𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 31 - 𝕿𝖊𝖒𝖕𝖊𝖘𝖙𝖆𝖉𝖊 𝖓𝖆𝖘 𝖁𝖊𝖎𝖆𝖘
"Carrega teu sangue; enobrece tua carne; eleva teu espirito. Seja tua e de mais ninguém. Lute e viva por si mesma, por que na escuridão da noite, até a tua sombra te abandona."
Lucy Vaughan
No dia seguinte a minha perturbadora passagem pela cidade eu sou acordada por minha tia, que já está abrindo as cortinas e falando um monte de palavras que eu ainda não estou acordada o suficiente para assimilar. O sorriso reluzente em seus lábios é animadora, mas eu ainda tento cobrir minha cabeça com o cobertor, no entanto suas mãos ágeis são mais rápidas e puxam o cobertor até o chão.
— Posso saber o porquê desse desespero para me acordar? — Me sento na cama enquanto esfrego meu rosto para tirar o sono dos olhos.
— Hoje o seu treinamento de Shomã vai começar. O seu professor já está arrumando os equipamentos e o terreno para todos exercícios que vocês vão fazer. — Antes que eu tenha tempo de processar todas essa informações ela já dobrou as cobertas e deixou meu uniforme de treinamento estendido na cama. — Vista-se e já desça para tomar um bom café da manhã, você vai precisar de muita energia.
— Está bem. — Me levanto e vou até o meu uniforme para trocar de roupa quando minha tia vem em minha direção e coloca a mão esquerda em meu rosto. Ela me encara com seus olhos poderosos, que agora expressão um carinho imenso, quase materno.
— De o seu melhor hoje, ok? — Ela me dá um beijo na bochecha e sai do quarto, me deixando sozinha e bem confusa com esse carinho excessivo.
— Que bicho será que mordeu ela?
Em 15 minutos eu já estou pronta e na pequena fila que se formou na porta do refeitório, que ainda não abriu. Devo admitir que, apesar de já estar aqui há mais de um mês, é desconfortável ser a única mulher que participa do treinamento e que tem ficar nessa fila no meio desses marmanjos com os hormônios a flor da pele. Acho que o fato de estar sozinha aqui é o que mais intensifica meu temor. Antes eu tinha Ivan para me distrair dessa preocupação e até me ajuda em caso de necessidade. Pensar nele me aperta o peito e me faz encolher involuntariamente, é como se eu tivesse perdido mais uma parte minha. Me pergunto quantas partes eu ainda tenho para serem quebradas ou perdidas até que eu suma. Não demora muito para que eu saia da minha melancolia e volte para a realidade barulhenta em que me encontro. E adivinhe quem é o responsável pela necessidade extrema de atenção. Isso mesmo, Saulo e sua gangues de jumentos bípedes. A vítima da vez deles é Rhayon, que apesar de calado, está visivelmente irritado com a situação.
— Sabe, eu queria entender porque você treina. Tipo, olha para você, é magrelo e pequeno, parece um inseto. — Nesse momento, não satisfeito com a humilhação, Saulo dá um empurrão muito forte em Rhayon. Eu, que estava perto da situação, me viro para ver melhor o que está acontecendo e é nesse momento que ele cai justamente em cima de mim. Ao ver sua quase completa queda, estendo meus braços para pega-lo, o que dá certo, até seu peso fazer meus joelhos desequilibrarem e irem ao chão. Como ele caiu de frente para mim e eu o segurei pelos braços, ele fica esticado sobre mim com o rosto no meu peitoral, perto dos meus seios. Quando nota a posição em que está, ele se levanta da forma mais rápida e desesperada que eu já vi, enquanto me pede desculpas sem parar e me ajuda a me levantar.
