Capítulo 5
Na manhã seguinte, ainda chovia, talvez por ser domingo ou talvez pra eternizar o que aconteceu na noite anterior.
Eu acordei cedo. Não tão cedo como sr James e Sra. Madalena que foram a igreja Luterana da região, mas cedo o suficiente, para limpar a casa, e começar a preparar o almoço.
Jean e Gabriel dormiam em seus quartos, iriam acordar só para almoçar.
Eu estava incrivelmente bem apesar de tudo. Sozinha pude fazer um retrospecto da noite anterior, e engraçado tudo por pior que tenha sido, me trazia a lembrança das palavras de Michel para mim. Eu estava estranhamente feliz. Como se tudo aquilo acontecesse porque deveria acontecer. Minha mente bloqueou algumas coisas a respeito de Gabriel, e eu não me sentia amargurada, ofendida ou irada. Aceitei que deveria ser assim.
No almoço todos estavam presentes, por respeito aos pais. Mas o silêncio estava cortante. Até que Sra. Madalena, elogiou-me.
—Que almoço gostoso, deve ter aprendido com sua mãe!
Acenei afirmativamente, mas a verdade era meu pai tinha me ensinado a cozinhar, minha mãe esteve doente por 1 ano, bem quando deveria estar aprendendo a fazer "coisas de mulher". Meu pai ensinou-me tudo que hoje sei. Ao menos trago algo bom dele, para me recordar. Logicamente não poderia expor isso a mesa, Gabriel nunca teve um momento com seu pai como eu o tinha tido. Não queria feri-lo, por mais que ele merecesse. Não conseguia tratá-lo mal, ele era meu irmão. Talvez não o amaria mas também não o odiaria.
Ele pediu licença ao terminar e se retirou, logo foi sr. James.
Sra. Madalena me dispensou de lavar os pratos e fui para meu quarto.
Antes de poder fechar a porta, Jean entrou se entrepondo entre a mesma. —Desculpe por ontem Gray, não pude me conter em persuadir meu irmão a ...
—Tudo bem!— O cortei. — Não foi culpa sua.
—Foi sim. Eu o deixei sem argumentos. Ele é uma pessoa boa, mas detesta perder a razão.
—Jean, tudo bem, o que foi dito está dito, não podemos mudar o que aconteceu. Ontem foi a pior e a melhor noite da minha vida. Não sei como devo me sentir, se triste ou feliz, se choro ou dou gargalhadas. Só sei que não consigo odiar meu irmão, e nem desprezá-lo, e não estou mais me importando se ele consegue.
Ele me olhou com ar de dúvida. —Bem, seu choro e sua saída da pracinha me dizem o contrário.
—Sim. Mas o que acontece depois...
Ele arregalou os olhos. —Michel?
—Sim, Michel.— Afirmei
—Gracy, o que aconteceu?
—Não acredito que tenha de falar, ele é seu amigo não é?— Continuei calmamente.
—Gray... eu...
—Jean, por favor, quero deitar um pouco, acordei mais cedo do que desejava, hoje é domingo deveria fazer o mesmo.
Ele sai meio que assustado do quarto, mas eu não me importo, deito e acabo pegando no sono.
Acordo com uma chuva muito forte em minha janela, mas vejo que ainda está claro, olho para o relógio sobre meu criado mudo, já passa das 16hs. Dormi demais.
Ouço som de violão e ele vem da sala, passo no banheiro antes para lavar meu rosto. Ainda assim minha aparência não escondia que tinha dormido por umas horas, não me importei. Me dirijo a sala. E encontro Jean e Michel tocando juntos. Ligeiramente envergonhada a minha vontade de ficar é mais forte.
—Oi a quanto tempo está aqui? Falo constrangida.
—Cheguei tem 15 minutos.— Michel responde ainda tocando.
—Ele está me ensinando tocar violão.— Disse Jean.
—Quer juntar-se a nós?— Jean perguntou.
—Claro! Se não for atrapalhar.— Continuo.
—Não. Você só deixa as coisas melhores.— Michel interpôs.
Corei em dois tons. Jean ficou sem graça. Michel sorriu.
Entre um dedilhado e outro, até eu coloquei minha voz em alguns arranjos, nós três estávamos em uma harmonia diferente, conversamos sobre o fim das aulas, e o natal se aproximando, e como seriam a volta as aulas. Estava gostando da idéia de estar junto com Michel.
Dona Madalena fez um café e nós servimos da refeição juntos, onde soube que Gabriel tinha ido a casa de Paul, logo após o almoço. Eu já estava acostumada a ausência dele. Quando ele começasse a trabalhar em Janeiro só o veria no colégio e nos ensaios praticamente.
