9. Era uma vez em Lagoinas.
Como previ: eu não consegui mesmo parar de pensar naquilo — "aquilo", também conhecido como Jungkook sorrindo para mim.
E, ah, é uma vista deveras agradável a dele desse jeito.
Eu também não paro de sorrir. Há uma euforia crescente dentro de mim que me faz ficar cheio de devaneios, como alguém sonhando acordado, enfeitiçado por causa de uma simples lembrança.
Preciso confessar: tenho quase certeza de que dormi com um sorriso desenhado no rosto. O dia pareceu tão mais brilhante quando acordei e olhei pela janela… As borboletas pareciam dançar uma coreografia graciosa e sincronizada, as flores estavam mais floridas, imitando a primavera das terras humanas, e, não sei por que, mas elas estavam cheirando melhor hoje.
"Jimin, você quer… sair comigo amanhã?"
Enquanto tomava banho em minha banheira de pedra natural, eu suspirei pateticamente para o nada e me afundei ainda mais na água com fragrância de peônias. A pergunta me pegou tão de surpresa que comecei a rir, e Jungkook ficou sem entender nada, com aquele franzir de sobrancelhas típico dele.
— Depende — eu disse, agitado por causa do entusiasmo. — Você vai me levar pra ver aquela estátua enorme de um homem pedindo um abraço em cima de um morro?
A careta confusa de Jungkook se intensificou. Eu me levantei num salto e, de frente para ele, imitei a tal da estátua que um dia vi na TV de um humano.
— Ela é assim, Jungkook, olha. — Ajeitei a postura e abri bem os braços ao lado do corpo. — É sério que você nunca viu? — Impossível.
E então Jungkook exalou um som risível e olhou para mim com cara de quem estava prendendo a risada.
Ué?
— Jimin — ele chamou.
— Hm?
— Você está falando do Cristo Redentor?
Eu nem sabia que a estátua tinha um nome!
Fiquei um pouco embaraçado porque, na verdade, o monumento é uma representação de uma figura bíblica importante e não de um homem qualquer (e ela não está pedindo um abraço, como sempre achei que estivesse). No fim das contas, acabei descobrindo que não é para lá que Jungkook vai me levar.
É para um lugar muito melhor. É por isso que estou tão animado desse jeito, como se estivesse indo ver aquele pináculo elegante de ferro que tem lá em Paris.
Cantarolando, eu rodopio enquanto seguro uma camisa pelo cabide. Eu precisei de um tempo mais longo do que o normal para escolher o que vestir hoje, já que, pelo visto, ser chamado para sair por Jungkook fez coisas estranhas comigo. Eu estou querendo estar bonito, o que é deveras curioso, considerando que eu nunca exigi tanto assim da minha aparência antes.
De frente para o meu espelho emoldurado em folhas, eu me balanço sobre os calcanhares numa dança improvisada. Acho que gostei de mim assim: a blusa social é de um rosa pastel delicado e, devido ao tecido, ela é quase transparente (de um jeito nada indecente, só para deixar claro). O short é da mesma cor, o que faz parecer que estou com um conjuntinho. Eu desço as vistas para o sapato com a meia aparecendo, depois subo para as mãos quase desaparecendo na barra da camisa larga, para a gravata frouxa meramente decorativa, e decido que estou satisfeito.
Por último, eu só coloco a boina de Jungkook e passo minha fragrância de camomila no pescoço e atrás das orelhas. O ritual de transição de sempre vem em seguida, com o estalar de dedos sendo o ápice de todo o processo.
Jungkook me disse ontem, depois de longas horas de conversa sussurrada — a gente combinou de sussurrar depois de lembrar que seu pai tinha nos escutado da outra vez. E foi bom conversar baixinho com ele; pareceu um segredo só nosso (e a ideia de ter algo só com Jungkook é perturbadoramente atraente) — no chão do seu quarto, que eu podia ir diretamente para lá. Bom, desde que não chegasse muito cedo, disse ele. Acho que quis evitar que eu o visse só de toalha de novo.
Quando eu chego, ele é a primeira coisa que meus olhos captam. Jungkook está, hm, acabando de vestir uma camisa. Eu ainda consigo ver bons segundos do seu tronco antes que a camisa o cubra. Ele me lança uma olhada como se estivesse consciente disso e desvia sem dizer nada.
Eu faço bico. Jungkook nem me disse oi.
Mas não fico chateado de verdade. Eu entendo que esse é o jeitinho dele: do tipo que não demonstra afeto facilmente. E acho que ele deve gostar, sim, de mim.
Bem, pelo menos um pouquinho… Talvez. Eu notei que Jungkook olha muito para mim (ele faz isso praticamente o tempo todo, com um olhar distante, achando que não vou perceber sua atenção queimando em meu rosto). Isso tem que significar alguma coisa.
Jungkook começa a colocar algumas roupas dentro de uma mochila em cima da cama. Eu me aproximo e sento no colchão, perto dele. Mesmo que esteja um pouco curvado, ainda está em pé e, portanto, maior que eu, então preciso erguer o queixo para olhá-lo no rosto.
Sorrindo, eu começo a falar.
— O que está fazendo? — Balanço as pernas, sem conseguir conter a euforia.
Jungkook não me olha nem uma vez.
— Às vezes você faz perguntas muito óbvias — ele naturalmente resmunga. — Isso tem a ver com a natureza das fadas ou alguma coisa assim?
Eu solto uma risadinha.
— Jungkook — pausa —, isso se chama puxar conversar — eu uso minhas mãos para formar um arco-íris imaginário no ar enquanto falo as duas palavras num tom dramático. — Você tem que me deixar fazer perguntas óbvias às vezes. Para o nosso bem.
Jungkook faz careta. Eu presto atenção na forma como ele está, abre aspas, arrumando, fecha aspas, suas coisas dentro da mochila. Se "arrumar" significa enfiar as coisas de qualquer jeito assim, sem o mínimo de delicadeza, então Jungkook está fazendo um ótimo trabalho.
— Por que para o nosso bem? — ele pergunta.
— Você nunca é o primeiro a falar, oras! Em todas as vezes, sou eu quem fala primeiro. Por exemplo, agora. Eu acabei de chegar e você nem me deu oi ou um bom dia. — Cruzo os braços.
