Noite XVI
TRISTEN
Passaram-se três dias e duas noites. Madaliena ainda não acordou. Seu coração continuava com batidas fracas, o que me deixava no precipício da agonia.
Fechei os olhos com força. Fazia três dias que eu não escutava o som da sua voz, sentia sua pele contra a minha e não saboreava seus lábios quentes. Eu a queria de volta. Ela precisava acordar. Abri os olhos e encarei o rosto sério de Marco, ele tinha o corpo tenso e me encarava sem piscar.
— Por que ainda está aqui? — rosnei.
— Li sobre a purificação — começou, me fazendo encarar o teto escuro. — Se ela já passou por esse tipo de purificação mais de uma vez, é difícil dizer se ela vai acordar. — Um sorriso involuntariamente se formou em meus lábios. — Já se passaram três dias... — Ele parou quando levantei.
— Ela vai acordar — declarei, sentindo a agonia dentro de o peito crescer. — O coração dela ainda bate.
Marco baixou os olhos e levantou com calma.
— Estamos aqui por um motivo Tristen. Não se esqueça de que nosso inimigo ainda está lá fora, enquanto você está preso nesse lugar, chorando por uma mulher que não vai acordar. — Sua voz era suave, como se quisesse amenizar o peso de suas palavras. O encarei em silêncio, seus olhos vermelhos piscaram e ele deu um passo em direção à porta. — Não tente entrar naquele quarto de novo, se você o fizer, acabara com as negociações essa noite. — Marco não me deu as costas enquanto seguia para saída. Sua atenção estava sobre mim, como se eu fosse ataca-lo a qualquer momento por suas palavras estúpidas. Mas não fiz, apenas fiquei parado vendo-o atravessar a porta e fecha-la.
O silêncio profundo se formou ao meu redor. Voltei a sentar lentamente na poltrona e fechar os olhos. A imagem do seu rosto veio de imediato, seus olhos castanhos brilhando de prazer. Sua pele suada e macia, seus lábios entreabertos e gemendo sem parar, me chamando. Meu coração bateu com força, sua simples lembrava me trazia a vida. Ela precisava acordar. Eu precisava tê-la em meus braços outra vez.
Com o coração batendo com força, corri na direção do seu quarto. Para quarto selado por magia, que me impediu de vê-la, de tocar o que me pertencia. Quando cheguei ao quarto, gravei minhas unhas, agora afiadas e longas, no selo desenhado na madeira da porta. Sentir meus ossos estremecerem, mas eu não me afastaria dessa vez. A sensação da sua pele quente acariciando a minha, fez com que um gemido escapasse dos meus lábios e o desejo de tê-la só aumentou. Observei a magia negra de o selo escorrendo pela minha pele, formando bolhas de pus e o sangue escorrendo pela madeira e piso. Com um movimento rápido, rasguei a madeira, quebrando o selo e alguns dedos.
— Porra. Porra. — Apoiei a cabeça na porta e encarei a mão destruída. — Desgraçadas. — A dor irradiava meu corpo, assim como um formigamento irritamente. Encarei a pele sendo reconstruída e os ossos sendo posto no lugar. Enquanto a vontade de coçar o braço não passava, abri a porta devagar. O selo foi quebrado, aquelas malditas logo chegariam. Fechei a porta atrás de mim e encarei o pequeno corpo coberto na cama. A única luz era a vela ao lado da cama. Analisei seu vestido branco e seu enorme véu que descia até os pés. Um tremor correu pelo corpo, dessa vez, de prazer de revê-la.
Devagar, me arrastei pela cama até seu corpo. O desejo de toca-la me consumia. Ajoelhado sobre ela, retirei seu véu com um movimento brusco. Seu rosto me fez sorrir, levei a mão até seu pescoço pálido. Minha mão, agora curada, acaricia sua pele gelada.
— Não — sussurrei para ela. Eu queria sua pele quente, fervendo contra a minha. — Está na hora de acorda minha querida. — Meus lábios tocaram seu queixo e depois seus lábios volumosos. Seu cheiro delicioso se misturava com o cheiro forte de fumaça. Afundei meus dedos em seus cabelos longos e negros. — Eu a quero de volta — murmurei contra sua pele. — Está na hora de você saber quem suas irmãs são de verdade. — Abri sua boca com cuidado. Levei meu pulso até a boca e o mordi com força. Suguei meu próprio sangue e quando minha boca estava cheia, levei até seus lábios sem cor e deixei que meu sangue descesse pela sua garganta lentamente. Refiz o mesmo processo até que seus lábios voltassem a ser rosados e sua pele voltasse a ser quente. A animação cresceu dentro de mim. — Você precisa se lembrar de mim. De tudo que fizemos.
