𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 24 - 𝖁𝖊𝖚 𝖉𝖊 𝕲𝖚𝖊𝖗𝖗𝖆
"Ás vezes, nem as lágrimas mais frias podem molar os olhos mais secos. Perguntas de respostas ausentes. Amores de corações vazios. O limite do desespero exacerbado que fecha a garganta. Uma injusta vida rica e indesejada. Um reino de joias e pobreza. Uma alma de pétalas e cinzas."
Lucy Vaughan
Passamos por vastas campinas, densas florestas, enfrentamos fortes ventanias e tivemos até um pouco de neve caindo sobre nossas cabeças quando passamos perto que algumas montanhas na área sudeste da região. Essa viagem está me permitindo conhecer lugares que jamais imaginei conhecer
Durante nosso percurso eu e Ivan nos aproximamos ainda mais. Agora que sei mais da sua história e ele sabia um pouco da minha, nós somos capazes de nos entender como um todo. No dia seguinte ao nosso beijo, eu e ele conversamos e decidimos manter segredo a respeito do nosso recente envolvimento amoroso, então nos contentamos com nossos encontros de madrugada na frente da fogueira apaga pelo vento frio. Percebemos que ainda é muito cedo para nos oficializarmos e que isso poderia ser visto como algo antiético dentro do âmbito político, já que, além de soldados do mesmo batalhão, nós somos Guardiões e Herdeiros de Sangue de povos rivais.
Nossa jornada durou mais oito dias até avistarmos a devastada província de Trowny. Ao nos aproximarmos do portão principal, que está pura ferrugem, somos parados por dois guardadas que estão visivelmente magros demais e com olheiras chamativas que mostram um profundo cansaço.
Discretamente Rutts se aproxima do cavalo de Ivan, que está ao meu lado e lhe sussurra alguma coisa. Ivan concorda e logo em seguida abaixa um pouco a cabeça.
- Quem são vocês? De onde vem? - Eles estão com a mão na espada e em posição de defesa.
- Somos representantes do Sanih Radii. - Rutts nos anuncia tirando do bolso traseiro o que parece ser um distintivo de ouro e mostra para eles. Não sei o que foi mostrado, mas seja lá o que for, nos permitiu entrar em nosso destino final.
Meu tutor nos guia pelo que parece ser uma rua central dessa humilde cidade. Ela é cercada por várias padarias, lojas de tecido e pequenos mercados, todos feitos de uma madeira que parecem ter apodrecido faz tempo. Mas o que mais chama atenção é ver que os comércios de alimentos estão vazios, de pessoas e de produtos. Não há nada nas prateleira além de alguns alimentos visivelmente podres. As ruas estão praticamente vazias, com exceção de algumas pessoas andando e algumas crianças, provavelmente sem lar, que estão embaixo dos toldos das lojas para se protegerem do sol que hoje está muito quente, castigando qualquer um que passe por debaixo dele. Avançamos mais alguns metros e dentro de pouco tempo estamos de frente para um simplório palácio. Não é grande como o que temos lá em Sanih Radii, mas é de bom tamanho. Mais uma vez Rutts nos apresenta aos soldados, só que dessa vez somos separados e apenas eu, Ivan, Rutts, Saulo e minha tia Maggie podemos entrar.
Quando adentramos na residência do líder desse lugar percebemos que a miséria não atingiu somente ao povo. Normalmente, quando pensamos em palácios, pensamos em abundância, ouro e luxo, mas essa não é a realidade desse lugar, cujo o único "luxo" de toda essa sala é o trono de couro preto com costura em forma de losangos e alguns adornos dourados nos braços da poltrona.
Sentado sobre a mesma se encontra-se um senhor de olhos pretos como ébano e barba branca como a neve. As rugas na testa deixam claro que ele é exatamente como está agora, sério e ranzinza. Ao colocar seus velhos olhos sobre nós ele se endireita em seu trono, fazendo barulho com sua armadura de metal bem lustrada.
