e Jungkook me lançou aquelas suas típicas sobrancelhas arqueadas como se eu fosse um ser de outro mundo.
Bem…
Mas sempre foi tão natural pra mim falar em Português, que a consciência de que esse não é o meu idioma nativo me fez ter a mesma reação de Jungkook. Ele até pareceu menos borocoxô com a nova descoberta. Aliás, ainda não descobri o porquê de ele ter ficado daquele jeito; parecia pensativo demais, preocupado demais, aparentando mais vulnerável do que jamais o vi.
Ele só pareceu prestar atenção no que eu estava falando quando informei que iria embora passar a noite na minha casa ㅡ a ideia de dormir no quarto dele, com ele, era muito íntima pra mim, e só a possibilidade disso me deixava nervoso, por alguma razão na qual não queria pensar tanto. Jungkook me olhou por longos segundos, a lucidez tomando conta do rosto dele à medida que absorvia o que eu havia dito. Ele enrugou a testa, mas assentiu.
Acho que minha mente ainda anda um pouco endoidada, porque pensei ter visto uma lasca de contrariação na maneira como Jungkook concordou que eu fosse. Mais tarde, eu diria que foi coisa da minha cabeça, da minha natureza emocionada. Mas, ali, no quarto com ele, vendo-o tão abatido sentado em sua cama, eu quis que me pedisse para eu ficar. Porque eu queria ficar. Por ele. Porque ele não parecia estar normal.
Isso não é esquisito?
Eu dou uma risada envergonhada ao pensar nisso. Sim. E só há um veredito para tanta esquisitice: eu estou louco.
ㅡ Vai, Annaliya, acaba com ele, amassa ele, destr-
ㅡ Taehyung ㅡ eu o interrompo ㅡ, isso é uma corrida de voo, não uma luta.
ㅡ Mas você bem que adoraria se ela arrancasse todos os dentes dele na porrada.
ㅡ Que é isso, Taehyung?! Onde você anda aprendendo esse palavreado hostil? ㅡ Meus olhos se arregalam pelo horror, mas então não consigo conter um sorriso maquiavélico ao finalizar: ㅡ Claro que eu iria adorar.
Afinal, estamos falando de Arlo e, quando se trata dele, eu desejo todas as piores coisas do mundo. Não que eu seja uma pessoa ruim. Talvez, como Seokjin me disse, sejamos todos um pouquinho humanos ㅡ e humanos têm uma parte selvagem dentro deles. Logo, eu também tenho.
Estamos assistindo a um campeonato de voo que acontece a cada ano nessa parte da Terra das Asas. Todas as fadas vêm para torcer pelos competidores de suas respectivas ilhas; até as ninfas, que são a raça mais reclusa, deixam suas residências e trabalhos nas áreas costeiras e tiram esse dia para se divertir junto ao resto da cidade. As fadas das flores e as da terra passaram os últimos dias preparando o cenário para hoje; elas construíram uma arena inteira ramificando caules para formar as paredes e as colunas de sustentação e ornamentando tudo com gavinhas, flores e plantas rasteiras. Nossos assentos de pedra ㅡ eles são confortáveis, apesar disso ㅡ foram trabalho delas também.
Nesse instante, é Arlo e Annalyia que estão voando pela extensão circular da arena. Ela não é daqui (é de uma ilha próxima), mas isso não está me impedindo de torcer pela derrota do outro lá. Mesmo daqui de cima, consigo ver que ele sorri com seu típico ar arrogante quando passa na frente, as asas batendo rápido o bastante para se tornarem um borrão verde.
Eu o odeio.
Ouve-se o som de um apito quando o tempo acaba e Arlo vence.
E o odeio ainda mais por saber que ele vai passar a vitória na minha cara mais tarde.
No assento, cruzo os braços. Meus lábios ganham vida própria e formam um bico consternado.
Estou cada vez mais parecido com Jungkook.
Ah, Jungkook… Será que ele está bem?
ㅡ Maldito campeonato de voo. Qual o sentido disso? Ninguém precisa disso. Quem voa mais rápido… ㅡ Taehyung faz um som de escárnio com a boca. ㅡ Que coisa irrelevante.
ㅡ Taehyung.
ㅡ Uhm?
ㅡ Para de falar.
Vejo-o espremer os lábios juntos no mesmo instante, e deixo escapar um suspiro cansado ao apoiar costas no assento. Não gosto quando as pessoas se forçam a fazer eu me sentir melhor por uma coisa que não é culpa delas. Eu estou bem com isso. Eu juro que estou. Não preciso de… seja lá o que Taehyung tentou fazer.
ㅡ OK. Foi mal. ㅡ Ele coloca o braço em meus ombros e me puxa para perto. ㅡ Onde estão as meninas? Elas foram barganhar por peras pixies com mel e até agora não voltaram.
A menção ao alimento me faz ter um pensamento aleatório. Eu o oralizo:
ㅡ Tem uma coisa na dimensão dos seres sem asas que é muito melhor que pera pixie com mel.
ㅡ Pão de queijo? ㅡ Taehyung se anima. ㅡ Olivia comprou um pra mim um dia desses, e eu juro que nunca comi algo tão maravilhoso na vida!
Eu rio, porque meu amigo é meio exagerado. Eu nego com a cabeça.
ㅡ Não. Com certeza esse tal de bolinho de queijo não é mais gostoso que algodão-doce. ㅡ Uma expressão sonhadora toma conta do meu rosto, e eu já consigo sentir um pouquinho de água na boca. Eles são tão doces e coloridos… Adoro coisas doces e coloridas. (Jungkook é uma exceção à regra.) ㅡ Uma vez dramatizei um tantinho no choro só para Jungkook sentir pena e comprar um pra mim. Eles pareciam tão deliciosos à vista, que não consegui me conter.
ㅡ Pelo visto, esse cara parece o tipo que se deixa facilmente ser manipulado por você.
ㅡ Xiu ㅡ eu peço, soltando um risinho, como se Jungkook pudesse nos escutar. ㅡ Ele não sabe disso ainda.
Taehyung me olha com uma sobrancelha arqueada e um sorriso malicioso mal-contido.
ㅡ Você é uma peste.
Eu dou de ombros como se isso fosse algo digno de orgulho.
Uma movimentação barulhenta no centro da arena chama minha atenção para baixo; estão se preparando para começar uma nova partida. Meus olhos correm para uma das áreas de entrada, e consigo visualizar as silhuetas flutuante de Rosé e Faye na multidão. A primeira se inclina para cochichar algo no ouvido da outra, e ambas caem na risada. Só podia ser: as fadas mais fofoqueiras de toda a Terra das Asas estão fofocando.
Viro o rosto para o lado.
ㅡ Para de babar, Taehyung. ㅡ E começo a rir. Rio tanto, que recebo um tapa estalado na coxa.
ㅡ Não estava babando coisa nenhuma! ㅡ Apesar disso, ele passa o dorso da mão no queixo. ㅡ Eu só estava olhando ㅡ ele se interrompe quando percebe que não tem uma desculpa pronta ㅡ... só estava olhando as coisas lá embaixo. Parece que já vai começar.
Reviro os olhos.
ㅡ Eu sei que você gosta dela ㅡ digo, olhando-o com esperteza.
Taehyung pisca e abre a boca que nem um idiota.
ㅡ Hã? ㅡ Sonso.
ㅡ Da Rosé. Você tá caidinho por ela, né? Você achou que ninguém ia perceber? ㅡ Eu rio de novo, cutucando a cintura dele com meus indicadores. Taehyung se esquiva e tenta segurar minhas mãos. ㅡ Eu consigo ver coraçõezinhos nos seus olhos toda vez que você olha para ela.
ㅡ Você está louco! Louco! ㅡ Ele enfim consegue agarrar minhas mãos. ㅡ Eu não estou gostando dela! Quer dizer, eu gosto… mas não desse jeito! ㅡ Tae bufa. ㅡ Saia da sua imaginação, Jimin, lá não é um bom lugar.
ㅡ Você fica muito feio quando mente. ㅡ Franzo as sobrancelhas para ele, chateado por não ter sua confiança o bastante para compartilhar de seus segredos. Por acaso ele acha que eu abriria o bico para Rosé assim que me confessasse que gosta dela? Fala sério. Eu não sou ㅡ qual é a palavra? ㅡ... um filho da puta.
Taehyung me encara, e vejo o exato instante em que repara no que estou sentindo. A expressão dele se atenua.
ㅡ Ah… É que ㅡ ele se interrompe e decide se arrastar para mais perto de mim. Já começo a sorrir a partir daí. ㅡ É que eu faço questão de ser tão óbvio às vezes, e ela não percebe ㅡ sua voz tem a entonação de um muxoxo.
Eu assinto, meticuloso, como se fosse um especialista em relacionamentos amorosos e estivesse analisando mais um caso.
ㅡ Ela não te dá bola.
ㅡ Poxa, sim. ㅡ Tadinho. Estou com dó dessa cara moribunda que ele está fazendo agora; as asas dele até dão uma recaída dramática. Aproveitando que ele ainda segura minha mão, começo a acariciar seu dorso com meu polegar. ㅡ Toda vez que volto de um dia com o Frederico ㅡ este é o novo humano com quem Taehyung está lidando agora ㅡ, trago algo diferente das terras humanas só pra ela, e o que recebo em troca? "Obrigada, TaeTae, você é o melhor amigo do mundo!" ㅡ conta, revoltado. ㅡ Ah, pelo amor de Deus. Eu sinto dor física.
ㅡ Mas, Taehyung ㅡ começo, cuidadoso, e mordo o lábio quando ele levanta o olhar para mim ㅡ... Seus flertes são horríveis.
Não entendo quando ele escancara a boca em um O perfeito como se tivesse escutado a pior ofensa do mundo. Ué. Eu só fui sincero. Todo mundo ama sinceridade. Bem, pelo visto até não ser aquilo que você esperava ouvir.
ㅡ Você está tentando ajudar? Espera, eu tô confuso.
ㅡ E eu menti? ㅡ retruco, enfático. ㅡ Você é muito óbvio, sim, mas seus flertes só a fazem rir, e não querer te beijar.
ㅡ Obrigado. Era desse encorajamento que eu estava precisando. ㅡ Ele tenta puxar as mãos para longe das minhas, mas eu as aperto ainda mais.
ㅡ Taehyung, o que eu estou querendo dizer é: se você quer que ela veja que você tem interesse nela além da amizade, precisa começar a ser mais explícito.
As sobrancelhas dele se comprimem e formam uma ruga entre elas.
ㅡ Ué, mas eu já faço isso. Você mesmo disse que-
ㅡ Não quero dizer nesse sentido. Eu estou falando pra você ser um pouco mais ㅡ procuro a palavra na minha mente ㅡ... sexy. ㅡ Taehyung pisca. ㅡ Sabe? Mais galanteador. ㅡ A palavra me faz pensar em uma pessoa específica. Eu começo a sorrir. ㅡ Você deveria conhecer um dos amigos de Jungkook. Ele se chama Namjoon e é um ótimo cortejador. Quem sabe ele não te daria umas aulas de como conquistar uma garota.
Estou tentando irritá-lo, claro, e consigo. Taehyung fecha a cara e puxa suas mãos com tanta força que não consigo impedi-lo. O riso que tentei prender foge para fora da minha boca assim que vejo-o fazer bico.
ㅡ Você fala como se fosse o maior pegador, né? ㅡ ele revida, revirando os olhos. ㅡ Galanteador… ㅡ e bufa. ㅡ Vê se pode…
Cobrindo a boca com a mão, tento apaziguar as coisas:
ㅡ Calma, era só brincadeira. ㅡ Recebo um olhar fuzilante em resposta. ㅡ Pensando bem, você não precisa ser bom em paquerar se você tem um rosto tão bonito assim. Olha pro Jungkook: ele não faz absolutamente nada e mesmo assim consegue arrancar suspiros das pessoas. ㅡ Eu suspiro.
Taehyung me olha.
ㅡ Esse humano é tão bonito assim, é? Você vive falando dele.
Nem escuto a última parte do que ele fala; a pergunta ativa meu modo tagarela, e eu começo a disparar um monólogo.
ㅡ Oh, se é. Nunca te mostrei uma foto dele? Ah, é verdade, é proibido. Mas você deveria vê-lo! Jungkook é um homem muito bonito mesmo. Ele é mais alto que eu, tem os ombros mais largos e peitos maiores também. Não que eu preste muita atenção nos peitos dele, mas que eles ficam marcados na camisa é verdade. Ele vive sempre tão sério, que um olhar dele causa uma sensação esquisita em você quando olha pra ele. Gosto das sobrancelhas grossas também e do fato de ele sempre usar roupas pretas e largas que o fazem parecer maior. Acho que as garotas gostam de homens como Jungkook ㅡ concluo, por fim.
Taehyung fica em silêncio. Depois:
ㅡ Tem certeza de que só as garotas?
Hã?
ㅡ Como assim? ㅡ Aí meu rosto se enche de compreensão, e eu sorrio. ㅡ Ah, claro, e os meninos também.
Por algum motivo, Tae revira os olhos e movimenta a boca como se estivesse prestes a abrir um sorriso, porém passa a língua nos lábios e se recompõe.
ㅡ Ao meu ver, parece que mais alguém quer se jogar em cima dele, mas tenho certeza de que estou louco.
Franzo o cenho. Não entendi nada do que meu amigo acabou de dizer, mas concordo com ele.
ㅡ Sim. Você deve estar cheio de abobrinhas nessa cabeça.
Quando viro para frente, vejo Rosé e Faye se aproximando da gente. Taehyung ajeita a postura ao meu lado. Ele acha mesmo que consegue enganar alguém?
Isso me faz pensar que pessoas apaixonadas são óbvias para todo mundo, menos para elas mesmas.
ㅡ Guardei seu lugar! ㅡ é a primeira coisa que Taehyung diz para Rosé quando elas param à nossa frente, dando batidinhas no espaço ao seu lado. ㅡ Vem, senta aqui.
Rosé analisa a situação.
ㅡ Mas só cabe uma pessoa. Onde Faye vai se sentar?
ㅡ Eu posso sentar nas suas pernas! ㅡ a ruiva diz. ㅡ Ou então você pode sentar nas pernas do Tae. Não é, Taehyung? ㅡ A forma como ela fez a pergunta e a forma como olha agora para ele o faz paralisar no assento. Eu, pelo contrário, sinto vontade de rir.
Faye também percebeu.
Ela olha pra mim e nós dois precisamos conter um sorriso cúmplice.
Rosé, aparentemente sem se dar conta de nada, apenas se dirige ao espaço ao lado de Taehyung e convida Faye a se sentar em suas pernas. O fato de ela nem ter cogitado a segunda opção deixa meu amigo com uma expressão de dar dó. Eu passo o braço pelo ombro dele e me arrasto até meu corpo estar colado ao seu. Minha bochecha fica rente a sua, e eu sussurro:
ㅡ Acabei de ter uma ideia incrível. ㅡ A animação presente em meu tom faz Taehyung me olhar com desconfiança. Esse garoto que se diz meu melhor amigo costuma discordar de todas as ideias que tenho por achá-las malucas e sempre fica com um pé atrás quando me vê animado demais; ele já me chamou de "doidinho da pedra", e na época eu nem sabia o que isso significava. ㅡ Quando fui à segunda casa de Jungkook, conheci a irmã dele, você já sabe, e ela me convidou para assistir ao primeiro jogo do campeonato de futebol da escola dela. Os amigos de Jungkook vão, e se eu te levar, você vai conhecer o Namjoon, e o Namjoon pode te ensinar a conquistar uma garota.
ㅡ Ai, meu Deus. ㅡ Vejo-o revirar os olhos. ㅡ Eu vou fingir que não escutei isso, Jimin, pelo bem de nossa amizade.
ㅡ Ué ㅡ fico confuso. ㅡ Ele vai te ajudar!
ㅡ Vamos assistir à corrida. Já vai começar, olha lá ㅡ ele me ignora, olhando agora para a arena.
Entendo o que está fazendo e não cedo.
ㅡ Também estou te convidando porque seria legal ter você lá e você ainda conheceria o Jungkook. Ele pode parecer carrancudo à primeira vista, mas é uma boa pessoa.
ㅡ Jungkook, Jungkook, Jungkook. É Jungkook pra cá, é Jungkook pra lá… Tô achando que você tá com saudade dele ㅡ Taehyung ergue uma sobrancelha, insinuante. ㅡ Faz quanto tempo que não viaja pra dimensão humana?
ㅡ Sete dias. Eu devia visitá-lo, mas ando muito ocupado lá na Fairying; Seokjin resolveu me encher de atividades extras. ㅡ Mas não é só por causa disso. Depois daquela noite, quando Jungkook me deixou ir tão prontamente, pensei bastante sobre nossa relação e percebi que… Mordo o lábio, ponderando se devo contar ou não a Taehyung sobre minhas conclusões. Acabo contando: ㅡ É sempre eu quem dá o primeiro passo, nunca ele.
Meu amigo me ouve e franze o cenho.
ㅡ Quero que ele me chame, que me queira lá ㅡ me sinto constrangido ao dizer isso, mas o sentimento é logo abafado por outro. Cruzo os braços e, como uma criança pirracenta, acentuo: ㅡ Não vou voltar até que ele peça.
Por estar olhando emburrado para a corrida acontecendo lá embaixo, não vejo a reação de Taehyung ao que acabei de dizer. Não preciso, entretanto, porque escuto.
Escuto o risinho divertido que ele solta.
ㅡ Você parece desiludido. ㅡ Olho pra ele com raiva. ㅡ O que foi que Jungkook fez? Ou melhor, o que foi que ele não fez?
Não me pediu pra ficar e dormir com ele.
ㅡ Nada! ㅡ respondo alto demais. Rosé e Faye se inclinam para frente e me lançam olhares confusos. Me empertigo e tento direcionar a atenção deles para outro lugar. ㅡ Olha lá! O jogo está começando. Não deveríamos estar prestando atenção? E, Tae, se não quer ir é só dizer!
Tae comprime os lábios; eu comprimo os olhos, achando sua configuração de boca muito suspeita. Parece que ele quer muito sorrir, mesmo que não tenha motivo algum para rir aqui.
ㅡ Você é a pessoa mais chantagista desse planeta ㅡ e no fim ainda sou humilhado. ㅡ E eu vou, sim. Quero muito conhecer o Jungkook, esse querido, e perguntar pra ele como ele tem te aguentado por quase dois meses. Eu o admiro.
ㅡ Você me aguenta há anos.
ㅡ Porque eu te amo. ㅡ Ele dá de ombros. ㅡ Jungkook te ama, por um acaso?
Minha testa automaticamente enruga. Não estou gostando dessa conversa. Tenho a leve impressão de que estou fazendo bico, o que só faz Taehyung se deleitar ainda mais.
ㅡ Tanto faz ㅡ eu resmungo em resposta. ㅡ Eu não preciso que ele me ame.
ㅡ Só precisa que ele sinta a sua falta ㅡ Taehyung completa.
E eu não o refuto. Porque percebo, para minha própria surpresa, que é verdade.
🦋
Eu estou há meia hora imóvel e em completo silêncio. E durante todo esse tempo, estive sorrindo.
Meu lábio inferior está levemente sensível, por causa das eventuais mordidas que dou nele para conter um riso, e Taehyung não para de me lançar olhares curiosos de sua mesa e de erguer o pescoço para enxergar o que estou segurando, mas mantenho o pedaço de papel escondido sob o tampo da mesa; não pretendo ser zoado por isso tão cedo, então Taehyung que lide com sua alma de fofoqueiro.
Acontece que ele me enviou uma carta e, por algum motivo, isso faz eu me sentir realizado. Quando contei a Jungkook sobre a forma como as fadas se comunicam com seus humanos quando estão em dimensões diferentes, ele riu de mim. Quer dizer, não literalmente riu, porque ele não é do tipo risonho, mas com certeza não achou a coisa mais genial do mundo.
Cartas não deveriam ser assim tão românticas para ele. Ou talvez ele simplesmente não gostasse de coisas românticas.
Mas, se pelo menos uma dessas opções for correta, não é ainda mais romântico o fato de ele ter escrito uma carta para mim? Será que sente minha falta?
Eu não consigo desapegar do pensamento, mesmo que ele soa absurdo. Não quando Jungkook me diz essas coisas. Eu deveria fingir que não sinto nada? Que ele não me faz sentir alguma coisa?
"Espero te encontrar hoje no meu quarto esperando por mim quando eu sair do banho, como você sempre faz."
Eu definitivamente não estou me sentindo bem.
Novamente me desfaço em um risinho desacreditado quando percebo que Jungkook parece zangado até por meio de uma carta. Consigo imaginá-lo de sobrancelhas franzidas, contrariado, se perguntando o porquê de eu estar ignorando-o por tanto tempo. "Por causa da camisa, óbvio". Ele deve achar que sou idiota. Como aquela camisa poderia ser sua favorita se ele tem várias do mesmo jeito, da mesma cor?
Eu começo a rir de novo. Taehyung me olha, e então sou obrigado a parar.
Não o vejo faz semanas e admito que estava prestes a abdicar de meu orgulho e parar logo com essa birra. Não que eu ache que estou exagerando (porque não estou), mas ficar sem ver a carranca mal-humorada de Jungkook por tanto tempo me deixou suspirando pelos cantos.
Decido que terei que vê-lo hoje. Por isso, quando já é noite e o horário mínimo para ir embora chega, me levanto da cadeira de rodinhas com um pulo agitado que a fez escorregar para longe e chamo Taehyung para me acompanhar. Ele para de digitar e, apesar de me olhar como quem vê um alienígena dançando Ragatanga de cabeça para baixo, levanta e me segue.
Eu o levo até à Sala de Transição Mágica e, uma vez lá, faço um pedido bastante incomum a ele.
Taehyung cruza os braços ao me ver hesitar.
ㅡ Você tá com cara de quem quer pedir algo… ㅡ Acertou.
ㅡ Ah, é que, bem… ㅡ Coço a nuca. ㅡ Eu queria perguntar se você ainda tem aqueles itens para realçar a beleza trazidos das terras humanas. ㅡ Lanço um olhar comprimido para ele. ㅡ Aqueles itens que eu acho que você furtou.
Taehyung faz um som esganiçado com a garganta.
ㅡ Jimin, quantas vezes eu vou ter que te dizer que eu não sabia o que era furtar antes desse infeliz acontecimento? ㅡ Ele já teve que repetir muito, mas gosto de irritá-lo. ㅡ Eu não sabia que humanos trocavam coisas por notas com números, achei que eles usavam o tipo normal de escambo; até deixei um buquê de flores Vini Jade pela maquiagem. Este é o nome da coisa: maquiagem. Por que é que você precisa disso?
Eu enrolei Taehyung de todo modo para não revelar meus reais motivos. No fim, depois de muitas falácias ditas (por minha parte), ele se convence a me entregar os itens de maquiagem. Taehyung me deixa sozinho assim que se lembra dos trabalhos que ainda tem para finalizar antes de ir pra casa, e eu me apresso para entrar no meu quartinho e fechar a porta.
Olho-me no espelho. Continuo baixinho.
Ir até Jungkook com o uniforme sem graça da Fairying não é uma opção, então me desfaço dele e procuro por um conjunto de roupas bonitas em meu guarda-roupa. As fadas artesãs vêm regularmente à Fairying, geralmente de dois em dois meses, para nos trazer novas remessas de roupas e sapatos; pego algumas das peças que elas trouxeram na última visita ㅡ uma camisa oversized branca com mangas num tom claro de roxo, uma calça jeans larga com rasgos na altura do joelho e um tênis colorido ㅡ e as visto.
Geralmente, era só de uma roupa bonita e confortável que eu precisava antes de ir visitar alguém na dimensão humana, mas agora me vejo querendo surpreender com algo novo. Nós nunca fizemos questão de usar maquiagem; nossa aparência é uma das coisas de que mais nos orgulhamos, e valorizar o que é natural é meio que nosso lema de vida. Não entendo, portanto, enquanto olho para a maquiagem que Taehyung me emprestou, o porquê de estar fazendo tanta questão disso agora.