Michel se despediu, e eu o acompanhei até o muro, já passavas das 19hs.
—Eu não sabia que vinha hoje.— Indaguei.
Ele pegou minhas mãos e disse: —Nem eu, o Jean me chamou, aquela história de aprender a tocar violão era falsa.— Ele riu.
—Eu percebi.— Disse entendendo meu meio irmão.
—Acho que foi a maneira dele de nos dar a benção.— Falou.
—Mas eu não preciso da benção de ninguém Michel.
—Linda...— Ele fez uma pausa. — Você não pode perder a essência com a qual te conheci, uma pessoa doce, amável. Me apaixonei por ela.
Eu me surpreendi com sua ternura e prossegui: —Tudo bem, o Jean sempre foi tão querido comigo, sei que estou nervosa só isso.
—Tudo bem, estou aqui.— Ele me abraçou forte, me soltando e inclinando sua cabeça para mais um beijo. Me perdia ao beijá-lo, não sei bem ao certo, pois nunca senti, e exatamente por isso, achava estar completamente apaixonada.
Michel era imensamente gentil quando estava comigo, cuidava de mim carinhosamente, eu ansiava por encontra-lo cada vez que ele não estava presente.
Uma semana inteira se passou, e outra e mais outra, até chegarmos a duas semanas antecedentes ao Natal. Já estávamos envolvidos em alguns planejamentos, Sr James e Sra Madalena, não tinham familiares próximos, ele era de Portland, ela de San Sebastian, ambas cidades de outro estado com mais de 400 km de distância de Jacksonville. Creio que eles nem lembravam dos parentes, a história deles era bem parecida, perderam ambos os pais ainda criança, foram criados por tios ou avós, até terem idade suficiente para se sustentarem sozinhos, e vieram parar aqui se encontrando depois de 20 anos. A história deles remotamente lembrava o começo da minha.
Todos os anos a família de Paul e a de Jean e Gabriel que agora era minha também, revezavam as festas um na casa do outro, pois a família de Paul também era pequena na cidade. Paul era filho único, e desde criança conheceu Gabriel, o qual se tornou mais que um irmão, já se reuniam nas tais festas, quando Jean ainda nem tinha nascido.
Jean e Gabriel desde o evento na pracinha, não se falavam mais, a não ser coisas que envolvia a banda. Eu estava me sentindo culpada para variar. De certo modo Jean, não se importava, ele sabia que estava certo a meu respeito, que Gabriel estava agindo infantilmente. Não sei como será o clima no natal, além disso ainda estarei presente. Não quero definitivamente ser o centro das atenções. Meu estômago começa a revirar.
—Gray querida!— Até Dona Madalena já me chamava do apelido carinhoso dado por Alice. Antes era simplesmente, Gracy ou Anne, meu segundo nome. Passo a me acostumar com meu apelido, assim como com tudo ao meu redor. Não que não me lembre de onde vim, ás vezes me pego pensando na minha mãe, no meu pai, no meu piano que queimou junto com tudo o que tinha, e choro toda a vez. Paro de chorar e lembro de Gabriel, eu queria tanto poder abraça-lo, não o odeio, nunca iria odiá-lo.Volto a atenção pra Sra. Madalena que continua a falar. —Este ano teremos algo a mais a comemorar do que o natal, a sua presença aqui é muito importante pra nós. Por isso resolvemos fazer uma festa diferente, com a idéia de Gabriel e dicas de Alice resolvemos fazer umas da festas no restaurante Amom com toda a banda e a família dos integrantes.
—Nossa, tem certeza? Isso não sai dos planos de vocês?— Disse assustada, já pensando como assim idéia de Gabriel!!!???
—De modo algum!— Prosseguiu. —Já está na hora de sairmos da rotina, depois haverá uma ação de graças em nossa casa e o natal na casa de Paul.
—Ok então, obrigada por tudo.— Disse sorrindo.
Percebi então que Gabriel quis nos deixar a vontade antes de conhecer os pais de Paul, concordo que seria algo muito cabuloso para ambos, olhos curiosos a meu respeito e que se rebateria para ele. Deste modo, poderíamos nos conhecer antes, tendo mais pessoas envolvidas, o que faria as outras festas serem mais descontraídas. Ele foi esperto, tive uma ponta de orgulho por ser meu irmão. Mas logo passou. Fiquei feliz que passaria uma das festas com Michel, isto me levou a sorrir alegremente.