— Por Genevieve! Lucy, me perdoa, por favor, eu juro que eu não tive a intenção. De verdade, eu não quis te constranger, eu... — O interrompo para tranquiliza-lo
— Tá tudo bem, Rhayon, sei que não por querer. — Dou um tapinha em seu ombro para demostrara a verdade em minhas palavras. Rhayon é o tipo de pessoa cuja a bondade e a ingenuidade estão estampadas na testa e marcadas no olhar, sei que ele jamais agiria na maldade com quem quer que fosse. Já Saulo... O idiota ficou rindo com a sua trupe de hienas imbecis e fazendo comentários como ''agora eu te invejo muito Rhayon. Você deveria me agradecer por te fazer esse favor'' — Já chega Saulo! Já fez sua piadinha escrota e já cumpriu a sua meta diária de babaquices, deixa ele em paz.
— E se eu não quiser deixa-lo em paz? O que você vai fazer? Vai fazer uma exigência para o Renne sobre mim? — Me pergunto como isso chegou à seu conhecimento enquanto ele começa a se aproximar de mim de forma imponente e eu me mantenho imóvel, esperando o momento certo para agir. Momento esse que não chegou graças a um par de olhos roxos e cabelos louros.
— Não ouse tocar nela, Saulo! — Levi surge ao nosso lado com as sobrancelhas franzidas e uma expressão quase tão séria quanto a que estava no dia do sequestro de Ivan.
— E seu tocar? O que você vai fazer? — Esse cara definitivamente não sabe discutir sem usar os punhos?
— Vou cortar as suas mãos e fazer você engolir as duas lentamente. — Já vi muitas pessoas nervosa e conheci vários tipos de reações a esse sentimento, mas nenhuma chega aos pés de Levi. Sua raiva e vontade de esmurrar Saulo transbordam e se ressaltam em seus punhos cerrados que devem estar fincando as unhas na pele da mão. É como se tivesse uma sombra demoníaca sobre sua cabeça, lhe dizendo o que fazer e o que não fazer, destruindo toda a aparência de tímido que ele tinha. Saulo apenas ri debochadamente perante a ameaça que tem a mesma altura que ele e relaxa os ombros. Seu olhar de ódio mostra que ele está prestes a explodir e faz meu estômago estremecer. Por favor não faça nenhuma besteira.
— Sabe qual é o seu problema Levi? Você sempre foi mimado e tratado como um príncipe quando era mais novo, mas agora você é só um bosta fracassado que tenta ter a atenção da mamãe. Aquela velha nem tenta disfarçar o desprezo que ela tem por você.
— Assim como o seu pai, não é? — Eu jurava que Levi daria um soco na cara de Saulo, mas acho que isso doeu mais que qualquer surra. — Fiquei sabendo que ele quase foi suspenso do exército de novo por ter agredido um companheiro de guerra. Não me surpreende que você seja assim. Um filho da puta revoltado que precisa humilhar os outros pra ter um pingo de autoestima e não se sentir tão inútil quanto você realmente é.
Silêncio
Silêncio de Saulo. Silêncio de Levi. Silêncio de todos. O silêncio palpável que comprime nosso corpos e evidencia o olhar selvagem dos dois homens na minha frente. Seus peitos arfando mostrando que nenhum dos dois sabem se ataca ou se vai embora. A tensão se mantém até Saulo dar o primeiro passo em direção a porta de saída, completamente constrangido e calado. Minha mente entra em confusão e a única pergunta que se ressalta é "O que acabou de acontecer aqui?" Levi se mantém na mesma posição até a porta de saída se fechar atrás de Saulo.
— Me desculpe. — Levi solta a pressão em seus ombros, fazendo sua fala soar de forma fraca e suplicante. Ele sabe que seria loucura enfrentar uma pessoa com um instinto animal agressivo e que tem uma força muscular absurda e sabe que só ''ganhou'' por causa de sua lábia depreciativa.
— Você não fez nada de errado. — Diz Rhayon, tranquilizando-o — Na verdade quem tem que pedir desculpas sou eu. Se eu fosse mais forte como Yala ou Edy ele não mexeria comigo e vocês dois não precisariam comprar essa briga. — Ele abaixa a cabeça e se encolhe em sua melancolia.
