𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 36 - 𝕻𝖆𝖌𝖎𝖓𝖆𝖘 𝖘𝖆𝖓𝖌𝖗𝖊𝖓𝖙𝖆𝖘
"Um conto, tantas histórias. Um céu, tantas estrelas. Uma coroa, tantas cabeças. Ser único costuma ser difícil, mas ser memorável... ah, isso está em um nível acima. Acima da vida e da morte, acima do poder e da glória."
Lucy Vauguan
As palavras ao vento perpetuaram-se.
Um buchicho aqui, uma língua maldosa ali, e todos já sabiam do meu ocorrido indigesto. Andar pelos corredores de pedras frias enquanto recebo reverencias vazias de funcionários que me esfaqueiam com os olhos não é mais um desconforto; pelo menos não agora.
As notícias que Sadie me deu foram de sumo valor e peso. Ela - pobre coitada, sem nem ao menos perceber – me deu a chave para abrir mais um portão dentro de mim, armando mais um dos meus demônios. Sei que estou enlouquecendo, mas ainda há uma parte de mim, talvez uma partícula da minha alma, que deseja a sanidade, a bondade.
Maldita, me dá tanto trabalho!
Passei o resto do dia anterior e da madrugada alimentando meu escárnio e meu cachorro, ambos tão amáveis. Isso me deu profundas olheiras e uma cara chupada, emagreci demais com o último mês. Torço o nariz para a figura desalmada a minha frente. Isso me desagrada profundamente, meu corpo era meu orgulho, minha pedra preciosa e detalhadamente polida a cada dia. Acho que farei mais uma exigência para Renne, talvez alguns bons cremes e maquiagem. Quero ser uma bela rainha.
Continuo me admirando no espelho até meus olhos pousarem em um único ponto. Uma pequena elevação na almofada da minha poltrona de leitura. Quase me esqueci do livro intacto. Me viro para encara-lo de frente e me aproximar de forma rastejante, me agachando diante do mesmo em seguida. Hesito em toma-lo em minhas mãos, ainda perturbada pelas memórias de um passado recente. Balanço minha cabeça para sair dos devaneios e criar coragem para pega-lo, mesmo com meus dedos ainda tremendo. Abro o livro na primeira páginas e prossigo minha leitura.
"Há sangue em suas mãos? Ossos quebrados e mortes nas costas? Há repúdio pela queda e anseio pela vitória?
Ah, como sou bobo, se é capaz de ler tais palavras de tinta, então é claro que sua alma já foi pintada com sangue.
Saudações, majestade. Acomode-se, hoje eu serei seu trovador. Seu contador de histórias verdadeiras demais para serem lidas apenas uma vez."
"... Tem certeza que lerá isso?..."
A voz...
Engulo seco meu medo que me levaria ao chão se eu já não estivesse nele. A voz está mais suave que da última vez. Doce e calmante, como se fossem as falas de um ancião.
— O que quer aqui? Terminar o serviço incompleto? — Firmo minhas palavras para não gaguejar, não ceder, jamais perder.
"... Vim em paz..."
— Paz? — rio com deboche. — Se for com a mesma paz da última vez, então eu dispenso!
"... Preciso conversar com você..."
— Não tenho nada para conversar com você!
"... Jura? Então por que ainda está falando comigo?..."
Me calo, sem uma resposta à altura.
"... Você precisa de mim, Lucy. Precisa da minha verdade, das minhas respostas..."
— Eu não preciso das suas verdades, esse livro já me dirá tudo o que quero saber.
"... Justamente, estou aqui para te ajudar e guiar ao longo dessa obra tão... nobre..."
— Dispenso sua ajuda. Meus olhos estão em ótimo estado para a leitura.
"... Como queria, Guardiã..."
Balanço a cabeça para me concentra na descoberta das palavras escondidas atrásdessa capa, ainda que meus instintos estejam aguçados e sensíveis com a presença da voz, que acredito ter ido embora. Arranho sutilmente a capa de veludo do livro e sinto um forte arrepio percorrer todo meu corpo, como se meu sangue estivesse congelado. A ansiedade de saber a verdade me paralisa, mas logo depois me lança uma capa energética que me faz abrir o livro desesperadamente.
Prove-me quem és. Diga-me quem tu és. Aqui, teu nome não importa, é esterco de abutre. Prove-me quem você é.
Releio o pequeno texto e notou que, logo abaixo do mesmo, há uma mancha vermelha quase preta. A textura parece ser de tinta, mas ainda assim, aproximo meu rosto do papel e já sinto um cheiro de ferro. Forte demais.
É sangue.
Sangue seco e puro.
Franzo minhas sobrancelhas e dou de ombros para essa estranheza, prosseguindo com as páginas logo em seguida, mas minha alegria é breve quando vejo que todas as páginas estão em branco. Folheio o livro de todas as formas possíveis, coloco as folhas contra a luz, e nada.
"... Um livros sem boas palavras é como um corpo sem alma..."
