Capítulo 3
O brilho do sol me dará o suficiente.
- Jaymes Young.
☀
Jogo minha mochila no chão do meu quarto ao lado da cama, respiro fundo e solto o ar com força. Olho ao redor e passo as mão pelos meus cabelos, puxando-os de uma forma nervosa. Não sei quem é o mandrião² que me mandou essa mensagem e eu também não sei o que tem de errado com as minhas fotos. Para falar a verdade, eu não faço ideia se eu quero mesmo descobrir. Mandei a mensagem perguntando o que há de errado na foto, como Lena sugeriu, e até agora nada.
Thiago aparece na porta do meu quarto, avisando que Natália pediu para eu colocar à mesa, peço para ele dizer que vou demorar um pouco porque tenho que tomar um banho quente antes.
A maioria das pessoas dizem que um banho frio é o remédio para o estado de espírito, mas quando se mora no Sul, o seu remédio é um banho na água pelando e cobertores quentes, com uma xícara de chocolate quente na mão e a maratona de grey's anatomy na televisão de tela plana.
Jogo a toalha no ombro e começo a caminhar até a porta, mas sou detida pelo toque do meu celular.
200 novas mensagens.
Pego o celular e o escondo na toalha, passando pela sala, descontraída, como se eu não estivesse nervosa com essa mensagem. Certifico-me de que ninguém está prestando atenção e entro no banheiro correndo.
Coloco a toalha no gancho e pego o meu celular vendo as mensagens. Elena e Lucas, o nosso grupo, o nosso outro grupo onde estão inclusos Thiago e Nicolas e o Direct do Instagram. Ah! Meu Deus. 2 novas mensagens de Ruan_monteiro.
llaura.sr_:
O que você viu na foto?
Ruan_Monteiro:
Então, eu não sei se vc sabe, mas pelas linhas do rosto é possível saber muito sobre uma pessoa.
Em uma de suas fotos eu percebi algumas coisa interessantes sobre vc.
Linhas do rosto? Do que ele está falando? Ouço batidas na porta do banheiro e guardo o celular. Depois eu respondo ou penso no que responder. Que garoto estranho. Por que ele está falando das linhas do meu rosto? Não faz o menor sentido. Será que ele é algum tipo de mago que tem bola de cristal e trabalha com aqueles chapéus esquisitos? Seja o que for, não me parece nada seguro.
Abro o chuveiro e deixo a água clarear os meus pensamentos. Deixo todas as dúvidas descerem pelo ralo, literalmente. Entretanto, mesmo que eu tente pensar em outra coisa, o meu cérebro insiste em fazer perguntas e mais perguntas. Perguntas do tipo: Quem é Ruan Monteiro? O que ele quer comigo? Ele realmente existe ou é um perfil falso como Lena e Lucas sugeriram?
Talvez eu esteja ficando maluca. Deve ser algum engraçadinho fazendo uma brincadeira qualquer. Por que simplesmente não ignoro e sigo a minha vida como se nada tivesse acontecido?
Desligo o chuveiro e me enrolo na toalha fofinha, pegando o meu celular e respondendo a maldita mensagem que está me deixando inquieta desde ontem. Escondo o celular no meio das roupas sujas e caminho de volta até o meu quarto.
Coloco o primeiro moletom que eu vejo pela frente e volto para a cozinha, para ajudar Natália.
A paranoia do celular é a seguinte: são proibidos no banheiro, até porque consomem bem mais o tempo que deveria ser apenas do banho. Por isso faço essa jogada de mestre com toalhas e roupas sujas.
Fiquei pensativa durante todo o jantar e precisei colocar a culpa no cansaço, o que até calou algumas perguntas. Como hoje é dia do Thiago lavar a louça, só ajudei a tirar as coisas da mesa, peguei meu celular e me sentei no sofá da sala para fazer digestão e responder as mensagens de Elena e Lucas.
Abro o Direct do Instagram, com a barriga embrulhada.
llaura.sr_:
kkkkkkkkkkk.
O que você percebeu?
Ruan_monteiro:
Então, são as linhas que nós temos na face.
Por exemplo
Por essa linha no seu queixo, eu percebo que vc é uma pessoa muito tímida.