- Sir. Miller. - Rutts se ajoelha e abaixa a cabeça, em reverência ao dono dessa terra e todos nós nos enfileiramos e imitamos. Todos, exceto Saulo. Sua prepotência e arrogância o impedem de fazer um simples gesto de cortesia. Parece que ele se esqueceu que estamos aqui para evitar uma guerra e não para festejar. O homem a nossa frente o encara com os olhos cerrados, certamente irritado com tamanha insolência, e faz sinal de mão para um de seus guardas, que se aproxima de Saulo.
- Ajoelhe-se perante o Lorde da Província de Trowny. - Ordena o soldado, que é duas vezes maior e mais forte que Saulo.
- E se eu não quiser? Ele não é meu Rei. - Esse desgraçado quer nos matar, é a única explicação!
- Ou ajoelha ou morre. - O homem armado coloca a ponta da espada no pescoço de Saulo, fazendo o mesmo se ajoelhar imediatamente. Não sei o que é maior nele, sua petulância ou sua covardia.
- Assim está melhor. - Finalmente o líder desse lugar profere alguma palavra. - Vocês vieram de Sanih Radii, certo?
- Sim, senhor. - Responde nosso general, ainda olhando para o chão.
- Parece que finalmente o imbecil do Renne não me ignorou. Está acontecendo algo de incomum no seu reino para tal atitude? Ouvi dizer que foram atacados no Festival da Primavera. - Ele pega uma taça de vinho para molhar a garganta enquanto se diverte ao falar de nossa desgraça.
- Aquele foi um tráfico incidente, mas não ocorreu novamente. Nosso reino continua perfeitamente seguro, senhor.
- Claro, claro... - Ele solta uma risada banhada de veneno que me dá calafrios. - Imagino que seu líder me trouxe algum auxílio, como foi pedido.
- Sim, Sir. Miller. - O homem faz outro sinal com os dedos, permitindo que Rutts se levante. - Nosso rei, Renne. J. Lingston, está lhe oferecendo a mão-de-obra das famílias que vieram conosco e a proteção de nosso exército. Te ofertamos 3 soldados base e 2 de alta elite por hora. Em breve virão mais alguns. - O rosto de Miller se contorce em nítida fúria, que ele extravasa socando o braço da poltrona.
- É ISSO QUE O SEU REI VAI ME OFERECER? NÓS PASSAMOS POR UMA SECA QUE DIZIMOU NOSSA PLANTAÇÃO E ELE ME ENVIA MAIS BOCAS PARA ALIMENTAR QUANDO TEM PESSOAS LÁ FORA MORRENDO DE FOME? NÓS PRECISAMOS DE COMIDA, NÓS PRECISAMOS DE DINHEIRO. ESTAMOS QUEBRADOS!!
- Senhor, nós... - Rutts tenta intervir, mas é rapidamente cortado.
- CALADO! - Ele se levanta do trono em um pulo e parece prestes a pular no pescoço de Rutts. - Essa será a última vez que Renne Lingston humilha à mim e ao meu reino. Avisem-no que já que ele não tem consideração com quem o ajudou tantas vezes, então eu também não terei piedade. Uma guerra se iniciará.
- Senhor, por favor, não faça isso. Deve haver outro modo de consertarmos isso.
- Não creio que haja outro caminho, jovem verme. - O nojo com que ele nos olha é fuzilante e arrebatador. - Tirem eles daqui! - Os guardas se aproximam para nos arrastar até o lado de fora, onde seremos jogados com as mãos abanando e com uma guerra por vir.
- Espere pai. Há um jeito. - Do fundo do salão surge um menino ruivo de olhos azuis tão claros que parecem ter uma coloração de gelo. Com os braços cobertos por uma blusa de lã verde musgo escuro, ele carrega um grande livro que está marcado no meio. Ele traz um sorriso convencido nos lábios finos que estão ressaltando as sardas discretas que ele tem pelo rosto. - Podemos usar a última alternativa.
