Alice
Romênia – Bosque ao redor do Castelo de Bran – 1456
– Achastes que fugiria de mim? – ao ouvir a voz, Archie se virou e percebeu que a mulher estava bem atrás dele.
Inicialmente deu apenas um sorriso para o homem e segurou levemente sua mão, contudo não conseguiu engana-lo. Archie sabia que não havia mais o que se fazer dada aquela situação.
– Mate-me de uma vez! – exclamou, fechando seus olhos.
Assim, sentiu o dedilhar dos dedos gélidos da mulher em seu pescoço. Ela encarou a forma impressionante de como as veias jugulares emanava o cheiro que mais a atraiu naquele dia. O aroma sanguíneo que percorria nas veias daquele homem assustado. Aproximando-se vagarosamente, sentiu o eflúvio ainda mais forte e descontrolador, fazendo com que perfurasse o pescoço com suas presas, alimentando-se pela primeira vez.
O sabor era inexplicável. Era algo tão saboroso como jamais havia provado antes, e fazia sentir como se o sangue fora tudo o que precisava.
Jennifer sentia o líquido quente escorrer e se misturar com as gotículas de chuva, sujando seus lábios e pouco de seus longos trajes de dormir. O sangue, naquele instante, parecia como remédios ou ervas capazes de curar toda a doença inexplicável que os médios disseram que se abatia sobre a loura. Sua expressão enfraquecida se desfez, dando lugar à aparência saudável, porém, com sua pele ainda pálida. Seu estômago parou de lhe fazer mal, cessando toda a vontade de expelir sangue pela boca. Seus cabelos, horas atrás, ressecados e frágeis davam lugar à antiga fisionomia, formando perfeitas ondulações e ganhando um tom de dourado vívido assim como os raios de sol. E, a jovem nunca imaginou que aquela seria a única semelhança aos raios solares que veria pelo resto de sua eternidade.
Finalmente abriu seus olhos, rodeando as árvores com o olhar e soltando o corpo inerte ao chão. Por mais que fisicamente fosse a mesma mulher, ela se sentia totalmente diferente. Ouvia ainda mais claramente o som dos animais noturnos buscando por alimento; a respiração do cavalo que ainda aguardava por Archie; sentia a chuva, porém, não sentia o frio toque das gotas tocando em sua pele. Era como se não sentisse mais nada, ao mesmo tempo em que sentia tudo. Virou, então, o olhar para seu lar – que era possível enxergar por de trás das árvores – as janelas iluminadas por lamparinas e candelabros lembrando-se da face de seus queridos pais, de seu finado irmão, e de Lana e sua pequena filha.
Suas memórias estavam voltando tão ligeiramente, causando-lhe enorme dor em sua cabeça. Lembrou-se de cada detalhe percebido, e despercebido em sua humanidade. Naquela noite em que perdeu tudo, Jennifer estava numa guerra sangrenta contra os turcos, assim passara semanas distante de sua esposa. Portanto, no dia de seu retorno não encontrara Lana, tampouco a pequena filha. Lembrou-se, então, de ser traída por aqueles a quem tanto protegeu. A Ordem entrou às escondidas ao quarto das duas, no alto da torre, mostrando o lado perverso daqueles que serviam fielmente àquela instituição...
– Lana... – murmurou com a voz embargada, enquanto levantava seu olhar às nuvens escuras que desenhavam o céu. – Ela não está morta... Não pode. – ergueu-se outra vez, caminhando até seu castelo.
A chuva banhava as folhas das árvores, e limpava o corpo do doutor largado no meio do bosque. Os pés descalços afundavam sobre a terra fofa e molhada, formando pequenas poças, que sujavam o branco tecido de sua roupa. A grandiosa ponte que levava ao castelo a aguardava. E, por mais que sempre tivesse vivido naquele lugar, ele estava causando desconforto dado às lembranças ressurgidas. Os portões se abriram permitindo a entrada da vampira, revelando aos seus pais os seus trajes respingados de vermelho sangue, apontando que tudo o que o doutor dissera sobre o destino de Jen era verdade.
– Jennifer! – seus pais exclamaram aterrorizados ao ver o estado de sua filha. – O que houve minha filha? – doce Mary soltou-se dos braços de seu marido, e abraçou a filha que parecia estar em choque.
– Por que estás tão assustada? – perguntou David acariciando a face da filha, e sentindo a temperatura fria da mesma. – Recorda-se do que houve? Estás congelando, querida... – comentou.
