Capítulo Extra "Versão Gabriel"
A subida da montanha Every parecia mais íngreme que no início do ano... eu conseguia ver a primeira pessoa da fila indiana que se fazia devido à trilha estreita que percorríamos, porém a mata não estava mais fechada. O calor era intenso.
—Por que tão calado?— Paul me perguntou logo atrás de mim. Olhei pra ele sem falar nada e ele já sabia. Meu melhor amigo me conhecia melhor do que eu mesmo.—De novo? O que foi desta vez?— Continuou.
—Dessa vez foi diferente... ela disse que precisava de ajuda.
—Você sabe que isso não é real, como pode te incomodar tanto?— Paul esperou uma resposta.
Eu fiquei calado novamente. Não queria que ninguém escutasse minhas maluquices.
Sonhava com ela, já havia 2 anos, mas nos últimos meses era mais frequente, e nas ultimas semanas quase todas as noites. Áquilo estava acabando comigo, ao menos se ela fosse real... Nunca tinha visto seu rosto, pelo menos não que eu me lembre.
Enfim chegamos no topo da montanha, o suor escorria... Olhei para Paul com um ar de aposta... e em minutos estávamos correndo para a lagoa.
Os outros também fizeram o mesmo... com exceção de Bárbara e Richard os professores responsáveis.
Já era o 3º acampamento musical do colégio Gênesis, a idéia veio de Alice no final do ano passado.
Alice, Selena, Paul, Michel e Jean meu irmão formavam junto comigo a banda oficial do colégio, tínhamos além de paixão pela música, amor pela banda que formávamos á 3 anos. O intuito do acampamento era relaxamento, não tínhamos muito sossego, realmente a banda era o nosso ar durante todo o ano, tínhamos shows todos os meses, no bairro, na cidade, em festas de casamento, aniversários, formatura... e éramos muito cobrados, apesar de nossa idade.
—Ah enfim que chegamos!— Gritou Alice... seguida por outros gritos de pura alegria simplesmente por estarmos ali mais uma vez, juntos.
Bárbara se aproximou da beira da lagoa e gritou... —Não demorem, precisamos armar as barracas e começar o jantar, logo escurece.
Ela não relaxava mesmo ali. Desde que assumiu a coordenação de toda parte musical do colégio ela só trabalha, nem sei como ela aceitou a idéia de acampamento. Mas é uma baita profissional apesar de muitas vezes colocar o trabalho na frente até de nossa vida particular.
Jean meu irmão foi o primeiro a sair da lagoa... o mais novo, o baterista, muitos dizem que a bateria é o coração da banda, pois bem, ele é todo coração, um amigo e irmão querido para todos.
Logo saiu Michel, guitarrista e melhor amigo de meu irmão, ele era mais quieto apesar de ter tido fama de conquistador nos últimos anos, mas sempre muito sutil nunca deixou seus títulos ou manias atrapalharem na banda, pois nitidamente era muito importante pra ele também. Tinha vezes que eu percebia ser sua única chance de se encontrar ou ser feliz.
Ficamos Paul, Alice e Selena ainda aproveitando a lagoa... quando Alice perguntou aleatoriamente: ——Bárbara ainda procura uma voz feminina de destaque?
—Ela não vai se acalmar enquanto não achar!— disse Paul.
Selena fingiu que não se importava e mergulhou até a margem pra sair também. Ela back-vocal era a parte da banda que todo mundo se esforçava pra se dar bem ou simplesmente gostar de sua presença. Ela simplesmente não se envolvia, sempre calada, ou indiferente. Pra ser honesto a unica coisa que tínhamos em comum era o gostar de musicas, porque nem sei se ela realmente gostava da banda, o que dava entender era que gostava mais de si própria.
Alice e Paul eram mais próximos a mim, sem contar meu irmão.
Paul é baixista e meu melhor amigo desde antes de me entender por gente. Guardava todos os meus segredos, é parte da minha vida, compartilhava tudo com ele, e ultimamente era um dos motivos de eu não enlouquecer com aqueles sonhos.