Ao ouvir isso, ele para de jogar as coisas na mochila, vira o rosto para me encarar — finalmente — e diz:
— Oi. — O levantar rápido da sobrancelha e o repuxar dos lábios num sorriso torto deixam claro que Jungkook está debochando. Ele sempre faz essa cara quando está sendo sarcástico.
O tipo de coisa que me deixaria muito contrariado antes. Mas não agora. Acho que já estou me acostumando com essa maneira dele de interagir com as pessoas.
Eu não fecho a cara nem reclamo; eu sinto o bico cênico em meus lábios se transformar em um sorriso incontido, daqueles que vão tomando seu rosto aos poucos, até entregar suas reais emoções. Em questões de segundos, eu perco completamente a pose fingida.
— Vou me certificar de ser o primeiro a falar da próxima vez — Jungkook continua, no mesmo tom jocoso de antes, caminhando para longe da cama. — Vou te perguntar como foi a viagem.
Ele me olha sobre o ombro apenas para mostrar aquela cara de novo.
Eu reviro os olhos, dando risinhos por achá-lo bobo, e deixo minhas costas caírem sobre o colchão.
Jungkook está com um humor melhor hoje. Ele está até fazendo graça! Fico me perguntando se essa mudança repentina tem um pouquinho a ver comigo.
Que loucura. Eu estou mesmo muito doido.
Fitando o teto, exalo um suspiro sonhador ao perceber que eu adoraria que tivesse. Me pego desejando ser o motivo dos seus sorrisos bonitos, desejando vê-lo sorrir para mim de novo… Eu viro o rosto para observá-lo de onde estou e tiro proveito de sua distração para secá-lo (acho que essa é uma ótima expressão das criaturas sem asas para descrever o que estou fazendo agora) sem correr o risco de que ele veja minhas bochechas corando.
Eu nem sei por que isso tem que acontecer. Não faz o menor sentido. Jungkook me encara, e eu fico quente? (lê-se com tom de revolta.)
Outro suspiro.
Jungkook está todo casual hoje, usando um shorts preto de tecido fino, com as cordinhas do cós aparecendo abaixo da barra da camisa. Ele puxou as mangas longas até o cotovelo, deixando à mostra a pele pálida dos antebraços com trilhas de veias visíveis que findam no dorso das mãos. A peça é folgada o bastante para não entregar nenhum contorno do abdômen, mas eu ainda consigo perceber o relevo formado pelos peitos dele e a corpulência dos ombros.
Quando Jungkook comprime os lábios juntos, alheio à minha contemplação, uma covinha aparece em sua bochecha. Ela é tão charmosa que, em conjunto com as sobrancelhas franzidas e as mechas lisas do cabelo pinicando o maxilar acentuado, me prende ainda mais na figura dele.
Eu de repente me lembro da pergunta que Namjoon me direcionou naquele dia enquanto voltávamos do teatro. O pensamento culmina em outro: eu lembro da resposta que se passou pela minha cabeça e fico tão chocado comigo mesmo, com minha própria mente traiçoeira, que disparo o olhar para o teto de novo, desesperado.
Puta merda, eu praguejo mentalmente, incapaz de formular o porquê de estar pensando nessas coisas… indevidas.
Preciso conversar com Taehyung urgentemente. Ele conhece os humanos melhor que eu e vai saber me dizer o que Jungkook está fazendo comigo. Deve ser algum tipo de superpoder intrínseco à espécie. Sei lá. Algo como uma hipnose.
Ele vai ser a primeira pessoa que irei procurar quando chegar em casa.
Ainda estou olhando fixamente para o forro do teto quando Jungkook volta para perto de mim. Ele joga uma última coisa dentro da mochila preta e desliza o zíper para fechá-la; o movimento chama minha atenção para ele.
Aleatoriamente, recomeço o assunto depois do longo tempo de silêncio:
— Enfim — Jungkook prende a bolsa em apenas um ombro e olha para baixo, para mim, ainda deitado em sua cama. — Se não fosse por mim, isso aqui não teria dado certo — eu aponto o dedo para nós dois.
Ele me perscruta por algum tempo, passando os olhos ligeiramente por outras partes além do meu rosto, e remexe os ombros quando volta a fixá-los mais em cima.
— Vai ficar aí?
— Eu não me importaria. Sua cama é confortável e seus lençóis têm um cheiro bom. — Viro o rosto e dou uma fungada bem descarada. — Eu poderia ficar aqui pra sempre. — Aí eu me encolho e fecho os olhos, me acomodando naquele espaço como o bom folgado que sou.
Eu estou brincando, claro. Mas o quarto se enche de um silêncio constrangedor à medida que o tempo passa e Jungkook não fala nada, nem um resmungãozinho sequer, ou aquele som rouco e arrastado que ele faz quando está com raiva.
E só então me dou conta: minhas palavras soaram um pouco insinuantes. Até pra mim.
Eu abro os olhos, miro Jungkook e a única coisa que faço é rir. Aparentemente — e espero que esteja muito aparente mesmo —, estou rindo da minha própria fala, porque claro que foi uma piada. Mas a verdade é que estou rindo de vergonha.
Jungkook não precisa saber dessa parte.
Ele ergue a sobrancelha num gesto inquisitivo, cheio de confusão, o que me leva a pensar que minha risada sem graça não é nem um pouco persuasiva. Como se não quisesse pensar sobre isso, Jungkook limpa a garganta e reforça:
— A gente precisa ir. O embarque é daqui a uma hora, mais ou menos.
Eu esqueço de toda a vergonha ao ouvir a palavra "embarque". Ergo o tronco de ímpeto e encaro Jungkook com olhos arregalados.
— Peraí… Você disse embarque? — Meu corpo começa a se encher de excitação. — Nós vamos viajar de avião? — Eu vou voar?
Jungkook franze o cenho.
— Claro que não. É de trem.
Um pouco de todo o frenesi vai embora, mas não o suficiente para me fazer murchar. Eu me agarro ao fato de que nunca viajei de trem e nunca vi um de perto, só algumas vezes na TV (na Terra das Asas, há um programa de entretenimento que documenta fatos curiosos relacionados à dimensão humana; foi em um dos episódios que vi um trem pela primeira vez). Me recordo de ter ficado deslumbrado pela estrutura deles — parecem uma minhoca gigante rastejando pela cidade!
E agora vou viajar em um. Com Jungkook. Indo para a segunda casa dele.
Me sinto adorável.
— Nós podemos ir agora. — Fico de pé.
Jungkook me observa ir até a porta, sem me acompanhar.