— Hey, olha para mim. — Levi segura os ombros de Rhayon e olha em seus olhos. — Você é forte. Pode não ter a mesma força que os seus irmãos, mas você é forte sim! Nunca deixe que um babaca como o Saulo ou qualquer outro te diga o contrário — Rhayon apenas dá um sorriso comprimido para as palavras de Levi e vai se encontrar com outros meninos que estão mais na frente da fila e um pouco distante de nós.
— Ele sempre teve problema com a autoestima? — Pergunto para meu defensor de olhos roxos. Ele solta um longo suspiro antes de me responder.
— Sim. Mas eu acho que isso nem vem tanto dele, é algo mais externo. —Ele cruza os braços, se colocando em uma posição confortável para conversar. — Todos sempre o comparam e pressionaram para ser como os irmãos. Eu até entendo as expectativas altas, visto que o pai foi o general que comandou as tropas na Guerra de Fogo e os irmãos são da alta patente no exército de elite, mas as vezes as coisas passam do limite.
— Como assim ''passam dos limites?
— Edy, o irmão mais velho. Ele é o general chefe do exército de Elite e quer que Rhayon sigo os mesmos passos dele, mesmo pra isso o Rhayon tenha que se machucar. — Sinto minha língua formigar de vontade de perguntar o que ele quer dizer com se machucar, mas eu vejo em seus olhos que ele não me responderia por achar que já falou demais.
— E Yala? Como ela enxerga tudo isso? — Minha pergunta parece pressiona-lo. Ele me olha nos olhos e me avalia, com certeza se perguntando se pode ou não confiar em mim. Por fim, tenho o resultado de sua avaliação. Vejo seus lábios um pouco grossos se abrirem e se prepararem para formular a primeira frase.
— Pelo que ele me diz ela é neutra com a situação. Não o cobra, mas também passa a mão na cabeça dele. De início ela estava relutante quanto ao treinamento separado que Edy queria aplicar com ele, mas parece que foi convencida de que aquilo seria melhor para ele. — Levi ser curva um pouco para o lado para ficar quase da minha altura e não ser escutado por todos. — Cá entre nós, luta não é a praia dele. Acho que ele iria preferir seguir os passos da mãe e ir para área da medicina.
— Entendo.
Demora um pouco, mas logo o refeitório abre suas portas e nós nos enfileiramos melhor para pegar a comida. Me sento com Levi, Rhayon e seus amigos, mas logo que acabo de comer já sou chamada por Rutts, que me grita da porta de entrada do refeitório, assustando as tias que servem a comida. Conforme ando pelo corredor de mesas e cadeiras percebo que a uma certa tensão no ambiente, uma tensão que parece ser referente a Rutts. Me pergunto o porquê de tal reação coletiva, mas não pretendo verbalizar tal dúvida, sei que não irei obter respostas certas.
— O que faremos hoje? — Pergunto enquanto andamos até a porta dos fundos do castelo.
— Faremos o Shomã na prática. Você não pediu o melhor usuário de Shõma da atualidade? Pois aqui estou eu. — Sua expressão e fala de irritação misturada com suas longas pernas que me fazem ter que correr para alcança-lo e o fato de ele não ter olhado para mim em nenhum momento me deixam incomodada, para não dizer apreensiva. O que está acontecendo com o pessoal de castelo?!
— Eu não deveria me aprimorar mais na teoria primeiro?
— Não temos tempo para isso. E além disso, eu creio que você já aprendeu tudo sobre o Shõma quando se trancou no seu quarto como uma típica adolescente histérica e quis ler todos os livros que uma empregada te trazia. — Desacelerar. É a única coisa que eu consigo fazer. Me sinto fragmentada. Um lado meu me manda parar de andar e quando ele que virar para me chamar eu posso dar uma bela lição de moral nele. Outra parte apenas ir embora em silêncio, mas ao invés disso eu apenas continuo andando em silêncio. Por que sou sempre eu que as pessoas usam para descontar a raiva?! Que inferno! Eu sei que as pessoas tem dias ruins, mas por que todos me enxergam como um saco de pancadas?