Ajudei Alice em uma tarefa que ela mesmo designou , dar nome aos convites da tal festa com a banda, esta estava sendo patrocinada pelos meus pais postiços e os pais de Paul, eles realmente eram amigos. Alice me confidenciou que eles conseguiram um bom desconto no Restaurante Amom por ser um numero grande de pessoas. Alice que deu as coordenadas, deveria ser uma festa social, mulheres de vestido, homens de terno, e os homens que estivessem acompanhados deveriam dar buques ás suas respectivas acompanhantes, o restaurante estaria fechado nesta noite somente para este evento, e haveria um baile, a banda também tocaria. Fiquei surpresa com o poder de organização de Alice. Ela conseguia me deixar também eufórica com todos os detalhes. Parecia um sonho esta festa, um sonho da própria Alice.
Convites prontos e seus nomes eram: Família Holsen (SR. James Sra. Madalena, Jean, Gabriel e Gracy Saint) Famíla Bleldorf (Sr.Walter Sra Quenia e Paul), Família Carsten (Sr Ruben, SraTarsila,Yuri, Ursula e Selena), Famíla Israeli (Sr Orlando, Sra Pietra, Alice, Aghata) Família Dalsow (Sr Frederico, Sra Guilhermina, Michel, Helia) e alguns convites foram distribuídos em branco, caso quisessem outras pessoas fundamentais para a tal festa. Caso os convites fossem usados, cada família pagaria a diferença pelos pratos á mais. Eu pedi para que Alice convidasse Arthur! Ele sempre estava presente como amigo, não poderia deixá-lo de fora. Ela achou a idéia ótima.
—Tenho uma coisa pra te contar.
—O quê?— Perguntei curiosa.
—Paul, me pediu para se sua acompanhante na festa.
—AHhh.— Gritei, ao mesmo tempo silenciando-me. —Que legal amiga, estou tão feliz por você.
Ela sorriu. E disse: —Eu gosto dele desde que me entendo por gente. Nunca tive coragem de dizê-lo, até aquele dia na pracinha. Desculpe ficar feliz por uma noite que pra você não foi agradável.
—Foi sim, eu tive um encontro maravilhoso com Michel, pude conhecê-lo e hoje estamos juntos!— Respondi.
—É verdade, isto sobressai todo o resto né amiga, ohh, agora que me toquei, praticamente começamos a namorar juntas, no mesmo dia, claro que não estou namorando o Paul, mas já conversamos dia destes e ele se declarou...— Rimos baixinho, ambas estávamos radiantes.
—Oh meu Deus, eu não tenho vestido e certamente não quero comprá-lo, pois nunca gostei de vestido, e pelo jeito vou usar somente uma vez. —Falei tudo bem rápido sem pausa arregalada pela lembrança.
Os olhos de Alice brilharam. —Certamente eu posso ajudar, emprestando sapato, maquiagem, e um vestido e...
Eu calçava 36 e ela 35, bom iria apertar pouco.... Eu resistiria por uma noite.
Minutos depois... —Uff, nada me serve Alice, o que vou fazer? Não quero gastar com isso, de onde você tirou esta idéia de festa hein?— Disse chateada.
—Ah! Gray, vai ser tão fantástico.— Ela fala olhando pro nada.
—Fantástico será eu ir pelada.
Ela riu.
Eu não.
—Vá pra casa, já está tarde, falta 3 dias ainda, daremos um jeito.— Eu tinha passado a terça-feira na casa de Alice para os últimos detalhes, e a única coisa não resolvida era meu traje.
Era 18:00hs, a Sra Madalena pediu para que estivéssemos em casa as 19:00hs para o jantar, ela faria um pronunciamento. Estava muito curiosa.O cheiro de cozido era implacável. Lembrei que tinha apenas almoçado, tamanha era nossa concentração na festa, minha e de Alice. A mesa já estava sobreposta, eu só pude correr tomar um banho e me encontrar com todos na cozinha. Nos sentamos, e saboreamos o jantar, apesar da fome, estava realmente maravilhoso. Creio que dona Madalena, não quis conversar durante o jantar, percebendo a vontade com que cada um desbravava seu prato. Todos tinha passado a tarde trabalhando, resolvendo detalhes técnicos para a festa. Lavei os pratos, dona Madalena os secou, e os três homens aguardavam na sala.
Estava começando a ficar nervosa com a burocracia do pronunciamento, já estávamos na sala á 5 minutos.
—Desculpe a demora, Quenia me ligou para mais alguns detalhes sobre a festa.— Sra. Madelena disse finalmente sentando. —Bom, sem mais delongas. O motivo de os reunir aqui é que eu quero pedir um favor aos três.— Ela olhava pra nós, Gabriel, Jean e eu. Olhamos pra ela, depois uns para os outros. —Quero pedir uma trégua, quero que voltem a se falar, quero que a paz reine novamente aqui...— Ela pausou, e começou a chorar. Eu a olhei já aflita, e também enchi meus olhos de lágrimas.
—Mãe...— Tentativa de Jean.
—Não!— Ela o cortou limpando as lágrimas.— Não terminei.— Disse. —Por favor, peço que tentem por mim, pelo seu pai, se ainda têm algo bom em seus corações, peço que pelo menos tentem, acho que todos merecemos, um recomeço. Eu deixei rolar uma lágrima. —Prometem, por favor? Prometem que tentarão ao menos suportar a presença um do outro?
—Tudo bem mãe! A frase era de Gabriel, ele parecia desconsolado por vê-la chorar. —Concordo com uma trégua, apesar de não haver guerra e sim consequências dela. —Ele finalizou.
—Eu também concordo, nunca planejei nada para magoar ninguém.—Jean indagou.
—Eu, sinto muito por tudo... eu só... eu não queria machucar ninguém, eu não queria ser como meu pai. —E chorei.
Jean, veio ao meu encontro,me abraçou.
Sra Madalena indagou: —Querida, você é vítima de uma tragédia, pare de se torturar, muitas pessoas já te amam tanto...— Gabriel estava cabisbaixo. —Eu acredito, que tudo irá se resolver, mas precisará haver esforços, sei que é tudo muito ingrato, mas se há uma ponta de amor no coração de vocês, ao menos tentarão, buscarão motivos, para mudar o imutável, possibilitar o impossível. Eu e James amamos os três, e os três são tão especiais com todas as diferenças, graciosos. Vocês são nossa família, nossa razão de respirar todos os dias.
A esta altura todos choravam, Sra Madalena, não era culta ao extremo, mas suas palavras eram tão cheias de sabedoria e amor que não conseguíamos repeli-las de penetrar em nossa pele e chegar ao coração, a ponto de movê-lo para outro curso. Ficamos silenciosos naquela sala, refletindo o que se ouviu, tentando absolver o novo rumo que nossas vidas tomariam.
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Há 2 dias da grande festa, depois da noite passada, nem lembrava que ainda precisava de um vestido e sapatos, abri a porta querendo me dirigir ao banheiro, quando vejo aos meus pés uma caixa grande e branca, com um laço vermelho, olho para os lados, digo: —Oi?!— A casa está vazia, certamente todos com suas tarefas e últimos detalhes para a festa. Olho para caixa novamente e a pego ,não era leve, nem pesada, coloco em cima da cama e abro. Era o vestido vermelho mais lindo que eu já tinha visto. Imediatamente o provei, ele ficou perfeito, combinou perfeitamente, com meu tom de pele branca e meus olhos esverdeados. Ainda eufórica, vejo pelo espelho que dentro da caixa ainda existe algo, sapatos! Vermelhos do mesmo tom do vestido, e luvas de cetim. Digo em voz alta: —Alice!
Pensei em ir vê-la, mas tinha tantas outras coisas pra fazer, resolvi então ligar, para agradecê-la.
—Alô! Oi dona Pietra, Alice se encontra?
Sim, só um momento. Ouvi Dona Pietra chamá-la.
- Oi, você me ama, eu sei, e não consegue ficar um dia sem ouvir minha voz. Alice disse rindo da própria idiotice.
- Haha, sua boba, eu te amo mesmo. - Alice! É lindo amiga, amei mesmo, você pediu pra alguém entregar?
- Ãh? O que Gracy, você andou bebendo amiga?
- Bom se era pra ser surpresa já era, o vestido é lindo, mas onde conseguiu? Continuei.
- Não estou entendendo nada, que vestido, que surpresa?
- Como assim Alice, o vestido vermelho...
- Não sei de vestido nenhum!
- Comentou com alguém? Perguntei.
- Não... quer dizer, só com Paul, mas ele nem se ligou no que falava,sabe como é né, homens não ligam pra isso, ah, a não ser que Michel tenha ouvido, estava próximo, no estúdio.
Oh, se fosse Michel seria a coisa mais romântica que eu já tinha vivido. Me despedi da Alice tendo certeza que o presente era de Michel. Agradecê-lo seria pouco, tinha vontade de correr até sua casa, mas hoje a noite ele viria, como toda a quarta. Resolvi esperar, não queria parecer uma louca apaixonada, apesar que aos poucos sentia-me assim.
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