~~*~~
MADALIENA
— Quem é você? — Encarei o homem magro e alto em pé na minha frente.
— Você sabe quem eu sou minha criança. — Ele me enviou um sorriso. — Já tivemos essa conversar milhares de vezes. — Balançou a cabeça fazendo seus cabelos negros balançarem.
— É mesmo? — Remexi-me, sentindo as correntes arranharem minha pele machucada. — Eu não consigo lembrar — sussurrei, tristemente.
— Eu pensei que as coisas seriam diferentes para você — contou ele, com a voz grave. — Depois que saísse daquele lugar, você veria o mundo de verdade e saberia que não merece aquele tipo de vida. — Seus dedos longos tocaram a corrente em volta do meu pescoço.
— O mundo acabaria comigo. — Meus olhos correrem para seus sem brilho. — Eu não posso ser corrompida. O Deus Caído me encontraria, se aproveitará da minha fraqueza, ele pode devorar a minha alma. — O homem se ajoelhou na minha frente. Suas roupas negras se perdiam no breu a minha volta. Tudo aqui era tão frio, tão vazio e solitário. Era bom ter alguém para conversar, mesmo alguém desconhecido.
— Pobre criança. — Acariciou minha bochecha, senti um formigamento com seu toque gelado. Gelado. Pisquei com a sensação familiar. — Quem machucaria criaturas tão belas como vocês? Tão puras, com uma magia tão perfeita. — Seu toque correu para meus lábios. — Vamos fazer um trato criança. Não! — Ele parou e deixou o toque cair para meu pescoço, para a pele machucada. Sua acaricia me fez gemer de dor. — Não um trato. Isso não. Estou cansado de fazer esse tipo de coisa. Parece que todos acabam se virando contra mim. — Suspirou, fazendo seu hálito acariciar minha bochecha.
— Você está preso nesse lugar comigo, a única diferença é que não está preso a essas correntes — apontei, me sentindo cansada. Para dizer a verdade, já era o bastante estar livre daquelas correntes que me impediam de respirar de verdade. — Mas eu te darei qualquer, se você me libertar — pedi, escondendo o desespero que crescia dentro de mim. Há quanto tempo eu estava naquele lugar? Pelos machucados, há muito tempo.
E meu nome? Meu nome. Eu deveria ter com certeza, mas não conseguia lembrar.
— Não precisa minha criança. — Seus dedos correram sobre a corrente. — Uma vez, há algum tempo, mas não há muito tempo, você me prometeu algo. — Ele sorriu novamente. — Consegue se lembrar? Você precisa se lembrar, lembra-se disso? — insistiu, fazendo-me encarar seus lábios finos. — Lembra-se? — repetiu.
— Não. Eu não me lembro de nada — murmurei, passando a língua sobre os lábios secos. Um gosto doce encheu minha boca, me fazendo apreciar o gosto único e novo. — Mas, mesmo que eu não consiga me lembrar, farei o que tiver prometido — revelei, com um grande sorriso.
— Não se preocupe. —Ele piscou, soltando as correntes, elas colidiram contra minha pele ferida, me machucando. — Quando você acordar, se lembrará de tudo. Ele ajudará você a fazer isso. É por isso que eu o coloquei em seu caminho. — Franzi a testa com suas palavras sem sentido. Seu rosto se aproximou do meu. Não me movi quando sua testa tocou a minha. Ele é gelado. Gelado. A sensação familiar retornou, assim como aquele gosto doce em minha boca. É uma boa sensação. Não, boa não, isso é maravilhoso. — Ele não permitira que você o esqueça — sussurrou contra minha pele. — Ele jamais permitiria que você continuasse nesse lugar. Continuasse sendo escravizada, sendo ninguém nesse mundo.
Ninguém.
Eu não sou ninguém. A frase me causou dor.
— Mas não tema minha criança. Eu não deixarei que você morra. Não depois de tudo que você passou. — Seus lábios tocaram meu maxilar.
— Não estou conseguindo entende-lo. Você me ajudará ou ele me ajudará. Diga-me quem ele é. Assim tudo pode ser esclarecido. — A necessidade dentro de mim começou a crescer. O sabor em minha boca apenas aumentava, e minha respiração ficava cada vez mais ofegante.