— Sim...
"... Ainda pretende recusar minha ajuda?..."
Pondero sua proposta.
— E qual é o preço disso? — Faço da minha voz um deserto seco.
"... Não há preço..."
— Para tudo há um preço. Qual seu benefício nisso?
"... Sua sabedoria é meu benefício..."
Torno a analisar.
"... Você lerá o livro ou não?..."
A voz está ficando ansiosa, isso mostra que ela é real, e não apenas um fruto da minha gradual falta de sanidade.
— Você não vai desistir, não é? — Sua resposta é uma risada breve e um pouco debochada. — Está bem, eu te escuto, mas só se prometer que não tentará me dominar e me matar como da última vez.
"... Se eu realmente quisesse fazer isso, você já estaria sob o meu controle, visto que você não parece ter tanto poder sob si mesma..."
— Se eu não tivesse tanto "poder" sob mim mesma, você teria conseguido me matar.
"... Eu não queria te matar. Entretanto, não é para falar sobre isso que estamos aqui. Vamos ao que interessa?..."
A voz parece ter ficado levemente irritada. Talvez ela realmente queria me matar, mas não podia.
— Claro. O que devo fazer?
"... Retorne para a página sangrenta e faça o que é mandado com uma gota sua..."
Entendo seu enigma e volto para a única página com algo escrito.
— É o que estou pensando?
"... Exato. Nem mais, nem menos..."
E ao ritmo de um suspiro, mordo fortemente meu dedo de forma até casual, e deixo uma gota gorda de sangue cair sob o papel e engrossar ainda mais a mancha de sangue. O fluido vermelho mal termina de se espalhar pela área amarelada quando uma linha brilhante irradia entre as páginas. O solto no chão e o deixo brilhar e se debater sozinho. O livro começa a se folhear para todos os lados e dar pequenos saltos, como se fosse alguém convulsionando, enquanto o brilho branco aumenta a cada segundo.
A loucura acaba exatamente como terminou, completamente só e de repente. O livro para se mexer e se fecha, voltando a parecer um objeto normal e inanimado. Me mantenho imóvel, em uma defensiva rígida, com receio de me aproximar.
"... Agora pode usufruir dele. Não se preocupe, ele não irá te morder..."
Estendo minhas mãos e o seguro com cuidado, abrindo logo em seguida da mesma forma. Não é mais o mesmo de antes. Tem tantas palavras, imagens, desenhos e rabiscos que se assemelha muito à um...
— Esse é o livro dos antigos Guardiões, não é? — A voz não emite um único ruído, mas seu silencio já é resposta o suficiente. Prossigo com minha leitura.
"Ultrapassou a barreira de sangue, bravo Guardião. Agora sim você estará armado até os dentes com a mais mortal das armas. O conhecimento. Afinal de contas, isso é o que os acima de nós mais temem, e se temem tanto, é por saberem o estrago causado por um cérebro. Mas para entendermos tudo, primeiro precisamos entender o início de tudo.
Os 6 pilares
"Há algo mais belo que um amontoado de pontinhos brilhantes no céu? Eu acredito que não, e sei que a Deusa Tarana também ama esse presente que seu amado marido, Deus Aidus, fez inspirado em sua beleza avassaladora. O céu era um preto-azulado como seus cabelos. O brilho perolado das estrelas era a pintura de seus olhos.
Mas havia algo faltando. Com o passar dos séculos o vazio ia ficando mais pesado e imensidão do nada apertava o coração do Deus. Tanara, vendo a tristeza de seu marido, decidiu presentear-lhe com mais 9 seres para ocupar espaço no universo, gerando, assim, seus 9 filhos.
Arekratã era o mais velho e, como espero, o mais sério e responsável de todos, puxando, não só os cabelos ruivos do pai, mas também o instinto de liderança. Tireos vivia de piadas, nem todas muito divertidas. Wiria era a mais leal; a verdade acima de tudo, como diria a mãe.
Wintos era avoado, mas quando se tratava de fazer o certo, não tinha quem o batia. Serkã era o amor encarnada, não tirava o romance da cabeça. Ah, majestade se a visse... estaria sorrindo tanto quanto eu. Lírian era imbatível. Uma máquina de luta com um temperamento tão curto quanto seus cabelo negros.
Arissa era... como posso dizer... uma menina peculiar. Preferia a companhia da escuridão do que a da própria família. Montã era bruto como um touro, mas se permitia ser algo além disso quando estava com sua amada irmã Alena, o que não é surpresa para ninguém. Era a mais amável. Era suave como o vento e alegre como a brisa, tal qual sua mãe.
Tudo estava completo. O equilíbrio e a harmonia reinavam. Os deuses acabaram com o vazio que os dominavam e agora suas vidas giravam em torno dos filhos. Mas, assim como as estrelas são finitas e um dia acabam explodindo, a paz e felicidade do casal também viria a se tornar apenas fogo e cinzas."
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