Nada lhe foi respondido, tampouco o abraço foi correspondido como se estivesse perturbada. Fechou então seus olhos, deixando suas lágrimas caírem silenciosamente, até que os abriu outra vez. Direcionou suas órbitas verdes ao pescoço pulsante de Mary que deixava seus longos cabelos negros jogados para o lado, e ouviu a melodia dos batimentos cardíacos. Era completamente diferente de tudo o que já tinha escutado em toda a sua vida; era como tambores ou sapateados, porém, que a excitavam.
– Tu vais ficar bem... – despertou de todo o transe que as pulsações das veias lhe causavam. Os dois orbes verdes se encontraram; mãe e filha abraçadas. – Minha querida, lembra-se que falamos que Lana havia morrido, porém, não havíamos encontrado corpo algum? – Jennifer se recordou. Assim que fora encontrada naquela estrada de terra, seus pais haviam comentado algo do tipo. – Te contamos isso, pois foi deixada em teu criado-mudo uma carta...
– Uma carta em que Lana se despedia. Uma carta de suicídio... – Jennifer interrompeu-a e deu um longo suspiro, não acreditando naquela possibilidade. – Sim, eu li logo que adentrei em nossos aposentos. No entanto, não creio que ela tenha cometido tal ato... – pausou suas explicações quando ela avistou, atrás de seus pais, alguns dos líderes da Ordem do Dragão reunidos um ao lado do outro como se ocultasse algo detrás deles.
Nenhum dos homens encapuzados segurando crucifixos em mãos demostrou se importarem com a dor que a soldado sentia. Muito pelo contrário. Eles sorriam discretamente, ao comemorarem por seus planos de punição ter sido um sucesso.
– O que eles estão fazendo aqui? – esbravejou Jennifer com a voz embargada, se desvencilhando do toque materno.
Seu pai tocou em seus ombros, em um sinal de consolação.
– Jennifer, minha filha, esses homens nos trazem uma notícia... – suspirou com pesar sabendo qual seria a reação de sua única filha. Lana, afinal, havia salvado a jovem de todos seus tormentos passados, e construiu uma família feliz onde ninguém imaginava que teria. –... Uma notícia nenhum pouco agradável. – completou. – Quando ouvimos os rumores de que tu morreste em batalha, retornamos ao nosso lar. Deixamos a viagem que fizemos, e retornamos o mais rápido. No entanto, eram dois dias até chegar à Romênia. E, ao regressarmos, não havia ninguém aqui... Nem tu, nem Lana, nem Alice e nem Killian.
A loura alternava o olhar entre as órbitas verdes de sua mãe, e as azuis de seu pai. Ambos cabisbaixos, escondendo as lágrimas que queriam descer de seus olhos.
– Encontramos apenas a carta destinada a ti, e o colar que não saia uma vez sequer do pescoço de Lana. Estes fatos nos deu a conclusão de que ela estava morta, embora não tivéssemos encontrado o corpo...
– Então há chances de que elas estejam vivas... – Jen interrompeu com olhar esperançoso.
– No entanto, serviçais nos comunicaram que houve uma revolta contra vós, e desde aquela noite Alice não foi encontrada. – continuou Mary com as falas de seu marido. – Hoje completa três dias desde o ocorrido, e apenas agora estamos cientes sobre o destino de Lana...
Em fileira, formando um muro humano, os homens respiraram fundo ao fingir tristeza em seus olhares. As vestes negras acompanhavam olhares perversos, enquanto eles admiravam aos céus, que se era permitido vislumbrar perfeitamente dada a visão das janelas. Em seguida, se separaram permitindo que Morrison enxergasse o que escondiam por de trás deles.
Deitada sobre o altar que Mary e David fizeram exatamente para executarem as rezas, jazia Lana com suas mãos pálidas colocadas delicadamente sobre seu peito. A moça adormentava como uma criança ao descansar após um longo e cansativo dia; repousava como se estivesse em seus mais profundos sonhos. Seus longos cabelos ondulados e molhados grudavam em seu rosto pálido, assim como a pele morta de Jen ,fazendo-a temer àquilo que estava bem em sua frente. Ela não poderia acreditar que perdera sua estimada cônjuge, a quem morreria para fazê-la viver.
A jovem vampira deu seus primeiros passos vacilantes e trépidos, enquanto com suas órbitas angelicais analisava o corpo de sua esposa envolto às vestes brancas, molhadas e pesadas. Em meio ao doce aroma do sangue quente correndo pelas veias de todos ali presentes, e à melodia das batidas dos corações, Jen não conseguia identificar som ou aroma algum de sua amada. Nenhuma batida fraca de um coração pulsante; nenhum perfume enlouquecedor emanado de suas veias. Nenhuma aparência vivida como sempre teve. Assemelhava-se a uma boneca ou uma estátua moldada impecavelmente, pois era bela, porém, sem vida alguma.
– Lana! – gritou dolorosamente no momento em que chegou perto ao corpo inerte da formosa esposa de cabelos negros como a noite, e pele pálida como a lua. – Não! Não! Não! Lana, por favor... – suplicou caindo de joelhos ao chão, arrastando-se por uma última vez até Lana. –... Acorde, meu amor. – sussurrou.
Os trovões alarmantes pareciam competir com as súplicas que saíam de suas cordas vocais, deixando-a quase muda dado o estardalhaço causado pela chuva. Os rostos dos integrantes da Ordem do Dragão mantinham-se escondidos pela escuridão e pelos capuzes que usavam, exceto o de Robin. O rapaz fazia questão de manter a cabeça erguida para observar aquele momento glorioso aos seus próprios olhos. Ele apreciava com seus belos olhos azuis – cego por ódio – a brava cavalheira implorando para que a bela princesa despertasse; aplaudia internamente ao avistar Mary afogar sua face aos ombros de David. Analisava o corpo inerte da mulher que um dia amou, porém, que a mesma o rejeitou.
– Não me deixe, meu amor... Por favor! – sibilou Jennifer, implorando e juntando sua face à da falecida. – Eu te amo! Eu te amo! – exclamou, beijando os lábios sem vida. – Acorde, Lana, meu amor. – dedilhou uma última vez o rosto que jurava jamais ver outra vez, colocando as mechas de cabelo negro para trás. – Lembro-me que prometeste jamais partir, então, por favor, não me deixe. – agarrou fortemente o frágil corpo da amada, finalmente deixando seu interior desmoronar. – O que te fizeram? – perguntou exacerbando uma fúria implacável pelos membros a quem tanto protegeu.
– A encontramos nas margens do Rio Arges... – Robin Locksley Mills, um membro importante da Ordem, pronunciou-se observando as órbitas angelicais encher-se de lágrimas. – E, sinto em lhe dizer que não poderemos realizar o sepultamento de vossa senhora falecida. Esperamos que entenda, mas Lana tirou a própria vida... Sepulta-la dignamente vai contra nossos princípios. – apertou o crucifixo em suas mãos, engolindo em seco as mentiras cuspidas ali. – Ninguém tem direito de tirar a vida humana... Quem fizer isso é imundo, sendo assim, por ter tirado a própria vida, ela não tem direito algum de uma sepultura. – finalizou, sorrindo internamente ao ver Jennifer abraçando o corpo sem vida da esposa.
A loura lembrava-se do dia em que conhecera Lana, num dos lugares em que visitou em períodos de batalhas. E, por mais que todo aquele cenário fosse de morte e horror, o par de olhos escuros dava vida a todo o povoado. Nunca conhecera alguém com tantos planos quanto sua esposa, nunca conhecera alguém tão viva quanto ela... Tão forte capaz de dar a volta por cima da opinião da sociedade, pedindo para que adotassem uma criança. Lana jamais cometeria suicídio... Lana jamais tiraria a própria vida a ponto de deixar a própria filha, a quem tanto lutou para conseguir, sozinha.
– Mentiroso! – esbravejou, analisando poucos vestígios de sangue manchando a região abdominal do vestido de seda branca que Lana trajava. – Nós temos uma filha a qual é muito amada por nós duas! Parrilla jamais tiraria a própria vida. E digo isso com toda a minha certeza, pois eu a conhecia melhor que todos.
– Responda-me então, Jennifer... Tu estavas em uma das mais sangrentas batalhas contra os turcos. Dias sem retornar para seu lar; dias sem retornar para os braços de sua esposa. – comentou Robin os fatos, ainda parado de pé ao lado de seus companheiros. – Naquela noite, em que retornaste da batalha, escutamos rumores que Jennifer Morrison, mais conhecida como Draculea, fora derrotada. Achas mesmo que Lana não teve motivos para jogar-se do alto da torre de seus aposentos? – perguntou firmemente, pronunciando sem gaguejar uma vez sequer. – Não achas que a dor de perder a pessoa a quem mais ama... – pausou a fala, sentindo o quão difícil era dizer que Lana amava outra pessoa. –... Não achas que Lana perdeu as forças ao receber a falsa notícia?
– Sabes o que acho? – ergueu a cabeça, fitando os orbes azuis. – Lana é a pessoa mais forte que conheci. E olha que passei por diversos lugares... Conheci inúmeras pessoas. Então, respondo-lhe outra vez que ela jamais faria isso!
– Não achas que após tua morte, ela e sua filha estariam vulneráveis? Aldeias a queimariam por unir-se a outra mulher, aliás, só não o fizeram antes, pois tu és influente em toda a Romênia.
A Ordem do Dragão tudo sabe. Cada passo, cada desobediência e, principalmente, cada fraqueza.
– Não! – vociferou, levantando-se e mirando seu olhar a cada um dos homens. – O amor que geramos para com Alice é infinitamente enorme... Como se fosse filha de nosso sangue. Em nenhuma circunstancia a deixaríamos! Em momento algum tiraríamos a própria vida por ter perdido as forças, pois nossa filha é capaz de trazê-la de volta.
Jennifer se calou e, deixou de se preocupar com sua esposa, passando a se apoquentar com o sumiço súbito de sua pequena menina. – Onde estaria a pequena menina de cabelos dourados, que tanto trazia paz em nossas vidas? O que aqueles homens poderiam ter feito com uma criança inocente? – perguntou-se ainda ao fitar àqueles que escondiam a face.
Um silêncio desagradável pairou entre eles, que se entreolhavam por motivos diferentes. Mary e David perduravam abraçados, ao mesmo tempo em que não acreditavam que tudo aquilo estava acontecendo. Jennifer não saia ao lado de sua esposa, mas, também, não deixava se perguntar por onde andava sua filha. E, Robin junto a seus companheiros, olhavam-nas satisfeitos, ou quase satisfeitos.
– Onde está Alice? – finalmente, processou todas aquelas informações devastadoras, e pronunciou uma das maiores perguntas que lhe vinham à mente.
– Não sabemos, meu amor... – sussurrou Mary. – O paradeiro de Alice e Killian é desconhecido por todos nós. – mentiu, tornando-se completamente convincente.
A sensação de não dizer onde a pequena estava era como se estivesse cometendo o pior dos pecados. Sentia-se como se seu próprio coração estivesse se destroçando dentro de seu peito, esfarelando-se até sobrar apenas o pó ao mesmo tempo em que tentava fechar os olhos para não assistir a infeliz cena de sua filha se ajoelhando outra vez ao lado da esposa a quem tanto amou. Contudo, fechar os olhos não adiantava, pois os soluços eram mais audíveis que o som dos trovões, que àquela altura já estava cessando.
Jennifer, ainda cabisbaixa, com sua face parcialmente coberta por grandes mechas de seus cabelos, caminhou até a uma das armaduras que enfeitavam os corredores do castelo e empunhou a espada afiada com ódio em seus olhos. Aquelas ações receberam a total atenção dos religiosos ali presentes, que se perguntavam o que ela estava prestes a fazer. E, de todas as coisas que imaginaram, Morrison ergueu a espada e, numa onda de fúria, destruiu o altar que seus pais haviam construído.
– É assim que retribuem décadas de lealdade que minha família tem à Ordem? – esbravejou terminando de quebrar o belíssimo altar. – Décadas vos servindo e defendendo... No entanto, proíbem-me de amar e jogam fora toda a fidelidade que algum dia eu já tive para com vós. Que tipo de Irmandade é esta? Tiraram minha esposa, minha filha, e me deixaram apenas junto aos meus pais, em lamúrias pela enorme perda. – alterada, espedaçou os vidros das janelas a fim de acabar de vez com aquele local em que usava como santuário em seu castelo.
Os homens se retiraram às pressas, com seus olhares assustados por estarem cientes que haviam criado um monstro. Jennifer lhes seria útil se trabalhasse ao lado da Ordem, destruindo os inimigos da crença. Ela seria ainda mais indestrutível, seria ainda mais temida. No entanto, por algum motivo a jovem não acreditara nas mentiras ditas, rebelando-se contra todos aqueles que tiraram seus bens mais preciosos. Contudo, mesmo que não a tivessem como aliada, o jovem Robin Mills tivera um plano perfeito que seria repassado de geração a geração até que a fraqueza de Jennifer retornasse, e resultasse em sua derrota.
– Jen – disse David após todos os homens se retirarem. –, precisamos lhe falar sobre Alice.
A loura fechou os olhos e se apoiou nas fortes colunas de pedras que sustentavam o grandioso castelo.
– Eu não estou mais aqui, meu amor... – lembrou-se do episódio em que acordara na capela, e que Lana a ajudara a sobreviver. Chorou abertamente ao lado do corpo de sua esposa, enquanto as lágrimas caiam de seu rosto e molhavam a face da morena. – Tudo foi tirado de nós... Mas espero que seja forte para o que está por vir. – agora tudo o que a materialização de Lana havia lhe dito fazia sentido. – Jen... –recordou-se de enxergar, por meio da visão turva, a perfeita face de sua esposa tocando seu febril rosto, analisando sua expressão cansada. Lana continuou ali, ao seu lado, até o último segundo. – Eu te amo, meu amor. – sentiu o beijo que recebera em seus lábios ensanguentados, antes de perde-la de vista.
Romênia – 1891
Após os membros participantes da Ordem do Dragão desaparecer, e após o acontecimento inesquecível entre as duas naquele bosque, ambas caminharam ainda escondidas por de trás das árvores – caso eles resolvessem aparecer outra vez. No entanto, a loura havia direcionando-as até sua mansão. Por aquela noite ainda não tinha uma solução, mas não queria que Roni se aproximasse de Victoria Belfrey nunca mais. Por aquela noite, concordaram que seria mais seguro que Roni dormisse em um de seus quartos de hóspedes. E assim foi feito.
– Apresento-lhe o quarto de hóspedes em que irá passar a noite... – abriu a porta amadeirada, dando visão a um quarto onde uma enorme cama ficava centrada à frente das janelas, que eram enfeitadas com enormes cortinas brancas como as nuvens. – E aqui estão roupas limpas para usar durante a noite. – entregou brancos trajes de dormir para Roni, que sorriu.
– Emma, eu te disse que não precisa se preocupar comigo... – disse com sua encantadora forma tímida de falar. – Eu posso voltar sozinha até minha casa... Romênia não me assusta.
Regina, então, aproximou-se da vampira que procurava um cobertor dentro do armário. Caiu a cartola perfeitamente usada ao alto da cabeça, permitindo que os longos cachos dourados caíssem em movimentos ondulatórios. Suspirou então, inegavelmente encantada pela loura.
– Não quero incomoda-la. – admitiu.
– Roni – virou-se, se surpreendendo com o olhar apaixonado que a morena possuía em seus olhos. –, sobre me incomodar podes ficar tranquila quanto a isso. – com as costas de sua mão tocou o canto do rosto de sua amada, em seguida, fechou os olhos a fim de controlar-se. – Tu nunca me incomodas... – abriu outra vez os olhos, acreditando que apenas em admirar o olhar cor de amêndoas era o suficiente para mantê-la tranquila.
E de fato era.
Roni era sua força; Roni era sua fraqueza.
–... E nunca chegará o dia em que tu me incomodarás. – completou.
Emma sentia seu corpo reascender quando contemplava as órbitas castanhas brilharem ainda mais. Duvidava que uma estrela pudesse brilhar mais que aquele par de amêndoas que se encontrava naqueles belos olhos, que, para ela, era a luz. A luz que poderia trazer de volta sua felicidade.
Por um segundo, a atenção de Roni foi diretamente para a cartola que havia caído sobre seus pés.
– Gostaste de minha cartola? – perguntou Emma, enquanto se abaixava para pega-la. Desde que saiu do caixão em que esteve trancada por quase cinco séculos, Swan se sentiu mais atraída por roupas de couro ou ternos e gravatas. Sempre achou vestidos extremamente desconfortáveis. Cartolas junto ao terno e gravata não eram o mais semelhante às suas vestes antigas, porém, era quase tão confortável quanto. – Ou achaste demasiada exagerada?
– Para dizer a verdade, nunca em minha vida vi uma mulher usando terno, gravata e, para completar, uma cartola. – afirmou entre risos. Regina estava admirada em ter encontrado uma pessoa tão exótica, que exalava naturalidade ao usar tais trajes. – No entanto, devo admitir que lhe caísse bem estas roupas. Tua pele branca combina perfeitamente com a cartola, principalmente quando a inclina para a face... E Teus cabelos dourados caindo sobre o terno parecem dar ainda mais elegância. – afirmou genuinamente sem piscar os olhos uma vez sequer.
– Gostarias de ver como ficas usando-a? – perguntou já levando a cartola ao alto da cabeça de Roni.
– Não... – respondeu se afastando enquanto ria. Regina jamais se imaginou usando algo tão diferente de tudo o que já usara. – Cartolas não combinam em mim.
– Apenas por um segundo, por favor, Roni. – vagarosamente, deu três passos mais para perto e, junto à aproximação, trouxe um sorriso em seu rosto. – Pense como se fosse um chapéu... Eu prometo que irei tira-la rapidamente de sua cabeça.
Quando, delicadamente, pôs a cartola em Roni, não podia negar que havia lhe caído muito bem. Os orbes escuros cintilaram ao observar seu reflexo no espelho, como o sol ao se encontrar com as gotículas de água. Sem dizer palavra alguma, ficou a se admirar refletida com a elegante cartola ao alto de sua cabeça.
– Pelo teu olhar, pressuponho que gostaste. – sussurrou próximo ao pescoço de Roni, que se arrepiou ao sentir o contato do hálito gelado contra sua pele.
Roni assentiu.
– Podes ficar com ela. – disse Emma contendo o sorriso ao notar o semblante confuso de Roni. – Fique como presente, Roni. – repetiu. – Sabes, há tempo não sei como é presentear alguém. Nunca senti a necessidade de dar algo de presente a alguém outra vez, Roni. No entanto, ao enxergar tua felicidade ao experimentar a cartola, meu interior pediu para que eu lhe desse.
– M-mas, não sentirás falta? – perguntou se referindo à cartola que Emma tomara tanto cuidado com ela durante a noite.
– Nenhum pouco. Tenho muitas outras... – disse abrindo os armários a fim de procurar cobertores quentes. – Antes de eu me retirar, quero que prometa que não irá recusar meu presente.
– Como recusaria um presente teu? – perguntou retoricamente, ainda ao olhar o reflexo ao espelho. – Muito obrigada, Emma.
– Não há de que.
Emma quase nunca fazia o trabalho de seus serviçais, e acomodar os hóspedes – caso tivesse um algum dia – era uma das tarefas que Granny cumpria com prazer. No entanto, daquela vez, a vampira fez questão de acompanhar a hóspede até o quarto, e de pegar os cobertores e roupas adequadas. Pois, sentia-se necessitada da companhia de Roni. Sentia-se cada vez mais ansiosa para poder trocar palavras com a jovem outra vez. Poderia jurar que seu amor por aquela moça era maior que a quantia de estrelas ao céu, ou a quantia de areia em todos os oceanos.
– Muito obrigada, Emma. Por tudo. – sussurrou olhando para o chão, colocando as mãos para trás, pouco sem jeito. – A noite foi incrível.
– Eu que lhe agradeço. Podes acreditar, Roni, fazia muito tempo que não me sentia assim... Tão viva!
Roni deu mais um sorriso encantador, permitindo a visão de seus brancos e alinhados dentes, ao mesmo tempo em que colocava uma mecha de seus cabelos atrás da orelha. Ela era linda. Ela era impressionante.
– Hmm... – sem saber o que fazer dado o silêncio insistente, Emma pigarreou. – Tenha uma boa noite, Roni.
Fez, então, o gesto que se tornou um hábito em seus últimos dias. Segurou a mão de Roni, e acariciou a mesma. Em seguida, ainda com seu olhar brilhante, depositou um beijo às costas da mão macia de sua amada.
– Boa noite, Emma. – ao chegar à porta do quarto, a vampira ouve o som dos lábios de Roni sussurrar.
Girando a maçaneta da porta, ainda de costas para a morena, Swan deu um sorriso junto a um suspiro antes de se retirar do quarto de uma vez.
Desceu as escadas até a sala central, onde havia uma porta que levava até a pequena sala em que ela e Ruby costumavam conversar mais a vontade sobre a vingança que viera buscar em Romênia. Como uma criança encantada com a beleza da lua, Emma sorria com a beleza as estrelas postas ao céu. A luz branca do luar iluminava sua pele pálida enquanto ela sorria ao se sentir como uma humana apaixonada, vendo apenas o lado bom da vida.
Trancando-se na pequena salinha onde se sentia mais a vontade, fechando a porta atrás de si. Era evidente que estava apaixonada uma segunda vez em todos aqueles séculos. Seu tórax subia e descia rapidamente dada a respiração acelerada, a euforia que sentia toda vez que a face de Roni surgia em sua mente... A sensação de parecer tocar os lábios macios toda a vez em que direcionava suas mãos até sua própria boca.
– Emm... – a loura abriu seus olhos levando um susto, pois não esperava que tivesse alguém naquela sala. –... Estás com um olhar radiante. – disse Ruby contente. – Deixe-me adivinhar. Roni é a responsável por toda essa felicidade?
– Senhorita Luccas – disse recompondo a postura impecável, olhando-a com um olhar sagaz. –, me conheces melhor que ninguém.
Ruby permaneceu estática perguntando-se se aquele era o momento certo para iniciarem a conversa que deveria ter com sua mestra há alguns dias. Ela havia descoberto o verdadeiro nome de Roni, assim como a misteriosa filha que Emma um dia teve. Swan, pela primeira vez em uma década, estava feliz e apaixonada. Hesitante moveu seus lábios, porém, sem dizer palavra alguma. Não deveria estragar a felicidade de sua mestra.
– Diga-me, Ruby, o que lhe trás aqui em nossa sala. Toda a vez em que vem a esta sala, se trata de assuntos sobre a Ordem. – encarou os orbes verdes, que se arregalaram indicando que certamente tinha algo para contar. Emma enxergou o nervosismo estampado à face da jovem, que engoliu em seco sem saber o que responder. – Não estarias aqui se não fosse importante... Vamos, conte-me! Sou tua amiga, além de sua mestra. Não escondo nada que queira saber.
– Emm, tu sabes que jamais escondi algo em todos esses anos. – observou sua mestra se sentar na enorme e acolchoada poltrona, enquanto a observava em aguardo de uma resposta. Sendo assim, respirou fundo e se viu na necessidade de se acomodar na outra poltrona. – A verdade é que há duas coisas que gostaria de falar... No entanto, creio que um dos assuntos a serem tratados irá tirar sua paz. – jogou as palavras para fora, numa velocidade impressionante.
– Prossiga... – ela tamborilou as enormes unhas sobre a mesa e sinalizou para que a jovem continuasse.
– Dissestes que a moça se apresentou como Roni. E, como qualquer um em sua situação, estás ansiosa para o dia em que saberá o verdadeiro nome daquela a quem tanto ama. – a loura fechou os olhos e suspirou. O dia em que o nome lhe fosse revelado era o que mais ansiava, perdendo apenas para sua vontade de tê-la ao seu lado dia após dia. – O que farias se o nome estivesse prestes a ser revelado?
– Eu o aceitaria de bom grado! Tu sabes o quanto quero que Roni me diga o verdadeiro nome.
– Emm, eu descobri o verdadeiro nome de Roni.
Emma levantou-se num impulso, sorrindo abertamente e com seus olhos brilhantes. Nunca duvidara da capacidade de sua amiga fiel, mas jamais imaginou que ela descobriria tão rapidamente o nome da jovem.
– Roni, aliás, tem um belo nome... – continuou Ruby. – Tenho certeza que gostarás. – desfez o sorriso ao perceber que o semblante contente de sua mestra já não era o mesmo. Era como se Emma estivesse processando se era aquilo que ela queria.
– Hmm... – pousou a mão no queixo e olhou fixamente para o nada. Seu âmago, naquele momento, ansiava em saber o verdadeiro nome da mulher que conquistara seu coração. – Devo lhe admitir que uma das coisas que mais desejei enquanto contemplava as estrelas ao alto do céu era descobrir o nome. Ruby, um único nome parecia que era tudo. No entanto, agora que me trazes a noticia que descobrira o nome de Roni, percebo que tudo o que quero é a confiança dela... Quero que ela possa confiar em dizer o nome para mim.
Ruby sorriu e assentiu. De fato, Emma estava amando verdadeiramente.
– Sim, eu entendo. – respondeu. – Emm, eu vejo que tu se permites embarcar no amor sem temor algum. Tu sentes tudo tão verdadeiramente, tu a ama tão puramente... – sorriu ao cogitar a possível desistência da vingança contra a ordem. – Agora, com Roni ao teu lado, ainda pretendes acabar com todos os membros e descendentes da Ordem do Dragão?
– Senhorita Luccas – olhou profundamente aos olhos de sua companheira. Sabia como aquela jovem desejava que ela se rendesse e desistisse de sua sede por vingança, e decepcionar sua única amiga a entristecia imensamente. –, primeiramente, ainda não há relacionamento algum entre nós. Segundamente, não irei desistir de meus planos... Roni me dá ainda mais motivos para continuar.
– O que? Teu segundo amor lhe dá ainda mais motivos para continuar com essa batalha sangrenta?
– Eles a machucaram Ruby! – confessou e abaixou a cabeça com a voz embargada. – Pensei que haviam feito mal apenas para minha família, mas descubro que Roni também foi uma de suas vítimas... Eles sabem que ela é a cópia de Lana. E, eu não posso deixar que alguém a machuque outra vez.
– Perdoe-me, Emm. Eu juro que não sabia que Roni também havia passado por torturas. – se sentiu culpada por fazer sua amiga chorar. Sabia quão frágil ela se tornava ao tocar em assuntos antigos, e sabia como aquela vingança era importante.
– Isso também é uma novidade... Eu não fazia ideia de que os antigos métodos de torturas ainda estão em prática. – comentou enquanto colocava suas ideias em prática. Tamborilando os dedos sobre a mesinha, deixava sua mente fazer inúmeras perguntas sobre Whale e a Ordem. – Tens mais algo a me contar?
Ruby ponderou o assunto que estava por vir. Ela conhecia sua mestra por uma década, e sabia que sempre que o nome "Lana" tocava as memórias, o choro tornava-se presente por longo período de tempo.
– Emm, perdoe-me tocar no assunto... Sei como está contente com toda sua aproximação com Roni. – repreendeu-se por começar dessa forma, pois sabia que começar assim causava ainda mais aflição ao que viria a ouvir. – Ontem estive pesquisando na biblioteca, e encontrei um livro que mencionava Drácula, no entanto algumas coisas de tua história não combinavam com o que estava escrito ali. Um exemplo é a história de Lana, que foi citada como alguém que enlouqueceu ao receber a noticia de que Drácula morrera na batalha, e acabou tirando a própria vida ao se jogar no Rio Arges.
A tristeza em dizer aquelas descobertas podia ser ouvida por Emma, que segurava toda a queimação do choro relutando para sair. Como ousaram relatar Lana, aquela dócil mulher, como uma suicida? – pensou.
– Pensei que havia sido clara que os membros da Ordem do Dragão inventariam quaisquer desculpas para não mencionar que assassinaram uma pessoa inocente. – retrucou ríspida, com grosseria em seu tom de voz assim como em seu olhar.
– Também pensei assim, Emm. No entanto, achei também relatos sobre uma criança... Desenhos de uma pequena menina ao lado da mãe, cujo nome era Lana. Jamais me dissera que teve alguma filha, então quis saber se realmente é verdade ou apenas mais uma mentira relatada por eles.
– Alice... – murmurou em tom baixo demais para ser escutado por Ruby. Jamais imaginou que os membros permitiriam a imagem de sua filha fosse revelada. Pensou que o rosto da pequena menina vagaria apenas em suas memórias. – Desde a noite que eles se rebelaram contra nós, jamais retornei a ver o rosto dela outra vez. Eu fui encontrada dias depois, e, em seguida, ao anoitecer encontraram o corpo de Lana nas margens do rio. – explicou. – Lana jamais deixaria Alice se eu realmente tivesse morrido durante a batalha... Eu tenho certeza de que foram eles. – lembrou-se de Lana a ajudando a voltar para a estrada. Lembrou-se do olhar entristecido carregado na face, um olhar de quem não queria deixa-las. – Ela disse que eles nos tiraram tudo. – sussurrou.
– E... Alice? – perguntou Ruby ao conter o choro.
– A adotamos ainda bebê... A esposa de um honroso homem morrera durante o parto, e o pai, sem condições alguma de cria-la, deixou em um cestinho na porta do castelo seu bem mais precioso: a pequena Alice. – as órbitas esverdeadas brilharam ao lembrar-se do primeiro dia em que pegou Alice em seus braços; o dia em que Lana emanava felicidade em ter uma criança. – Após alguns meses, descobrimos o verdadeiro nome do pai biológico dela. Killian era seu nome. Seus olhos demostraram tristeza em saber que não estava próximo a filha que tanto amava, então, se tornou um de nossos guardas. Jamais imaginaríamos que aquele homem seria nosso guarda de confiança. Éramos uma grande família feliz. Alice cresceu com a consciência de que ele era seu pai, e nunca deixou de amá-lo. Cresceu amando as duas mães, que dariam as vidas por ela.
– Perdoe-me fazer recordar desses momentos e de todos que perdeu.
– Alice foi minha felicidade. Fiquei contente em saber que ela não morreu naquela noite. Killian enviou recado para meus pais contando tudo o que estava acontecendo, e, em seguida, rumou para longe da Romênia. Ele quis protege-la, e conseguiu... Tentou salvar a vida de Lana, e salvou nossa pequena joia. Eu, definitivamente, devo muito a ele. No entanto, em meus dias confinados naquele caixão, perguntei-me se a Ordem havia ido atrás dela após tantos anos. O que me dói é não saber qual foi o destino de minha pequenina... – colocou as mãos contra o rosto, molhando os dedos com as lágrimas que desciam. – Ruby, meus pais iam visita-la. Porém, jamais pude vê-la outra vez... Caso eu fosse até seu encontro, poderia coloca-la em risco. Anos depois fui destinada àquele caixão, e me restou apenas a imagem de Lana em meus braços, e a pergunta que jamais deixa minha mente um segundo sequer: será que Alice se casou e teve seus filhos? O que lhe contaram sobre suas duas mães? Disseram que morremos?
Ruby se juntou à sua amiga, abraçando-a e chorando com a história que acabara de escutar. Em uma década achou que Emma lamentava apenas pela esposa, mas nunca imaginou que por de trás de tanto sofrimento havia uma mãe que procurava saber o que aconteceu com sua filha perdida.
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