Quando estou com a mão na maçaneta, pronto para girá-la, ele recorda, com espanto:
— Agora que lembrei: você não tem uma passagem nem documentos para comprar uma.
Faço um gesto de desdém.
— Jungkook, eu sou um ser místico. Não tem nada que eu não possa fazer com um estalar de dedos.
🦋
Jungkook e eu viemos a pé até a estação porque ele disse que gosta de caminhar. Como também apreciei a circunstância para observar melhor a cidade, não reclamei do longo tempo que passamos caminhando.
Eu vi alguns prédios parecidos com o de Jungkook nas ruas pelas quais passamos, sem muitos andares e de aparência antiga; casas modestas e casas nem um pouco modestas lado a lado, deixando o cenário todo desarmônico; lojinhas com vitrines de vidro; uma quantidade exagerada de papelarias (o que me deixou confuso); pessoas bem vestidas provavelmente indo trabalhar e moleques de 12 anos correndo descalços pelas calçadas.
Todo mundo é tão diferente aqui… Isso me deixou um pouco encantado.
Comentei isso com Jungkook, e ele entoou um hm atencioso. Essa foi a deixa de que eu precisava para começar a falar sem parar. Jungkook me deixou tagarelando sozinho, mas pelo menos não me oprimiu com um olhar zangado ou me mandou calar a boca.
Quando chegamos à estação, Jungkook me interrompeu ao se colocar na minha frente para perguntar como eu, com meus "dotes mágicos" (palavras do próprio), planejava arranjar documentos de identificação para comprar uma passagem.
Ele parecia preocupado; eu, presunçoso.
— Não vou fazer isso na frente dessas pessoas. — Com o olhar, indiquei o montante de gente. — É rápido, mas chamaria muita atenção devido ao pó mágico que sempre emerge durante um encantamento.
Jungkook espremeu os lábios juntos, e mais uma vez visualizei a covinha charmosa na bochecha.
— Tem que ser só nós dois — eu ponderei, girando em meus calcanhares para olhar ao redor. — Tem algum lugar aqui onde a gente possa ficar sozinho?
Jungkook pensou mais um pouco. Depois de um tempo, ele agarrou meu pulso e se limitou a dizer:
— Banheiro. — E começou a me puxar para acompanhá-lo.
Foi assim que acabamos os dois espremidos em uma das cabines minúsculas de um banheiro igualmente minúsculo. Jungkook estava tão notavelmente curioso sobre como eu iria fazer isso, que nem hesitou em entrar comigo quando me isolei naquele lugar; ele simplesmente o fez como se a questão já tivesse sido discutida e tivéssemos decidido que ele estaria junto. A porta da cabine estava fechada, mesmo que qualquer pessoa que entrasse no banheiro conseguisse ver dois pares de pés por baixo dela e concluísse que não poderia se intrometer.
Enquanto Jungkook se encostava casualmente à porta para me assistir com o cenho franzido de concentração, eu fiz a minha mágica. Nada de muito complexo ou pomposo: apenas um simples cantarolar de um feitiço ritmado e um gesto delicado com o dedo indicador erguido. O movimento da minha mão causou faíscas de brilho no ar, as quais se expandiram ainda mais quando apontei para a tampa do sanitário. Havia um documento de Jungkook lá (precisei dele para que meu feitiço de clonagem funcionasse).
E funcionou.
Eu comemorei como uma criança recebendo doce, e Jungkook fingiu não estar impressionado. Quando comecei a caçoar da cara dele, fui puxado de volta para fora do banheiro até a bilheteria da estação para comprar a passagem. Só faltavam dez minutos para o embarque.
No fim das contas, deu tudo certo; o homem careca que nos vendeu o bilhete não desconfiou do meu documento falso, apesar da quantidade razoável de pó mágico azul manchando o papel.
O trem é tão emocionante quanto imaginei que seria. Meus olhos passearam por todo o local enquanto Jungkook nos guiava até os assentos. Ele deve ter percebido o brilho fascinado em meu olhar, porque me deixou sentar no lado da janela.
Nesse momento, estou fissurado na vista passando como um borrão quando Jungkook chama meu nome.
— Jimin.
— Hm? — Eu viro o rosto para ele, ao meu lado, e me deparo com sua presença próxima demais.
— Você está brilhando.
Hm?
Minha cara deve se contorcer toda em confusão, porque Jungkook logo explica:
— Na sua testa. — Esclarecedor. — Tem… — Ele mesmo se interrompe. Jungkook aperta as sobrancelhas juntas como se ponderasse algo muito intensamente e então, no que parece ser a conclusão a qual seus pensamentos levaram, ele traz a mão para perto do meu rosto e me toca.
Meu olhos acompanham o percurso da mão dele, e, quando sinto os dedos de Jungkook roçando minha testa, meu corpo todo reage com uma tensão imediata. Mas só por um instante, porque depois eu passo a apreciar o toque suave.
Interessante. Ele tem mãos fortes, mas o jeito como massageia minha testa me faz querer sorrir, não recuar.
Mesmo quando afasta a mão, eu ainda tenho que me esforçar para não parecer animado demais.
— Isso aqui. Na testa. Sua testa. Tinha isso — ele se atrapalha todo ao falar, fazendo uma careta logo depois.
Mordo o lábio para conter o riso.
— Ah, é o pó mágico. — Vejo Jungkook limpar o dedo na camisa, consequentemente deixando uma parte do tecido com pontinhos azuis reluzentes. — Não sei como veio parar aqui. — Eu solto um risinho afetado, passando a mão em minha própria testa. Olho para minha palma manchada e uma péssima ideia se forma em minha mente.
Eu miro Jungkook, que está estranhamente focado na poltrona da frente, e minha expressão se enche de malandragem quando, imitando o que fez comigo, eu toco seu rosto. Só que na bochecha.
A reação imediata dele é se esquivar. Naturalmente, eu também o faço, mas estou rindo. Eu encolho os ombros em inocência quando Jungkook se vira para mim e ergue a sobrancelha.
— Agora a gente está combinando. — Eu sorrio ainda mais.
Não consigo ver nada quando sorrio desse jeito, porque meus olhos se fecham completamente, encobertos pelas bochechas e as pálpebras. Mas quando o sorriso diminui e meus olhos abrem uma brecha, eu esbarro em Jungkook ainda me encarando com uma expressão distraída.
Viu? É disso que eu tô falando. Ele me olha assim o tempo todo.