— Ele é uma de minhas criações. Eu o adoro, mas ele me odeia. Assim como todos vocês. Por que os filhos sempre odeiam os pais? — Ele falava rápido. Seus braços longos me abraçaram. As correntes queimavam minha pele. — Por que você também me odeia? — murmurou em minha orelha.
— Eu não o odeio — rebati com rapidez.
— Isso. Você não me odeia. Mas ela fez com que você me odiasse. Aquela mulher. Você precisava me dar à alma dela, ou o resto que existe dentro dela. Você fará isso, não é minha criança? — Seus braços me apertaram. — Você prometeu que me agradeceria por tê-lo colocado em sua vida — gemi, tentando me livrar do seu aperto, mas ele é forte demais — Dei-me o que eu quero, e eu cuidarei para que você viva quando tudo isso acabar.
— Quem é essa mulher? — perguntei com dificuldades. — Por favor, está me machucando.
— Não minha criança, eu nunca a machucaria — gritei quando seus braços me apertaram contra seu corpo gelado. — Eu sempre vou cuidar de você. Você é, e sempre será a minha criação preferida. — Ele me soltou bruscamente, fazendo meu corpo cair no chão. Eu não tinha forças para mover um músculo.
— O qu... — murmurei com dificuldades. Meu corpo doía, engoli minha saliva, sentindo o gosto doce descendo pela minha garganta. Pelo menos, ele ainda está aqui.
Ele. Ele ainda está aqui, comigo.
Fui tirada dos pensamentos, quando sentir aquele homem estranho segurar a corrente em volta do meu pescoço.
— Lamento dizer-lhe minha criança, que isso será doloroso. — O sentir puxando-me com força.
— Espere... o que você quer? Quem é a mulher? — questionei com a respiração descontrolada.
— Dei-me a alma podre de Belledisse.
E com isso, as correntes foram arrancadas bruscamente. Senti como se minha alma estivesse sendo arrancada. Gritei com força. Enquanto eu me contorcia de dor, o breu ao meu redor começou a rachar e aos poucos, tudo se quebrou como um vidro, frágil e delicado. Senti meu corpo caindo e as lembranças de muitos anos voltarem à tona.
Meu corpo caiu em meio às chamas, em meio ao calor infernal da casa que queimava ao meu redor. Meus olhos se encontraram com os de uma garota, um pouco mais nova do que eu. Ela chorava e tinha o rosto machucado. Foi por causa dela que tive minha primeira purificação.
— Eu sinto muito... — Ela chorou, tocando meu rosto.
Senti meu corpo ser erguido, o calor fazia minha pele suar. Estava muito quente, respirei com força, puxando a fumaça densa do local. Meus pulmões queimavam.
— Eu cuidarei de você agora. — O rosto de Belledisse surgiu no meu campo de visão. Ela me carregava em seus braços, para longo da casa em chamas, para longe dos gritos da garota no chão, para longe de tudo o que eu não conseguia entender.
Fechei os olhos, sentindo minha cabeça latejar. Quando voltei a abri-los, estava no meio de uma floresta, sobre uma pedra negra e redonda. O corpo nu de Marie flutuava e Belledisse deixava seu sangue negro escorrer sobre o corpo marcado de Marie.
Mordi o lábio, quando a cena começou a clarear, sobre o que haviam me tirado. O que Belledisse havia me roubado.
— Nunca diga não para mim Madeliena. — Sua mão ensanguentada segurou meu pulso. — Tudo que você é, tudo o que você aprendeu e tudo o que você possui, é por minha causa. Você continua viva, porque eu preciso de você. Nada mais, então todas as vezes que eu pedir alguma coisa... — Ela cortou minha pele, fazendo o sangue vermelho escorrer pela palma da minha mão e manchar a pele da Marie. — Você apenas abaixa a cabeça e aceita. Apenas isso e nada mais.
Meu corpo começou a seguir as ordens daquela bruxa. O peso do seu punhal era desesperador, quando eu o cravei profundamente no centro do peito da doce Marie, sentir meu coração afundar e as lágrimas escorrendo sem parar.
— Eu pensei que a magia pura dela duraria mais alguns anos — Belledisse resmungou, enquanto tomava o punhal das minhas mãos. Observei com lágrimas nos olhos, o corpo sem vida de Marie cair sobre a pedra negra e aos poucos, ela foi consumindo sua carne e seus ossos, até que nada mais restava da minha amiga. — É uma pena. Teremos mais trabalho para encontrar outra para substituí-la.