— A primeira coisa que faremos é descobrir qual poder você tem. — Ele finalmente diz algo depois de quase 20 minutos de caminhada para uma área de grama rala e poucas árvores.
— Como assim? Por eu ter 100% do sangue Malach ativado no meu corpo eu não deveria ter todo o poder Malach?
— Achei que você saberia que não é assim que o Shõma funciona, já que leu todos os livros sobre ele. — Isso já está passando dos limites. Se ele quer me ensinar algo é só olhar na minha cara e me dar a porra de um sermão!
— Qual é o teu problema hein, Rutts? — Dou uma corridinha e me coloco na sua frente, fazendo ele para abruptamente. — Por acaso você está tendo um dia ruim e achou que seria uma boa ideia descontar tudo em mim? Tudo bem, eu posso ter sido sem educação e até prepotente naquela hora, mas não foi à toa, ok? Vocês mentem para mim e me escondem tudo que podem o tempo todo, mesmo que isso coloque em risco a minha vida! Se vocês estão pensando que me deixar ignorante a respeito de tudo me fará ser o seu fantoche, estão muito enganados! — Ele fica em silêncio até sorrir para mim de forma convencida e esse sorriso se desabrochar em uma grande gargalhada, como se tivesse ganhado uma discussão.
— É bom ver que você entende o erro que cometeu naquele dia, Lucy. Mas eu recomendo que você não se deixe levar tanto pelos sentimentos.
— Você estava me testando?!
— O que você acha? — Seu sorriso já é um resposta bem clara e me faz rir da situação. Ele é filho da mãe, mas eu também fui bem burra de cair nessa. É o Rutts, afinal.
— Bem, aparentemente você realmente não entendeu o Shomã e está perdida a respeito de muita coisa. Vou te explicar tudo.
— Vai me explicar tudo mesmo?
— Vou, pode ficar tranquila. — Nos sentamos no chão, um de frente para o outro, e ele começa a desenha a silhueta de um corpo, tipo a silhueta que vemos em aulas de ciências sobre o corpo humano, com um pedaço de pedra que ele achou no chão. — A primeira coisa que você tem que saber sobre o Shomã é que todos que tem o sangue Malach, mesmo que em pequena percentagem, tem os poderes do Shomã. No entanto esses poderes são extremamente difíceis de serem ativados e exigem um treinamento árduo por isso apenas reis e mestres do Shomã que aprendem essa técnica desde criança podem e conseguem aprende-lo. — Nesse momento eu sinto algumas borboletas no meu estômago por apreensão de talvez não aprender isso a tempo da coroação e até das batalhas que possa ter. — Mas você não terá tantos problemas com o tempo quanto os outros. Você tem o sangue Malach em potência total, só precisa descobri qual é o poder que você tem e aprender a arsenal de golpes que ele te proporciona.
— E por que eu só tenho um tipo de poder se meu sangue é 100% Malach? —Repito a minha dúvida antiga.
— Por que cada corpo Angales carrega um único tipo de poder, é algo que varia de pessoa para pessoa graças a carga genética dos pais. É tipo um jogo de DNA. Você deve ter aprendido sobre genética no primeiro semestre desse ano. — Responde ele didaticamente.
— E por que é tão difícil ativar o Shomã? — Agora é o momento dele voltar a agir como um professor e usar o desenho que ele fez na terra.
— Quando você ativa a marca da Rosa com o seu sangue, como nós já te explicamos quando estávamos em Trowny, a marca acaba ativando a parte de poder que armazenado no seu corpo, mas para que esse poder se manifeste ele precisa se fundir a parte mística do sangue. Então pessoas com uma baixa porcentagem precisam de muito treinamento durante anos. É como se nós tivéssemos que "fortalecer o sangue"
— E como vamos fazer para descobrir o meu poder?
— Primeiro temos que ativar a sua marca. — Ele logo se levanta e me estende a mão para que eu levante também. — Acho que você já sabe o que fazer.