Só pode ser brincadeira. Como ele sabe que eu sou tímida? Não seria tão difícil assim de descobrir, principalmente se ele realmente já tivesse me encontrado ou visto alguma vez. Quero prosseguir para saber de onde o conheço, mas ao mesmo tempo não.
Talvez seja melhor eu bloquear, ou quem sabe até tomar outro banho para tirar o mau olhado. Se bem que ele nem me olhou, mas olhou as minhas fotos. Será que dá no mesmo?
Deixo o celular um pouco de lado e fico pensativa. Tento buscar no fundo das minhas memórias alguma lembrança que envolva Ruan. Vi algumas fotos dele ao pedir para segui-lo mais cedo, mas não o reconheci de lugar algum. Para mim ele continua sendo um mero desconhecido.
Levanto-me e caminho até a cozinha para preparar um pouco de chocolate quente, enrolada em um cobertor. O frio tenebroso está de volta e parece que dessa vez ainda pior. Acordar cedo para ir à escola amanhã será difícil, então uma ideia surge na minha cabeça: por que ao invés de ir para a escola amanhã, eu não invento uma desculpa e fico em casa? Elena me mataria.
Pego os ingredientes, uma panela e começo a fazer a receita que vi no YouTube. Eles fazem parecer ser tão fácil. Devem gravar esses vídeos milhares de vezes, porque eu estou a um passo de destruir a cozinha inteira.
Começo a mexer a panela com o líquido que ainda está ralo, sendo surpreendida por Thiago que segura em meu ombro e grita algo. A colher que eu estava mexendo a panela cai no chão e por pouco a panela segue o mesmo destino. Tive um bom reflexo — dessa vez — para a minha sorte.
— Seu idiota! — Berro com raiva. — Você precisa parar de fazer isso.
— Desculpa, mas você precisava ver a sua cara de idiota assustada. Era para eu ter filmado — ele debocha, encostando-se no armário mais próximo.
— Eu poderia ter me queimado, Thiago.
Agacho e pego a colher que caiu no chão, a levando até a pia e a lavando. Poderia fazer ele lavar agora.
— Você é muito dramática, Laura.
Thiago revira os olhos, desencostando-se do armário e abrindo a geladeira.
— Eu não sou dramática — defendo-me e ele me olha feio. — Talvez um pouco.
— Viu. Dramática — ele provoca outra vez, fechando a geladeira e me encarando com um olhar tedioso.
— Cadê as meninas? — Pergunto, estranhando o silêncio da casa e limpando a lambança que a colher fez no chão branco.
— A Nina está dormindo, a Júlia está assistindo e eu não faço ideia de onde a Eduarda está. Por quê?
Nina é a nossa irmã mais nova, o laço que liga a nossa família, filha da mãe dele e do meu pai. Júlia, assim como eu, é fruto do relacionamento anterior do meu pai com a minha mãe, que infelizmente não está mais presente há quase 8 anos. Eduarda é a mais velha e adotada, mas a amamos da mesma forma. Também tem a Giovana que não mora conosco e assim como o Thiago, é fruto do primeiro casamento de Natália.
— Estou achando tudo muito quieto e calmo — explico, desligando o fogo e servindo a minha xícara. — Vai querer?
— Só um pouco.
Nos sentamos na mesinha de quatro lugares que fica na cozinha e começamos a tomar os nossos chocolates quentes em silêncio. Não sei se eu conto para ele sobre a mensagem ou se deixo para lá.
Pensando bem, ele é o meu melhor amigo e o meu irmão, não é de sangue, mas é um irmão. Talvez seja bom saber a sua opinião sobre tudo isso, então falo:
— Preciso te mostrar uma coisa.
☀
Cruzo os braços e espero Elena se recuperar da crise de risada que está tendo. Ela está tão vermelha, que se continuar assim vai explodir como a dona redonda depois de comer muito. Aos poucos ela vem se acalmando e puxando o ar, mas tem outra recaída e eu acabo rindo junto com ela. É de fato uma situação cômica.
— Eu não acredito que você caiu nisso, Laura — ela repete, jogando na minha cara o quão burra eu fui por ter dado o meu número para ele. — Instagram travando, é sério?
— Não ri, Lena. Eu dei porque eu quis também, que mal fez? — Dou de ombros, tentando me explicar.