Alice também back vocal, é cativante, sempre com atitudes positivas e idéias mirabolantes, todos a amam muito pois sempre nos ajudava em muitos aspectos, ela era o nosso mascote.
Eu como tecladista e vocalista da banda, era o líder, e eles me respeitavam como líder, eu não podia desapontá-los, precisava de cada um.
A banda era minha vida. Minha segunda família.
Depois do jantar, ao redor da fogueira começamos a cantar e fazer barulho, barulho bom demais aos meus ouvidos, o céu estava estrelado o que indicava q o sábado seria de sol, apesar da montanha ser bem espaçosa no topo, não saímos de perto da lagoa, por vários motivos, segurança, e menos perca de energia eram os principais, a lagoa onde caia uma cachoeira de tirar o fôlego, já era mais do que suficiente.
Na barraca, não conseguia pregar os olhos, talvez medo por vê-la novamente e não poder fazer nada para ajudá-la, Paul parecia estar cansado o suficiente para não notar que saí,então a luz da fogueira que ainda reluzia comecei a compor uma música pra ela. Será que eu estava ficando louco? Só pensava na garota do meu sonho! Na garota dos meus sonhos.Seria possível sonhar com alguém q nunca tinha visto? Já tinha feito uma pesquisa no Google sobre isso, e realmente não havia essa possibilidade, mas realmente não lembro de tê-la visto.
Dormi pouco, mas o suficiente para sonhar mais uma vez com ela... ela claramente pedia ajuda. Parecia angustiada. Eu a amava, loucamente e apaixonadamente. Precisava encontrá-la. Acordei finalmente entendendo que não era um sonho e sim uma visão. Precisava compartilhar isso com Paul, mas ele não estava mais na barraca. O sol realmente brilhava lá fora, e eu decidi conversar com ele mais tarde.
—Já disse: Sua voz é uma opção, mas não é o que procuro, pode continuar tentando mas não vou deixar de procurar o que quero até encontrar.—Bárbara era implacável. Selena saiu esbaforida. Ela vinha tentando algum tempo ter o lugar da vocalista principal, a voz feminina que tanto Bárbara procurava. Dizia ela que isso iria nos encaminhar direto ao sucesso. Eu por minha vez, não tinha muita perspectiva quanto a essa voz, saberia que se quisesse alcançar o sucesso conseguiria de um jeito ou de outro. Mas Bárbara era determinada, ela fazia todos os anos uma seleção para achar a voz, só que se não achasse cancelava tudo, não havia ganhadoras ou perdedoras.
Todos deveriam sentir pena ou dar apoio a Selena, mas ela não dava muita abertura para isso. Então só assistíamos de camarote e em silêncio essa luta dela.
Aproveitamos o dia por completo, a lagoa, nossas músicas e nossa amizade eram a nossa exploração constante. Fazíamos planos para o próximo ano, afinal já estávamos encerrando o atual, enfim focados e descansados para prosseguir.
—Não acredito que amanhã já é domingo.— Alice falou com dó enquanto nos ajeitávamos para mais um luau.
—É passou rápido mesmo.— Professor Richard respondeu.
Richard era o professor de educação física da escola, ele e Bárbara sempre nos acompanhavam nos acampamentos... certa vez até pensávamos que rolava algo entre eles, mas Bárbara era páreo duro e deixava claro que seu foco era o trabalho o tempo todo.
Depois da cantoria maravilhosa. Me abri mais uma vez com meu melhor amigo. Ele concordou que certamente não eram apenas sonhos, talvez ele achasse que era melhor isso a pensar que seu melhor amigo estava ficando louco da cabeça. E sugeriu encontrar um especialista em retrato falado e a partir dai eu conseguiria ao menos mostrar sobre quem estava falando.
Gostei da idéia, e tinha um dinheiro guardado que o meu pai mandava todos os meses. Pensei que jamais usaria, mas vejo uma boa oportunidade para tal.
Acordei depois de uma noite tranquila, sem sonhar com ela. A manhã de domingo estava nublada, o que foi o suficiente para a lagoa estar mais gelada do que se tivesse sol. Então resolvemos apenas cantar, como se fosse a segunda a opção, o plano B, quando na verdade era o nosso porto seguro, nossa escolha, nossa vida.
Resolvi mostrar minhas últimas composições, e todos gostaram, mas Bárbara sempre era a mais empolgada, e já deixou claro que pelo menos uma delas iria ser tocada no próximo show beneficente.
—Bárbara, não tem como, já é na sexta e não conseguiremos ensaiar perfeitamente até lá.— Michel falou rapidamente.
Ele tinha razão.
—Ah, meus queridos, vocês tem as aulas pra ensaiar, me certificarei que vocês tenham o devido tempo para isso.— Disse ela se afastando, ela era intragável.
Ninguém reclamou apesar do esforço que todos teriam que fazer. Conciliar provas, trabalhos de fim de ano mais ensaios extras era bem cansativo.
—Me desculpem, se eu soubesse...— Falei.
—Não se desculpe, ela é imprevisível mesmo.— Michel completou. Ele parecia furioso.
Todos sabiam que ele engolia em seco muita coisa que vinha de Bárbara, ele se segurava pra não afrontá-la. Me pergunto até quando aguentaria.
O dia passou rápido, mas tivemos oportunidade de jogar um beisebol improvisado, foi mais divertido do que esportivo, dado os índices baixos de esportes em nossa carteira, não havia muita sobra, a música tomava quase todo o nosso tempo. O professor Richard, divertiu-se junto, esforçou-se por nos acompanhar em nosso desleixo.
Na vez de Alice rebater ela jogou a bola longe de uma forma bem desengonçada, gritou euforicamente até se dar conta que tinha de correr, mas embora graciosa, acabou tropeçando antes da primeira base, e a risada foi geral. Tínhamos que parar, já estávamos ficando sem bochechas de tanto rir. Paul correu pra ajudar Alice a se levantar... esses dois não me enganavam, na verdade não enganavam ninguém. Paul sempre corava quando falava com ela e quando se abria comigo a respeito dela. Eu incentiva-o a se declarar, mas ele colocava a banda em primeiro lugar.
Eu sempre dizia como agora.— Um dia você vai ter que colocá-la em primeiro plano.
—Eu sei, mas ainda não.— Ele disse aproximando-se.
De repente um barulho de água. Michel, Alice, Jean e Selena se jogaram na lagoa, soltando gritos eufóricos de frio. Paul e eu nos entreolhamos e em dois segundos estávamos lá também. Bárbara e Richard balançavam a cabeça sorrindo.
Depois de nos secarmos junto a fogueira, tamanho era o frio. Começamos a desmontar as barracas para descer a trilha até onde estava a van que o professor Richard alugou.
Realmente tinha passado rápido aquele final de semana, mas eu estava feliz por poder voltar pra casa ou simplesmente ter uma casa para voltar, minha vida era muito simples, mas eu era grato por tudo o que tinha, meus pais e meu irmão eram minha riqueza, meu escape. Além do que a comida da minha mãe era a melhor do mundo, o equilíbrio do meu pai era um ensino constante e meu irmão, um parceiro. Não lembro se alguma vez brigamos na vida. Ainda assim com tudo isto, eu tinha um espaço aberto em meu coração e ele não pertencia ao meu pai biológico, que me deixou pra trás ou minha mãe que morreu ao me dar a luz... falo dela, da garota dos meus sonhos, eu tinha que encontrá-la, tinha que saber se ela existia!
A Van finalmente parou no estacionamento do Colégio Gênesis, e ali já esperava o pai de Paul que nos levaria pra casa. Os outros seguiram seus caminhos também depois de despedidas.
A caminho de casa Paul contava ao pai como tinha sido, enquanto Jean e eu quase dormíamos de cansaço.
—Vocês dois são muito fracotes, não são nem 18:00, vão dormir com as galinhas é?— Paul falou debochado. Olhei para o Jean de uma forma sarcástica e vingativa e ele retribui e ao mesmo tempo demos um croque em Paul que tentava se safar no banco da frente. Sr. Walter ria junto conosco.
Foi assim que nos despedimos e entramos em casa... rindo...
Foi então que meu sorriso exterior se dissipou quando a vi. Eu não via mais nada. Só ela. Meu coração com batimentos descompassados... e então percebi que não estávamos sozinhos lamentavelmente quando ouvi alguém perguntar: —Quem é ela?
Pisquei sem tirar os olhos dela... Jean fez a pergunta. E minha mãe respondeu: —Jean e Gabriel, esta é a Gracy, Gracy estes são nossos filhos, Jean e Gabriel.
Não acredito, não acredito que ela estava ali na minha frente, mas como, eu tive que me controlar pra não correr abraça-la, todos os sonhos voltaram em minha mente, eu não conseguia parar de olhá-la. Então mais uma vez fui interrompido... desta vez por meu pai que até então eu não tinha percebido presente.— Jean, vamos lá para dentro, sua mãe e os dois precisam conversar.
Porque conversar somente comigo? Será que ela também sonhava comigo? Pensei e mais uma vez fui interrompido.— Gabriel, largue suas coisas e sente-se conosco um instante.— Minha mãe ordenou.
Larguei minha mochila e meu mini teclado ao chão e sentei e finalmente perguntei sem tirar os olhos dela... Gracy... minha Gracy. —O que está acontecendo mãe?
Ela tentou explicar.— Querido, não sei nem como começar, nunca achei que um dia precisaria falar com você sobre isso.
Eu estava começando a ficar nervoso com todo aquele pronunciamento formal... e a interrompi:
—Mãe, não enrole.— E voltei a contemplá-la.
Antes de minha mãe prosseguir... Gracy parecia tão ou mais nervosa do que eu e parecendo não suportar mais esperar soltou algo por entre seus dentes brancos, seus lábios dourados perfeitos que me deixou totalmente perplexo, angustiado e infeliz. O que ela disse, me tirou o chão, me fez transformar tudo o que sentia por ela em revolta... ela disse: —Sou sua irmã!
Não conseguia acreditar, não poderia ser verdade, eu me negava a aceitar aquilo... e quase gritei: — O que????
Minha mãe continuou como se não se importasse com a dor alheia... —Ela é sua irmã, filha de seu pai. A mãe dela faleceu ontem, e ela passará um tempo conosco, querido. Ela também não sabia que você existia. Seu Pai..
Gritei de novo... —Ela não pode ser minha irmã!
Gracy me olhou com cara de espanto. Mesmo assim continuei: — Eu não tenho nenhuma irmã, já que não tenho pai.
Meu pai era ausente, e no começo não entedia, depois me acostumei com sua ausência, mas o sentimento que agora nascia por ele, era o contrário de respeito. Como ele pode tirá-la de mim? Minha pergunta em pensamento tinha um duplo sentido.
Eu comecei a sentir um ódio brotar e provavelmente ele foi pairar estampado em minha face, pois ela me olhava com horror.
Minha mãe tentou prosseguir tentando esconder a aflição que a acometia. —Gabriel, escute o que tenho a te dizer.
—Não mãe, você teve 15 anos para me falar, eu não preciso ouvir esta baboseira agora—. Eu disse já sem conseguir olhar pra ela. Não poderia vê-la sofrer. Mas eu não poderia aceitar que ela era minha irmã...
—Filho...— ela tentou prosseguir sem sucesso.
—Mãe, já chega já ouvi o suficiente, vou dormir, estou cansado!
Logo que entrei no quarto joguei minhas coisas e levei a mão a cabeça. Não, não, não isso não pode estar acontecendo, finalmente a conheço e o amor da minha vida é minha irmã? Comecei a girar no quarto, precisava liberar a raiva... avistei o travesseiro e abafei o grito, comecei a socar imaginando ser meu pai. Enfim parei, tomado pelo cansaço e mesmo assim não consegui dormir por um bom tempo. Pensando que a mulher da minha vida, estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo.
Como um garoto de 15 anos poderia sentir tudo isso, eu a amava mais do que eu mesmo, mas ela era intocável. O que vou fazer? O que farei? Minha mente estava vazia... só conseguia ver seu rosto. Naquela noite triste e feliz, sonhei com ela de olhos abertos.
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