𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 8 - 𝕺 𝕬𝖓𝖊𝖑
“As chamas da vida e do amor. O fogo da morte. E pensar que tudo se resume à um elemento natural de formação tão básica. Não há evolução, revolução, sem as tais ‘chamas da liberdade.’ Sejamos sinceros, meus caros leitores; do fogo viemos e no fogo nós morreremos. As belas labaredas que dançam sobre as lareiras diante de nossos olhos e iluminam nossas vidas, um dia serão as causadoras do breu, que será o último suspiro do universo.”
Lucy Vaughan
— Senhora Vero? Por que está puxando a jovem? — Essa é a voz da minha salvação ou da minha queda em desgraça. Rutts está no fim do corredor com uma expressão séria, apesar de, por trás de seus óculos retangulares, habitar um olhar tranquilo e levemente debochado. Com uma mão no bolso e a outra segurando uma garrafinha de água, ele vem até nós a passos largos, ficando na nossa frente em poucos segundos.
— Eu estou a levando para a diretoria, ela estava lendo sobre demônios! — A inspetora esbraveja para meu professor enquanto me olha com um olhar de fúria e desprezo muito intenso, olhar que eu não via há muito tempo...
— Jura? Que horror! — Ele olha para mim, fingindo estar decepcionado, com certeza o sarcasmo é seu ponto forte. — Bem, então se é assim, pode deixar que eu cuido dela. — Meu professor sorri gentilmente ao mesmo tempo que tira a mão da inspetora de cima de mim.
— Mas, Sr. Ravens… — Ela é interrompida na mesma hora.
— Ah não, não se preocupe. Lucy estava na minha aula, é responsabilidade minha, então eu deveria perceber o que ela estava lendo. A senhora pode deixá-la comigo.
— Hum... — A senhora nervosa por ser contrariada passa lentamente, quase rastejando, os olhos por mim e por Rutts com uma afiada desconfiança no olhar. — Ok. Qualquer coisa a sala do diretor é no andar de baixo. — Após dizer isso a inspetora sai e, ao virar o corredor, Rutts, que estava fazendo o papel de professor bravo e sério, relaxou e se virou para mim.
— Você só pode estar maluca de ler um livro desses aqui nessa escola!
— Eu precisava descobrir uma coisa.
— Que coisa? Eu posso ajudar.
— Isso. — Rutts se curva em minha direção para ficar da minha altura e eu mostro o símbolo no livro. No mesmo instante seu maxilar se enrijeceu ao franzir o cenho. A expressão em seu rosto era tão séria, pensei que estava mostrando algo proibido. Ao retomar sua postura natural em alguns segundos, após colocar sua garrafa embaixo do braço, limpou seus óculos na sua camisa social de manga longa azul-marinho enquanto soltou um longo suspiro, como se esse fosse um assunto que o cansasse.
— Onde você viu esse símbolo? — Seu tom de voz austero e imponente parece esconder muito bem um nervosismo genuíno tão intenso que poderia deixá-lo sem dormir por várias noites.
— Estava tatuado no braço do cara que atropelou Ivan… — Nesse momento pensei se deveria falar da menina da minha sala que também tem essa tatuagem. A escola nunca aceitaria ter uma aluna menor de idade com uma tatuagem, principalmente uma que não é algum símbolo religioso. Mas tenho certeza que o Rutts não contaria para alguém. — Também tem uma menina na minha sala, a loira de cabelo volumoso.
— Que merda... — resmunga. — Preste bem atenção no que eu vou te dizer. — Ele se curva para mim e coloca a mão em meu ombro. — Faça o seguinte, vá até à biblioteca Municipal aqui perto e diga para a bibliotecária que você quer ler sobre a história da cidade, ao dizer isso você vai, discretamente, mostrar isso aqui e ela vai te guiar corretamente.
— Eu sei onde fica a sessão de história, por que preciso disso para ser guiada? — Nesse momento o sinal bate e eu posso ver meu professor indo embora a passos largos e apressados e sumindo ao virar o corredor, ignorando completamente a minha pergunta. Olho para o objeto que ele me entregou. É um anel. Ele parece ser muito valioso, já que é de ouro e, em seu centro, tem a imagem de uma rosa vermelha. Ela aparenta ser feita de pedras preciosas, como rubis para fazer as pétalas, esmeraldas para o caule e, ao fundo, safiras. Por que será que ele carregava isso? Se é algo fino, deve ser guardado, não?
Me permito enrolar um pouco antes olhando o anel e, ao finalmente voltar para a sala, escuto o barulho de armários batendo e ouço a voz de minha amiga, Carla, ela provavelmente esqueceu de pegar o livro da aula de artes. Tomo a decisão de ir ao encontro dela para voltarmos para a sala juntas, porém ao chegar lá vejo que ela está com uma companhia bem desagradável. Aproveito que o babaca não me viu e vou me aproximando lentamente.
— Eai Carlinha, que tal a gente sair depois da aula? — É um dos amigos de Saulo. O que chamamos de capanga 2. Não é a primeira vez que esse cara enche o saco da Carla.
— Obrigada pelo convite, mas eu tenho um compromisso com o meu namorado. — Ela está encolhida, visivelmente acuada. Ele está com o braço esquerdo apoiado no armário, como se estivesse a prendendo. Essa cena é tão nojenta que faz o meu sangue ferver como se tivesse lava correndo pelas minhas veias.
— Aquele nerd sem graça? Ah qual é! Olha, se você quiser a gente pode ir numa festa, ou, para fazer mais o seu estilo, podemos ir para minha casa estudar. — Um sorriso malicioso cresce em seus lábios. É claro que seu objetivo não é estudar.
— Não, obrigada — Ela o empurra timidamente, tentando sair das garras dele, no entanto ele coloca o outro braço na frente, querendo crescer para cima dela.