Tudo bem, na hora eu não percebi que era uma desculpa dele, eu realmente acreditei, mas ela não precisa saber disso.
— Tá bom — ela se rende, erguendo o tronco e secando as lágrimas dos olhos. — Mas foi uma decisão meio burra, você precisa concordar.
— Sim, talvez.
— E o que o Thiago disse? — Ela pergunta, voltando a andar pelo campus comigo.
— Que isso era um tutorial péssimo do YouTube sobre como conquistar uma garota, ou era como conseguir o número de uma garota. Não lembro. — Elena me encara e começa a rir, a rir muito alto. Ótimo, outra crise de risadas inacabáveis.
— Elena, vão pensar que você está morrendo.
Repreendo-a olhando em volta e sorrindo de forma sem graça para os que estão olhando estranho, mas sinto vontade de rir também e eu nem estava achando tanta graça.
— Pelo amor de Deus, Laura. Cadê essa conversa? — Ela pergunta, suspirando e rindo mais um pouco. Bufo e pego o celular no meu esconderijo ultra mega secreto.
— Se controla.
Entrego-lhe o celular e Elena começa a ler. Quando chega na parte da desculpa esfarrapada ela solta uma gargalhada tão alta que estudantes que estão passando do nosso lado nos olha de uma forma preocupante. É inevitável não rir junto.
Nos recuperamos das risadas exageradas e voltamos para a parte interior do campus.
Sempre foi um sonho estudar aqui, com eles. Desde que fazíamos a 7ª série planejamos vir para cá, por diversos motivos sólidos. Motivos parecidos e motivos diversificados.
Teve uma época em que tentamos até um grupo de estudos para passar na prova, o que não deu muito certo, pois, ao invés de estudar ficávamos fazendo palhaçadas. Lucas começava todas elas, Elena e eu íamos no mesmo ritmo e era tão divertido.
Tempos depois anunciaram que as provas seriam canceladas por um período indeterminado de tempo, não me lembro bem o motivo. Todos nós ficamos arrasados, era a nossa única oportunidade de entrar para o IFSC. Estávamos saindo do ensino fundamental II e iríamos para o ensino médio, o sonho de todo estudante é passar para algum IF e o nosso estava arruinado.
Lucas, Elena e eu perdemos completamente as esperanças. A nossa única chance de concluir o ensino médio juntos estava arruinada, e não valeria a pena fazer o 1° ano e depois refazê-lo só para entrar no IFSC. Decidimos aproveitar o fim do último ano no fundamental, depois seguiríamos as nossas vidas sem perder contato.
Todos sabemos que é impossível a amizade continuar igual quando você para de ver aquela pessoa querida todos os dias, quando vocês param de conversar todos os dias. É como se uma barreira fosse estabelecida entre vocês, que de melhores amigos, vocês passem a ser apenas conhecidos. Esse era o nosso medo. Uma vez o meu pai me disse que se algo for de verdade, nunca acaba. Me apeguei a isso.
No final do ano fomos surpreendidos pela notícia de que teria a prova sim e que as inscrições já estavam abertas. Lucas tirou uma pontuação excelente e mesmo que não tivesse tirado, ele teria direito à cota racial. Eu tirei uma nota boa e passei na primeira lista, mas Elena ficou na lista de espera e isso foi péssimo. Meses depois, disseram que ela estava dentro e comemoramos tanto.
— Por que você está sorrindo como uma boba apaixonada? — Elena pergunta, franzindo o cenho e colocando as mãos nos bolsos da jaqueta.
— Estava lembrando do sufoco que foi para entrarmos aqui.
Sorrio e Lena sorri também.
— Sim, eu me lembro — ela murmura e acho que sua mente começou a vagar pelas mesmas lembranças que a minha estava.
— Vamos para a aula, temos 5 minutos.
Começamos a correr, por um momento contentes, nostálgicas e em paz. O mundo finalmente estava ao nosso favor, mas isso foi até eu o ver e cair no chão, trazendo Elena comigo.
— Que merda, Laura. — Ela resmunga e eu continuo paralisada no chão.
Ruan Monteiro estuda aqui?
☀
Mandrião²: Gíria catarinense, que significa o mesmo que "preguiçoso, insolente, etc"
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