- Que seria? - Pergunta o Lorde, agora mais contido na presença do filho.
- O casamento. De acordo com o livros da alianças, os primogênitos dos dois reinos devem se unir em matrimônio e, assim, formar uma aliança forte que perdurará por anos. Eu sou seu primogênito e, apesar de ter 17 anos, posso fazer isso. - Miller parece ponderar a sugestão do filho espertinho.
- O problema, meu filho, é que Lingston não tem filhos. Ele não teria uma primogênita para entregar.
- E quem herdará o trono dele? Se for uma mulher, está tudo fechado.
- Bem, eu ouvi falar de uma Guardiã eu sei lá do que. Não sei se é para ela que ele entregará o governo, mas é bem provável. - Ainda bem que estou ajoelhada, tenho certeza que minha pressão despencou nesse exato momento! Eu posso ter que assumir um reino, e pior ainda, ter que me casar por uma aliança política? Sinto meu corpo tremer levemente e minhas mãos começam a suar de desespero com o rumo dessa conversa perturbadora.
- Ótimo. General Rutts, essa Guardiã veio com vocês? - Rutts me olha de canto e é evidente que ele também está nervoso com toda essa situação catastrófica.
- Ela pode estar indisposta para isso no momen... - E novamente ele é interrompido. Está no gene deles ser tão rude?
- Ela está aqui ou não está General? - O jovem o encara como um ditador cruel olha para um revolucionário. Decido intervir antes que a situação piore.
- Sim, eu estou aqui. - Me levanto rapidamente e encaro firmemente o Lorde e o príncipe que estão posto na minha frente.
- Ora... - O rapaz levanta suas sobrancelhas ruivas e vem em minha direção com seu ar de realeza enquanto me olha da cabeça aos pés. Ele começa a rodar ao meu redor e me analisar por inteira. Me mantenho estática e séria, sem esboçar nenhuma emoção ou pensamentos, até por que meus pensamentos agora são horríveis. - Você é bonita. Belo rosto, belo corpo, parece ser valente... É acho que dará uma boa esposa. Quantos anos você tem? - Ele estaciona ao meu lado e começa a me encarar com seus olhos azuis penetrantes enquanto permaneço com olhos focados no nada que está à minha frente.
- 17 anos.
- Bem, isso é surpreendente, visto que você parece ter 19, mas isso nós conseguimos resolver. - Ele aproxima a mão de minha clavícula para colocar uma mecha de cabelo minha para trás do meu ombro. Esse gesto poderia muito bem vir de qualquer um que eu conheço sem problema algum, mas vindo dele eu sei que não é boa coisa. Posso sentir que suas intenções são sujas e ajo por impulso, dando um tapa eu sua mão. Ele me olha com um espanto que logo se torna uma admiração esboçada um sorriso irônico. - Você é selvagem.
- E indomável! - Afirmo já deixando claro com quem ele está se metendo.
- Devo lembrar-lhe que sou quase seu noivo? - Ele aproxima muito seu rosto do meu, como se fosse me beija à qualquer instante.
- E eu devo lembrar-lhe que não sou seu brinquedo? - Coloco a mão em seu ombro e o empurro levemente para longe.
- Bem preciso ser sincero. - Sir. Miller se manifesta. - Não me agrada a ideia do meu filho ter alguma ligação com o dissimulado do Renne. - Gostaria de saber a origem de todo esse ódio, que aparenta ser imensurável. - Mas é esperançoso ver que meu filho desde já pretende salvar o nosso povo ao se ligar com vocês. Eu estou de acordo com o casamento e acho que Renne não irá se opor, visto que vocês facilmente perderiam qualquer guerra. Começaremos a organizar hoje o evento. Ele acontecerá em uma semana. - Formalmente o velho a minha frente se levanta e faz menção de ir embora, mas antes disso ele chama o filhinho pomposo que estava meu lado. Ambos vão embora do salão principal nos deixando parados, enfurecido e totalmente ao léu.