Eu estalo os dedos diante dele, despertando-o do pequeno transe.
— O quê? — Jungkook pisca, me fitando de cara feia dessa vez.
— Você estava viajando… — acho graça.
Ele franze o cenho, vira o rosto para frente de novo e me ignora.
— Bem — há um toque de humor em sua voz quando começa a falar —... Eu estou viajando.
Dou uma gargalhada sincera, surpreso e fascinado por Jeon Jungkook fazendo piada.
No silêncio que se segue — não um silêncio absoluto, porque ainda consigo ouvir o murmúrio das rodas sobre os trilhos —, eu me distraio com pensamentos enquanto examino Jungkook por um tempo. Os traços do rosto dele estão suaves hoje, tranquilos, sem a tensão e o cansaço que carregavam ontem quando apareceu no corredor. Eu franzo o cenho, desconfortável, quando lembro de como ele não parecia bem. Foi angustiante. Pior do que vê-lo com raiva.
Viro o rosto para a janela, pensando em outra coisa. Sem querer, enquanto esperava no corredor, acabei ouvindo a conversa de Jungkook com seu pai. Ouvir conversas alheias é anti-ético, eu sei. Mas eu não tenho culpa de ter nascido com uma boa audição. Além do mais, o apartamento é pequeno, eles estavam falando um pouco alto e eu cheguei numa péssima hora. Cogitei ir embora e voltar depois, mas aí o pai de Jungkook falou algo que chamou minha atenção, e meu lado bisbilhoteiro venceu.
Ele tocou em um nome. A mesma garota de quem os amigos de Jungkook estavam falando. A que tem uma queda por ele.
Eu não sei por que não gostei de saber disso. Só não gostei e ponto.
Agora, imagina só: eu passei duas semanas com a certeza de que Jungkook me odiava, de que nunca mais iria querer olhar para mim, tocar em mim, falar comigo. Então quando ouvi seu pai dizer que o viu de mãos dadas com ela, a garota, e que ela deu um abraço nele, eu me senti ainda mais triste.
Não uma tristeza egoísta; uma tristeza cheia de culpa. Não por ter feito aquelas coisas com outra pessoa — não era isso —, mas porque eu estava certo de que, depois de tê-lo magoado e ofendido, Jungkook nunca faria aquelas coisas comigo.
Era horrível ter consciência de que eu, logo eu, podia me sentir tão pequeno. Se meu chefe ficasse sabendo da minha burrada, ficaria desapontado comigo.
Eu também não compartilhei nada com meus amigos. Estava muito envergonhado e tive medo de que suas reações me deixassem ainda pior. Rosé com certeza iria ficar triste e Faye me olharia com julgamento.
Eu cheguei até a pensar em como Arlo reagiria! Argh! Aquela mariposa insignificante se encheria de júbilo e encheria também o meu saco todo santo dia.
Resmungando, eu decido parar de pensar sobre ele, e minha mente traiçoeira acaba voltando para o tópico Jungkook e Sua Colega de Curso Que Tem Uma Queda Por Ele.
Fico imaginando os dois juntos. Será que ele é diferente com ela? Tipo, mais carinhoso, mais aberto… Talvez eles sejam até íntimos um do outro. Eu não sei. Eu não sei quase nada sobre Jungkook.
Automaticamente, meu olhar deixa a janela para focar na figura dele, que está distraído jogando um joguinho no celular.
— Hm… — eu murmuro, como quem não quer nada, mas há um diabinho em minha mente me atormentando para perguntar.
Jungkook nem parece ouvir.
Eu inflo as bochechas e batuco os dedos em minhas coxas. Jungkook me lança uma espiada.
Tento de novo, dessa vez olhando para ele.
— Então… Como foi seu encontro com a menina da sua turma, a Valéria?
Um pensamento perpassa minha mente: será que eles dois… Como é que os humanos jovens falam mesmo? Deram uns amassos?
Jungkook me olha, surpreso.
— O quê?
Dou de ombro, fingindo despretensiosidade.
— Você disse que ela iria até a sua casa. Então… Vocês se divertiram? — Me sinto patético.
Jungkook fica me encarando por mais tempo, com uma cara confusa, até perguntar:
— Você tá falando da Valentina?
Valentina. Valéria. Tanto faz. É tudo a mesma coisa.
— Sim. — Eu dou uma risada encabulada pelo erro. Em seguida, franzo o nariz numa careta. — Valentina é um nome estranho, não é? Parece nome de uma tia velha, não de uma pessoa jovem. Estou presumindo que ela deve ser jovem, já que estuda com você. Mas esse nome não combina nadinha com ela — comento. Eu gosto de julgar os nomes dos humanos, que nem fiz com o menininho Raimundo. — Ela é legal com você?
Jungkook não responde de imediato; ele parece ocupado demais me encarando como se eu fosse um enigma.
— Não foi um encontro.
— Hm?
— Você perguntou como foi o nosso encontro. Não teve encontro nenhum.
— Ah, não? — eu estreito os olhos.
— Não. Eu nunca disse que seria um encontro, só que ela iria na minha casa — ele soa meio aborrecido quando diz isso. Sua atenção volta para o jogo no celular, que estava pausado. — Não teve nada de romântico envolvido. Eu não enchi minha cama de pétalas de rosas nem a pedi em casamento, se quer saber.
Eu dou um sorriso discreto. Por algum motivo, me sinto satisfeito. Viro o rosto para a janela.
— Nem ficou de mãos dadas com ela? — Pronto. Perguntei. — Tipo, isso é romântico também… — Olho para ele, curioso sobre sua reação. Jungkook está de cenho franzido. — Você não acha?
— Hm — ele murmura, distraído. — Não. Depende da pessoa, eu acho. — Seu olhar viaja até o meu por alguns instantes. — Por que estamos falando disso?
— Eu achei que gostasse dela também — ignoro a pergunta.
— A gente mal se fala — Jungkook resmunga. — Eu nem sei por que ela gosta de mim.
Ah, fala sério.
Sinto um sorriso travesso crescer em meu rosto ao que me viro para observá-lo todo concentrado no celular e relaxado no assento. Ele não precisa fazer o mínimo esforço para seduzir as pessoas; Jungkook é alto, forte, tem o cabelo bonito e ostenta essa aura de garoto marrento e misterioso que deixaria qualquer um com vontade de desvendá-lo e ser desvendado por ele também.