— Sim. — Limpo as minha mãos que estavam sujas de terra e olho para a minha mão direita. Hesitante, eu penso se não há outra maneira de ter meu sangue que não seja tendo que morder o meu próprio dedo.
— Sei que está com medo, mas acredite em mim, assim que o treinamento começar você vai desejar que a dor no dedo seja a sua única dor. — Rutts diz isso na maior calmaria enquanto cruza os braços, só para variar.
— Isso foi uma tentativa de me tranquilizar? — Ele não me responde. Apenas ri suavemente e fica me esperando. Volto a olhar para o meu dedão direito e decido morde-lo de uma vez. Sinto uma dor muito aguda e gosto de ferro do sangue na minha boca. Logo tiro os fios da minha trança habitual de perto da marca de rosa, riscando a mesma com o meu sangue. Ela começa a brilhar e arder incomodamente, mas logo ela se apaga e para de doer. — Ok, e agora?
— Agora você vai segurar essa folha. E quando eu disser 3 você irá chacoalha-la uma única vez e rápido. Se ela pegar fogo, seu poder é Fogo. Se ficar encharcada, seu poder é Água. Se esfarelar, você domina a Terra. E se, mesmo com você segurando, a folha voar, você domina o Vento. É simples.
— Entendi. — Sinto meu coração acelerar e o nervosismo e a ansiedade começarem a me tomar. Respiro fundo para voltar a calma e esperar a contagem de Rutts.
— Ok, no 3. 1...2...3! — Fecho os olhos com força e chacoalho a mão como ele Rutts falou. Permaneço com os olhos fechados esperando ouvir a reação do meu treinador, mas ele fica quieto, então eu abro apenas os olhos para ver a folha.
— Ééééé, acho que algo de errado não está certo aqui. — Minha folha não teve nenhuma das 4 reações que ele disse. Ela está cortada ao meio em zigue-zague. Olho para Rutts que está totalmente parado com a mão fechada cobrindo a boca e as sobrancelhas franzidas com olhos arregalados, que mostram seu extremo choque. Ele parece estar totalmente perdido. — O que isso quer dizer, Rutts? — Ele demora a prestar atenção em mim, mas logo parece recobrar a própria consciência.
— Isso quer dizer que você é mais rara do que eu poderia imaginar. Seu poder são os Raios, Lucy.
— E isso é bom?
— Bom? — Ele dá uma pausa em sua fala, aparentemente pensado no que vai falar. — Lucy, essa é a variante mais poderosa que existe! Você é capaz de destruir cidades inteiras com esse poder!
— Ainda não entendi se isso é bom ou não.
— Sim, é bom. — Ele me responde ainda transtornado.
— Então se é bom por que você está com essa com essa cara? Parece que viu um fantasma.
— Porque até hoje só duas pessoas na história do mundo já possuíram esse poder ativamente. A última rainha de sangue puro que nós tivemos e...
— E? — Pergunto incisivamente para ele enquanto a curiosidade crescer em mim.
— E eu.
— Será que nós temos alguma ligação sanguínea distante? — Ele ficou distante por um momento. Atordoado e afundado em seus próprios pensamentos misteriosos.
— É, talvez. — Sua resposta breve é o suficiente para que eu entenda que esse assunto está encerrado entre nós. — Bem, o uso dos poderes até que é simples, mas você mentalizar uma imagem e focar nessa imagem. Logo em seguida você faz um pequeno movimento com as mãos e verá a mágica acontecer.
— Isso não deveria ser mais intenso ou complexo? Tipo como acontece em filmes de fantasia ou animes shounen onde os poderes são complicados e tem até nome. — Ele me olha com olhar de estranheza enquanto seus músculos faciais se contorcem em um sorriso abafado.
— Você sabe que não está no mundo de Naruto, não é? — Cruzo os braços como ele sempre faz e fecho a cara em uma chateação fingida. —Vou te mostrar como realmente fazemos a magia acontecer. — Droga! Ele não caiu na minha péssima atuação digna de um prêmio framboesa. — Vamos por partes. Primeiro quero que você imagine uma linha de raio entre as suas mãos.