A raiva dentro de mim se expandiu.
— Por que está fazendo isso conosco? — gritei, para aquela mulher que um dia chamei de mãe. — Por que me forçou a fazer isso com ela? Eu poderia tê-la ajudado. — Belledisse me encarou em silêncio. Seu rosto continuava calmo, como se meus gritos e minha raiva não a incomodasse.
— Sempre precisamos passar por isso Madaliena? Sempre a mesma conversa? Por que fazer isso se você não se lembrará de nada no dia seguinte. Não gaste suas forças com algo tão desnecessário. Preciso de você descansada. — Ela se aproximou me fazendo recurar. Seu rosto se tornou frio.
— Diga-me a verdade bruxa — cuspi, deixando-a paralisada. Belledisse piscou e inclinou a cabeça. Com um suspiro longo, se deu por vencida.
— Sua magia pura é a única coisa que me mentem nesse mundo. A magia de Marie já foi consumida e tudo o que restou, foi nossa magia negra consumindo seu corpo e sua alma. Isso é tudo o que você é para mim, apenas alguém que pode me dar à imortalidade nesse mundo que não quero abandonar. — Ela sorriu, analisando meu rosto surpreso. Suas palavras de deixaram paralisadas, mas algo dentro de mim se quebrou, a dor por trás dos olhos me fez cair de joelhos e gritar com força. Senti meus olhos queimando, um brilho estranho preencher meu campo de visão e de repente, fui puxada para a beira do lago. A dor desapareceu, dando espaço para o nervosismo e a ansiedade.
— Você é linda — disse o vampiro me observando. Analisei o homem na minha frente, seus cabelos negros, seus olhos vermelhos e seu lindo e perfeito rosto. A dor de ter o esquecido me preencheu por completo.
— Como pude me esquecer de você? — murmurei para mim mesma. Seus lábios tocaram os meus em um beijo lento.
Meu primeiro beijo.
Eu me esqueci do homem que nunca mentiu para mim. De que nunca me enganou ou tentou me controlar. Do homem que arrancou minhas correntes e que abriu meus olhos para quem era a verdadeira Belledisse que eu admirava. Momentos passaram com rapidez, momentos que jurei nunca esquecer, sensações que nunca tinha sentido. Sua pele gelada sobre a minha, seu sorriso malicioso e ao mesmo tempo perverso, seus olhos vermelhos e sedutores. Eu o desejava profundamente, e me amaldiçoava por ter o esquecido tão facilmente. Esquecido do único que viu quem eu era por trás daquele véu ridículo. O único, que me considera linda e perfeita. O único que me desejava.
Ele me pertencia.
Ele me pertence.
Abri os olhos bruscamente. Encarei o teto um pouco escuro, a cama em que eu estava deitada estava fria e macia. Sentei-me, sentindo todo meu corpo dolorido e sensível. Passei a língua nos lábios, sentindo o gosto de Tristen. Seu sangue escorria pela lateral da boca. Olhei ao redor a sua procura, mas tudo o que encontrei foi um quarto vazio e a porta aberta e destruída. O selo na madeira estava rompido, o que indicava que ele o quebrou para poder chegar até mim. Um sorriso cresceu em meus lábios. Ele se arriscou para que eu pudesse acordar, para que eu pudesse me lembrar dele, dos nossos momentos e de como eu o queria apenas para mim.
Com um movimento, o selo e a madeira se regeneraram, a porta bateu sem fazer barulho. Elas logos virão me ver. Virão correndo saber se a purificação funcionou. Pensando que não me lembro de nada do que aconteceram, as torturas, as brigas, de Belledisse me controlando, mexendo com minhas memórias, tentando apaga-lo da minha vida. De Marie e de todos os momentos que ela tentou me roubar. Tentou destruir. Belledisse pagaria por tudo o que fez, por toda a dor, por todas as purificações, por todas as quase mortes. Ela me pagaria dolorosamente por isso.
— É bom saber que conseguiu suportar essa purificação, minha irmã. — A voz de Belledisse preencheu minha mente e o quarto escuro.
Virei o rosto e encarei todas entrarem e rodearem a cama fria. Um sorriso se formou em meus lábios, um sorriso que surgiu ao imaginar como tudo isso iria terminar.
— Sim. É muito bom estar de volta.
...*...
Muito obrigada a todos por terem lido e espero de todo coração que tenham gostado.❤️
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