Eu acho que entendo Valentina. Completamente.
Esquadrinho seu corpo e reviro os olhos em desdém. Não é possível que ele não saiba o porquê de ela gostar dele.
— Está sendo modesto, Jungkook. Você tem um charme. Essa sua cara de sério e o olhar intimidante deixam as pessoas afetadas. Não a culpe por isso; a culpa é toda sua.
Ele para de jogar na mesma hora. Fico esperando de braços cruzados para ver qual será o seu argumento, muito certo de que não há nada que possa dizer para me contestar. Jungkook desce as mãos para as coxas, tendo pausado mais uma vez o jogo, e vira o rosto para mim. Ele deita a cabeça no assento, o que o faz parecer mais imponente, e arqueia a sobrancelha num gesto aquisitivo que me deixa em alerta.
— Eu deixo as pessoas afetadas?
Faço que nem ele e deito a cabeça no assento.
— Isso é óbvio. — Reviro os olhos, ainda sorrindo. — É só se olhar no espelho.
Jungkook parece querer dar um sorriso, mas se impede de fazê-lo quando aperta os lábios juntos. De repente, ele está sério — ou finge estar —, e contempla todas as partes do meu rosto antes de soltar:
— Eu deixo você afetado?
Algo de errado acontece com meu cérebro nesse instante: ele não responde. Eu simplesmente paro de funcionar por cinco ou seis segundos. Depois disso, eu finalmente tenho alguma reação.
O engraçado é que minha reação já é resposta o suficiente para sua pergunta: eu pisco, meu sorriso vacila, e eu solto uma risadinha meio forçada como se alguém tivesse contado uma piada sem graça e eu me sentisse obrigado a rir.
Jungkook continua me encarando — e continua sério. Eu me recuso a desviar o olhar, mesmo quando minha mente grita sim para a pergunta.
— Jungkook, eu não sou que nem as outras pessoas. Você sabe, sou mágico — digo, um tanto convencido. Mas é tudo fingido. — Minhas emoções funcionam de uma forma diferente. Você precisaria de muito mais pra provocar em mim alguma coisa.
— Aham. — Jungkook move o olhar para minhas bochechas. Quando o ergue para mim de novo, há uma sombra de um sorriso zombeteiro em sua boca quando fala: — Tô vendo.
Eu estou quente. Quer dizer, minhas bochechas estão, e elas parecem determinadas a me entregar.
Irritado, não só pela minha transparência como pelo fato de que Jungkook está muito entretido com isso, eu aperto ainda mais meus braços cruzados contra o corpo e endureço a expressão.
— O que foi? — eu o afronto.
— Nada. — Ele se volta para o celular, ainda com um sorrisinho irritante no rosto. — Mas — quando fala novamente, Jungkook fica sério —, respondendo ao que disse antes, não é porque uma pessoa gosta de mim que eu vou gostar dela também, Jimin. As coisas não funcionam assim. — Como em um conto de fadas, eu completo em mente. — Valentina é legal, mas não é… o meu tipo de pessoa.
Esquecendo a irritação, me sinto curioso e tentado a perguntar qual o tipo de pessoa é o dele então, mas não o faço. Ao invés disso, pergunto:
— Ela não é bonita?
Jungkook tira a atenção do jogo por um segundo apenas para me lançar um olhar desacreditado.
— Ela é.
— Hm. Muito bonita?
— Jimin…
— Bonita como… — paro para pensar. — Bonita como uma fada? Bonita como eu?
— Tsc. Ninguém é tão bonito quanto você.
Uau.
Jungkook nem deve ter percebido o que disse, já que está tão concentrado no celular. Mas eu com certeza não conseguiria ignorar suas palavras nem que me esforçasse.
Ele me elogiou? Tipo… Jeon Jungkook, o Zangado, acabou de me elogiar? Eu não sabia que um elogio poderia me fazer sentir tão radiante até estar experimentando isso agora. Única e exclusivamente porque foi ele.
Ah… essas coisas se revirando no meu estômago estão me deixando muito confuso.
— Obrigado — o agradecimento sai quase como um sussurro, mas meu sorriso não é nem um pouco tímido. — Você está sendo muito gentil hoje, Jungkook. Não dá nem pra te chamar de Zangado desse jeito.
Ele emite um som emburrado.
— Está reclamando?
— Não. Longe de mim. Eu gosto de você assim também.
Depois disso, não conversamos muito mais. Ele continua vidrado em seu joguinho, e eu, cansado de só ficar olhando pela janela que nem um bobo, resolvo me aproximar mais de Jungkook para espiar o que está fazendo de tão interessante. Sorrateiramente, deslizo para perto dele, deixando nossos ombros se encostarem.
Eu faço uma careta desgostosa para o que está jogando. Não é nem um pouco agradável; é de ficar atirando nos outros e roubar coisas, pelo que pude perceber. O volume de seu celular está no mudo, o que achei bastante conveniente, considerando que o barulho dos tiros iria incomodar as pessoas, inclusive eu.
Em algum momento, me levanto para ir ao banheiro. Quando estou de volta, Jungkook não parece mais estar jogando (acho isso porque ele não segura mais o celular na horizontal). Ele ergue o olhar para mim, e eu permaneço sendo o foco de sua atenção até estar sentado novamente. Faço o mesmo que ele, esperando que diga o que quer dizer.
— A viagem vai demorar mais um pouquinho… — ele fala como quem se desculpa. — O que você quer fazer?
Acaba que escolhemos assistir um filme enquanto esperamos o nosso ponto chegar. Jungkook tira seu computador e os fones de ouvido da mochila, coloca o primeiro sobre as coxas e me oferece um dos fones para eu encaixar no meu ouvido. Admito que a ação me comove mais do que deveria. Gastamos um bom tempo tentando escolher um título (ele e eu gostamos de coisas muito diferentes; dá para perceber isso até pelo forma como a gente tá se vestindo: Jungkook todo de preto, e eu de rosa), mas ele enfim sucumbe aos meus pedidos/choramingos quando o lembro de que filmes de terror me fazem chorar.
Dessa vez não teria nenhuma coisa doce o bastante para sanar minhas lágrimas, lembrei-o disso também.
Todo pomposo pela vitória, me escoro em Jungkook para ter uma visão melhor da tela enquanto as primeiras cenas começam. É um romance. Se chama Diário de uma paixão. Jungkook disse que, mesmo não sendo de terror, esse filme me faria chorar de qualquer forma. Não acreditei nele.