Rapidamente os servos do palácio nos guiam para os nossos quartos e, pela primeira vez em dias, eu vou dormir em um quarto só meu. A sensação de entrar nesse aposento espaçoso e olhar para a cama que querem que eu divida com um desconhecido ignorante daqui 7 dias é de pura repulsa. Eu já me acostumei a dormir com Ivan ao meu lado, algumas vezes até em seus braços nas minhas noites de pesadelos com os ataques de fogo. Passo minhas mãos pelos meus braços enquanto me sento sobre a cama, amassando o lençol de seda cor creme com bordas marrom que a cobre.
- Lucy? - Vejo minha tia na porta com um olhar de cautela que me deixa com um aperto no peito. Antes que eu pudesse responder, ela se adianta e se senta ao meu lado, passando o braço pelos meus ombros e me abraçando calorosamente. - Está tudo uma bagunça não é?
- A pior bagunça. - Encosto minha cabeça em seu ombros enquanto ela acaricia meu cabelo.
- Você está pensando em seu namorado. Acertei? - Ela ri sutilmente com enquanto diz isso. - Ivan é um bom rapaz.
- Como soube? - Me desvencilho de seus braços e a encaro com surpresa e curiosidade.
- Ah querida, eu também já fui jovem sabia? Eu percebi como vocês se aproximaram, os olhares que trocaram, sem contar o selinho que ele te deu na beira do rio. Vocês não são discretos. - Seu sorriso se alarga na mesma proporção que sua risada aumenta. Sorrio em resposta e começo a contar sobre nossa "reconciliação".
- Estávamos pensando em ver onde isso ia chegar, mas não sei se teremos alguma chance de fazer isso. - Nesse momento a minha pauta bate na porta e pede permissão para entrar.
- Vou deixá-los a sós. - E assim minha tia sai do quarto que me foi designado. Me levanto e vou até Ivan, o abraçando pela cintura e descansando minha cabeça em seu peito, o que me permite ouvir os batimentos acelerados de seu coração irritado.
- Como você está? - Sei que poderia dizer coisas como "vai dar tudo certo" ou "vamos ficar bem", mas nem eu acredito nessas palavras.
- Estou bem. - Sei que a forma seca com que ele me respondeu não é para mim.
- Você está com raiva. Seu coração te denúncia. - Esboço um sorriso sem muito humor ao dizer isso e ele me corresponde me abraçando ainda mais forte e repousando o queixo na minha cabeça.
- E tem como não ficar? Ver um merda daquele se aproximar de você como uma cobra peçonhenta fez meu sangue ferver.
- Shiii! - Solto sua cintura e coloco as mãos em seu peitoral, o que me permite olhar em seus olhos. - Se alguém te ouvir falando assim você vai estar ferrado.
- Eu já estou ferrado de qualquer jeito. - Ele desdenha.
- Não fala assim. - Olho para o lado pensando em tudo que pode dar errado. - Já estou nervosa o suficiente.
- Quer que eu te acalme? - Ele pega meu queixo com delicadeza e me olha com ternura. Sorrio em uma resposta que é sua deixa para um beijo amável e sutil. Enrolo meus braços ao redor do seu pescoço enquanto colamos nossos corpos. Mas, como tudo que é bom dura pouco, não demora muito para ouvirmos um barulho vindo do corredor e nos separarmos.
- É melhor você ir. Não vai ser nada bom se eles te pegarem aqui.
- Tá. - Ele começa a andar em direção a porta, mas antes de sair ele me puxa para outro beijo, dessa vez mais curto e singelo. Assim ele finalmente se vai.
Olho para os lado do corredor para me certificar que ninguém o viu sair do meu quarto. Nosso dia já foi conturbado de mais para termos outra "polêmica". Decido sair do meu aposento e ir encontrar Haiah. Ela é mais velha que eu e com certeza saberá me dar algum conselho.
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