— Tipo os raios de animes? — Rutts cobre o rosto com a mão direita, que mais parece uma pata de urso, e suspira enquanto sorri levemente. Ele já entendeu que para me fazer aprender, só na base do lúdico.
— Sim Lucy, tipo nos animes.
— Entendi. — É agora. Coloco as minhas mãos em uma distância de, aproximadamente, 30 centímetros uma da outra e começo a segui as dicas Rutts. Fecho os meus olhos para me concentrar melhor e ver os raios que quero fazer. Começo a ficar nervosa e sentir meu coração palpitar como se eu tivesse subido uma montanha. Me pergunto se isso dará certo. Fico nesse nervosismo até que minha mente visualiza a imagem de raios vermelho brilhantes. Valeu subconsciente por ter colocado a cor que vem me rodeando nesses últimos dias! Ok, objetivo visualizado, agora eu só preciso movimentar brevemente as mãos e seja o que Deus quiser. Chacoalho rapidamente as mãos, do mesmo jeito que faço para seca-las quando não há toalha nem papel por perto. Abro apenas um olho para ver o resultado, e adivinha? Nada.
— Você mentalizou o raio? — Indaga Rutts, que se desencosta de um parede que eu nem percebi que estava atrás de mim.
— Sim. Por que não deu certo? — Me aproximo dele, que vem em minha direção e coloca as mãos em meus rosto e o levanta, sem muita delicadeza, eu diria. — Qual é a dessa encarada, hein?
— Não estou te encarando, estou te analisando. — Sem ligar para minha cara de confusão, ele jogou a minha trança, que estava cobrindo a marca, para trás e estuda meu pescoço. — Olhos ainda escuros, marca riscada corretamente... — Ele murmura enquanto se afasta de mim. — Não vejo motivo para isso ter dado erra... Lucy, suas mãos! — Ergo minha mãos para ter o melhor alcance dos meus olhos e vejo que elas estão vermelhas, ou melhor, a aura delas está vermelha. É como se uma luva de luz vermelha englobasse as minhas mãos, deixando-as muitos quentes por sinal. — Lucy, coloque as mãos na posição em que estavam antes e mentalize o raio de novo. — Me afasto e faço o que meu tutor mandou. Não demora muito para o resultado aparecer. Vários ''fios'' de raios vermelhos e brilhantes como a Lua de Sangue aparecem e logo se unificam, formando um único raio, forte e de aparência resistente.
— Consegui! — Sorrio para Rutts, que parece estar mais feliz que eu. Imagino que isso deve ser um grande feito em sua carreira de treinador, visto que esse poder é tão raro.
— Ótimo! Agora poderemos dar continuidade ao treinamento.
E assim é feito.
Ele me pede para que eu corra toda a extensão desse campo 3 vezes. De primeira eu achei isso absurdo, mas logo depois entendi seu pedido. Meu sangue já é poderoso por si só e me dá mais velocidade, resistência e força, com a marca ativada eu potencializo tudo isso em, no mínimo 5 vezes. Após ter dado 7 voltas pelo campo – talvez eu tenha ido um pouco além do pedido - Rutts me diz para imaginar e forma uma bola de raios, tarefa que eu concluo rapidamente, que são feitas para que eu aprimore a minha mira e capacidade de arremesso. Tenho que atirar e derrubar uma pirâmide improvisada de pedras que ele fez enquanto eu corria. Devo admitir que fui uma catástrofe nessa atividade, o que causou vários buracos e sutis depressões na terra. Continuo ruim nisso assim como eu era nas barracas dos parques de diversão que ia com os meus pais. ''Acerte o palhaço e leve o urso'' era o que os proprietários gritavam.
— Tente jogar de lado. — Rutts vem até mim para me ajudar. — Você está jogando de cima e isso a faz bola forma um arco no ar, e não uma linha reta.