— Ah vamos, vai ser legal e... — Agora meu sangue explodiu! Eu não ficarei sem fazer nada. Quer medir forças? Então vamos lá.
— Ela já disse que não quer, porra! — Já chego dando um soco no armário para assusta-lo, o que funciona visivelmente pelo pulo que ele deu.
— Veio proteger a amiguinha, é? Acha mesmo que pode brigar comigo, gordona? — Confronta, apontando o dedo na minha cara. — Mulher tem que obedecer, querida. — Agora você passou dos limites, garoto. Pego seu dedo e, a partir dele, giro seu braço bruscamente até a parte de cima das costas e o coloco contra os armários, dando-lhe uma chave de braço
— Homens como você tem que calar a boca e aprender a respeitar, querido. E de agora em diante eu sugiro que você comece a respeitar as meninas daqui, porque se não, na próxima vez não será só o seu braço que eu vou quebrar. Eu vou acabar com você! Fui clara?
— S-Sim, muito — Parece que agora o valentão decidiu colocar o rabinho no meio das pernas.
— Ótimo — Abro as minhas mãos, liberando-o e ele sai correndo para a sala.
— Obrigada por isso Lucy, de verdade. — Sibila Carla, aliviada de sair daquela situação.
— Não precisa agradecer, só fiz meu papel de amiga, mas esse final de semana eu vou te ensinar defesa pessoal. Você precisa aprender a se defender! — Falo com um leve tom de sermão.
— E o que eu poderia ter feito?
— Bem, ele estava na sua frente, então você só precisava erguer o joelho e dar uma joelhada no saco dele, seria muito mais prático.
— Como você fez com o Ivan? — Ela me pergunta isso dando uma risada discreta.
— Não me lembro de ter lhe contado isso. — Cerro meus olhos em sua direção e levanto uma sobrancelha.
— E não contou. Foi o próprio Ivan quem disse.
— O Ivan te contou? Quando? E assim, do nada? — Me exaltei um pouco no tom das perguntas. Isso tudo soa muito estranho para mim. Ele claramente tem dificuldade de confiar nas pessoas e socializar. Por que conversaria tão aberta com a Carla, que conheceu ontem?
— Hey, calma. Ontem, o Eric, depois de muita insistência, tinha conseguido o número do Ivan, porque realmente tinha achado ele um cara bacana. — Eric e sua vontade de abraçar o mundo. Não me surpreende que esteja com minha amiga há tanto tempo, ambos são bondosos demais para ficarem com alguém que não seja assim. — De noite, depois do acidente, nós estávamos conversando e decidimos ligar para vocês e perguntar como estavam. Foi aí que, depois de muita conversa, o Eric perguntou para o Ivan como vocês se conheceram e ele disse. — Sua simplicidade e tranquilidade ao contar essa história é assustadora. Esse não é o Ivan que eu conheço, nem de longe.
— Isso ainda não faz sentido para mim. Por que agiria assim com alguém que conheceu ontem?
— Lucy, às vezes foi só uma fragilidade do momento. Ele tá em um hospital só com a mãe e enfermeiros, conversar com alguém que mostrou se importar com sua saúde pode ser muito bom, mesmo que isso não seja do feitio dele. — Ficamos andando até a sala por um momento até que Carla para e dispara a falar. — E tem uma coisa que eu pensei agora Lucy. Vocês se conheceram na sexta-feira. Como você já sabe como ele é ou não é? — Sua pergunta me constrange e me faz permanecer em silêncio. De fato, eu o conheci há pouco tempo também. Não conversamos muito e o nosso primeiro encontro não foi o melhor. — Você sabe que precisa maneirar essa mania de bater o olho em alguém e tentar decodificar essa pessoa. Nem todo mundo é o que parece.
— Sim, eu sei... — Parece que agora foi a minha vez de levar um sermão. Passados poucos segundos de silêncio quem retorna a falar para melhor o clima, sou eu. — Enfim, voltando um pouco no assunto, ele contou a história completa? Mostrando os dois lados? — Ela revira um pouco os olhos enquanto sorri comicamente.
— Sim Lucy, ele admitiu ter sido um babaca bem escroto que nunca deveria ter feito aquilo. — Seu deboche me faz rir também.
— Hey, não foi isso o que eu perguntei.
— Mas era o que você queria escutar. — Ela me empurra levemente com o ombro e nós continuamos rindo pelo corredor.
— Haha, é realmente.
Quando chegamos na porta da sala vemos todo mundo arrumando os materiais desesperadamente. A professora de artes está dizendo para todos terem calma. Eu e Carla agimos por reflexo e começamos a fazer a mesma coisa que todo mundo à nossa volta.
— O que tá acontecendo? — Pergunto enquanto arrumo meu material também.
— Parece que acharam uma suspeita de incêndio aqui na escola. Estão fazendo a evacuação! — Diz Jean, que estava levemente trêmulo. Dizer para ele manter a calma é a mesma coisa que dizer para sair correndo desesperado parecendo uma gazela. Apesar desse meu pensamento cômico meu corpo não consegue deixar de se arrepiar e meu estômago não para de se contorcer. Me sinto paralisada e gélida, meu coração está prestes a explodir, como no dia do acidente.
Por favor, outro incêndio não!
— Mas tem um detalhe que você esqueceu de falar, Jean. — Informa Eric, que, como sempre, parece sair do nada. Fortemente abraçado em minha amiga, os dois se aproximam de nós. Eles namoram há 3 anos e ela é o bem mais precioso que ele tem. — O pessoal olhou pela janela da sala e viu que tem polícia lá embaixo. Pelo que disseram, estão achando que isso é um incêndio criminoso, e o pior, estão suspeitando que foi o Rutts.
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