Bem, não é nada de mais. Estou pensando muito e perdendo tempo.
Pego um dos itens da caixa de maquiagem, analisando o rótulo com uma expressão confusa. Na verdade, eu não sei como se usa essas coisas. Já vi muitos humanos com o rosto enfeitado, mas o treinamento pelo qual as fadas passam antes de se tornarem funcionárias na Fairying não nos diz nada sobre maquiagem; essa matéria não estava inclusa, apesar de eu achar que fosse bem útil.
Pego um objeto largo e fino cuja embalagem revela ser um delineador. Hm. Puxo a tampa. Acho que deveria passar no olho…? Aproximo o rosto do espelho e traço uma linha a partir do canto inferior do olho, fazendo isso de novo e de novo até que a linha fique um pouquinho mais grossa e marcada. Analiso meu próprio feito no espelho e dou um sorriso para o meu reflexo. O delineado branco ficou bonito, mas acho que falta algo.
Pego uma nova embalagem da caixa, dessa vez uma redonda, e, ao abri-la, descubro ser um frasco de glitter. Acho que não custa nada tentar dar um pouco de brilho às coisas…
Principalmente se isso for para deixar alguém levemente desconcertado.
🦋
Estar novamente em frente à portaria do prédio de Jungkook me traz uma sensação estranha de déjà vu. Foi assim naquela noite, quando o encontrei pela primeira vez. Agora, entretanto, não estou sozinho. Não está tão tarde, como estava na noite de minha lembrança, e há pessoas transitando para dentro e para fora do prédio.
Aproveito que uma mulher abre a porta para entrar e sigo-a para o salão do térreo. Apesar de ter vindo por esse caminho apenas uma vez ㅡ ir direto para o quarto de Jungkook sempre foi a opção mais prática (não é engraçado, agora, parando pra pensar, que eu tenha decidido por um caminho diferente logo quando Jungkook me pede para encontrá-lo em seu quarto?) ㅡ, não demoro a estar em frente à porta dele. Abro-a sem fazer barulho e me vejo em um ambiente ainda mais silencioso. A TV está desligada, a casa está limpa e não tenho nenhum vislumbre de Jungkook.
Com passos suaves, subo a escada e vou em direção ao seu quarto. Subitamente me sinto ansioso ao vizualizar sua porta.
Ele poderia estar brincando na carta, não é? (Se bem que Jungkook não é do tipo que faz brincadeiras…) Mas ele pode ter sido sarcástico, meu consciente replica. Sim, esse definitivamente é o tipo dele, e eu concordo.
Eu nunca fui um cara com muitas inseguranças ㅡ por causa do lance da essência das fadas e todo esse blá blá blá que já repeti várias vezes ㅡ, mas aqui, nesse instante, parado no corredor do segundo andar do apartamento de Jungkook, a poucos passos da porta do quarto dele, eu começo a ter uma discussão infrutífera e louca comigo mesmo. Meus sussurros enchem o corredor enquanto converso com a voz da minha cabeça, e minhas mãos gesticulam no ar de um jeito bem dramático.
ㅡ Vamos, Jimin, você é um homem ou um frango? ㅡ Aparentemente, um frango. ㅡ É só bater… É só entrar lá, dizer oi e esperar ele te dar um gelo. Como sempre. Mas você não liga, porque você meio que gosta disso. Ai! ㅡ dou um tapinha na minha própria testa ao perceber a confissão. Não foi de propósito, simplesmente escapuliu.
Resolvo dar alguns passos para mais perto da porta, ficando agora diante dela. Ergo a mão, mas, no último segundo, decido que vou encostar a orelha na porta para ver se escuto algo. E eu o faço, alheio a todo resto senão essa missão.
Não escuto nada.
Então eu sinto algo tocar meus quadris e resfolego quando sou girado para o outro lado. Meus pés tropeçam, por causa do susto e da imprevisibilidade da coisa, minhas asas batem freneticamente, e sou segurando com mais força. Olho pra frente, olhos arregalados e boca entreaberta.
E aqui está ele: Jeon Jungkook.
Me sinto mais calmo ao ver seu rosto familiar. Entretanto, um outro sentimento, contraditório, também entra em cena, justapondo-se ao anterior, o que me torna uma bagunça.
Quando o observo mais um pouco, percebo que ele está dando um sorrisinho, desse jeito suspeito, como se estivesse achando graça de algo. Meu rosto esquenta.
ㅡ Para um ser mágico, você não é muito sorrateiro.
O constrangimento cresce, e eu tenho o ímpeto de me encolher até esconder completamente meu rosto corado de seu escrutínio. Mas não me entrego a ele, apenas fico encarando-o de volta.
ㅡ Da onde foi que você veio? ㅡ tento camuflar o embaraço com a revolta. ㅡ Não é dessa forma que se recebe uma visita, sabe? Ainda mais se for alguém como eu.
Jungkook afrouxa as mãos em meus quadris e as afasta lentamente, e só por causa disso percebo que fiquei esse tempo todo agarrado a seus antebraços, apertando-o com força como se pudesse cair se não o fizesse. Eu o solto também, surpreso com minha capacidade de me colocar em situações constrangedoras. Minhas mãos não chegam nem perto de abarcar a circunferência de seu braço.
Sem saber o que fazer com as mãos agora livres, decido por juntá-las atrás do corpo.
ㅡ E geralmente pessoas normais pedem permissão antes de entrar na casa dos outros, sabe? ㅡ ele provoca de volta. ㅡ Mas você me surpreende. Sempre.
Sei lá. O tom como ele diz isso… Soa como se estivesse escondendo algo nas entrelinhas, algo pelo qual ele se diverte muito por eu não encontrar. Tenho que ser muito resiliente para não desviar o olhar do seu, que não me deixa escapar nem por um segundo. Eu secretamente o odeio por me causar essas sensações desconhecidas; ele deveria responder legalmente por isso. Seria justo.
Mas posso fazê-lo pagar de outra forma…
De repente, sei o que fazer. Eu estalo a língua no céu da boca e depois dou um sorriso, aproximando-me mais dele com uma passada saltitante.
ㅡ Jungkook. ㅡ O modo animado como pronuncio seu nome o leva a erguer a sobrancelha, o sorriso se desfazendo à medida que o meu aumenta. ㅡ Você está decepcionado, é isso? Por que eu não estava te esperando na sua cama quando você saísse do banho como você pediu na carta?
Agora Jungkook definitivamente não está mais sorrindo. Observo suas írises perscrutarem meu rosto ao que nos mantemos em silêncio, e me sinto ainda mais satisfeito quando ele faz isso de franzir o cenho, as marcas de expressão surgindo entre as sobrancelhas grossas e fazendo com que Jungkook pareça zangado. Ou nervoso. Eu nunca sei ao certo o que ele está sentindo. Dando luz à uma ideia ainda mais ousada, levo minha não até lá e começo uma leve massagem com o polegar na tentativa de fazê-lo relaxar.
Mesmo enquanto o toco, ele não tira o foco de mim, do meu rosto. Será que estou bonito demais, ou feio demais?
ㅡ Já falei que vai acabar criando rugas.
Minha voz parece despertá-lo do transe, finalmente.
ㅡ Vamos entrar. ㅡ Meu braço despenca miseravelmente quando Jungkook se afasta de mim para entrar no quarto. Eu o sigo, prendendo o riso, e pisco quando a luz é ligada.
Eu o vejo jogar a mochila na cama e me recosto à porta para perguntar:
ㅡ Onde você estava?
ㅡ Numa reunião com o pessoal da faculdade.
ㅡ Você parece cansado. ㅡ Lembro de outra coisa, algo que vinha me preocupando durante o tempo em que estivemos longe. ㅡ Ei ㅡ eu o chamo, meio cauteloso. Jungkook para e direciona o olhar para mim. ㅡ Você está bem?
A pergunta parece pegá-lo de surpresa e talvez por isso ele demore a responder. Espero pacientemente, tentando pescar um pouco da resposta através de seus traços, os quais eu os observo desfazendo-se da dureza para dar espaço a um sorriso.
É a segunda vez que ele faz isso: sorrir espontaneamente para mim. E, como na primeira vez, eu quero morrer contemplando esse sorriso. Ou melhor: quero viver o máximo possível para poder vê-lo mais vezes, até esquecer pelo que eu vivia antes disso.
É o quê?!
Esse pensamento me assusta. (Viu só? Eu estou Louquinho da Silva!)
ㅡ Estou bem melhor agora, Jimin ㅡ Jungkook responde, atrevido. Onde é que ele anda aprendendo essas coisas? Deve estar passando tempo demais com Namjoon. Eu reviro os olhos, mesmo querendo ceder a um sorriso. ㅡ E você? Muito ocupado?
Eu percebo o sarcasmo em seu tom.
ㅡ Ha-Ha. Por quê? Eu sei que você estava morrendo de saudades de m- ㅡ Eu paro de falar quando vejo Jungkook tirar a camisa. Aparentemente, isso é o bastante para apagar todas as minhas habilidades de linguagem.
Ele não demonstra notar, entretanto, a minha falha de sistema. E se ele não parece notar, então eu é que não vou parar de ficar olhando.
Jungkook tem um corpo muito bonito… Será que eu estou com inveja? Não, isso não parece inveja… Inveja faz você desejar tocar em uma pessoa? Ou sentir o corpo queimar apenas por observar outra pessoa?
Talvez o nome disso não esteja ainda no meu vocabulário. Vou perguntar a Taehyung.
Jungkook levanta a cabeça e pega encarando.
E por que ajo como se estivesse fazendo algo errado?
Eu me viro para a porta, morrendo de vergonha, e nem sei por que faço isso.
Mordo o lábio para descontar o sentimento.
ㅡ Ah, Jungkook! ㅡ Dou um giro para encará-lo de volta, decidido a agir como se os últimos minutos não tivessem acontecido.
ㅡ O que foi? ㅡ ele também está fazendo isso, aliás.
ㅡ Esqueci de trazer sua camisa.
Ele pega uma toalha no guarda-roupa e caminha até o banheiro, sem parar para me dirigir a atenção.
ㅡ Que camisa?
Ahá! Esse homem é um pilantra!
Estou boquiaberto.
O tempo em que fico estupefato com a informação que sua resposta deixa implícita é o tempo que leva para Jungkook findar a pouca distância que o separa do banheiro, entrar lá e trancar a porta. O fato de sua pergunta carregar uma dúvida genuína me faz querer rir até minha barriga e minhas bochechas doerem. Jungkook realmente não faz ideia de que acabou de se entregar, de que acabou de me confirmar o que eu desejei que fosse verdade, não fruto de minha imaginação fértil, regada por esse súbito apelo romântico que eu pareço sentir por ele.
Porque Jungkook não estava nada preocupado com a sua camisa, ele nem sequer lembra dela agora; ele apenas achou uma desculpa para me enviar uma carta e me fazer vir até ele.
Eu me entrego à primeira risada sincera do dia, desacreditado e muito mexido. Estou começando a acreditar que Jungkook realmente sentiu minha falta.
Bem, se esse for o caso, ele não precisava inventar desculpa nenhuma. Eu estou aqui agora; ele pode me ter pelo tempo que precisar. Por mais piegas que possa soar, eu aprecio, de verdade, nossas conversas sussurradas, os momentos silenciosos mas confortáveis que intercalam os assuntos (quase sempre iniciados por mim), seus resmungos sinceros demais, seu sarcasmo e o jeito como ele sempre se perde em meu rosto enquanto me escuta falar… Eu voltaria para isso, para viver mais um pouquinho desses momentos com ele, não importasse quanto tempo eu ficasse longe. Porque, ao mesmo tempo que a finitude disso me assusta, ela me faz querer aproveitar cada instante, como se fôssemos dois passageiros em um trem com destinos divergentes: uma hora eu terei que ir, terei que deixá-lo, e aí nos desencontraremos.
O barulho da água caindo afugenta o pensamento, e uma afirmação chega à minha mente: eu estava ficando triste. Não é bom para nossa saúde sentir tristeza, ela é um mal que corrói a alma, então decido que não darei mais aval para que ela possa se infiltrar em mim. Hoje será uma noite alegre!
Caminho até a porta do banheiro de Jungkook e me acomodo contra ela. O barulho de água que vem de lá dentro fica mais alto.
ㅡ Jungkook ㅡ chamo-o, apenas para testar o volume de minha voz.
Ele me devolve um resmungo. Dou um meio sorriso.
ㅡ Estou meio pra baixo agora, sabe… ㅡ Não é bem uma mentira, mas confesso que estou apelando um pouco. ㅡ Você pode conversar comigo enquanto toma banho? Eu gosto muito de falar, e de cantar, e de dançar, e de pintar. Reparando bem, acabei de perceber que muitas coisas me deixam feliz… ㅡ Eu paro e reflito. Aí vem uma curiosidade nova: ㅡ O que te faz feliz, Jungkook?
Ele não responde a essa pergunta. Nos minutos que se sucedem, conversamos sobre como foram os seus dias (ele fala que o trabalho na Dainty é confortável, mas que não tem muita diversão; descubro que ele toma café todos os dias na Coffe Paradise, na companhia de Namjoon, que é balconista; que Filipa agora enche seu saco todo santo dia para me levar lá de novo, "porque eu sou muito legal e fofo"; e que a reunião que ele mencionou mais cedo era sobre o jornal universitário do qual faz parte (este por acaso não é o mesmo do qual Valentina faz parte também?), e eu conto para ele como tem sido os meus. Jungkook parece ficar muito interessado pelo Festival da Corrida de Voo. Ele me pergunta se já venci alguma vez, e, assim como ele, eu não respondo a essa pergunta.
Me desvencilho da porta quando o barulho de água cessa e me apresso até a cama, recostando-me na cabeceira o máximo que as asas permitem e esticando as pernas sobre o colchão.
Jungkook sai do banheiro instantes depois, com a toalha presa na cintura, o torso molhado ostentando-se para mim. Meu olhar corre para um ponto qualquer na parede.
Tento não dar tanta atenção ao que ele está fazendo ㅡ porque obviamente essa parede é tão mais interessante ㅡ, mas minhas asas simplesmente não conseguem aquietar o facho (eu nem sei o que essa expressão dos seres sem asas significa, mas ela parece se encaixar bem nessa situação): elas sempre ficam bem animadas.
Nunca mencionei isso, mas é o que acontece.
Minha visão periférica capta Jungkook pegando algumas peças de roupa e só então eu olho inteiramente para ele.
ㅡ O que está fazendo?
ㅡ Vou me trocar no banheiro ㅡ ele responde como se eu tivesse feito uma pergunta idiota.
ㅡ Tsc. Você pode se trocar aqui; o quarto é seu.
Uma de suas sobrancelhas se ergue, e ele me olha com ar de diversão.
ㅡ Se você quer algo, Jimin, é só dizer.
Eu demoro um pouco antes de entender o que Jungkook quer dizer. E, quando finalmente entendo, decido que seria melhor não tê-lo feito.
Fixo o olhar em seu meio sorriso sarcástico e mal posso mensurar o tamanho da vergonha que estou sentindo, porque Jeon Jungkook está agora, neste momento, se divertindo às minhas custas. Eu não estava insinuando nada!
Apesar de adorar seu sorriso, o que mais quero agora é arrancá-lo do rosto dele.
ㅡ Você estava com tanta saudade de mim que está até delirando ㅡ é o que decido replicar, cruzando os braços sobre o peito. Acho que também estou com um bico enorme na boca, mas não sinto vergonha disso diante de Jungkook.
Ele dá umas daquelas suas típicas risadas sopradas, que nem sei se devem ser chamadas de risadas mesmo, porque ele apenas expira uma respiração minimamente sonora pela boca, e caminha de volta para o banheiro com algumas peças de roupa no antebraço. Viro o rosto, uma vez que estou amuado o bastante pela brincadeira e não quero vê-lo passar. Eu o espero entrar no banheiro para me desfazer da pose. Mas não é isso que ele faz.
Jungkook para no meio do caminho e, em pé ao meu lado enquanto estou sentado em sua cama, traz sua mão para perto do meu rosto. Tenho um breve instante de choque ao vislumbrar sua mão se aproximando antes de ele tocar em meu queixo.
Segurando-me assim, Jungkook vira meu rosto para ele de volta, e eu o encaro. Totalmente pego de surpresa.
ㅡ Foi brincadeira ㅡ e diz, ainda com a sombra do sorriso nos lábios finos. Não consigo responder nada, muito menos ter reação alguma. Não quando o tenho me tocando assim, erguendo meu rosto e olhando-me de cima. Sem camisa. ㅡ Hm. ㅡ Tenho a impressão de que quer dizer mais alguma coisa, mas luta contra isso ao espremer os lábios juntos.
No entanto, é com o seu franzir de sobrancelhas que percebo que perdeu a disputa.
ㅡ Você está diferente. Bonito.
E então a pior coisa do mundo acontece comigo: eu coro. Furiosamente.
ㅡ Quer dizer ㅡ ele se empertiga todo. ㅡ Você é sempre bonito, mas hoje está mais. Por causa da maquiagem e… Não. Espera… ㅡ A última coisa que ele faz depois desse alvoroço é tirar a mão do meu queixo. O rosto de Jungkook fica contorcido em uma careta encabulada, e agora ele me encara como se eu o tivesse hipnotizado e o coagido a fazer o que fez. Como se fosse minha culpa.
Juro que tento, mas não consigo evitar que um sorriso se abra em meu rosto. Quando me dou conta, minhas bochechas já estão reduzindo meus olhos a duas listras pequenas, que me impedem de ver qualquer coisa, e um riso sem jeito me escapa sem que eu tenha domínio sobre isso.
E, sério, eu não sei se é por causa de seu óbvio perfil emburrado ㅡ Jungkook sempre reage com raiva quando algo sai de seu controle, como agora ㅡ, ou por causa da minha total falta de noção, mas, durante o silêncio que se mantém intacto, eu acabo deixando um pensamento particular se tornar palavras ditas em voz alta:
ㅡ E você é fofo.
Foi sem pensar.
Mas, refletindo bem, acho que não foi uma má ideia deixá-lo ciente disso. Forço minhas pálpebras a abrirem espaço para que eu possa experienciar sua reação, e a forma como Jungkook está totalmente desmontado me traz um sentimento estranho de satisfação.
É sempre bom saber que não é só eu que sou completamente rendido por ele.
ㅡ Não sou nada. ㅡ Jungkook me dá um peteleco na testa; eu rio mais. Até parece que não gostou. ㅡ Você é fofo, Jimin.
ㅡ E bonito. Você mesmo disse.
Ele deixa escapar um som de descontentamento pela boca e me dá as costas para voltar até o banheiro. Minha risada o segue em sua caminhada e, semelhantemente, meu olhos percorrem um caminho pelas costas desnudas que se exibem para mim enquanto ele se afasta.
Como pude achá-lo fofo quando ele tem esse corpo?
Bem, é verdade que Jungkook me deixa todo… ㅡ Como dizer isso sem soar esquisito? ㅡ Molinho. Eu acabei de descobrir esta nova reação de meu corpo a ele: aparentemente, minhas pernas ficam fracas, e inúteis, e incapazes de sustentar o peso do meu corpo, que já não é lá essas coisas. Mas Jungkook consegue ser adorável mesmo assim, quando fica bravo por ceder fácil aos meus encantos. Eu gosto de vê-lo desse jeito, na verdade.
Não fico sozinho por muito tempo, pois ele logo volta, já muito bem vestido com suas roupas pretas, e começo a conversar novamente. Eu sempre fico muito engajado em minha tagarelice e é muito difícil prestar atenção em qualquer outra coisa que não seja continuar falando, mas consigo notar algo de diferente no ambiente: Jungkook está se arrumando todo.
Eu interrompo o falatório no meio de uma palavra quando o vejo arrumando o cabelo. Ele nunca arruma o cabelo.
ㅡ Ei. ㅡ Me levanto da cama e me aproximo dele. ㅡ Você vai sair? Por que está penteando o cabelo?
ㅡ Não posso mais pentear meu cabelo? ㅡ Ele franze a testa.
ㅡ Você nunca faz isso. ㅡ Imito sua expressão. ㅡ Você vai sair com alguém ㅡ não é uma pergunta. Cruzo os braços e o encaro à espera de uma resposta.
E ela vem:
ㅡ Vou.
Curta, firme e dolorosamente azeda: eu a absorvo dessa forma.
Jungkook continua ajeitando os fios de cabelo com uma concentração fora do comum, indiferente à reação que tenho à sua resposta. Eu tento não fazer uma careta para o azedume que sinto em minha boca.
Com quem?, quero perguntar, mas não o faço. Em vez disso, tiro minhas próprias conclusões.
ㅡ Por que você fez questão de me mandar uma carta pedindo pra eu vir te ver, então ㅡ acho que acabo soando mais chateado do que pretendia deixar transparecer ㅡ, se não planejava ficar comigo?
Jungkook paralisa por um instante. Ele deixa os braços caírem e gira o corpo para ficar de frente para mim, de modo que o espaço entre nós diminui ainda mais, a confusão de seu olhar chocando-se contra a melancolia dos meus.
ㅡ O quê? ㅡ Ele desce o olhar para o provável bico em minha boca.
Eu estou bravo.
ㅡ Você vai em um encontro com outra pessoa ㅡ repito, cheio de amargura. E bufo. E, inconsequentemente, confesso: ㅡ Eu vim apenas por sua causa. Porque queria ficar com você. Humpf! Eu até me maquiei pra vir te ver e vou simplesmente ser mandado embora, porque você já tem uma garota pra te entreter.
Jungkook não diz uma palavra, ele apenas fica me encarando incessantemente com uma cara de bobo. Parece ao mesmo tempo surpreso, nervoso e desorientado.
Em outras circunstâncias, eu riria disso, mas, agora, seu silêncio me deixa impaciente.
ㅡ É um garoto.
Eu não acredito. Eu não acredito que ele fez isso de propósito, porque certamente me ver assim é muito divertido.
Mordo a parte interna da bochecha, me contorcendo por dentro.
ㅡ Ah, é? ㅡ Não me importo. ㅡ Ele deve ser legal, então.
ㅡ E muito dramático e precipitado também ㅡ Jungkook completa, cheio de graça.
ㅡ Divirta-se. ㅡ Giro sobre os calcanhares, dando-lhe as costas na intenção de caminhar até a porta, mas sou impedindo antes mesmo de dar o primeiro passo.
Sinto as mãos de Jungkook se firmarem uma em cada lado do meu quadril, e ele rotaciona meu corpo com uma facilidade surpreendente, até eu estar diante de si de novo, cambaleante e impressionado com sua agilidade. Eu devo ser mesmo muito leve. Ou Jungkook é muito forte.
E, não sei por que presto tanta atenção a esse detalhe, mas é a segunda vez que ele me segura pelo quadril hoje. Sua pegada sólida nessa parte do meu corpo me deixa fraco e quente.
Quando miro seu rosto, percebo-o sorrindo.
ㅡ Eu estava falando de você.
Não entendo.
ㅡ Fala sério, Jimin ㅡ ele resmunga, revirando os olhos. ㅡ Foi mal por isso, mas você tá mais pra um burrinho do que pra uma fada. ㅡ Como é que é?! ㅡ É com você que eu vou sair. Se quiser. ㅡ Por último, Jungkook afasta as mãos do meu quadril.
Eu afrouxo as minhas em seu ombro e as afasto também. Não sei o que fazer com elas.
ㅡ Ah ㅡ é o que sibilo, corando. ㅡ Não sou dramático nem precipitado. Você sequer fez um convite.
ㅡ Te chamei pra vir hoje.
ㅡ Porque queria que eu devolvesse sua camisa.
ㅡ Cadê ela, então?
ㅡ A única coisa que você queria era me ver e eu estou aqui.
Jungkook finalmente se cala.
Tenho que admitir que sou muito bom em deixá-lo sem palavras.
Seu olhar me sonda por alguns instantes, e ele logo volta a arrumar o cabelo em frente ao espelho, quando se dá conta de que não tem como refutar a verdade.
Dou um sorriso vitorioso e recosto o quadril na cômoda, cruzando os braços. Por pura implicância, fico observando-o incessantemente em silêncio, porque gosto de olhar para ele ㅡ principalmente quando está concentrado ㅡ, e não demora muito para seu semblante tornar-se carrancudo.
ㅡ O que é que tá olhando? ㅡ Meu eu de um mês atrás reclamaria desse tom, mas o meu eu de hoje o adora.
ㅡ As mexas do seu cabelo formaram um coração! ㅡ digo, tocando nelas.
ㅡ Grande coisa.
ㅡ Sabe, Jungkook… ㅡ Por que estou falando arrastado? ㅡ Você não precisava se preocupar tanto em arrumar seu cabelo assim. Eu gosto dele bagunçado.
Ele franze a testa.
ㅡ E eu gosto de você sem maquiagem.
Oh.
Diante da surpresa, eu solto um risinho constrangido e direciono minha atenção às mexas frontais de seu cabelo que, juntas, ainda formam um coração. Meio absorto, como se suas palavras tivessem em mim efeitos alucinógenos, eu não percebo quando eu mesmo começo a ajeitar os fios de seu cabelo, acariciando-o com a ponta dos dedos.
Jungkook não me interrompe; ele deixa que eu adentre as mãos em seu cabelo e pentei-o para trás e que eu brinque de fazer um moicano apenas para rir dele. Por fim, eu bagunço sua cabeleira até ter de volta ser típico penteado desalinhado, do tipo que entrega que ele nem fez questão de pentear e deixou que secasse naturalmente. É o que Jungkook sempre faz.
Nós só saímos dessa bolha silenciosa e confortável em que nos metemos quando o celular dele começa a tocar. Vejo o nome de Namjoon na tela, e Jungkook se afasta de mim para atender a ligação. Aparentemente, estamos muito atrasados, é o que ele diz depois que seu amigo desliga, e a pressa causada por essa constatação é o que faz Jungkook pousar a mão em minhas costas e me arrastar para fora do apartamento.
É só quando já estamos dentro de um carro que me lembro de perguntar:
ㅡ Pra onde vamos?
E Jungkook responde:
ㅡ À uma festa.
🦋
Eu não fazia ideia de como é uma festa até Jungkook me levar para dentro dessa casa. Ele está segurando minha mão desde que saímos do carro, porque, pelo visto, "nesse tipo de coisa é fácil se perder". Não entendi muito bem, mas não estou reclamando. Minha cabeça se contorce para assimilar todo canto da residência enquanto Jungkook me leva para dentro. Tem pessoas do lado de fora e nos degraus que levam até a porta, conversando e rindo alto. Todas elas seguram uma latinha na mão e algumas até fumam cigarro.
Faço uma careta para esse último, lembrando instantaneamente de Rosé e sua sensibilidade quanto a isso.
Uma vez que estamos dentro, escuto apenas barulho e seguro ainda mais firme a mão de Jungkook ao me deparar com tanta gente. Ele caminha na frente, desviando dos corpos à medida que parece procurar por alguém. Enfim, sua busca cessa quando avistamos Yoongi balançando as mãos para nós de onde ele, Namjoon e Hoseok estão reunidos em um balcão, cada um com uma latinha aberta na mão.
Jungkook me puxa ainda mais e não demora muito para que nos aproximemos.
ㅡ Ei! ㅡ Hoseok é o primeiro a nos cumprimentar. Rindo, eu bato minha palma contra a sua e em seguida faço o mesmo com Yoongi e Namjoon.
ㅡ Woah, parece que faz muito tempo que a gente não te ver, baixinho de cabelo azul. ㅡ Eu acho que Namjoon tem alguma obsessão pelo meu cabelo. E também acho que já está bêbado, porque quem fala "woah" em uma conversa casual sem estar bêbado? ㅡ Quando foi a última vez mesmo? Ah! Aquela do cinema…
Yoongi fala alguma coisa, mas, como não entendo nada de Língua de Sinais, não entendo. Preciso pedir a ele que me ensine algumas palavras. Na verdade, parando para pensar, nunca demonstrei interesse nisso antes, mas agora vejo que gostaria de poder conversar com ele sem ter essa barreira de comunicação nos impedindo.
ㅡ O que ele disse? ㅡ acabo perguntando. Yoongi aponta para mim e em seguida para Jungkook e faz um sinal e uma expressão icônicos. ㅡ Ah… ㅡ sibilo, rindo envergonhado.
ㅡ É, vocês pareciam meio brigados aquele dia ㅡ Hoseok diz. ㅡ Tavam fazendo um esforço imenso para não se olharem… ㅡ Ele ri e toma um gole de um líquido direto de uma latinha. ㅡ Quem bom que estão bem agora. Jungkook nunca nos apresentou ninguém novo antes, mas agora ele vive te levando pra cima e pra baixo. Não é, Jimin?
ㅡ Eu gosto. ㅡ Dou de ombros.
ㅡ Ele gosta ㅡ Jungkook enfatiza.
ㅡ Gosta de festas também? ㅡ Namjoon pergunta, gritando por causa da música alta. Ele apoia um braço nos ombros de Yoongi, que cambaleia, e seu sorriso tem esse quê frouxo que revela sua embriaguez. É um pouco cômico.
Se eu gosto de festas? Essa é a minha primeira vez na vida vindo à uma festa e, para falar a verdade, não é com minhas próprias impressões que estou encucado agora. Eu olho para esse ambiente, barulhento e cheio, e me pergunto se Jungkook gosta disso. Não parece algo de que ele goste.
O pensamento me faz virar o rosto para ele. Eu presto atenção em suas feições, em sua postura, e percebo que ele não gosta. Ele parece incomodado. Eu me pergunto por quê.
Volto meu olhar para Namjoon.
ㅡ Não vejo nada de mais ㅡ digo, por fim.
ㅡ Então vamos mudar isso daí. ㅡ Namjoon se desvencilha de Yoongi e grita para ninguém em específico para trazer mais uma "latinha" ㅡ é assim que ele fala, uma latinha, e eu nem sei o que isso significa.
Fico animado. Gosto quando descubro coisas novas sobre o mundo humano; eles sempre têm algo a mais para revelar. Vejo uma moça bonita tirar a tal da latinha de um freezer e jogá-lo para Namjoon. Ele a agarra e oferece para mim com um sorriso presunçoso.
ㅡ Toma aí. Para começar a noite.
ㅡ Ele não vai beber isso. ㅡ Todos nós nos viramos para Jungkook quando ele fala. Eu franzo o cenho em sua direção, mas ele nem me olha enquanto afasta a bebida de volta para o amigo.
Passo o olhar por cada um deles quando percebo a tensão. Jungkook não está com uma cara muito boa… Se bem que ele é assim o tempo todo.
Com um risinho sem graça, eu me viro para Namjoon.
ㅡ Eu nunca provei, na verdade.
ㅡ Qual é, Jungkook. Você não manda no garoto ㅡ Namjoon me ignora.
Esse tom… Não gosto da forma como ele fala com Jungkook. E não acho que ele esteja mandando em mim.
ㅡ Ei, cara, você já tá bêbado? ㅡ Hoseok se intromete. ㅡ É melhor a gente deixar isso pra lá.
ㅡ Eu tô de boa ㅡ Namjoon garante, desviando do olhar incessante de Jungkook sobre ele. Eu estou boiando. ㅡ Só não acho legal que o Jungkook queira que todo mundo faça o que ele quer. Deixa o garoto experimentar. ㅡ Ele novamente empurra a latinha para mim. ㅡ Divirta-se.
O meu "não, obrigado" é abafado pela voz de Jungkook quando ele fala de novo.
ㅡ Eu já disse que ele não vai beber isso. ㅡ Dessa vez, seu tom é mais agressivo, rouco, e eu mal posso acreditar quando ele pega a bebida e a empurra contra o peito de Namjoon, a força colocada no movimento fazendo-o cambalear para trás.
Isso é… Isso é, bem, um pouco chocante.
Yoongi dá um passo adiante e faz como se quisesse dizer que eles têm que se acalmar, e Hobi também oraliza um "Ei, ei, relaxa" com um tom pacificador, mas nem Jungkook nem Namjoon está olhando para eles ou sequer escutando-os. Não digo nada, porque não estou entendendo nada.
Não entendo qual é o problema. Então apenas assisto.
ㅡ Qual é o seu problema, Jungkook? ㅡ Namjoon grita. Ele está muito bêbado. Yoongi põe a mão em suas costas para apoiá-lo.
ㅡ Eu não quero discutir. E você sabe qual é o problema. ㅡ Ele franze as sobrancelhas com força e olha para Namjoon com mais intensidade ainda. A última vez que o vi com tanta raiva assim foi por minha culpa. Saber que dessa vez não sou o culpado não me deixa mais confortável.
Namjoon revira os olhos e bufa.
ㅡ Você tem que superar isso, porra. ㅡ Os outros protestam de novo e posso ver a tensão na mandíbula de Jungkook aumentar. Mas Namjoon não se dá conta, ou não liga, porque ele continua: ㅡ Ninguém tem culpa das merdas que ele fez. Nem todo mundo é igual ao seu pai.
Essa é a gota d'água.
Eu não entendo o porquê, mas eu posso perceber que essa foi a coisa errada a se dizer. Yoongi e Hoseok parecem furiosos com Namjoon, mas nenhum deles se iguala à bagunça que é Jungkook agora. Ele cerra os punhos com força ao lado do corpo e fica uns instantes em um silêncio irritado. Quero fazer alguma coisa para acalmá-lo, mas vê-lo assim me intimida, me faz acreditar que ele me rejeitaria. No fim, não faço nada.
ㅡ Vai se foder, Namjoon. ㅡ Ele se vira e começa a caminhar de volta para fora.
Eu fico encarando suas costas, até que a multidão dançando na pista improvisada o engole. Estou em pânico. Não sei o que fazer. O que devo fazer?
Olho para os três à minha frente, meio que esperando por uma resposta à pergunta não feita.
ㅡ Puta que pariu, Namjoon. Você é um filho da puta.
De repente, tenho certeza do que fazer.
ㅡ Eu já vou indo.
Não ouço reprimendas. Na verdade, não ouço nada além desse som alto pra cacete e dos meus pensamentos mais altos ainda. Sinto que essa é a coisa certa a se fazer, por mais que eu não conheça os seres humanos tão bem assim e não faça ideia de como lidar com seus sentimentos negativos ㅡ nota mental: solicitar um manual de como cuidar de um humano em apuros ㅡ, sei que ele precisa de alguém agora. E eu prometi a ele ser essa pessoa (não exatamente dessa forma, para esse tipo de contexto, mas eu prometi tentar compreendê-lo, e ele me prometeu deixar que eu o fizesse. Espero que cumpra a promessa).
Encontro-o sentado no meio-fio a alguns metros longe da casa. Ele tem os antebraços apoiados no joelho e a cabeça baixa.
Ele está mal.
E então tenho essa impressão instantânea de que ele está sempre assim. Jungkook está sempre mal. Ele está sempre triste por alguma coisa.
Eu odeio isso. Caraca. Eu realmente odeio isso.
Um sentimento maior que o receio me ganha, e eu me aproximo dele em passos firmes. Sento-me ali, ao seu lado, e me arrisco a tocar suas costas com a palma da mão. Ele não levanta a cabeça.
ㅡ Hey ㅡ eu sopro. ㅡ Você está triste? ㅡ Eu estou.
ㅡ Tô com raiva ㅡ Jungkook retruca.
ㅡ Bom… ㅡ Penso no que dizer. ㅡ Não sei como fazer você parar de sentir isso, mas posso te dar um algodão-doce. Ou uma maçã do amor. Ou amendoins com sabor de estrela-cadente. Doces animam qualquer pessoa, até alguém com apelido de Zangado.
Jungkook ergue a cabeça para me lançar um olhar. Eu lhe devolvo a atenção com um sorriso.
ㅡ Amendoins com sabor de estrela-cadente?
Eu sabia que ele iria perguntar! Jungkook é tão curioso…
ㅡ São a segunda melhor coisa que existe. Você quer provar?
ㅡ E qual a primeira?
ㅡ Algodão-doce, oras ㅡ digo, com um tom de obviedade. ㅡ Agora… ㅡ Agarro a mão dele com uma das minhas e em seguida posiciono o punho da outra sobre sua palma. Faíscas de pó mágico começam a jorrar por entre meus dedos e, quando enfim abro a mão, a palma de Jungkook já não está mais vazia. Ele fica encarando as pequenas sementes reluzentes que não estavam ali antes. ㅡ Amendoins com sabor de estrela-cadente. Prova.
Nós passamos os próximos minutos discutindo sobre o sabor dos amendoins, mas noto que Jungkook não está prestando muita atenção na conversa. Eu entendo. Nós nos levantamos para voltar para casa, e durante o caminho todo ele parece estar aéreo, tanto que nem se dá conta de que passo esse tempo olhando para ele, vigiando seu humor.
Até agora, ele não mudou nada.
Essa é a primeira vez que fico em silêncio por vários minutos a fio ㅡ com exceção das horas em que estou dormindo.
Ele chega ao prédio, eu entro com ele. Quando chegamos ao apartamento 190, também sigo seu passos porta adentro. E então ápice da noite acontece.
Há alguma coisa de errado com o pai de Jungkook. A sala está suja, mais do que costuma estar. Há garrafas vazias na mesinha de centro. Espera. Tem outras quebradas pelo chão também. Uma mancha grande no tapete chama minha atenção. Jungkook está desesperado.
Eu fico imóvel enquanto todo o resto acontece, aturdido: Jungkook tentando segurar o corpo trôpego e inquieto de seu pai. Os pedidos de desculpa, o choro e o balbuciar de "ela vai casar" que o homem solta ao tentar se desvencilhar dos braços que tentam segurá-lo. A forma como Jungkook o chama insistentemente, como se tivesse despertando-o de um sonho ruim. A forma como ele parece prestes a chorar.
Eu tento chegar mais perto.
ㅡ Jungkook, eu posso-
ㅡ Vai embora, Jimin! ㅡ Eu levo um susto com o grito. Ele xinga, sem perceber o que acabou de fazer, e tenta tomar a garrafa ainda cheia da mão do homem. Ele consegue.
ㅡ Eu só quero ajudar ㅡ tento outra vez, dando mais um passo. O pai dele finalmente cede aos seus esforços e o deixa carregá-lo.
ㅡ Não tem nada que você possa fazer, Jimin, porra. ㅡ Ele fecha bem os olhos e respira fundo, e posso ver o que está tentando evitar. Quando as pálpebras se abrem, porém, há um brilho diferente em seus olhos. Lágrimas. ㅡ Só me deixa cuidar disso sozinho. Por favor.
É um pedido sincero, e eu posso respeitá-lo.
Assinto veementemente e giro os calcanhares para a abrir a porta e depois fechá-la atrás de mim. E, assim como pediu, vou embora. Só espero que Jungkook saiba que ainda vou voltar.
Tenho certeza: eu sempre vou voltar por ele.
|||
Oi...
A última vez que atualizei foi ano passado, eu nem sequer lembro o mês, então obrigado a quem esperou mais de 7 meses por uma atualização e leu essas 10K de palavras. Amo meus totais de 10 leitores. Aqui pra vcs 👉💜
Notas aleatórias sobre o capítulo:
Amei descrever o Jimin com o delineado branco invertido de Like Crazy. Ele ficou divino, e eu quis trazer isso pra fanfic.
Chorei escrevendo que o Jungkook tava triste, porque meu bichinho só tomou bomba nesses 11 capítulos já escritos. Tenho que ver isso aí.
Achei que a última cena ficou muito curta, mas não teve como desenvolver melhor e como eu sempre imaginei ela na minha cabeça porque foi o POV do Jimin, e ele não entende muito dessas coisas. Vou desenvolver melhor no próximo!
O que vocês acharam?
Obrigada pela leitura, pelo voto e pelos comentários. Prometo não demorar 7 meses pra postar a próxima att kkk
Anyways, stream em seven!
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