— Se eu chorar, vou enxugar as lágrimas na sua camisa.
Não enxugo minhas lágrimas em sua camisa. Eu durmo em seu ombro.
Acordo com leves tapinhas no braço. Jungkook está sussurrando alguma coisa perto do meu rosto. Mesmo grogue, fico consciente do hálito dele resvalando em minha bochecha e isso me arrepia inteiro, de um jeito bem gostosinho.
O sono todo vai embora quando identifico que o que ele está dizendo é que a gente já chegou. Não consigo me recordar do momento em que dormi, mas sei que não cheguei a assistir nem metade do filme. Queria ter assistido mais para provar para Jungkook que eu não iria chorar. Ele estava tão certo disso, que foi quase como um dever meu mostrar o contrário.
Enfim. Jungkook pendura sua bolsa de novo nos ombros e me leva para fora do trem. Há um instante em que as pessoas se amontoam que nem formigas no corredor, ansiosas para sair, com suas bagagens cheias num espaço limitado, e eu preciso segurar a camisa de Jungkook para não acabar me afastando dele. Quando já estamos longe de toda a bagunça e fora do trem, solto sua camisa para caminhar ao seu lado.
Mais uma vez me dou conta do quão bom é estar aqui, nessas circunstâncias, com Jungkook. Isso me faz questionar se não sou mesmo uma ótima fada-madrinha, apesar dos erros que cometi com ele, com a pessoa de quem eu mais deveria cuidar. Ao divagar sobre isso, me dou conta de uma outra coisa, algo o qual tinha me fugido da memória até agora. E, dessa vez, o pensamento me deixa triste em vez de feliz: isso, estar com ele, não vai durar pra sempre.
Olho para Jungkook no momento em que o pensamento perpassa minha mente. Nossa. Eu estou tão cativado assim nele? Jungkook é o humano com quem mais estou passando tempo; os anteriores sempre eram substituídos depois de uma semana, porque eram fáceis de lidar. Eu nunca tive chance de me apegar a eles, nunca nem cogite isso!
Mas com Jungkook é diferente. Ele me faz querer ficar aqui por mais tempo. Estranho.
Volto a olhar para frente quando alcançamos a rua. Se me lembro bem, o nome dessa cidade é Lagoinas. Jungkook me contou que é aqui onde sua mãe mora e que já viajou pra cá várias vezes. É bem bonita. De alguma forma, parece mais limpa e mais clara que Malvales. A rua onde estamos agora é pavimentada por bloquetes geométricos, não asfalto, e há muitas cafeterias e restaurantes nos arredores. As pessoas conversam e comem em mesas postas nas calçadas, o que acho interessante. Também parece ter mais transeuntes aqui do que em Malvales.
Jungkook e eu nos esgueiramos pelas calçadas e a todo instante precisamos nos esquivar para não esbarrar em alguém. É divertido estar aqui. Eu nunca experimentei algo tão trivial desse jeito.
Quando reclamo do calor, Jungkook para em uma sorveteria.
— Qual sabor você quer? — ele me pergunta quando já estamos em frente ao balcão.
— Por que a gente não faz assim: você escolhe o meu, e eu escolho o seu?
A atendente dá uma risadinha. Eu olho para ela e sorrio também, arteiro. Jungkook franze as sobrancelhas, mas não reclama. Isso me diverte ainda mais, porque sei que ele teria me dado uma resposta azeda se não tivesse ninguém olhando.
No fim, Jungkook escolhe um picolé sabor tutti-frutti pra mim ("porque combina com a sua roupa", é o que responde quando lhe questiono), e eu, só para provocar, escolho o de limão pra ele. "Porque combina com você", respondo quando Jungkook devolve a pergunta.
À medida que a gente caminha, o centro vai ficando para trás e os estabelecimentos vão sendo substituídos por casas. Estou comentando sobre tudo que vejo e tudo que penso e estou feliz por Jungkook não estar reclamando. Não menti quando disse que ele está mais gentil hoje; ele até parece interessado no que estou falando!
— Chegamos.
Olho para casa, mastigando o último pedaço do picolé. É uma construção simples, mas muito bonita. Tem dois andares, telhado aparente e uma parte mais larga que presumo ser a garagem.
Lembro de Jungkook me dizendo que ninguém estaria em casa, porque todas elas têm compromisso nesse horário.
— Elas sabem que você trouxe alguém? — pergunto, subitamente nervoso. Estamos em frente à porta. Jungkook esboça um sorrisinho enigmático enquanto mete uma chave na fechadura.
— Elas nem sabem que eu estou aqui.
— O quê?
— É surpresa. Faz um mês que não venho e minha mãe já tá acostumada comigo chegando do nada.
OK. Então quer dizer que sua mãe e sua madrasta não sabem que ele trouxe uma pessoa estranha consigo para dentro da casa delas. OK. Isso me deixa nervoso.
— Mas… — perco até a fala, frustrado. — Elas nem me conhecem!
— Pensei que gostasse de conhecer gente nova. — Contei isso pra ele ontem.
— Bem, é verdade. — Jungkook abre a porta e nós entramos. — Mas é a sua mãe. — Tudo bem. Nem eu entendo o porquê de tanto drama. É só que pensar que ela não sabe que eu existo e que estou aqui é demais. Não no bom sentido.
Jungkook prefere ignorar o que digo. Eu o sigo até a sala, percebendo que o chão é revestido por madeira e o espaço é bem amplo. Algumas partes da parede são de vidro, o que permite a entrada livre de luz natural, e não há divisória entre a sala e a cozinha. Parado no mesmo lugar, súbita e surpreendentemente acanhado, eu observo Jungkook ir até a cozinha, abrir a geladeira e pegar uma jarra de água.
Agora que finalmente estou aqui, me sinto estranho.
Jungkook percebe. Ele vem até mim. Mas só para pegar o palito do picolé que ainda estou segurando e ir jogar no cesto de lixo.
— Hm. — Eu giro sobre os calcanhares, bisbilhotando o ambiente. — Sua casa é bonita.
— Jimin, por que você tá esquisito?
Paro e decido me aproximar de onde Jungkook está. Olho para ele. E acho que dá pra perceber que estou apreensivo porque fico mordiscando o lábio com os dentes e mexendo nos dedos das mãos.
— E se ela não gostar? — em fim, pergunto.
Jungkook franze o cenho.
— Ela quem?
— Sua mãe.
— Não gostar do quê?
— De mim, oras. E se sua mãe não gostar de mim?
— Minha mãe gosta de todo mundo. Impossível ela não gostar de você, do jeito que você é.
Fico curioso com essa última parte.
— Como eu sou?
— Todo sorridente.
Eu sorrio ao ouvir isso.
Talvez Jungkook esteja sendo sincero, mas ainda não estou completamente convencido.
— Vou só deixar a mochila no quarto. Espera aqui.
— OK.
Não ouso mexer em nada enquanto Jungkook desaparece escada acima. O fato é o seguinte: estou um pouco intimidado pela situação. Estar na casa de Jungkook e o encontro iminente com a mãe e a madrasta dele… Ah… É animador mas inquietante também.
Ouço os passos de Jungkook voltando do quarto e me apresso para aprumar a postura. Eu estive balançando em meu próprios pés e cantarejando enquanto o esperava.
Eu lhe lanço um sorrisinho. Ele se aproxima e, sem parar a caminhada, ergue o rosto para dizer:
— Vem comigo.
Sou guiado para uma parte mais ao fundo de casa; acho que estamos indo ao quintal. Não tenho certeza. Mas a questão não importa quando, no meio de uma área ampla que se abre assim que passamos por uma porta, vejo uma piscina. E, nossa, mesmo que o espaço não seja nada natural, ainda assim é muito bonito.
— Uau, Jungkook… Por que você não mora aqui? — viro para ele, realmente curioso.
Ele sopra uma risada.
— Boa pergunta.
Nem preciso que me convide para eu tomar a liberdade de chegar mais perto da beirada, me agachar e mergulhar minha mão na água. Está fria, como eu esperava que estivesse. A luz do sol queima em minhas costas enquanto navego a mão pela água, formando ondinhas.
— Seria muito melhor se tivessem peixinhos — comento, sorrindo, e levanto o olhar para Jungkook. E então fico surpreso com a imagem com a qual me deparo: ele está tirando a camisa.
Uma fala iminente morre na minha garganta e eu aperto os lábios juntos ao perceber que estava de boca aberta.
Em silêncio mas interessado, assisto a camisa deixar o seu corpo, bagunçando os cabelos ao passar pela cabeça, e ser jogada no chão logo depois. Jungkook também tira os tênis com os pés, chutando-os para longe quando se livra deles. Um pouco encabulado, levanto e fico sem saber o que fazer e para onde olhar.
No momento, minha mente traiçoeira está muito determinada a me fazer focar em uma só coisa (mas é claro que eu não vou dar esse gostinho pra essa sem-vergonha!).
Que perturbação.
— Você vai entrar? — pergunto, pateticamente, porque ele logo depois se joga de cabeça na água, fazendo respingos salpicarem partes do meu corpo.
Só fico olhando enquanto Jungkook emerge e afasta o cabelo molhado da testa. Ele está com um sorriso tenro no rosto, e isso já é o bastante pra me amolecer inteiro.
— Você não? — ele devolve, bem-humorado.
— Ah… — sibilo, decepcionado. — Eu não trouxe roupa de banho. E, além do mais, não sei se sua mãe iria gostar.
Jungkook revira os olhos.
— Para de pensar tanto na minha mãe. — Seus olhos descem para meu corpo e ele veste uma expressão concentrada. — É só tirar a roupa.
Nem ele parece certo disso, imagina eu. Desvio o olhar, sentindo minhas bochechas corarem, mas depois me volto para Jungkook de novo. Cruzo os braços.
— Não vou tirar minha roupa, Jungkook — sentecio, como se essa fosse uma ideia incabível.
— Tá, então — ele coça a nuca, parecendo desconfortável —... Não tem, tipo, um feitiço pra isso ou alguma coisa assim?
Claro que tem. Tem feitiço pra tudo (menos para conjurar emoções e virtudes, como eu já deixei claro, e dinheiro, porque isso seria um ato fraudulento que geraria muitos problemas pra sociedade, problemas que nem com magia conseguiríamos reverter), mas não adiantaria de nada. Eu não quero uma sunga, muito menos aquelas roupas de borracha que grudam no corpo todo, ou um calção.
Decido não me importar tanto com essa questão e foco em outra.
Me agacho para tirar os sapatos e as meias e depois a boina da cabeça.
— Você quer que eu entre? — Sento na beirada, mergulhando as pernas na água. A superfície bate na panturrilha.
— Jimin — seu timbre e o olhar que me lança parecem uma advertência. Gosto quando fala meu nome assim.
— Tá. — Mordo o lábio, hesitante. — Jura que sua mãe não vai se importar de me ver aqui? Nem sua madrasta? Estou me sentindo um pouco enxerido… Você não pode me culpar por isso. Acho que já disse isso várias vezes, mas tenho a impressão de que elas não vão ter a melhor das reações se chegarem agora e verem um completo estranho tomando banho na piscina delas, mesmo que esse estranho em questão seja alguém convidado diretamente pelo filho d- — Consigo ouvir um resmungo e o meu próprio grito de espanto antes de ser puxado e afundar completamente na água.
Demora um pouco para que, dentro d'água, eu chegue à conclusão de que Jungkook me puxou. A percepção me deixa com raiva, não só por causa do óbvio, mas porque eu sei que ele fez isso para me impedir de continuar falando. É tão desagradável quando me interrompem! Eu sou intolerante à censura!
Por isso, a primeira coisa que faço quando subo não é nem esfregar os olhos ou tirar o cabelo da cara, é dar um empurrão no ombro de Jungkook. E eu coloco todas as minhas forças nesse único ato, pode apostar, assim como faço questão de gritar seu nome com raiva.
— Você me puxou!
— Você tava falando demais.
Olho para ele com o intuito de parecer irado — porque estou mesmo —, mas Jungkook está rindo.
É instantâneo: meu corpo relaxa, a raiva evapora, e eu de repente não me importo tanto assim por ter sido puxado para a água. Na verdade, parando pra pensar, até aprecio o contexto atual. Estamos próximos, ele tá sem camisa e molhado (não sei por que isso é relevante de se listar agora) e está sorrindo de novo.
O sorriso de Jungkook é lindo. Os dois dentes da frente são relativamente maiores e se destacam entre os demais, como os de um coelho.
Tenho uma ideia. Começo a espirrar água no rosto dele para fazê-lo parar de ficar sorrindo desse jeito pra mim. Jungkook junta os lábios e fecha os olhos para se proteger dos jatos de água que lanço nele.
— Ei — chama, dando passos para trás. Ignoro, rindo.
Ele tenta a todo custo se livrar dos meus ataques, virando de costas, mudando de lugar, mas eu sempre dou um jeito de acertá-lo com a água, usando magia. Até que chega um momento em que Jungkook parece verdadeiramente irritado e, ao invés de se afastar, caminha para frente, para perto de mim.
Como não sou bobo e tenho senso de autopreservação, mergulho com um grito quando Jungkook estende os braços para me agarrar. E aí começa mais uma disputa infantil da nossa parte — que nem aquela guerra de pipoca na casa de Hoseok —: eu fugindo, e ele tentando me pegar. O mais divertido de tudo — que nem naquela guerra de pipoca na casa de Hoseok (de novo) — é que só eu estou rindo; Jungkook está com suas típicas sobrancelhas franzidas, rosnando de frustração de vez em quando, sempre que escapo de seu alcance.
Já cheguei à conclusão de que ele é competitivo.
— Há quanto tempo sua mãe mora aqui e não com você? — pergunto, um tempo depois, quando demos uma trégua na brincadeira. "Trégua" porque eu ainda estou o evitando; estou de um lado da piscina, e ele do outro, bem longe de mim.
— Há seis meses — ele não hesita em responder, o que interpreto como uma permissão para continuar falando sobre isso. — Ela sempre quis ter uma casa própria. Sabe, como essa. Mas sempre moramos em apartamento, desde que eu era criança. Acho que meu pai nunca deu real atenção pra esse desejo dela.
Observo minhas mãos flutuando na superfície da água, pensando no que dizer a seguir. Não quero me meter tanto na sua vida — ele já deixou claro que não quer isso —, mas sou uma pessoa curiosa.
— Já vi seu pai. — Jungkook ergue uma sobrancelha, inquisitivo. — Uma vez. Na primeira vez em que falei com você. Ele é policial?
— Guarda de trânsito.
— Vocês se parecem. Digo, na aparência.
Jungkook maneia a cabeça como se achasse o fato irrelevante.
— Ele não fala mais com sua mãe?
Jungkook não responde nem me olha. Fui longe demais?
— Ele fala muito dela, na verdade. — Ele ri, sem humor. É um riso triste. Me arrependo de ter perguntado. — Mas, não. E é melhor assim. Minha mãe não precisa dele pra nada.
Percebendo como o ânimo dele mudou totalmente com o assunto, decido fazer seus pensamentos focarem em outra coisa.
— Já faz um tempo que estamos aqui e sua mãe ainda não chegou… Com o que ela trabalha, aliás? Costumo criar uma imagem pré-determinada de uma pessoa antes de conhecê-la de verdade, e eu penso na sua mãe como sendo uma advogada chique e renomada, daquele tipo de gente que anda de salto e terninho até dentro de casa. Acertei? — Dou um sorriso enérgico e esperançoso, chegando ao ponto de dar pequenos pulinhos na água.
— Não — Jungkook responde, seco.
Eu murcho, chateado comigo mesmo. Não é possível que eu realmente estraguei o clima com aquela conversa sobre os pais dele. Poxa, isso parece mesmo absorver todas a energia positiva de Jungkook e só deixar a parte ruim… Ele está totalmente emburrado agora, sem nenhum traço de plenitude como esteve hoje mais cedo. Devo estar com uma cara péssima, porque definitivamente estou me sentindo péssimo.
Decido que vou mudar isso.
Começo a me aproximar dele (que se dane a brincadeira). A água deixa meus passos lerdos e pesados, mas tento ser o mais rápido possível. Quando já estou aqui, a apenas três ou quatro palmos de distância de seu corpo, dou um sorrisinho tímido e me atrevo a cutucar sua barriga. Talvez eu deva lhe fazer cócegas e ver o que acontece.
— Jungkook — chamo, mesmo sem ter nada para dizer. Presto atenção em suas expressões.
Espera aí. É impressão minha ou Jungkook está prendendo um sorriso?
Ah, ele está… Merda. Acho que entendi.
— Isso foi fácil. — Mas entendi tarde demais.
Antes que eu possa me afastar ou mergulhar, Jungkook é rápido em me prender entre seus braços, me virar de costas e puxar meu corpo ao seu encontro. Tudo de uma vez. Um resfolegar deixa minha boca; ele não se importou em ser delicado.
Eu falei que ele é competitivo; óbvio que iria querer vencer até em uma brincadeirinha ridícula como essa.
— Te peguei — diz, perto da minha orelha, soando presunçoso.
Apesar da derrota, começo a rir da posição em que estou agora, imprensado entre seu corpo e seu selar firme. Dou risada também das minhas tentativas falhas de me soltar dos braços dele ao mesmo tempo em que agito minhas pernas sob a água, como se isso fosse ajudar de alguma forma. A parte engraçada é que eu nem estou tentando de verdade.
Novamente sinto coisas desconhecidas se revirando em meu estômago, e é bom.
É tanta coisa me tirando o foco agora que nem ouço passos se aproximando. É só quando uma nova voz se faz presente que a bolha na qual Jungkook e eu estivemos até o momento estoura.
— Arranjou um namorado, maninho?
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Quem é vivo sempre aparece, né?
Olá! Como vocês estão?
Aposto que ninguém desconfiava que o Jungkook tem uma irmã kkkkk surpresa! Ela vai ser apresentada no próximo capítulo, assim como a mãe e a madrasta dele. Quem tá animado pra conhecê-las?
E sobre o capítulo de hoje: gostaram? Eu to amando escrever a evolução dos jikook, to louca pra chegar na parte do chamego logo porque sou emocionada (e já pensei em muita coisa boa, muita boiolice).
É isso. Espero que tenham gostado mesmo do capítulo, eu demoro porque quero dar o meu melhor. Obrigada a todo mundo que espera 💜
Considerando o tempo que passou entre a att anterior e essa (dois meses), talvez o capítulo 10 demore o mesmo tanto pra ser postado. Não sei, mas caso isso aconteça, então a próxima att seria daqui a dois meses, ou seja, em 2023. Com isso, já vou adiantando aqui o meu feliz natal e feliz ano novo pra todos vocês! Que passem essas datas junto das pessoas que vocês amam, compartilhando momentos felizes 💜
E tchau. Até a próxima att! 😘
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