— Acho que entendi. — Sigo suas orientações e estico meu braço direito para o lado, ao invés de levanta-lo, arremessando minha bola de raios de lado e conseguindo derrubar a torre.
E assim nós passamos o dia inteiro. Ele me ensinando novas coisas e tendo que me corrigir em quase todas. Esses últimos dias de perturbação parecem ter me tirado parte do controle que eu tinha. Treinar e poder me movimentar ao ar livre e sem ninguém em cima de mim, é libertador. Poder correr por todo esses espaço lançando bolas de raios recém aprendidos, apesar de perigoso, é revigorante e muito terapêutico. Um momento onde eu não tenho que pensar em reino, em Renne, em Ivan, em Lorde do Inferno e nem nada, eu penso apenas no vento que beija meu rosto e faz meu espírito voar. Quando começa a anoitecer Rutts me chama para iniciarmos nossa caminhada de volta para o Castelo.
— Obrigado por ter me treinado. — Disparo e ele me olha surpreso. Não sei porque eu disse isso, só senti vontade falar. Acho que tenho passado tanto tempo sozinha, desesperada e desamparada que essas horas, com uma única pessoa que estava lá apenas para me ajudar, trouxe um pouco da compaixão que eu estava perdendo. — Você continua sendo um bom professor. Por que não ensina o Shomã para todos? Sei que o processo seria mais difícil, mas se você é o melhor mestre de Shomã que tem, você conseguiria ensinar, não?
— É mais complicado do que parece, Lucy. — Ele me olha e vê nos meus olhos que estou curiosa e não vou me contentar com meias palavras. Ele suspira e prossegue. — Eu não sou muito amado pela população de Sanih Radii e, consequentemente, eu sou o último que um pai ou mãe procurariam para ensinar seu filho.
— Por que? — Pergunto com espasmo.
— Digamos que o meu passado me condena. E não me pergunte ''como assim?'' ou ''por que?'' — Fecho a boca que eu tinha aberto para perguntar exatamente isso antes dele cortar o assunto.
Continuamos caminhando até o nosso destino em silêncio e não demora muito para chegarmos e irmos cada um para um lado. Estou ido para o quarto tomar um banho quando penso em ir visitar minha tia antes. Sei que ela irá ao meu quarto de qualquer forma para me perguntar como foi o treinamento. Chegando perto da porta eu percebo que a mesma está apenas encostada e decido abrir um pouco a porta.
— Tia? — Olho o quarto inteiro e vejo que o quarto está totalmente vazio. Que estranho, ela sempre está aqui esse horário. Estou para fechar a porta quando um vento forte entrar pela porta francesa da varanda e faz vários papéis caírem pelo chão, me fazendo entrar no quarto para arrumar os papéis. Pego o monte de papéis com textura meio antiga e que estão cheias de escritas, pelas quais eu passo os olhos rapidamente pensando ser apenas dados e documentos, até que ver, de relance, o meu nome claramente escrito, o que me faz parar para ler. É a letra da minha mãe.
"Cara Maggie, como está?
Estava difícil entrar em contato com você agora que a mamãe morreu, você está levando muito a sério essa coisa de sumir do mundo. Lucy sente sua falta e de seus treinamentos malucos. É inegável a ligação que vocês tem e até meu marido já está percebendo isso. Vou tentar dribla-lo, mas tenho medo dele descobrir que Lucy não é nossa filha de sangue. Ela é esperta como Rutts, mas também é tão impulsiva quanto você, me apavoro quando penso em sua reação se souber da verdade.
Ah desculpe estar falando tanto disso, sinto que o cerco está se fechando para mim nos últimos dias, tenho andado estressada. Espero que os negócios aí em New York estejam bem, você sempre foi tão dedicada ao seu trabalho, merece o sucesso que tem. Enfim, se receber essa carta, já sabe o endereço para me mandar sua resposta, e de preferência com o seu número de celular.
Com amor, da sua irmã Vanessa. E da Lucy também."
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro