4. Era uma vez uma vida de merda.
Eu acho que tem alguma coisa errada comigo.
Não que essa seja uma problemática recente, mas esses dias eu venho passando mais tempo pensando nisso.
Sabe quando algo que você faz ou pensa parece tão maluco e impensável, que você começa a questionar a validez das suas faculdades mentais e a duvidar que exista mais alguém no mundo com o seu mesmo "problema"?
Você olha para os lados e se pergunta por que as outras pessoas estão tão plenas quando tudo o que você mais deseja é um pouco dessa plenitude.
Eu só... Eu só estou divagando sobre isso esses dias.
Ociosidade é algo que não combina comigo. Estou tentando, com sempre, estar dando a desculpa "vou estar ocupado" e "estou ocupado" para quaisquer brechas de tempo livre que a rotina posso me dar; eu as dispenso como dispensaria um maldito besouro zumbido ao pé do meu ouvido. Não posso me permitir liberdade para pensar demais.
E, droga, eu já estou fazendo muito isso.
Passo metade da semana trabalhando no artigo para o jornal, vou para o meu estágio na Dainty, estudo para a faculdade, termino e inicio alguns trabalhos do curso, tomo café todas as manhãs com meu amigo e apenas entro em casa quando chega a hora de dormir. Às vezes, quando tenho sorte, meu pai ainda está trabalhando ou já está dormindo quando chego. Às vezes, o encontro jogado no sofá assistindo algum filme de ação de qualidade de imagem duvidosa. Eu não sei por que ele insiste em assistir filmes no Youtube se temos Netflix.
Quando pede, faço companhia e assisto com ele, com Eureka deitada sobre minha barriga.
Em uma dessas noites, eu acabo pegando no sono no sofá. Sonho com libélulas de asas brilhantes que falam.
— Eu acho que tem alguma coisa errada comigo — falo para Namjoon quando ele se aproxima do balcão com seu bloquinho de notas em mãos, na manhã seguinte.
Ele sorri, evidenciando as covinhas.
— Eu também acho.
— É sério.
— Você precisa parar de estudar e ir à academia comigo. — Ir à academia. Segundo Namjoon, 99% dos seus problemas podem ser resolvidos com uma ida à academia. Ele abaixa a vista para o bloco e posiciona a caneta. — Bom dia, querido cliente. O que vai querer para hoje?
— O de sempre.
— Não temos isso no cardápio.
— Vai se foder.
— Poxa. Só estava esperando um sorrisinho seu. — Namjoon encena uma bico chateado que não me comove e depois ri. — Você precisa sorrir mais, Jungkook. Esticar a boca e mostrar os dentes, sabe. Como você acha que eu conquisto as mulheres? Com uma carranca mal-humorada no rosto? Não. Com meus bíceps proeminentes e minhas pernas bonitas? Pode até ser, mas não exatamente. — Ele se cala por alguns instantes. — Com meu sorriso, Jungkook. Elas se amarram nessas covinhas. — Ele sorri para mostrá-las, e eu ergo a sobrancelha para seu tom de voz presunçoso, mas não estou surpreso. — Aposto que elas se amarrariam no seu sorriso também. Se liga, hein.
Eu me sento no banco mais próximo.
— Muito obrigado pelo conselho que não pedi.
— Só uma dica.
— Dispenso.
— Você é tão divertido — ele debocha, risonho, se afastando para dentro do estabelecimento.
Eu deito meus antebraços no balcão e começo a batucar os dedos enquanto o espero chegar. Quando lembro, giro a cabeça para trás — para as janelas de vidro —, só para me certificar de que não tem nenhum garoto de cabelos azuis e olhos pequenos me esperando do lado de fora (fazer isso se tornou um hábito). Também passeio o olhar pelas pessoas na cafeteria, meio agitado, meio desconfiado em minha busca, prevendo encontrá-lo em alguma dessas mesas, olhando para mim.
Mas não tem ninguém aqui como ele.
Volto para frente impassível.
Não sei como eu deveria me sentir.
Só sei que é dele a culpa por eu estar tão distraído com pensamentos esses dias. A imagem de seu rosto sorridente e daquelas asas me deixam perturbado sempre que invadem a minha mente.
Ele estava falando sério?
Me sinto bobo toda vez que cogito acreditar nas tolices que saíram daquela boca.
Mas e se…
Não. É claro que não.
Refuto os questionamentos mentais quando Namjoon reaparece com meu café da manhã em mãos. Ele retira delicadamente a xícara de café com leite da bandeja e o coloca diante de mim e em seguida faz o mesmo com o prato de sanduíches. Isso é "o de sempre".
— Ok. — Namjoon diz — Vamos fingir que estamos tendo uma conversa estritamente profissional agora. Daqui a pouco meu chefe aparece aí e eu vou ser demitido se ele me ver sem fazer nada. Cruzes. Deus me livre. — Ele estremece e pega o bloquinho e a caneta para fingir estar trabalhando. — Vai, me conta. Por que você acha que tem alguma coisa errada com você?
— Não acredito que está disposto a correr o risco de ser demitido só para me ouvir falar por que sou tão fodido. — Eu engulo um pedaço do sanduíche e tomo um gole do café. — Vou te falar: estou comovido.
Eu realmente estou um pouco comovido, por mais que não demonstre. Namjoon é um ótimo amigo — daqueles que está sempre disposto a te ouvir e oferecer conselhos maduros como se fosse uma pessoa experiente que já viveu muita coisa mas que, na verdade, só é muito prudente de nascença. Ele se encaixa bem no tipo de pessoa que largaria qualquer coisa se alguém estivesse precisando de sua ajuda. Gosto disso.
Tenho certeza de que, se fosse rico pra caralho, Namjoon seria a porra de um filantropo.
— É que eu sou prestativo assim mesmo, não precisa chorar. — Ele sorri em falsa vanglória. — Mas agora desembucha. Não temos muito tempo — diz, sério dessa vez.
Não intencionalmente, demoro algum tempo para mastigar e engolir a comida, deixando Namjoon esperando.
— É que. — Eu não estava esperando falar o que tanto está me incomodando em voz alta, ainda mais para alguém. Não sei o que dizer exatamente. Mas tento mesmo assim. Franzindo as sobrancelhas, encaro Namjoon e disparo: — É que… Lembra do que aconteceu na segunda? Um garoto estranho ficou me seguindo no caminho até aqui. Ele desistiu depois de um tempo, mas depois reapareceu de repente na biblioteca da universidade.
Namjoon rapidamente me olha.
— Apareceu lá? — e pergunta, confuso. — Do nada? Que doidera.
— Pois é. E ele sabia meu nome, o que foi bem esquisito, ficou me seguindo, entrou no banheiro comigo e-
— Entrou no banheiro contigo?
— É, e ficou dizendo umas coisas esquisitas e depois aconteceu outra coisa bem mais esquisita ainda. Foi tudo muito esquisito. Não paro de pensar nisso.
— Você repetiu "esquisito" muitas vezes — Namjoon faz uma observação irrelevante.
Fecho a cara.
— É só isso que tem para me dizer?
— Não. Eu também ia dizer que talvez ele seja um stalker maluco que está obcecado por você.
Não confio muito nessa ideia.
Talvez ele seja mesmo o que diz ser.
Essa faz menos sentido ainda.
— Obrigado pelo consolo — ironizo, mal-humorado por não ter chegado a conclusão alguma mesmo tendo compartilhado a situação com outra pessoa. Mordo o sanduíche com selvageria como que para descontar o sentimento.
— Não — Namjoon larga o bloco na mesa e dirige total atenção para mim, percebendo a seriedade do assunto quando vê minha reação. — Só estou tentando dizer que, se o cara esquisito reaparecer, acho melhor tomar as devidas providências.
Eu balanço a cabeça num gesto positivo, apaziguado pelo senso de razão em suas palavras.
Há um instante de silêncio até Namjoon se desesperar para apanhar o caderninho de anotações novamente. Ele parece ter visto uma assombração.
— O meu chefe apareceu. Tenho que trabalhar. A gente se fala mais tarde? — Eu assinto, e ele se afasta para atender uns clientes que acabaram de chegar.
Também tenho coisas para fazer.
Termino meu café da manhã sozinho, vou ao caixa para pagar e em seguida me direciono às portas de saída. Aceno para Namjoon antes de finalmente sair (ele me lançar um beijo no ar, o qual finjo pegar e jogar fora. Namjoon ri, discreto), com minha mochila pesada nas costas.
Eu poderia poupar tempo indo à universidade de ônibus, bicicleta ou pedir o carro emprestado ao meu pai, mas gosto de caminhar. E também não vejo motivos por que poupar tempo seria uma boa ideia.
No meio do caminho, dou uma olhada para trás. Acho que estou ficando paranóico. Faço um som estranho com a garganta — como um rangido — quando volto as vistas para frente.
Como era mesmo o nome dele? Jimin?
Ele era irritante, mas também intrigante. Coisas intrigantes me forçam a pensar sobre elas.
O tal de Jimin, a aparente fada-madrinha (sério, pensar nisso parece tão estúpido, e me deixa aborrecido), se fixou em minha mente como um parasita e não importa o quanto eu o amaldiçoe em pensamento, ele ainda continua lá, como uma visita incoveniente.
"... estou disposto a ajudá-lo no que for preciso"
— Que besteira — resmungo sozinho.
Erguendo a visão, vejo uma figura esguia vindo na minha direção. Percebendo de quem se trata e prevendo o conteúdo do diálogo que virá a seguir, meus lábios se tornam uma linha reta e desconfortável.
Valentina me alcança, e eu paro, mostrando-lhe um sorriso sutil em cumprimento quando ela me oferece um semblante alegre demais para uma universitária.
— Anh… Oi! — ela diz, parecendo sem jeito e cansada da breve corrida.
— Oi. — Eu enfio as mãos nos bolsos frontais da calça jeans que estou vestindo.
Valentina estampa um sorrisinho e coloca uma mecha de cabelo liso e escuro atrás da orelha de forma ansiosa quando se dá conta de que precisa falar alguma coisa.
— Então — Ela pigarreia. — Como anda a sua matéria?
Desde quando ela se preocupa com isso?
— Está indo bem. Não estou tendo problemas — respondo, sem entender o porquê de precisar explicar isso para ela. Eu uso sua ausência de falas para perguntar, despreocupado: — Por quê?
— Vamos caminhando — Valentina convida, e então começamos a caminhar lado a lado pelo campus.
Estou com um pouco de pressa e sem interesse em uma conversa sobre trabalho, mas claro que não digo isso para a garota ao meu lado.
Ela continua:
— Eu estava pensando — sua hesitação me faz encará-la, e a percepção de que está prestes a sugerir alguma coisa me deixa negativamente ansioso. — Eu estava pensando, bem — Valentina entrecorta seu discurso com uma risadinha nervosa —, que a gente poderia escrever juntos?
O quê?
— O quê?
A garota se apressa para tagarelar uma explicação.
— É que eu fiquei responsável pela parte visual do jornal, que são as imagens que complementam as matérias, incluindo a sua. Então, já que o que você vai escrever é o artigo principal, eu pensei que a gente trabalharia melhor juntos, trocando experiências e sugerindo melhorias. Acho que entregaríamos um ótimo resultado… — Valentina expira, como se toda essa falação a tivesse deixado sem ar. Ela me lança um olhar cheio de expectativa. — Mas, claro… só se você quiser.
Para ser sincero, não quero.
Não precisa ser nenhum gênio para perceber a real motivação de Valentina para me sugerir uma coisa dessas. Ela nunca fez isso, e seus argumentos não me foram nada convincentes. Ela parece nervosa, ansiosa.
Qualquer outro cara se sentiria exultante por ter uma garota linda como Valentina lhe dando mole, mas saber que ela gosta de mim só me deixa frustrado e esgotado, como se todo o carinho e admiração que ela dispõe sobre mim fosse um peso inconveniente que tenho que carregar pra lá e pra cá o tempo todo. E esse peso me cansa.
Porque eu não sinto a mesma coisa por ela. Eu nunca vou sentir. Por mulher alguma.
E o pior é que eu não me sinto pronto para ser sincero e prefiro fingir que nada está acontecendo. Viu só? Sou a porra de um covarde.
— Pode ser — e acabo de provar isso.
— Então tá bom! — Valentina sorri, contente mesmo diante da minha expressão neutra. — Eu vou salvar seu número pelo grupo do O Diário em que a gente está e aí combinamos o dia e hora, tudo bem?
— OK.
— OK — ela repete e morde o lábio. — Bom, te vejo mais tarde. Tenho aula agora — Valentina faz uma careta de aborrecimento e um segundo depois está sorrindo novamente. — Boa aula, Jungkook. — E então começa a direcionar os pés por um outro caminho. Ela me acena em despedida (o que retribuo) e me dá as costas. Observo-a caminhar com pressa para longe.
Forço minhas pernas a tomar distância, tentando fazer com que meus pensamentos fiquem para trás.
🦋
Estou realmente cogitando fazer uma besteira.
Passei o dia todo cogitando fazer uma besteira.
As aulas estavam mais entediantes que o normal, meus colegas pareciam ainda mais sem graça e os professores só falavam coisas que me aborreciam. E, para piorar, meu amigo mais próximo (além de Namjoon) havia faltado, alegando estar "com problemas intestinais" — foi exatamente isso que ele escreveu na mensagem que me enviou. Em outros tempos, eu poderia me contentar apenas com a presença de Hoseok, uma vez que ele é meu outro melhor amigo e facilmente me deixaria relaxado, mas o desgraçado já se formou, há um ano.
Não sou tão sociável a ponto de fazer outros melhores amigos, então tenho que me contentar com os que já possuo, mesmo que não estejamos disponíveis um para o outro o tempo todo.
Enfim. Eu acho que vou fazer mesmo uma besteira.
Tomei um banho após chegar do meu estágio na revista — ao qual sempre vou depois que as aulas da faculdade acabam —, jantei com meu pai (pizza de novo, porque nenhum de nós sabe cozinhar), desperdicei algumas horas assistindo à um filme ruim com ele e agora estou deitado de costas na cama apenas com uma calça moletom cinza, jogando uma bola pequena contra a parede paralela enquanto cogito, cogito e cogito. O ato repetitivo de jogar a bola e o barulho que ela faz ao acertar a parede é, de alguma forma, terapêutico.
De repente, eu lanço uma última jogada e me sento na cama. Um instante depois, estou de pé. Começo a caminhar pelo quarto com certa ansiedade.
— O que foi que ele disse? — sussurro. — "Você fez o código" — eu relembro suas falas. — Dizer "eu preciso de ajuda" e tocar o dedo na ponta do nariz… Hm. Parece fácil. Tsc. Não acredito que estou pensando nisso.
Sento-me na cama, silencioso e pensativo.
— E se ele estiver mentindo? É óbvio que ele está. Mas se não estiver, eu vou saber — discuto comigo mesmo.
Deixo sair um suspiro. Estou com aquela sensação de novo: de que tem alguma coisa errada comigo. E esta coisa errada é eu estar cogitando chamar uma pessoa que se diz ser minha fada-madrinha como se essa loucura fosse merecedora de credibilidade.
Talvez eu devesse seguir o conselho ruim de Namjoon e começar a frequentar academia com ele.
— Foda-se. Tanto faz. — Desisto de tentar me convencer de que isso é uma péssima ideia.
Procuro algo para o qual olhar enquanto estiver dizendo as palavras, mas nada parece adequado. No fim, como se estivesse conversando diretamente com um ser divino, ergo as vistas e, num sibilo, pronuncio: — Preciso de ajuda. — E, em seguida, coço a ponta do nariz com o dedo indicador, assim como fiz outro dia.
Espero.
Não acontece nada.
— Sabia… — Para minha própria surpresa, não é um sentimento de triunfo que acompanha minha percepção — porque a voz pessimista na minha cabeça estava certa o tempo todo, e eu, na maioria das vezes, pendo mais para o lado dela —; eu, na verdade, me sinto decepcionado.
Lá no fundo, queria que ele fosse de verdade.
— Idiota — resmungo, praguejando a mim mesmo, enquanto me levanto para pegar a bola pequena novamente. Idiota, idiota, idiota.
Antes de voltar para o colchão, dou uma olhada no relógio posto ao lado da minha cama e percebo que já são mais da meia-noite. Eu deveria estar descansado, posto que daqui a algumas horas terei que me levantar para cumprir minhas responsabilidades como estudante, mas não sinto sono, então não ligo para o horário ou com o quão pouco irei dormir. Ao invés disso, me jogo no colchão e, porque sinto um pouco de raiva, começo a lançar a bola com força contra a parede. Felizmente, meu pai tem sono pesado; ele não vai acordar com o barulho.
Por alguns minutos, continuo assim.
Até que…
— AI! — uma voz que não é minha exclama em tom choroso, tão repentina e inesperadamente, que me faz sentar na cama com um sobressalto cômico.
— Meu Deus! — eu exclamo de volta um segundo depois dele, olhando-o com espanto não só pelo susto. — Caralho…
Mas porque é ele. Ele, o carinha de cabelos azuis e olhos pequenos que me perseguiu e me falou um monte de besteiras há três dias. Eu quero dizer: ele está realmente no meu quarto. Agora. Neste momento. Mas não estava trinta segundos atrás.
Isso é…
O que isso quer dizer? Ele estava escondido no meu quarto esse tempo todo?
— O que foi isso? — ele pergunta, o que não considero justo, uma vez que sou eu quem deveria estar questionando alguma coisa aqui. — Está doendo — diz, massageando a testa com uma expressão sofredora. Por alguns instantes, seu olhar se fixa em algo no chão antes de repousar em mim novamente. — Você jogou uma bola em mim. Por que jogou uma bola em mim, Jungkook?
Ignoro o tom de mágoa em sua voz, mas não ignoro a pergunta.
— N-Não joguei em você. Joguei na parede. — Ainda estou assimilando a presença súbita dele em meu quarto, mas é difícil se concentrar em assimilar alguma coisa quando se tem uma pessoa com asas muito realistas à sua frente.
— Bom, ela não acertou a parede; acertou a minha testa — ele não parece muito contente, mas também não parece estar com raiva. — Bem. — Repentinamente, um sorriso cresce em seu rosto bonito e ele junta as mãos em frente ao corpo numa posição comportada. — Não importa. Fiquei muito feliz e animado quando me chamou, então uma bolada na testa não é nada demais. Felizmente, não está doendo mais, e agora é como se isso nem tivesse acontecido. Não se preocupe! Não me sinto zangado. — Observo suas vistas descerem para o meu tronco nu e seu sorriso vacilar um pouco, uma distração que ele logo contorna quando ergue os olhos para os meus novamente e os lábios retomam a integridade do sorriso, como se nada tivesse os abalado, no fim. Curiosamente, suas bochechas adquirem uma coloração mais rosada que o resto da pele do rosto.
Não entendo.
Estou longe de entender qualquer coisa agora.
— Você realmente tá aqui…
— Estou!
Eu pisco uma sequência rápida de vezes, me sentindo um pouco desorientado, como se mãos invisíveis estivessem me girando sem parar.
— O que está fazendo aqui?
— Me diz você, Jungkook — ele responde, cheio de bom humor.
Olho-o por bastante tempo.
Eu o chamei aqui.
Espera. Eu o chamei? E ele veio?
— Isso não pode está acontecendo. — Me levanto; ele acompanha meus movimentos e, quando passo por perto, dá dois passos afobados para trás, acabando por bater as costas na parede. Ouço-o resmungar alguma coisa, mas não dou atenção. Vou até o guarda-roupa, pego uma camisa aleatória e a visto, cobrindo meu corpo para evitar constrangimentos.
— O que não pode estar acontecendo? — escuto seus passos vindo em minha direção. Quando me viro, ele está bem na minha frente.
— Você. — Minha resposta o surpreende. — Você não pode ser real. Que maravilha. Eu fiquei louco e agora tô imaginando coisas.
— Tsc. — Jimin (se eu não me engano, este é o seu nome) revira os olhos e sorri de canto, fazendo pouco caso das minhas palavras. — Jungkook, seu bobinho, eu sou real, sim, e tudo o que te falei naquele dia também é real. Você só precisa acreditar em mim. — O sorriso sereno que ele estampa para mim é quase tranquilizador. Com esperança, pergunta: — Você acredita?
— Não.
O semblante de Jimin murcha, mas se recupera fácil. O sorriso gracioso logo está lá de novo, em seus lábios grossos, e me deixa curioso a percepção do quão descomplicado é sorrir para ele.
— OK, então. — Jimin estende os braços. — Você pode me beliscar.
— O quê? — faço uma careta confusa.
— Vai, me belisca! Aí você vai ver que sou real mesmo!
Eu quase me entrego a uma risada.
— Isso só parece uma boa ideia na sua cabeça — sou sincero.
Jimin ignora a alfinetada.
— Pode me beliscar, Jungkook, estou dando minha permissão. O que foi? Está com receio de me machucar? Eu não me importo com a dor, não se preocupa comigo. Estou de boa, desde que isso prove a você que sou real e que estou aqui para realizar um pedid- A-Ai! — Jimin se queixa quando belisco a pele de um de seus braços estendidos e a giro entre meus dedos, com o único desejo de fazê-lo calar a boca.
Gente falante demais me irrita.
Fico observando-o em silêncio enquanto ele massageia o local do beliscão com uma expressão ressentida que quase me comove.
Quando olha para mim, tenta esconder o desconforto.
— Estou bem. — E sorri, fechando os olhos.
Ilogicamente, não consigo sustentar o olhar e o desvio para longe, como se permanecer encarando-o desse jeito fosse o mesmo que estar olhando diretamente para o sol — você não consegue fazê-lo por muito tempo sem ser nocauteado pelo brilho intenso dele; é mais forte que você.
Não gosto desse pensamento. Ele mal chegou e já está me causando sentimentos desagradáveis.
— Que alívio. Eu estava mesmo muito preocupado — faço troça, meio que ficando na defensiva.
Como se já esperasse por uma resposta assim, Jimin apenas solta uma breve risada contida. Eu reviro os olhos e, quando vejo sua boca se abrir e sinto a iminência de uma nova falação infindável, saio de perto dele e me sento na beirada da cama. Não tenho mais nada para fazer além de ficar encarando o chão.
Quando Jimin se aproxima, entretanto, não muito tempo depois, fico olhando para ele.
Não tinha parado para prestar tanta atenção nele como o faço agora, aproveitando que está de boca fechada e distraído ao observar meu quarto. Como que atraídos por uma força magnética, meus olhos se agarram às asas de Jimin, e eu imediatamente penso que nunca vi algo tão bonito em toda a minha vida.
Elas são como as de uma libélula, só que bem maiores e brilhantes, e despendem de forma prematura das costas até se exibirem em grandes proporções em um gradiente de tons diferentes de azul. A transparência delas só as torna ainda mais surrealmente extraordinárias. Observo alguns rabiscos circulares por toda sua extensão também, que, por sua vez, brilham como se fossem formados por um monte de estrelas agrupadas. Eu quase deixo sair um suspiro de admiração. É tão bonito.
Movo o olhar para o perfil de Jimin, decidido a contemplá-lo da mesma forma. Ele continua distraído. Bom pra mim.
É interessante como seus cabelos têm exatamente o mesmo tom das asas: um azul que gradativamente vai mudando de matiz da raiz até as pontas. Os olhos de Jimin são pequenos, como notei desde a primeira vez, sua boca tem lábios grossos, o nariz é muito pequeno, seu rosto tem uma leveza impressionante e uma beleza mais impressionante ainda, seu corpo leviano parece flexível e…
— Seu quarto é adorável, Jungkook. — Rapidamente, subo o olhar para seu rosto.
Franzo as sobrancelhas. Não tem nada de adorável no meu quarto.
— Não tem nada de adorável no meu quarto.
— Tem, sim! — Jimin se empolga todo. — Essas paredes cinzas são lindas!
Fico encarando-o com um olhar desconfiado, mas logo desisto de tentar entendê-lo.
— OK! — é ele quem diz. — Você não me chamou para me ouvir falar do seu quarto, não é? Estou certo disso.
— Não — eu admito. — Eu fiz isso porque fiquei curioso sobre as coisas que me falou. Não fazem o menor sentido, mas me senti tentado a tentar.
Jimin me lança um olhar compreensível.
— Então você quer conversar?
— Eu… — Não me sinto confortável em dizer o que digo a seguir. Coço a nuca. — Eu acho que sim.
Jimin não perde tempo e, cheio de entusiasmo, se senta ao meu lado na cama.
— Sobre o que quer saber? — ele se vira para mim e, mais um vez, me vejo surpreendido por seu rosto salpicado de sardas.
— Qualquer coisa que seja interessante.
Jimin abaixa a cabeça e entorta os lábios enquanto pensa.
— Eu trabalho na Fairying, como deve se lembrar — e começa, com um pequeno sorriso no rosto. Ele parece orgulhoso quando fala disso. — É uma empresa que fica na Terra das Asas, como é chamada a nossa dimensão, e nós prestamos serviços aos seres humanos. Eu ouvi dizer que vocês humanos criaram lendas e mitos sobre a gente. Dizem que somos entidades que são capazes de realizar desejos e interferir no destino de uma pessoa… Bem, isso é quase verdade. A diferença é que não fazemos isso por livre e espontânea vontade. Na verdade, fazer isso é um trabalho remunerado para quem trabalha na Fairying, por mais que o façamos com todo carinho e entusiasmo do mundo. Realmente gostamos do que fazemos por vocês.
— E sobre interferir no destino… — encaro Jimin com um semblante curioso. — Vocês podem fazer isso?
— Depende. — Jimin fica confuso. — Se um desejo realizado por uma fada for capaz de mudar completamente o curso da vida de uma pessoa, então pode-se dizer que interferimos no destino dela. Mas isso não é exatamente o que fazemos.
— Como… Como é viver na… — Como é mesmo? — na Terra das Asas?
O sorriso de Jimin cresce.
— É maravilhoso! Lá tem muitos bosques, florestas e jardins floridos. Quando o cenário não é totalmente verde, ele é colorido, por causa das flores que são plantadas e regadas pelas fadas. Os lagos são sempre límpidos e cheios de peixes e são cuidados e guardados principalmente pelas ninfas, que o fazem entusiasticamente. Assim como aqui, lá tem casas e prédios também, mas todos são elegantes e decorados com entalhes cursivos e suaves. São tão adoráveis, que parecem casas de boneca! Não importa se é dia ou noite, o céu vai estar sempre cheio de nuvens brancas e enfeitado por um arco-íris que está lá o tempo todo, nunca desaparece. Nós temos a mesma dinâmica que vocês, uma vez que fadas e humanos dividem algumas características. Mas a nossa principal diferença é que, por natureza, temos poderes mágicos.
Uau.
Dou uma espiada nas asas dele, sem fazer questão de esconder minha curiosidade.
— Vocês já nascem com isso?
— Não, seu bobo. — Jimin ri. — Elas crescem junto com o nosso corpo. Quando somos bebês, não temos asas. Elas vão aparecendo à medida que o tempo passa, até estancar em um único tamanho quando chegamos à maioridade.
Isso é… interessante.
Mas é óbvio que não vou dizer isso para ele.
Sua resposta alavanca mais uma pergunta. Incrivelmente, não me importo se estiver parecendo muito interessado em coisas sobre ele.
— E quando é a maioridade?
— Vinte anos.
Encaro seu rosto, com mais um questionamento na ponta da língua, mas não o exponho. Não esse.
— Todo mundo lá tem os cabelos e asas da mesma cor?
Jimin leva as mãos aos cabelos automaticamente.
— Sim! — ele responde. — Cada fada tem uma cor predominante, percebida através do cabelo e das asas, e esta cor é o determinante da nossa linhagem. É como se fosse um sobrenome. Algumas pessoas têm o mesmo sobrenome, não é? — Jimin dá de ombros para a própria pergunta retórica, sorrindo. — Algumas fadas têm a mesma cor, o que não significa que são da mesma família.
O silêncio se entende entre nós quando me vejo maravilhado demais para responder algo de imediato.
— Entendi — enfim, digo, fingindo indiferença. Jimin sorri como se soubesse o que estou fazendo, e eu rapidamente solto um pigarro, me apressando para perguntar: — E o que mais?
— Hm. Deixe-me ver. — Jimin batuca o dedo indicador nos lábios. Em seguida, parecendo se lembrar de algo, ele esboça um sorriso largo que comprime seus olhos e diz, cheio de presunção: — Somos bons em muitas coisas.
— Tipo o quê?
— Dançar… — ele cita. — Cantar, pintar, tocar instrumentos.
— Hm.
— Eu adoro dançar! — Jimin afirma, apontando para o próprio peito.
— Adora, é?
— É! Você também gosta, Jungkook?
Fecho a cara ao ver que me tornei o objeto da discussão.
— Não. E não estamos falando sobre mim.
Estou encucado com algo, mas não sei como tomar uma iniciativa. Olho para ele, hesitante. Jimin está me olhando com um sorriso ínfimo, em silêncio. Tento me aproveitar da breve mudez dele para desembuchar a pergunta que estou pensando em fazer, mas, repentinamente, me interrompo antes mesmo de finalizar a ação.
Por causa de Jimin.
Ele coloca uma mecha do cabelo azul atrás da orelha num movimento despretensioso, e, pela primeira vez, consigo perceber algo nele que não tinha percebido até agora. Sem medir minha reação, arregalo os olhos.
Como eu deixei isso passar despercebido?
— O que foi? — Jimin pergunta, percebendo minha cara de espanto.
— Sua orelha… — ainda não tirei os olhos dela.
— Oh! — Ele leva as mãos às suas orelhas pontudas e abre um sorriso. — Você ainda não tinha notado? Pensei que só tinha deixado pra lá.
— Não... — Minha expressão vai relaxando à medida que o tempo passa e eu vou me acostumando àquela característica esquisita. Encaro-o por algum tempo, pensando no quanto sua aparência me é intrigante. Queria que ele não me fascinasse tanto.
Rapidamente, movo minhas vistas para outra direção, tirando-o do foco.
Penso em algo para falar.
— Eu queria saber — começo, deslizando os olhos para o garoto ao meu lado novamente. Jimin parece confortável em meu quarto, como se estar sentado na cama de uma pessoa que você só viu duas vezes a essa hora da madrugada fosse uma situação completamente corriqueira para ele. Ou ele simplesmente não tem muita noção das coisas. — Que tipos de pedidos vocês podem realizar?
Jimin responde de imediato.
— Qualquer um! — suas frases estão quase sempre acompanhadas de um ponto de exclamação. É enfadonho.
— Qualquer um?
Não estou muito convicto quanto a isso.
— Sim. Até agora, nunca tive problemas com a realização de desejos.
— Hm. — Eu rio, sem humor algum. — Eu queria saber o que você acharia do que eu mais desejo no momento.
Jimin se levanta num pulo e fica em pé à minha frente; as mãos juntas atrás do corpo.
— É só me falar, Jungkook.
Não é assim tão fácil. E ele parece tão convencido de que pode fazer qualquer coisa por mim. Mas acho que está errado.
Mesmo assim, mesmo com o pessimismo sendo sobressalente mais uma vez, há ainda uma fagulha de esperança dentro de mim que me faz querer tentar.
Eu olho para Jimin, beliscando o lábio inferior com os dentes, hesitando.
— Coragem — e digo.
— O quê?
— É o que eu quero: coragem — repito. — Você pode fazer qualquer coisa, não pode?
A alegria de Jimin vai sumindo de seu rosto à medida que ele percebe o que quero dizer. Acho que ultrapassei suas expectativas.
Que tipo de coisa ele estava esperando que eu pedisse?, me pergunto. Um sapatinho de cristal?
Quando começa a falar, Jimin não está mais sorrindo e parece desconcertado, embaraçado pela minha revelação, como se tivesse mesmo cogitado que eu iria pedir um sapatinho de cristal.
— Não posso fazer isso — as palavras parecem arranhar sua garganta, uma vez que ele as pronuncia com dificuldade.
— Como assim não pode? — eu direciono um franzir de sobrancelhas na direção dele. Suas palavras parecem arranhar alguma coisa em mim também.
— Não posso. — Ele balança a cabeça como que para reforçar a mensagem. Em seguida, faz uma careta de quem acabou de experimentar algo muito ruim. Acho que esta situação é algo muito ruim. — Não temos poder o suficiente para dar alguém virtudes. Nossa magia é limitada a coisas materiais. É impossível originar características abstratas por meio de magia. Coragem e outras virtudes são algo que se constrói por meio do aprendizado que adquirimos com vivências e experiências. São presentes que você dá a si mesmo. Não é algo que pode ser dado a você.
Eu tensiono a mandíbula diante da explicação que Jimin me dá, sendo duramente nocauteado por uma sensação de impotência que me deixa decepcionado e, consequentemente (porque um sentimento leva a outro), irritado.
Minha expressão não entrega nada, mas estou certo de que meus olhos são mesmo a janela da minha alma; eles sempre entregam tudo.
Não falo nada, e Jimin continua, sem perceber ou se importar com a reação que tenho.
— Não tem nada mais que você queira? — sua voz soa quase esperançosa.
Eu ligeiramente ergo uma sobrancelha.
— Acho que seria moleza pra você adicionar mais zeros à direita na minha conta bancária.
Jimin é rápido em notar que estou sendo sarcástico de novo e que, assim como das outras vezes, não estou tentando ser engraçado. Eu nunca estou tentando ser engraçado.
Ele esboça um sorriso sem jeito e senta ao meu lado de novo, virando completamente para mim. Penso em reclamar do fato de que está com seu tênis encostando no meu lençol limpo, mas não o faço. Nem mesmo olho para ele de volta.
— Mas eu ainda posso te ajudar.
O otimismo dele me deixa impressionado, e isso está longe de ser um elogio.
Penso em perguntar como faria tal coisa, mas, ao invés disso, apenas rio com amargura.
Jimin se empertiga diante do meu riso.
— É sério. — Ele, incrivelmente, fica em silêncio, e eu tenho a sensação de que está pensando em perguntar alguma coisa. Fico esperando a pergunta e, quando ela demora a vir, me volto para ele de um jeito que diz "o que está esperando?". Jimin rapidamente estampa um sorriso acanhado ao receber minha atenção e em fim questiona: — Posso perguntar uma coisa?
— Já perguntou.
— Não. Eu quero dizer… outra coisa.
Dou de ombros.
— Por que você deseja coragem? — Jimin pergunta como quem não quer nada.
Fecho a cara ainda mais para ele.
— Você não me contou que fadas são enxeridas.
Jimin dá risada. Eu não estava contando uma piada.
— Não vai me contar?
— E por que eu deveria? — replico.
— Porque sou sua fada-madrinha?
— E por que eu deveria?
Jimin se volta para mim desacreditado, quase como se reprovasse minha atitude. Os olhos dele se semicerram, os lábios sutilmente expedem-se para frente, formando um bico pequeno, e as orbes se movimentam ligeiramente ao que ele passeia o olhar por todo o meu rosto, esquadrinhando-o.
Ele parece superficialmente bravo, mas não tenho certeza disso. Penso em sorrir para provocá-lo, porque vê-lo abandonar, mesmo que não totalmente, toda a leveza que mantinha até agora é meio que surpreendente e me deixa com vontade de desvendá-lo ainda mais. Mas não sorrio. Eu não faço nada.
Jimin suspira.
— Olha — ele parece sério. — Não é só porque eu não posso dar o que você quer que eu não posso fazer mais nada por você. — Ao falar disso, o semblante de Jimin muda. Agora, posso perceber que está frustrado. — Eu ainda quero te ajudar, Jungkook. Ainda sou sua fada-madrinha. Não podemos abandonar um humano até que ele esteja verdadeiramente feliz. Você não está feliz, e não posso abandonar você enquanto não estiver satisfeito. Então vou te fazer companhia. Queira você ou não.
Queria ter o poder de controlar melhor minhas reações e escondê-las o máximo possível de qualquer pessoa, mas, no momento, não consigo não ficar desconcertado com o quão firme a voz de Jimin soou ao falar a última frase.
Penso em muitas coisas. Tenho dúvidas sobre muitas coisas. Me pergunto se está falando sério. Fico empertigado com o "você não está feliz" e considero dar uma resposta rude, ficar na defensiva como sempre, mas, por algum motivo, não o faço. Fico um tempão olhando para a cara dele.
Geralmente, não reflito muito antes de dizer qualquer coisa (exceto com meu pai e Valentina) e odeio que Jimin esteja me forçando a fazer isso agora.
— O que você quis dizer com isso?
— Eu quis dizer exatamente o que eu disse — ele rebate, logo em seguida esbanjando um sorriso vitorioso.
Começo a cutucar a área interna da minha bochecha com a língua, incomodado.
— Isso é ridículo. — Jimin petulantemente levanta uma sobrancelha como se dissesse "prossiga", ainda sorrindo daquele jeito, e sinto como se ele estivesse me provocando. Não preciso ter certeza de que está realmente; fico puto mesmo assim. — Eu não quero uma fada idiota andando na minha cola pra lá e pra cá o tempo todo. Já tenho problemas o suficiente. Não preciso mais desse. — Fico de pé.
— Onde vai? — ouço-o perguntar quando começo a caminhar até a porta.
— Tomar um pouco de água. — Por que diabos eu respondi?
Antes de alcançar a porta, um súbito desequilíbrio me faz tropeçar, mas por pouco não caio no chão. Quando fico ereto novamente, olho para trás — para Jimin — confuso, e ele está tentando conter um sorriso.
Arregalo os olhos quando sou atingido por uma onda de compreensão.
— Você…
Jimin se levanta e para à minha frente. De repente, ele está me oferecendo um copo d'água.
— Toma. — Ele me também oferece um sorriso singelo, e é como se nem tivesse me escutado chamá-lo de "fada idiota" minutos atrás. Quando pego o copo de sua mão, Jimin diz: — A fada idiota aqui pode ser bem útil às vezes. — Ah, então ele escutou.
Sinto um calor irradiar por minhas bochechas, mas não me permito desviar os olhos para longe dele.
— Eu não vou ficar no seu pé o tempo todo, Jungkook. — Jimin faz uma pausa. — A não ser que queira. — Nesse momento, eu desvio o olhar ao levar o copo à boca para não ter que responder. — Bem, eu não quero. E também tenho uma vida. Você vai poder me chamar sempre que quiser, e eu vou poder vir sempre que eu quiser também. — Jimin vai começando a ficar empolgado enquanto fala. — Quando estivermos juntos, vou fazer questão de esconder minhas asas, porque assim vou poder agir e falar com você mais livremente se tivermos público. Não precisa se sentir obrigado a me manter por perto se não quiser. Se quiser privacidade, é só falar comigo. Você sabia que também usamos celular?
Não, eu não sabia.
— Acho que preciso estabelecer algumas regras — digo.
Jimin esbugalha os olhos em súbito interesse.
— Que regras?
Gesticulo para que ele me siga de volta até a cama, e ele o faz como uma criança obediente. Ao invés de sentar, como eu fiz, Jimin escolhe ficar de pé diante de mim. Ele me olha de cima com o que eu noto ser um semblante atencioso.
Sem rodeios, começo a falar.
— Você não vai dizer a verdade para ninguém — espero que ele tenha entendido que isso não foi um pedido.
Jimin revira os olhos com humor.
— Mas é claro, seu bobo! — Ele se mostra ainda mais contente quando lanço-lhe um olhar de poucos amigos pela forma como me chamou.
— Você não vai se meter na minha vida. — Jimin fecha a mão e levanta o polegar na minha direção como se dissesse "OK". Ignoro seu sorriso, que não me parece muito confiável. — E nunca, em hipótese alguma, se mostre para o meu pai.
Esse último item alavanca o interesse dele.
— Por quê?
Porque ele vai querer saber quem você é, de onde veio, o que faz, como nos conhecemos, e eu estou cansado de omitir a verdade para ele.
— Eu disse para não se meter na minha vida.
Jimin faz uma careta engraçada.
— Tá bom — diz ele, quase amuado. — Mais alguma coisa?
— Nos dias úteis, eu tenho aula e trabalho, então só estou livre a partir das cinco horas. Você não pode aparecer aqui quando eu não estiver, entendeu?
— Entendi tudo o que você disse, Jungkook. Não esquenta — Jimin faz um gesto desdenhoso com a mão, sorrindo despreocupado.
A gente fica em silêncio. Não temos mais nada para conversar, então…
— Agora você já pode ir embora — digo.
— Ah, que bom. Eu estava mesmo com sono — Jimin sorri. — Eu estava assistindo quando você me chamou, sabia? Levei até um susto. — Ele parece achar a lembrança engraçada.
Fico curioso, e Jimin prevê o que estou prestes a perguntar. Ele estica a mão em minha direção com o dedo indicador em riste antes que eu possa pensar em abrir a boca, me impedindo de falar mesmo sem tocar o dedo em meus lábios. Seu dedo paira bem perto.
— Não pergunte! Eu não vou responder — o sorriso que ele esboça agora é totalmente malicioso e enigmático.
Olho para baixo, para seu dedo erguido, e reviro os olhos. Secretamente, continuo querendo saber como eles recebem nosso chamado, mas sou desapegado demais para insistir na pergunta.
— Foda-se.
Jimin me lança um último sorriso antes de dizer:
— Boa noite, Jungkook.
Então, um segundo depois, não está mais aqui.
Fico encarando o lugar onde Jimin estava, sem entender como ele pode estar aqui em um minuto e no outro, não estar mais. Isso é loucura. O que acabou de acontecer? (e, quando me questiono isso, não estou apenas me referindo ao fato de que ele acabou de desaparecer com um estalar de dedos — literalmente —, mas como também à toda loucura que vivenciei agora há pouco.)
Merda.
Esfrego meu próprio rosto, mais cansado do que em qualquer outro momento em minha vida. Deixo minhas costas caírem para trás e, de sobrancelhas franzidas, observo o forro branco do quarto. A noite parece estranhamente silenciosa sem a presença barulhenta dele.
"Seu quarto é adorável, Jungkook"
— Adorável… — pronuncio a palavra como se zombasse dela. Ele realmente não tem noção alguma do mundo real.
Me levanto e apago a luz, logo arrastando meus pés de volta para a cama. Fico consciente de que ainda estou vestindo uma camisa — nos últimos dias, decidi que dormir sem camisa é libertador e mais confortável — e a tiro do meu corpo, jogando-a para longe em seguida. Deito e puxo o edredom para cobrir meus ombros.
E é óbvio que não consigo dormir de imediato. Fico pensando em Jimin e me perguntando como minha vida vai funcionar daqui pra frente agora que tem a porra de um projeto de Peter Pan fazendo parte dela.
— Merda. Isso não vai dar certo — e, como sempre, um pouco de pessimismo antes de dormir.
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oi!
gente, eu sei que digo isso em toda nota final dessa fanfic, mas eu queria repetir que sou muito grata mesmo pelos leitores que vêm ler todo novo capítulo. eu sei que tem gente que não dá chance a fanfics pequenas, então obrigada por estarem aqui. significa muito pra mim 💜
espero que tenham gostado!
pergunta: os travessões estão aparecendo pra vcs? odeio quando o wattpad transforma em hífem
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